A AÇÃO PREVISTA NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ANGELA CARBONI MARTINHONI CINTRA Advogada, Mestranda em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), Professora da Associação Cultural e Educacional de Barretos (Aceb) e das Faculdades Integradas Soares de Oliveira (Fiso), Secretária de Assuntos Jurídicos do Município de Colina. SUMÁRIO: Introdução; 1 O tema; 2 Noção de improbidade; 3 Informação histórica; 3.1 Constitucional; 3.2 Infraconstitucional; 4 Análise da Lei de Improbidade Administrativa; 4.1 A estrutura da Lei de Improbidade Administrativa; 4.2 Alcance da Lei de Improbidade; 4.3 Sujeitos do ato de improbidade; 4.4 Penalidades impostas pela Lei de Improbidade; 4.5 Da aplicação das penalidades; 5 Da ação prevista na Lei de Improbidade; 5.1 Aspectos preliminares da efetiva aplicação da Lei de Improbidade; 5.2 Da Ação Civil Pública; 5.3 Da Ação Popular; 5.4 Da efetiva aplicação da Lei de Improbidade; Conclusão; Referências bibliográficas. INTRODUÇÃO Visa o presente trabalho a analisar a Lei de Improbidade Administrativa, sendo certo que teremos a oportunidade de verificar a importância da probidade administrativa e as conseqüências de sua ausência, e, em especial, qual a via processual adequada para a aplicação da Lei nº 8.429, de 02.06.1992. Interessante notar que, após mais de 13 (treze) anos de vigência, ainda se suscite acirradas dúvidas e haja tão rica discussão na esfera jurídica no que concerne à ação adequada para se abordar a matéria de improbidade administrativa. Assim, procuremos propiciar uma visão geral de como utilizar o regramento previsto na Lei de Improbidade para exercer e primar pela tão almejada integridade. 1 O TEMA Trata-se de matéria juridicamente abrangente, haja vista sua inter-relação com o Direito Administrativo, Civil e Penal, além, é claro, de assunto que desperta a atenção de toda a sociedade, em especial por consubstanciar realidade que desde muito tempo aflige toda nossa Administração Pública, isto porque relaciona fatos e acontecimentos políticos e sociais que denigrem a imagem do administrador. Sem querer adentrar às questões filosóficas, não é de se olvidar que o dever de probidade está integrado na conduta do ser humano. Assim, como não poderia deixar de ser, tal postura encontra-se acobertada pelo ordenamento jurídico pátrio 2. Em análise ao texto constitucional a que se alude, podemos notar que o dever de probidade está, ainda, agregado às exigências de conduta do administrador público como elemento necessário à legitimação de seus atos. De mais a mais, na tentativa de repudiar a desonestidade, foi muito bem elucidado pelo Ministro Luiz Fux 3, ao relatar que: "A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso". Assim, o tema se mostra de grande interesse geral e, por conseqüência, tanto quanto instigante. Ademais, Marino Pazzaglini Filho 4 chega mesmo a afirmar que: "Ninguém ignora que é elevado o grau de improbidade que assola os diversos níveis administrativos em todo o País. Ora, a má gestão da coisa e do dinheiro público é o fator fundamental impediente do crescimento da oferta de serviços públicos de qualidade razoável e da outorga, pelo Estado, de uma prestação social palpável. Em síntese, o estigma da improbidade obsta o desenvolvimento humano e material do País, à medida que dificulta a melhoria de condições globais mínimas de vida." 2 NOÇÃO DE IMPROBIDADE Diante da complexidade do tema, melhor seria não ousar a conceituar tal princípio, mas apenas apresentar uma noção do que é improbidade. Mesmo porque, no que se refere à tentativa de conceituar improbidade, elucida Waldo Fazzio Junior 5 que: "Não adianta palmilhar a busca de um conceito preciso nessa matéria. Também não é oportuno importá-lo do regramento legal, porque este é extremamente detalhado e, por isso, capaz de produzir sensíveis confusões exegéticas." E ainda, tendo em vista que "a probidade é espécie do gênero moralidade administrativa" 6, oportuno fazermos um adendo acerca do princípio constitucional da moralidade administrativa, isto visando a importância de sua observação. Como princípio consagrado na Constituição Federal, deve ser observado, sob pena de se colocar em risco o próprio Estado de Direito, conforme bem assevera Marcello Caetano 7: "[...] é chegado o momento de abordar o estudo das garantias instituídas para assegurar o cumprimento das leis e o respeito dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares. Naturalmente, esse segundo aspecto das garantias dos administrados é o que maior importância tem, por traduzir uma imposição evidente do Estado de Direito." J. J. Gomes Canotilho 8 ainda acrescenta que: "Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional." Assim, oportuno destacar o posicionamento de Luiz Manoel Gomes Junior 9 acerca da moralidade administrativa: "Outra questão relevante é delimitar