Clima adverso nos EUA gera disparada de preços de grão Por Gerson Freitas Jr., Mariana Caetano e Fernanda Pressinott | De São Paulo A mudança drástica do clima no cinturão agrícola dos Estados Unidos na reta final da safra injetou uma dose cavalar de nervosismo nos mercados de grãos e fizeram disparar as cotações da soja e do milho no mercado internacional. O cenário coloca definitivamente em xeque a alardeada perspectiva de queda nos preços domésticos dos alimentos no segundo semestre - uma tendência que já era ameaçada pela recente escalada do dólar. Soja e milho são a matéria-prima usada na produção de rações para aves e suínos e, por isso, têm influência direta sobre o preço das carnes. No ano passado, uma severa estiagem nos EUA fez com que os preços desses grãos subissem até 40% no mercado externo, com forte impacto sobre a inflação no Brasil e sobre as margens de companhias como BRF e Marfrig. Apenas ontem, os contratos de soja negociados na bolsa de Chicago (referência para os preços praticados no Brasil) subiram 4,6% (para US$ 13,8950 por bushel), a maior alta em um único pregão desde outubro de 2011. O milho teve valorização de 6,5% (a US$ 5,0050 por bushel), a maior desde o fim de junho do ano passado, quando as preocupações com a seca daquele ano começaram a emergir. O trigo - cereal do qual o Brasil é dependente das importações - acompanhou o movimento e fechou em alta de 3,5% (a US$ 6,6675/bushel). Só em agosto, a soja já subiu 11,2% em Chicago e, com isso, praticamente anulou a queda que havia sido acumulada em 2013. O preço do milho avançou 4,5% no mês, embora ainda esteja 28,5% abaixo do nível registrado na virada do ano. Os preços do milho e da soja bateram recorde entre agosto e setembro de 2012, depois que a pior estiagem em décadas devastou as lavouras do Meio-Oeste americano. Desde então, as cotações vinham em acentuada tendência de queda, influenciada por uma colheita recorde na América do Sul, no começo do ano, e pela perspectiva de uma supersafra nos EUA, a partir de setembro. Até o começo deste mês, o clima havia sido majoritariamente favorável ao desenvolvimento das plantações americanas, com bom volume de chuvas e temperaturas abaixo da média para o verão no Hemisfério Norte. Contudo, um anel de calor e sequidão ganhou força sobre o Meio-Oeste nas últimas semanas, prejudicando o desenvolvimento das lavouras, sobretudo as de soja, que estão no período de formação e enchimento dos grãos. De acordo com boletim divulgado ontem pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), apenas 58% das lavouras de soja estão em condições boas a excelentes, uma queda de quatro pontos percentuais em relação à semana anterior. No caso do milho, 59% das plantações estão em boas a excelentes condições, queda de dois pontos na semana. O cenário ainda é amplamente favorável em relação à safra passada. Um ano atrás, apenas 30% da soja e 22% do milho recebiam essa classificação. O problema é que as condições podem se deteriorar de maneira mais acentuada até a colheita, com a previsão de calor excessivo e praticamente nenhuma chuva nos próximos dez dias sobre Estados como Iowa, Illinois and Indiana, que devem registrar o agosto mais seco desde 1936, de acordo com a agência americana T-Storm Weather. Apesar de a preocupação ser justificável, a escalada das cotações tem um forte componente emocional, afirma Pedro Dejneka, analista de commodities da PHDerivativos, em Chicago. "Ainda acho prematuro. O clima realmente virou, mas ainda não justifica toda essa alta." Dejneka pondera que, no ano passado, os americanos enfrentaram uma seca prolongada, que se estendeu de maio a agosto. Neste ano, entretanto, o cinturão agrícola recebeu um grande volume de chuvas nos meses de maio e junho, o que ajudou a recompor o nível de umidade do solo. "Acredito que as plantações podem aguentar até o fim da primeira semana de setembro sem chuvas, embora esteja claro que haverá perdas de rendimento". O exagero do movimento reflete, em parte, a corrida dos especuladores para se desfazer de uma gigantesca aposta na queda dos preços. Até o dia 13, os fundos que atuam no mercado de milho em Chicago estavam "vendidos" em mais de 123 mil contratos de milho, um recorde. Na soja, a posição líquida "comprada" pelos investidores era a menor desde janeiro do ano passado. Para os agricultores brasileiros, que se preparam para plantar a nova safra, a combinação entre preço e câmbio sinaliza um cenário tão promissor quanto o do ano passado em relação à rentabilidade. O indicador Cepea/Esalq para o preço da soja entregue no Porto de Paranaguá (PR) já subiu quase 16% no último mês, para R$ 75,3 por saca - o maior patamar desde meados de janeiro. O aumento dos preços no mercado físico deve ter um impacto limitado sobre a economia neste momento, uma vez que quase 90% da produção colhida neste ano já foi comercializada. As atenções agora se voltam para a safra 2013/14, que começa a ser plantada em menos de um mês. De acordo com o Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea), os produtores do Estado comercializaram cerca de 30% da nova safra, pouco mais da metade do volume negociado de forma antecipada um ano atrás. Ou seja, mais de dois terços da produção ainda estão expostos à flutuação dos preços nos próximos meses. "Para o produtor sul-americano o cenário é fantástico. O dólar está nas alturas e os preços, que tinham tendência clara de baixa, tiveram uma reviravolta", afirma Dejneka. Para o analista, se não chover nas próximas duas semanas, a soja para novembro tende a buscar os US$ 15 por bushel - ainda distante dos quase US$ 18 por bushel registrados há um ano. O analista da Hackett Advisors, Shawn Hackett, pondera, entretanto, que o real perdeu quase 20% de seu valor em relação ao dólar desde então. "Isso significa que [para o produtor brasileiro] uma soja a US$ 15 por bushel equivale ao recorde de US$ 18 por bushel do ano passado." Hackett observa, porém, que o potencial de valorização dos grãos é limitado. Segundo ele, as lavouras americanas de milho ainda podem sofrer alguma perda de produtividade até a colheita, mas a redução será insuficiente para "mudar o jogo". De acordo com ele, os americanos ainda devem colher cerca de 10,2 toneladas de milho por hectare, o que deixaria os Estados Unidos com pouco mais de 35 milhões de toneladas em seus estoques ao fim da safra, em agosto de 2014. "Esse volume não justifica preços acima de, no máximo, US$ 5,50 por bushel e muito provavelmente na casa dos US$ 4 ao fim da temporada". Segundo ele, o problema na soja é mais sério, uma vez que as lavouras da oleaginosa estão em seu período mais crítico de desenvolvimento. "Mas não acredito que a atual onda de calor vá resultar em um rendimento inferior ao do ano passado. A menos que alguém preveja uma safra ainda pior, é difícil imaginar que os preços possam subir acima de US$ 15 por bushel". Além disso, acrescenta, a alta da soja acontece no momento em que os produtores sulamericanos se aproximam do plantio, o que pode levar a uma expansão da área. "Acho que, onde estamos, podemos subir mais US$ 1 por bushel ou cair US$ 3, a depender de como as coisas vão se desenvolver". © 2000 – 2013. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. 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