APOSTILA 2015
FILOSOFIA
ALUNO:_______________________________
INDICE
OBJETIVOS PEDAGÓGICOS ....................................................................................................................................... 2
ENSAIO INTRODUTÓRIO: JUÍZOS INTUITIVOS ......................................................................................................... 3
1. FILOSOFIA? - A FILOSOFIA NA ESCOLA, NA VIDA, NO MUNDO...........................................................................4
2. ATITUDES FILOSÓFICAS E CONHECIMENTO FILOSÓFICO ................................................................................ 7
3. VISÃO PANORÂMICA DO INÍCIO DA FILOSOFIA: DE TALES A ARISTÓTELES ................................................. 11
4. O SER HUMANO E SER LIVRE .............................................................................................................................. 20
5. A IMPORTÂNCIA DA LIBERDADE ......................................................................................................................... 21
6. FILOSOFIAS HELENÍSTICAS .................................................................................................................................. 33
7. DUVIDAR: O PENSAMENTO EM BUSCA DE NOVOS HORIZONTES .................................................................. 39
8. DÚVIDA METÓDICA: O EXERCÍCIO DA DÚVIDA POR DESCARTES .................................................................. 44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................................. 52
FILOSOFIA / ENSINO FUNDAMENTAL / 8º ANO - 2015
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OBJETIVOS PEDAGÓGICOS
Esta Apostila apresenta a filosofia como um conhecimento que possibilita o desenvolvimento de um estilo
próprio de pensamento. A filosofia pode ser considerada como conteúdo produzido pelos filósofos ao longo do tempo,
mas também como o exercício do pensamento que busca o entendimento das coisas, das pessoas e do meio em que
vivem. Portanto, um pensar histórico, crítico e criativo, é aquele que discute os problemas da vida à luz da História da
Filosofia.
No interior desta Apostila são desenvolvidas relações interdisciplinares. É a filosofia buscando na ciência,
na história, na arte e na literatura, entre tantas outras possibilidades, apoio para analisar o problema estudado,
entendendo-o na complexidade da sociedade contemporânea.
Se propõe o estudo da filosofia por meio da leitura dos textos; de atividades investigativas; de pesquisas e
debates, que orientam e organizam o estudo da filosofia.
As atividades tem por objetivo a leitura dos textos, a assimilação e entendimento dos conceitos da tradição
filosófica. As pesquisas são importantes porque acrescentam informações, fixam e aprofundam o conteúdo estudado.
Sempre é proposto um ponto de partida, podendo surgir novos problemas e novas questões a serem pesquisadas.
FILOSOFIA / ENSINO FUNDAMENTAL / 8º ANO - 2015
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ENSAIO INTRODUTÓRIO: JUÍZOS INTUITIVOS
1. Explique com suas palavras o que é filosofia.
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2. Quem pode ser um filósofo?
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3. Sócrates, um dos mais importantes filósofos gregos, acreditava que o reconhecimento da própria ignorância como
ponto de partida é parte da abertura para o ato de conhecer. A partir dessa afirmativa reflita sobre a famosa frase de
Sócrates apresentada abaixo:
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Só sei
que nada
sei.
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1. FILOSOFIA? - A FILOSOFIA NA ESCOLA, NA VIDA, NO MUNDO...
Conceitos e pré-conceitos acerca da filosofia
O estudo da filosofia envolve muitos conceitos. Conceitos que são ideias desenvolvidas ou elaboradas a
respeito de um assunto. Exigem de nós análise, reflexão e síntese. Antes de chegar ao conceito de alguma coisa,
porém, são formados sobre ela um pré-conceito.
O pré-conceito é uma ideia ainda não elaborada, um pouco vaga, por assim dizer, “de ouvir falar”. É uma
primeira noção de algo. É por isso que muitos pré-conceitos tem sentido negativo: são parciais, incompletos, tomam
a parte pelo todo. É o caso dos preconceitos (ou pré-conceitos) raciais, sexuais, religiosos e políticos. O pré-conceito
não é ainda um conhecimento definitivo, mas é um ponto de partida e, se bem desenvolvido, pode tornar-se um
conceito, ou seja, um conhecimento mais amplo e completo.
Os juízos intuitivos são pré-conceitos nesse sentido. São pontos de partida que ajudam a desenvolver um
conceito mais elaborado. O preconceito só se torna algo negativo quando nos restringimos a ele, sem desenvolvê-lo.