o que é o princípio da moralidade administrativa. Segundo os administrativistas, teria sido Hauriou o primeiro jurista a abordar o tema da moralidade administrativa sob a ótica atual. Em suas palavras, seria um princípio que dependeria da análise da conduta em decorrência de uma distinção entre o bem e o mal. Na administração haveria sempre uma diferenciação, além daquela envolvendo os conceitos de justo e injusto, do honrado e desonrado, do que seria conveniente do inconveniente. Poder Público estaria atuando por uma noção de moral jurídica, especialmente quando em análise de atos tidos como praticados com desvio e poder." Outrossim, a proposta de apenas apresentarmos uma noção do instituto em apreço justifica-se ainda mais se levarmos em consideração o que elucida o autor elencado anteriormente 10: "Impossível ignorar que a noção de ‘moralidade administrativa’ é um conceito vago. Não restam dúvidas de que a concepção de justo e injusto varia de indivíduo para indivíduo, sendo comumente aceito que o ato moral está dentro de um conceito de ‘justo’, ao contrário daquele que possui a pecha de imoral, apesar das dificuldades de se conceituarem ou de se delimitarem tais situações pela evidente carga de subjetividade em tal análise." Ainda acerca do Princípio da Moralidade, Alexandre de Moraes 11 ensina que: "Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública." (grifo nosso) E ainda continua mencionado autor 12: "O princípio da moralidade está intimamente ligado com a idéia de probidade, dever inerente do administrador público". Segundo Luiz Manoel 13: "A improbidade estaria presente quando por parte do administrador, ou mesmo terceiros que se relacionem com a Administração, violem o dever de agir segundo um conceito amplo de moralidade administrativa." Odete Medauar 14 assim ensina acerca do tema ora abarcado: "A probidade, que há de caracterizar a conduta e os atos das autoridades e agentes públicos, aparecendo como dever, decorre do princípio da moralidade administrativa. Na linguagem comum, probidade equivale a honestidade, honradez, integridade de caráter, retidão. A improbidade administrativa tem um sentido forte de conduta que lese o Erário Público, que importe em enriquecimento ilícito ou proveito próprio ou de outrem no exercício do mandato, cargo, função, emprego público." Na lição de Raul Machado Horta 15: "A corrupção é manifestação maligna, que nega a moralidade administrativa. Na linguagem vernácula, a improbidade designa a desonestidade, a maldade, a perversidade; equivale ao ímprobo, que conduz ao improbus administrador, caracterizando, no serviço público, o administrador desonesto." Prosseguindo, Luiz Manoel Gomes Junior 16 assevera que a moral administrativa é aquela em que o administrador deve guiar-se pela noção de moral (comum), contudo, buscando na finalidade do ato o interesse público de modo que o seu agir seja sempre guiado pelos parâmetros legais, almejando um resultado o mais satisfatório possível para a coletividade. E, ainda, conforme posicionamento doutrinário: "Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do Erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo ‘tráfico de influência’ nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos." 17 Importante denotar, ainda, o posicionamento de Rodolfo de Camargo Mancuso 18, no sentido de que: "A moralidade administrativa, que nos propomos estudar, não se confunde com a moralidade comum; ela é composta por regras da boa administração, ou seja, pelo conjunto das regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa." Por fim, convém esclarecer que o termo probidade provém do latim probitas, probitatis, e significa: "Quem detém a qualidade de bom". Portanto, a contrário senso, improbibas, improbitatis, é a má qualidade, a ausência do que é bom, justo ou digno. Waldo Fazzio Junior 19 expõe que "improbidade é a palavra derivada do latim improbitate, significando falta de probidade, desonestidade e desonradez". 3 INFORMAÇÃO HISTÓRICA 3.1 Constitucional No que concerne ao surgimento da improbidade administrativa em nível constitucional, podemos observar que, mesmo que implicitamente, encontravase consagrado o princípio da probidade administrativa na Constituição Política do Império de 1824 20. Já em 1891 com a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil surgiu pela primeira vez, expressamente, a expressão "probidade" 21. Em seqüência, o princípio da probidade administrativa esteve ainda presente nas Cartas Políticas de 1934 (art. 57, f), 1937 (art. 85, d), 1946 (art. 89, V), 1967 (art. 84, V) e na EC 01/1969 (art. 82, V). Já na Constituição Federal de 1988, podemos verificar que o princípio da improbidade administrativa encontra-se presente nos arts. 14, § 9º, 15, V, 37, § 4º, e 85, V. 3.2 Infraconstitucional Cumpre-nos asseverar que, em nível infraconstitucional, a improbidade administrativa consagrou-se com a Lei Federal nº 8.492/1992. Contudo, anteriormente podemos notar a existência da Lei nº 3.164, de 1º.06.1957 (Lei Pitombo - Godói Ilha) e da Lei nº 3.502, de 21.12.1958 (Lei Bilac Pinto), sendo estas inclusive revogadas pelo art. 25 da Lei de 1992 22. 