Aí ele nos limita, ou seja, nos impede de ver as coisas de outra maneira.
Para chegar a um conceito em filosofia, portanto, precisamos começar com os pré-conceitos e desenvolvêlos. Essa é uma das tarefas da filosofia. Uma boa maneira de identificar esses pré-conceitos é perguntar: por que
tenho de estudar essa matéria? O que se pretende com isso? Que utilidade ela vai ter na minha vida? A existência da
filosofia faz alguma diferença no mundo?
É bem verdade que você pode fazer essas perguntas com relação a qualquer outra disciplina, mas é a
filosofia que propõe esse tipo de questionamento. E é junto com você que ela pretende investigar a resposta. É o que
faremos nas próximas atividades.
ATIVIDADES
1. Você considera a escola parte da sua vida? Em caso positivo, é uma parte agradável ou desagradável? Por quê?
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2. Existem coisas importantes que você deveria ter aprendido na escola, mas até agora não aprendeu? Dê
exemplos?
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3. Existem coisas que não são aprendidas na escola? Quais?
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4. Na escola, você aprende mais a fazer perguntas ou a respondê-las?
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5. A escola ensina você a pensar melhor? Como?
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6. Que tipo de coisa você imagina aprender nas aulas de filosofia?
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7. Por que você acha que existe a disciplina filosofia na sua escola?
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Etimologia da palavra filosofia e o início do filosofar
As palavras tem história, e a história está cercada de significados. Quando exploramos o significado das
palavras, encontramos diversos sentidos que já foram utilizados pelas pessoas através dos tempos.
Isso acontece porque a linguagem é uma espécie de herança que recebemos das gerações passadas. Por
meio dela podemos entender melhor o mundo, construir novos significados e até mesmo criar novas palavras,
enriquecendo nossa vida e o patrimônio que iremos transmitir às próximas gerações. Assim, um pouquinho de nós
fica para os outros.
A filosofia é uma linguagem de amor à sabedoria. Nasceu do amor que busca compreender o mundo, os
outros e a si mesmo. O amor cria laços, vincula, se expressa e se comunica. Foi o desejo de compreender a
realidade que gerou a filosofia.
Do mesmo modo que você tem um nome, e seu nome tem uma história, querendo mostrar um significado
pessoal e social, também o nome filosofia tem uma história e um significado próprios, que vamos agora explorar e
conhecer.
A palavra filosofia é de origem grega. O filósofo Platão, citando outro filósofo, Pitágoras, registra em seus
Diálogos, escritos no século V a.C., a ideia de que somente o ser humano é capaz de filosofar, ou seja, de buscar a
sabedoria. Os seres humanos não são como os outros animais, que apenas seguem seus instintos e não tem
necessidade de saber; tampouco são deuses, que também não tem necessidade de saber, pois já conhecem tudo.
Somente os seres humanos, que estão a meio caminho entre os animais e os deuses, percebem que ignoram as
coisas e sentem necessidade de conhecê-las. Essa consciência da própria ignorância e a busca da verdade, nos
tornam filósofos. É isso que nos faz humanos. É por isso que nos movemos em diversas direções, construindo
diferentes tipos de saber.
Veja a seguir a composição da palavra filosofia. (Observação: o ph tem som de f; antigamente se escrevia
pharmárcia, Philipe).
Filosofia = philos + sophia (philos = amizade, amor fraterno; sophia = sabedoria; sophós = sábio)
= amor
fraterno pelo saber,
amizadeda
pela
sabedoria.
1.Filosofia
Conceitos
e pré-conceitos
acerca
filosofia
ATIVIDADES
1. Qual é o seu nome? Por que você tem esse nome? Você sabe quem o escolheu e por quê?
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2. ATITUDES FILOSÓFICAS E CONHECIMENTO FILOSÓFICO
Filosofia X filosofar
Vimos que a palavra filosofia significa amor fraterno pelo saber ou amizade pela sabedoria. Isso
significa, portanto, que o que define o filósofo, como você talvez já tenha notado pelos textos apresentados, é certa
atitude em relação ao conhecimento.
O filósofo não pretende ser o sábio nem possuir a verdade. Se assim fosse, ele deixaria de ser filósofo, ou
então se tornaria arrogante ou dogmático, ou seja, um indivíduo apegado às próprias convicções. Como Platão já
havia percebido e registrado, o saber definitivo pertence aos deuses. Mas, se reconhecermos que estamos a meio
caminho, ou prestes a caminhar, poderemos conseguir muita coisa.