4 ANÁLISE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Trata-se de verdadeira lei anticorrupção, cuja ementa lhe confere tal destinação: "Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função Administração Pública direta, indireta ou fundacional e dá outras previdências." Em grande escala, percebe-se, primeiramente, o escopo de primar pelo princípio da moralidade, impondo sanções 23 ao descumprimento dos princípios morais do administrador, que, diga-se de passagem, é diferente do conceito de moralidade do homem comum. Dentro do item, vale a pena ressaltar a diferenciação da moral comum e daquela do administrador; neste sentido, elucida Helly Lopes Meirelles 24: "A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública. Não se trata - diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como ‘o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração’. [...] Desenvolvendo o mesmo conceito, em estudo posterior, Welter insiste em que ‘a moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum; ela é imposta por regras de boa administração, ou seja, pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa’." E continua o citado autor 25: "O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima. [...] A moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do ‘bom administrador’." Assim, "há diferença entre a moral comum, aquela que deve ser invocada para o julgamento de atos individuais, daquela aplicável no caso de atos coletivos ou de lavra de um representante desta coletividade - administrador" 26. Continuando, há de se convir que o dever de probidade é mais acentuado e mais refinado do que o dever de moralidade, ou seja, toda improbidade é imoral, mas nem toda imoralidade é ímproba, esta é mais aguçada do que aquela. 4.1 A estrutura da Lei de Improbidade Administrativa Importante, ainda, destacar acerca da estrutura da lei em comento, sendo certo que nesta seara muito bem explana Raul Machado Horta 27: "A referida Lei, aplicável aos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e do Território, à Administração direta, indireta ou fundacional, esgota, atualmente, a tipificação dos atos de improbidade administrativa, enumerados em doze casos, define os atos de improbidade que causam prejuízo ao Erário, reunidos em treze modalidades; enumera as espécies de atos de improbidade, em sete enunciados; particulariza as cominações por ato de improbidade (art. 12-I-II-III); confia ao Ministério Público a propositura da ação por improbidade administrativa (art. 17, §§ 1º até 12), prevê a perda dos bens havidos ilicitamente e o pagamento em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (art. 18); admite a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, que se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 20)." 4.2 Alcance da Lei de Improbidade Já no que concerne ao alcance da Lei de Improbidade, vale a pena expor o posicionamento de Fernando Rodrigues Martins 28, que assim se posiciona sobre a responsabilidade do servidor público: "O prejuízo causado pelo agente público à Administração, para os efeitos da Lei Federal nº 8.429/92, há de ser aquele, além de caracterizado pela ação ou omissão dolosa ou culposa, comprovadamente oriundo de ato ilegal. Assim, danos decorrentes de atos legais, todavia lastreados por culpa - o que corriqueiramente ocorre no dia a dia da Administração, não são atacáveis pela Lei da Improbidade Administrativa." Neste item vale ainda ressaltar que, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça: "O tipo do art. 11 da Lei nº 8.429/92, para configurar-se como ato de improbidade, exige conduta comissiva ou omissiva dolosa" 29 (grifo nosso). 4.3 Sujeitos do ato de improbidade Quanto aos sujeitos do ato de improbidade, temos que o art. 1º, caput, da Lei nº 8.429/1992 inicia dispondo sobre quem pode praticar o ato ímprobo. Assim, notemos que poderá ser sujeito de improbidade administrativa qualquer "agente público", sendo este aquele que está devidamente autorizado a expressar a vontade estatal, desempenhando, assim, função estatal. Como forma de melhor esclarecer acerca dos conceitos de agente público e servidor público, ressaltemos os ensinamentos de Celso Bandeira de Melo 30: "Os servidores públicos são uma espécie dentro do gênero ‘agentes públicos’. Esta expressão - agentes públicos - é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem o Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente." Ademais, o art. 2º define especificamente o conceito de agente público. Já o art. 3º estende a terceiros, mesmo que não agentes públicos, a