Atitudes filosóficas
Apresentamos, a seguir, um resumo das atitudes filosóficas básicas. Tenha em mente aquilo que você e
seus colegas já elaboraram anteriormente sobre a filosofia e o filosofar. Note que cada uma das atitudes envolve um
conjunto de habilidades que podem ser exercitadas na sua reflexão pessoal e na reflexão coletiva, em sala de aula e
em outros espaços do pensar.
Questionar: Significa ser curioso, perguntar a si mesmo e aos outros sobre tudo o que existe, colocar em questão as
afirmações feitas sobre a realidade, interessar-se pelas coisas e pensar sobre elas, suspeitar do que é dito
habitualmente, desconfiar das convenções estabelecidas. Algumas perguntas podem ajudá-lo no ato de questionar:
. O que é? O que são as coisas que estão à nossa volta? Como se definem, o que significam (os costumes, as
crenças, a natureza)? Quem somos? O que significam nossa experiência, nossas ideias, sensações, emoções?
Exemplos: o que é a vida? Quem sou eu?
. Como acontece? Como funcionam as coisas naturais e humanas, que relações elas mantêm entre si? Exemplos:
como surgiu a vida? Como determinar o que é vivo ou não? Como sou? Como me tornei o que sou?
. Por quê? Para quê? Qual o sentido, a razão, a justificativa, a finalidade, o objetivo das coisas ou dos fenômenos
naturais e humanos? Por que elas são o que são e por que acontecem dessa maneira? Exemplos: para que existe a
vida? Por que eu existo?
Investigar: Quer dizer procurar respostas para os problemas, examinar e comparar essas respostas, buscar as
conclusões mais satisfatórias (nem sempre definitivas), questionar as próprias perguntas para avaliar se são
satisfatórias e se vale a pena investigá-las. Fazem parte do investigar:
. Formular hipóteses, analisar e classificar diferentes tipos de respostas abrindo um amplo leque de alternativas.
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. Comparar e examinar alternativas, distinguindo opções válidas, consistentes, interessantes, significativas.
. Estabelecer critérios para julgar e classificar as opções. Escolhê-las, defini-las.
. Formular e desenvolver conceitos que explicam o quê, o como e o porquê de algo.
. Analisar as bases a partir das quais construímos nossos conceitos e verificar se são seguras, claras, razoáveis.
. Buscar os princípios a partir dos quais possamos explicar as coisas.
. Examinar as razões e os argumentos apresentados que justificam as ideias, assim como formular e desenvolver
suas próprias razões e argumentos para defender ou criticar ideias próprias e alheias.
Ampliar os horizontes: Significa ter sempre a mais ampla visão possível do assunto, considerando seus vários
aspectos. Essa atitude filosófica envolve:
. Considerar maneiras alternativas de enxergar a realidade e manter-se aberto a novas visões de mundo,
cultivando o gosto pela diversidade.
. Pesquisar o que já é conhecido, levando em conta como e o porquê daquele conhecimento ter sido elaborado e
se ainda pode nos ser útil.
. Imaginar novas possibilidades, desenvolver ideais, confrontá-los com a realidade e perguntar-se de que modo
podem se tornar reais.
. Elaborar sínteses que englobem o que foi analisado, desenvolvendo imagens ou visões do todo.
. Levar em conta quem está falando algo, assim como o que está sendo dito e como a pessoa se expressa.
O cartum a seguir faz referência ao filósofo grego Sócrates, que viveu no século V a.C., em Atenas.
Sócrates dedicou a vida a praticar a filosofia com aqueles que estivessem dispostos a investigar suas próprias ideias,
buscando compreender o próprio pensamento, seus pressupostos e as consequências daí advindas.
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Os companheiros de diálogo de Sócrates eram principalmente os jovens atenienses. Entre eles, havia um
discípulo que mais tarde se tornaria um filósofo famoso: Platão. Foi Platão quem escreveu os Diálogos, nos quais
Sócrates aparece como personagem e interlocutor de conversas filosóficas sobre os mais variados temas: o amor, o
conhecimento, a coragem, a morte, a verdade, a aprendizagem...
Lendo os Diálogos, percebemos que o método de investigação que Sócrates utilizava para filosofar
caracterizava-se por:
. reconhecer a própria ignorância como ponto de partida e abertura para o ato de conhecer;
. fazer perguntas que levassem o interlocutor a examinar cuidadosamente as ideias que ele e os outros
apresentavam sobre o tema em discussão.
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Como filósofo, Sócrates examinava com rigor as ideias de qualquer um que se dispusesse a discutir com
ele, e isso costumava encantar os jovens. Infelizmente, também despertou a desconfiança de alguns cidadãos
atenienses. Foram eles que levaram Sócrates ao tribunal, quando este tinha cerca de 70 anos e era acusado de
ateísmo e corrupção da juventude. Julgado e condenado, foi obrigado a beber cicuta, um veneno. Seus amigos o
incentivaram a fugir, mas Sócrates preferiu cumprir as leis da cidade que amava e pela qual tantas vezes l utara em
guerras, defendendo a democracia e a liberdade.
Para Sócrates não fazia sentido vivem sem filosofar, ou seja, sem poder investigar, examinar a si mesmo,
aos outros e ao mundo. E isso se reflete claramente em sua máxima: “Uma vida sem reflexão não vale a pena ser
vivida”.
O conhecimento filosófico
Se o filósofo é aquele que busca a verdade, sem a possuir, se é aquele que interroga sobre todas as
coisas, o que será, então, o conhecimento filosófico? Se você está se perguntando isso, estamos no caminho certo.
Uma resposta óbvia é que o conhecimento filosófico é o resultado da atitude filosófica. Isso significa que o
exercício e o processo de filosofar produzem conhecimento filosófico. Mas isso ainda é pouco. Alguém poderia
perguntar: “Mas então qual é a diferença entre o conhecimento filosófico e os outros tipos de conhecimento, como a
matemática, a biologia, a arte, a religião, a sabedoria popular, ou qualquer ideia que nos ocorra?”
Para responder a essa pergunta, é preciso examinar as semelhanças e as diferenças que existem entre a
filosofia e outras formas de conhecimento.
(...) todo aquele que pretenda tornar-se de fato um filósofo, deverá “uma vez na vida”, voltar-se para si mesmo, e
tentar destruir, em seu íntimo, todas as ciências admitidas até então a fim de reconstruí-las. A filosofia – o amor
pela sabedoria – é uma tarefa inteiramente pessoal do sujeito filosofante: deve forjar-se como sua sabedoria, como
aquele saber, que tende a universalizar-se, que ele adquire por si próprio, e do qual pode tornar-se responsável
desde o início, a cada passo (...) [Edmund Husserl. Meditaciones Cartesianas. p. 38]
Escher (1898-1972) era extremamente meticuloso e organizado com o seu trabalho, em todos os seus aspectos.
Sabia sempre exatamente o que fazia e por que o fazia. As suas “ilusões de uma ilusão”, como ele uma vez
descreveu algumas gravuras que um amigo lhe tinha acabado de comprar, tem um caráter de fascínio permanente.
Não são exatamente aquilo que parecem a um primeiro ou segundo olhar, mas sim verdadeiras abordagens do
infinito. [Caderno de obras de Escher – Exposição no Brasil. Brasília, ABIGRAF, 1993]
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3. VISÃO PANORÂMICA DO INÍCIO DA FILOSOFIA: DE TALES A ARISTÓTELES
Os pré-socráticos
A partir do século VI a.C., surgem as primeiras escolas filosóficas nos principais centros da civilização
helênica – Grécia e colônias gregas das ilhas do Mar Egeu, da Ásia Menor, da Sicília e Itália Meridional. Essas
escolas são denominadas “pré-socráticas” por precederem Sócrates, filósofo que abre uma nova era da filosofia.
Dessas escolas, as mais importantes são:
. Escola jônica: recebe esse nome por causa da Jônia, colônia grega da costa ocidental da Ásia Menor. Seus
representantes mais ilustres são: Tales de Mileto (624-546 a.C.), Anaximandro (611-546 a.C.), Anaxímenes (586-525
a.C.) e Heráclito (535-470 a.C.). Esses quatro pensadores são os fundadores da filosofia no sentido específico, pois
lançaram as bases dos problemas filosóficos discutidos até hoje no Ocidente: a verdade, a totalidade, a ética e a
política.
. Escola pitagórica: deve o nome a seu fundador, Pitágoras (580-500 a.C.). Outros pensadores importantes dessa
escola: Filolau (século V a.C.), Arquitas (século IV a.C.) e Alcmeón (século VI a.C.). Esses pensadores manifestam
ao mesmo tempo tendências místico-religiosas e tendências científico-racionais. A influência dessa escola estendese até os nossos dias.