responsabilidade pelo ato de improbidade. E ainda, em recente decisão o Superior Tribunal de Justiça decidiu que: "São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2º da Lei nº 8.249/92. Deveras, a Lei Federal nº 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327). Hospitais e médicos conveniados ao SUS que, além de exercerem função publica delegada, administram verbas publicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em que se afirma a qualidade, em tese, de agente público passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento." 31 Temos, ainda, que para adequada aplicação de qualquer dispositivo legal no que concerne aos sujeitos ativos abarcados pela Lei de Improbidade, necessário que se faça uma conjugação com a redação dada pelo art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, entendendo-se daí, ainda mais, como potenciais agentes do ato de improbidade: "Qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores público ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária". Prosseguindo, temos que pode ser sujeito passivo na relação jurídica decorrente do ato de improbidade administrativa toda e qualquer pessoa jurídica integrante da "Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o Erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual" 32. Desta forma, nota-se que a definição de sujeitos passivos trazida pela Lei de Improbidade Administrativa é um tanto quanto ampla, possibilitando, assim, sem sombra de dúvidas, a garantia pela probidade, pela honestidade e integridade da Administração Pública. 4.4 Penalidades impostas pela Lei de Improbidade Corolário maior da imposição de penalidade àqueles que cometem atos de improbidade administrativa é encontrado na primeira parte do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, no qual se determina que: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao Erário [...]". No que se refere ao tema ora em análise, Alexandre de Moraes 33 resume as penalidades impostas pelo texto da Lei de Improbidade da seguinte forma: "A conduta do administrador público em desrespeito ao princípio da moralidade administrativa enquadra-se nos denominados atos de improbidade, previstos pelo art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e sancionados com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei [...]." Em análise à lei em comento, podemos observar em seu contexto, em especial no que disciplina o art. 12 - a gravidade das cominações, eis que de maneira mais analítica podemos elencar as penalidades como: integral reparação do dano, perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, e, ainda, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos. Contudo, conforme elucidado na doutrina: "Identificado o bem jurídico e positivada a norma proibitiva que visa a preserválo, é imprescindível que seja estabelecida a reprimenda em que incidirá o infrator. A sanção deve guardar relação com o ilícito praticado, variando qualitativa e quantitativamente conforme a lesividade da conduta. Essa regra abstrata de proporção não deve ser concebida em um sentido material, conforme fora acolhido pelas mais remotas tradições ocidentais com a adoção do Talião - era a conhecida fórmula olho por olho, dente por dente. A proporção haverá de se refletir em um sentido psicológico, estabelecendo um efeito moral entre o ilícito e a sanção [...]." 34 Antes de analisarmos cada sanção, importante destacar a possibilidade de declaração de indisponibilidade de bens, este é o regramento do art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa 35. Note-se que tal possibilidade deverá estar adequada à previsão do parágrafo único do mencionado artigo, qual seja, "a indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito". Assim, conforme manifestação jurisprudencial, "a decretação de indisponibilidade de bens em decorrência da apuração de atos de improbidade administrativa deve observar o teor do art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92" 36. Prosseguindo, importante observarmos a sistemática presente no analisado regramento legal, uma vez que elenca separadamente de maneira objetiva e clara a sanção exata a cada conduta desenvolvida. Desta forma, todo aquele agente público que desempenhar conduta prevista no art. 9º da Lei nº 8.429/1992 estará sujeito às penalidades do inciso I do art. 12, qual seja: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de dez anos. E, ainda, todo aquele agente público enquadrado nas condutas especificadas no art. 10 da referida Lei Federal será punido pelas penas previstas no inciso II do mesmo diploma legal, sendo: ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, pelo prazo de cinco anos. Temos, ainda, que o agente público que praticar conduta tipificada no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa a ele poderão ser aplicadas as previsões do inciso III, que são: ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de três anos. Por fim, no tópico, acrescente-se, ainda, os ensinamentos de Odete Medauar 37: "Por seu lado, o § 4º do art. 37 (da Constituição Federal) prevê, para os atos de improbidade administrativa dos agentes políticos em geral, a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação indicadas em lei. Essa lei, de nº 8.429, foi editada em 02.06.1992; além de caracterizar como de improbidade administrativa os atos que importam enriquecimento ilícito (art. 9º) e que acarretam prejuízo ao Erário (art. 10), o referido texto assim qualifica também os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11), como, por exemplo: retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício (II), negar publicidade dos atos oficiais (IV), frustrar a licitude de concurso público (V), deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo (VII). Desse modo, a Lei nº 8.429/92 inseriu, nos casos de improbidade administrativa, condutas que não implicam necessariamente locupletamento de caráter financeiro ou material." (grifo nosso) Ressalta-se que algumas das sanções elencadas no art. 12 da Lei de Improbidade não são aplicadas, quais sejam: a) ao Presidente da República - perda da função pública e suspensão dos direito políticos -, eis que são regidas pela Constituição Federal ao disciplinar a cassação do Chefe do Executivo - arts. 85 e 86 e pela Lei Federal nº 1.079/1950; b) aos membros do Congresso Nacional (Senadores e Deputados Federais) perda da função pública; c) aos sucessores (art. 8º) - entendemos abranger apenas o ressarcimento dos danos e o perdimento de bens. 4.5 Da aplicação das penalidades Notemos a previsão do parágrafo único do art. 12 38, que, em análise, percebemos a alusão ao princípio da proporcionalidade. Importante destacarmos que não obstante a gravidade e severidade das penas impostas no art. 12, houve por bem o legislador ordinário em deixar expresso a necessária proporção entre a extensão do dano e a fixação da pena. Na verdade, nem haveria necessidade de tal previsão, uma vez que o juiz deverá, em regra, atentar-se ao referido princípio, conforme explicitado pelo Ministro Gilmar Mendes em voto de vista (STF, HC 82.424/RS) que: "Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Tal como já sustentei em estudo sobre a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional, 2ª ed., Celso Bastos Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72), há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigurase adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto). Registre-se, por oportuno, que o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário, tal como lembra Canotilho (Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, Almedina, 2ª ed., p. 264)." Segundo Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves 39: "O princípio da proporcionalidade impõe a obrigação de que o Poder Público utilize os meios adequados e interdite o uso de meios desproporcionais." E ainda continuam os citados doutrinadores: "O Poder Judiciário deve velar sempre pela plenitude da Constituição, impedindo que os direitos fundamentais sejam atingidos pelos excessos praticados pelo legislador sob o singelo argumento de estar atuando no campo de liberdade aberto por aquela. [...] Em suma, trata-se de um princípio de controle cuja aplicação é imprescindível à supremacia da Constituição, coexistindo com a liberdade de conformação do legislador conferida por esta." 40 Já no que concerne ao posicionamento jurisprudencial, este encontra-se há tempos consolidado e não destoa da doutrina, eis que: "As sanções do art. 12 da Lei nº 8.249/92 não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como deixa claro o parágrafo único do mesmo dispositivo. No campo sancionatório, a interpretação deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudencial do E. STJ (Precedentes)." 41 E ainda: "A aplicação das sanções da Lei nº 8.429/92 deve ocorrer à luz do princípio da proporcionalidade, de modo a evitar sanções desarrazoadas em relação ao ato ilícito praticado, sem, contudo, privilegiar a imunidade. Para decidir pela cominação isolada ou conjunta das penas previstas no art. 12 e incisos, da Lei de Improbidade Administrativa, deve o magistrado atentar para as circunstâncias peculiares do caso concreto, avaliando a gravidade da conduta, a média da lesão ao Erário, o histórico funcional do agente público etc." 42 (grifo nosso) Desta forma e levando-se em consideração a finalidade da reprimenda, temos que impreterível a observância do princípio da proporcionalidade, devendo sempre ser considerada a extensão do dano causado na aplicação das penalidades. Por fim, podemos citar os ensinamentos da jurisprudência ainda no sentido de que: "Quanto à alegação de excessivo rigor das penas, em face do princípio da proporcionalidade, cabe ao Juiz graduá-las de forma razoável e adequada, levando em conta a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente, consoante o que dispõe o parágrafo único do art. 12 da Lei nº 8.249/92, de modo a tornar eficaz a providência jurisdicional e a desestimular a prática de novos atos de improbidade administrativa." 