. Escola eleática: recebe esse nome de Eléia, cidade situada no sul da Itália e local de seu florescimento. Nessa
escola encontramos os grandes nomes de Xenófanes (570-480 a.C.), Zenão (510 -? a.C.) e Melisso (490 - ? a.C.).
Nesse grupo famoso de pensadores, as questões filosóficas concentram-se na comparação entre o valor do
conhecimento sensível e o valor do conhecimento racional. De suas reflexões resulta que o único conhecimento
válido é aquele fornecido pela razão.
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. Escola pluralista: é composta por Anaxágoras (499-428 a.C.), Empédocles (492-432 a.C.) e Demócrito (460-370
a.C.). O denominador comum nas posturas filosóficas desses pensadores consiste em admitir que não há um
princípio único que explique o universo. Existem vários princípios que, misturando-se, formam a multiplicidade das
coisas existentes – daí a denominação “pluralista”.
Os sofistas
Os sofistas eram professores ambulantes, sem cidade fixa, pagos pelos próprios alunos. Atuaram em
meados do século V a.C. Os mais importantes foram Protágoras (490-410 a.C.), Górgias (485-380 a.C.) e Pródicos
(460 - ? a.C.). Sofista significa mestre de sabedoria.
Os sofistas captaram as mudanças causadas pelo exercício da democracia e passaram a preparar os
líderes políticos para os novos tempos. Era preciso aprender a dialogar com os cidadãos, de cujos votos dependia a
organização da sociedade.
O que diziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam repletos de
erros e contradições e que não tinham utilidade para a vida da pólis. Apresentavam-se como mestres da oratória ou
retórica (arte de falar em público), afirmando ser possível ensinar os jovens tal arte para que fossem bons cidadãos.
Que arte era essa? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão aos jovens, que
aprendiam a defender determinada posição ou opinião, depois a posição ou opinião contrária, de modo que, numa
assembleia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão.
Historicamente, há dificuldades para conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque não possuímos
seus textos; restaram apenas fragmentos. Por isso nós os conhecemos pelo que deles disseram os seus adversários
– Platão, Xenofonte, Aristóteles – e não temos como saber se estes disseram a verdade sobre os sofistas. Os
historiadores mais recentes consideram os sofistas verdadeiros representantes do espírito democrático, isto é, da
pluralidade conflituosa de opiniões e interesses, enquanto seus adversários seriam partidários de uma política
aristocrática, na qual somente algumas opiniões e interesses teriam o direito de fato perante a sociedade.
Sócrates (470 -399 a.C.)
Sócrates, considerado o “patrono da filosofia”, a dividiu em antes e depois dele: os filósofos anteriores são
chamados de pré-socráticos; os posteriores, pós-socráticos.
As divergências inerentes à democracia demandavam um novo enfoque filosófico. Sócrates buscou-o em
seu interior. Refletindo sobre si mesmo, descobriu que, apesar da variedade das coisas, somos capazes de formar
conceitos universais. Por exemplo: apesar de existirem muitas árvores diferentes, temos um conceito de árvore que
se aplica a todas elas.
Ora, pensou Sócrates, também podemos encontrar um conceito universal de justiça que, pode ser igual
para todos, será capaz de resolver as divergências e discórdias na assembleia dos cidadãos. Compete aos filósofos
convencer os cidadãos a procurar dentro de si as soluções, como disciplina e austeridade.
As praças públicas eram sua sala de aula. Sua metodologia baseava-se no conhecimento próprio.
Tomando como lema o “conhece-te a ti mesmo” (inscrito no templo de Apolo), ajudava os interlocutores a encontrar a
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verdade das coisas e conceitos. Por meio do diálogo de sucessivas perguntas e respostas, o “aluno” acabava
reconhecendo que seu conceito de justiça, por exemplo, não estava correto. Essa primeira parte do processo é
chamada de ironia (“interrogação”, em grego).
A partir daí, Sócrates começava a segunda parte do processo, que consistia em estimular o interlocutor a
procurar em seu interior os conceitos verdadeiros. É o que denominou maiêutica (a arte de dar à luz), em
homenagem à mãe, que era parteira. Ela intermediava o nascimento de um novo ser; ele o nascimento da verdade.
Esse extraordinário sábio, porém, contrariou interesses dos poderosos, que o condenaram a beber um
veneno chamado cicuta; há mais de dois mil anos já se matava quem tinha coragem de denunciar o erro e a
corrupção.