43 Nem há que se admitir a consideração apenas à caracterização da conduta, sob pena de ferirmos o próprio Sistema Democrático. 5 DA AÇÃO PREVISTA NA LEI DE IMPROBIDADE Sem sombra de dúvidas, a Lei de Improbidade veio ao encontro dos anseios populares, contudo, tão importante quanto o resguardo do direito é a garantia de sua aplicação. Diante disto, surge a dúvida de qual seria o procedimento judicial adequado para a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa? Inicialmente cumpre asseverar que a Lei nº 8.429/1992 não estabelece, precisamente, a via adequada a ser utilizada para a aplicação da sanção por atos de improbidade, podendo ser considerada obscura sob o esse prisma. Conforme podemos perceber o Diploma Legal em apreço possui apenas tímidas referências processuais, sendo quase que em sua totalidade dotada de cunho material, como será melhor analisado a seguir. 5.1 Aspectos preliminares da efetiva aplicação da Lei de Improbidade Notemos que, conforme já abordado, a Lei Federal nº 8.429/1992 não chega a ser omissa quanto aos regramentos processuais aplicáveis à espécie 44, contudo, não dispensa maiores preocupações quanto à via adequada para o acesso ao Judiciário. Diante da análise das previsões de natureza processual inseridas na Lei de Improbidade, passemos a analisar qual seria a via adequada para a aplicação da Lei nº 8.249/1992. 5.2 Da Ação Civil Pública Seguindo a lição de posicionamento doutrinário 45, temos que: "Ação civil é a que tem por objeto uma lide civil. É ação não penal pública por seu conteúdo porque objetiva proteger interesses difusos ou coletivos. Se toda ação civil, mediatamente, persegue a consecução do interesse público, na órbita processual civil, seu objetivo imediato é, em geral, a dedução de uma pretensão menor, isto é, particular. Quando, no entanto, a própria pretensão geradora da lide deflui de interesses difusos ou coletivos, estamos em face de ação civil pública. Ação civil pública, no caso de improbidade administrativa, é ação civil de interesse público imediato, ou seja, é a utilização do processo civil como um instrumento para a proteção de um bem, cuja preservação à toda a coletividade." (grifo nosso) Em concordância com a adequação da via da ação civil pública para se questionar atos de improbidade administrativa, assim se manifesta Alexandre de Moraes 46: "A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes púbicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio público por ato de improbidade, quanto a aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular. [...] Conclui-se, portanto, que a Lei da Ação Civil Pública é a lei processual, pelo que a hipótese motivadora da ação possibilitadora da condenação por ato de improbidade administrativa se baseia nas disposições da Lei nº 8.429/92, norma substantiva, de direito material, que foi editada para regulamentar as sanções previstas constitucionalmente no art. 37, § 4º, da Constituição Federal [...]." E, ainda, é o raciocínio que se extrai do posicionamento de Rodolfo de Camargo Mancuso 47, no sentido de que: "[...] o valor jurídico tutelado na ação civil pública é o ‘Erário’, ou seja, o aspecto pecuniário do ‘patrimônio público’, seja porque o inciso 4º do art. 1º da Lei nº 7.347/85 dá abertura para ‘qualquer outro interesse difuso ou coletivo’, seja porque a Lei nº 8.249/92 (sobre atos de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito) aparece vocacionada à preservação desse bem, e seu art. 17 legitima o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada à propositura da ação." O raciocínio mencionado é confirmado pelo posicionamento jurisprudencial: "O Ministério Público é parte legítima para promover ação civil pública visando o ressarcimento de dano ao Erário municipal" 48. Ademais, o posicionamento jurisprudencial demonstra-se no sentido de que: "Administrativo e processual. Improbidade administrativa. Ação Civil Pública 1. A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso. 2. A característica da ação civil pública está, exatamente, no seu objeto difuso, que viabiliza multifária legitimação, dentre outras, a do Ministério Público como o mais adequado órgão de tutela, intermediário entre o Estado e o cidadão. 3. A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão substancial. Ao enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções correspondentes. 4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o assegura, é licito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública, máxime porque a conduta do Prefeito interessa à toda a comunidade local, mercê de a eficácia erga omnes da decisão aproveitar aos demais munícipes, poupando-lhes de novéis demandas. 5. As conseqüências da ação civil pública quanto ao provimento jurisdicional não inibe a eficácia da sentença que pode obedecer à classificação quinária ou trinária das sentenças. 6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, auto-executável ou mandamental. 7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda. 8. A Lei de Improbidade Administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e, sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se." 49 (grifo nosso) Prosseguindo, e já adentrando à polêmica que se pretende instaurar, vale a pena transcrever o posicionamento 50 extraído do Tribunal de Justiça deste Estado acerca do tema: "A mencionada ação, ‘dado o seu caráter excepcional [...] só pode ser admitida nos casos, expressamente permitidos na legislação em vigor (v., a respeito, Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz et al. - A ação civil pública e a tutela jurisdicional dos interesses difusos e Édis Milaré - A ação civil pública na nova ordem constitucional - este reportando-se ao conceito de tipicidade versado por Mário Vellani - Sulla tipicità dellázione civile del público ministero) e aduzindo verbis: ‘De se ter presente, finalmente, que os casos nos quais se admite o exercício da ação civil pública devem, necessariamente, vir explicitados na lei, por representarem exceção aos princípios da iniciativa da parte e do dispositivo, vigente no processo civil’. Cuida-se da tipicidade ou taxatividade da ação civil pública. Daí ser ela conceituada como o ‘direito expresso em lei [...]’ autor invocado, ainda, observa que também na ação civil pública prevalece, como é óbvio, a regra da demanda." (grifo nosso) Diante da análise quanto à ação civil pública, surge a dúvida: Seria esta a via adequada para aplicação da Lei de Improbidade, em especial suas penalidades? 5.3 Da Ação Popular Neste item há de se verificar o posicionamento de Rodolfo de Camargo Mancuso 51 acerca da possibilidade de se questionar atos de improbidade administrativa por meio da via da ação popular, uma vez que: "Presente a ampliação do objeto da ação popular, a partir do novo conceito inserto no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, impende destacar um aspecto muito importante: se a causa da ação popular for um ato que o autor reputa ofensivo à moralidade administrativa, sem outra conotação de palpável lesão ao Erário, cremos que em princípio a ação poderá vir a ser acolhida, em restando provada tal pretensão, porque a atual CF erigiu a ‘moralidade administrativa’ em fundamento autônomo para a ação popular." Luiz Manoel Gomes Junior 52, alicerçado em posicionamentos doutrinários 53, entende ser perfeitamente possível a invocação das regras da Lei de Improbidade em sede de Ação Popular. Justifica o citado autor dois pontos a embasar a possibilidade da aplicação da Lei nº 8.429/1992 em sede de Ação Popular. O primeiro em virtude do fato de que a probidade administrativa decorre da moralidade administrativa, chegando ainda a afirmar que: "Admitir outra posição seria consentir que a Constituição permite o ataque através de Ação Popular quando presente o minus - imoralidade administrativa - mas não quando ocorrer o plus - improbidade administrativa -, raciocínio sem sustentáculo normativo." 54 O segundo porque, em última análise referida Lei Federal 55, busca a proteção ao Patrimônio Público, devendo, assim, ser os atos que afrontem a moralidade administrativa atacados via Ação Popular, mesmo porque a legitimação de mencionada demanda é ampla, diferente do que ocorre com a Ação Civil Pública. Ademais, como muito bem destacado pelo mencionado autor 56, o Supremo Tribunal Federal já admitiu Ação Popular pautada apenas em ato lesivo e imoral 57. Mas realmente seria a Ação Popular a demanda apta a questionar atos de improbidade? 5.4 Da efetiva aplicação da Lei de Improbidade Sabemos que tanto a Ação Civil Pública quanto a Ação Popular têm como escopo maior a proteção ao bem público. Em última análise, é este o objetivo principal da Lei de Improbidade, uma vez que visa à proteção dos atos probos e, assim, o combate à imoralidade, mais precisamente à improbidade, zelando, assim, pela preservação da coisa comum. Em conseqüência, parece-nos claro que os atos de improbidade poderiam ser atacados por meio das mencionadas vias, seguindo-se assim os respectivos ritos processuais. Contudo, em análise técnica do dispositivo legal de improbidade, deparamonos com situação que causa-nos uma certa indagação, e, portanto, entendemos merecer melhor atenção. O art. 17 da Lei nº 8.249/1992 determina que: "A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar." (grifo nosso) Ora, em assim sendo, verifica-se que referido artigo determina expressamente, que a ação principal terá o rito ordinário. Nem há de se falar que o art. 17 seria aplicado apenas quando utilizada a medida cautelar prevista no art. 16, pois, se assim entendermos, chegaríamos à aberração de consentir que, quando ajuizada ação cautelar, a principal (que discutirá o próprio ato de improbidade) terá o rito ordinário, e, quando não ajuizada a medida prévia, o rito poderá ser diverso. Partindo dessa premissa, poderíamos entender não ser possível a persecução judicial por meio da via da Ação Popular, isto por dois motivos: O primeiro em razão da própria disposição do art. 17, uma vez que determina, expressamente, que a ação principal terá o rito ordinário, e a ação popular somente terá o rito ordinário após a resposta. O segundo, porque, mesmo a Ação Popular tendo como objetivo primordial a proteção do Bem Público, o cidadão não estaria legitimado para questionar ato de improbidade, uma vez que o legislador entendeu por bem legitimar apenas o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada. Quanto à Ação Civil Pública o raciocínio não é diverso, pois, mesmo, tendo o art. 17 legitimado o Ministério Público a ajuizar a ação, temos que os atos de improbidade também não poderiam ser enfrentados por meio desta via. Aliás, este é o posicionamento da jurisprudência pátria, eis que: "[...] a ação civil pública pode ser utilizada em casos de improbidade administrativa, sendo meio legal idôneo para o Ministério Público pleitear as cominações legais previstas na Lei nº 8.429/92. Sem dúvida, a repressão à improbidade administrativa é uma das formas de defesa do patrimônio público e a gestão honesta da coisa pública é exemplo de interesse difuso. O patrimônio público e a probidade administrativa são valores de enorme importância e pertencem a toda a sociedade. Assim, no caso em exame, está-se diante de interesses difusos e coletivos de toda a coletividade de Sabino." 58 Tal entendimento justifica-se uma vez que, conforme já exposto anteriormente, a Ação de Improbidade tem, por determinação legal - art. 17 -, o rito ordinário, não sendo possível, desta forma, adotarmos o rito da Ação Civil Pública. Contudo, data maxima venia aos posicionamentos menos liberais a contrario sensu 59, entendemos que a Lei de Improbidade poderá ser invocada tanto por meio da via da Ação Civil Pública quanto a Ação Popular, e, claro, pela via Ordinária da Ação de Reparação de Danos, sendo tais vias aptas inclusive para a aplicação das penalidades previstas no regramento da Lei de Improbidade. Ressalte-se que, se assim não fosse, seria o caso de reconhecimento de carência de ação em face ao autor, tendo em vista a falta do interesse de agir, uma vez que inadequada a via eleita, em sede de Ação Civil Pública ou Ação Popular, sendo certo que caberia ao autor trilhar o caminho da Ação Ordinária de Reparação de Danos, pleiteando a aplicação das regras da Lei da Improbidade Administrativa, mas não buscar a aplicação das penalidades previstas nestas 60. E mais, pois, se demonstrada a ausência de um dos elementos indispensáveis ao preenchimento das condições da ação - interesse de agir -, não restaria outro caminho, senão a extinção do feito, sem análise de mérito, nos exatos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. CONCLUSÃO Em assim sendo, podemos concluir que a Lei de Improbidade é de grande valia na tentativa do combate aos atos de corrupção no País. Contudo, em virtude do seu restrito caráter processual, uma vez que referida lei não traz previsão expressa acerca da via adequada capaz de proporcionar sua efetiva aplicação, não obstante polêmica levantada no decorrer do presente estudo 61, entendemos que a Lei de Improbidade poderá ser invocada em sede de Ação Civil Pública ou Ação Popular, cuja finalidade primordial, em ambas, é a proteção do Bem Público. Quanto ao ajuizamento de Ação Ordinária de Improbidade Administrativa, maiores discussões não há, sendo perfeitamente possível, estando, contudo, legitimados o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada. No mais, não obstante entendermos perfeitamente possível e legal a utilização da via e, por conseguinte, o rito da Ação Civil Pública e Ação Popular para promover o ressarcimento do Erário Público, os posicionamentos e as teses não se encontram solidificados, quer na doutrina, quer na jurisprudência. Apesar de estarmos presenciando uma evolução no sentido de maior efetividade no combate aos administradores ímpetos, infelizmente o combate à corrupção é ainda pouco utilizado. Por fim, tanto como profissionais da área do Direito quanto como cidadãos temos o dever e a honra de cooperar para uma efetiva aplicação da Lei de Improbidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1996. CANOTILHO, J. J. Gomes. 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