Platão (427 - 347 a.C.)
Platão foi um dos maiores pensadores da história da filosofia. Suas obras, que nos chegaram completas, ao
contrário das obras de outros filósofos da época, atravessaram os séculos e continuam a ser estudadas e a
influenciar o pensamento ocidental. Suas contribuições foram originais e vastas.
Discípulo e amigo de Sócrates, retomou os conceitos e valores universais do mestre, introduzindo uma
modificação: eles são apenas representações de outro mundo, ao qual denominou mundo das ideias. Esse mundo
constitui a verdadeira realidade, só alcançável pelos filósofos, amigos da sabedoria, por meio do intelecto.
Segundo Platão, o mundo em que vivemos é apenas uma sombra do mundo das ideias. Ele explica isso por
meio da alegoria do mito da caverna. Numa caverna, homens amarrados diante de uma tela só conseguem ver a
sobra das coisas e pessoas que são projetadas pela luminosidade de uma fogueira posta atrás deles, como uma
sessão de cinema.
Na alegoria platônica, a caverna sombria é o nosso mundo cotidiano percebido pelos sentidos. O sol é a luz
da verdade a iluminar essências eternas (as ideias) das quais apenas percebemos sombras móveis. Libertar-nos das
impressões sensoriais, para vermos as coisas como realmente são, é tarefa do filósofo.
Vejamos agora a versão da Alegoria da Caverna elaborada por Maurício de Sousa. “Alegoria da Caverna”,
um pequeno texto que aparece no Livro VII de A República, uma obra clássica de Platão, escrita no século IV a.C.
Alegoria é a representação de ideias abstratas por meio de imagens; no caso, realidade, verdade e ilusão.
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Aristóteles (384 - 322 a.C.)
Aristóteles foi aluno de Platão, que por sua vez foi discípulo de Sócrates. Deles herdamos, em grande
parte, o modo de pensar, agir, organizar os conhecimentos e a compreensão da realidade.
Dos três, Aristóteles foi o que exerceu maior influência. Ele liderou a história da filosofia até o século XVIII,
e ainda hoje suas obras servem de base para os novos desdobramentos do saber. Os estudos de Aristóteles
abrangem os mais variados campos: teoria do conhecimento, ética, política, biologia, cosmologia e outros.
Aristóteles discordou de seu mestre Platão em relação à teoria do conhecimento. Para ele, as ideias, ou
seja, os conceitos não são eternos nem habitam um mundo à parte. O conceito universal é formado a partir dos
conhecimentos dos sentidos. Por um processo de abstração, o intelecto elimina os aspectos particulares dos seres e
fica apenas com a essência. Por exemplo, a ideia que temos de cavalo, não tem cor, raça ou tamanho.
O conhecimento é adquirido por dois processos: a dedução e a indução, ambos essenciais para a formação
das ciências. A dedução parte do geral para o particular. Por exemplo: todos os homens são mortais. Ora, Paulo é
homem. Logo, Paulo é mortal. A indução, ao contrário, parte do particular para o geral: o ferro, o alumínio e o cobre
transmitem eletricidade. Logo, todos os metais transmitem eletricidade. É pela indução que os cientistas testam os
medicamentos. Funcionando em um número razoável de pessoas, é estendido para todos. Como se sabe, a eficácia
da indução não é 100% garantida. Poderá, por exemplo, haver um metal que não transmita a eletricidade ou um
medicamento que não produza a eficácia esperada.
A Lógica foi outra grande contribuição de Aristóteles. É ela desenvolve as regras do bom uso do raciocínio.
ATIVIDADES
1. Sintetize a noção de filosofia que você adquiriu pela leitura deste capítulo.
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2. Consulte um dicionário de sua preferência e verifique o significado da palavra mito. Depois os compare com o que
você estudou neste capítulo.
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3. Como os filósofos gregos filosofariam em nossa época?
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4. Se você fosse professor, usaria pensamentos dos filósofos gregos para tornar seus alunos mais críticos?
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Para refletir
As narrativas gregas, apesar de fantasiosas, são impregnadas de sabedoria e conhecimento das paixões
humanas, dos problemas existenciais e da necessidade de leis que possibilitem a vida em comum.
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4. O SER HUMANO E O SER LIVRE
O tema que investigaremos neste capítulo será a Liberdade. A relação do tema proposto com a liberdade
nos ajudará a descobrir novos aspectos e ampliar ainda mais nossa compreensão. Neste caso, ainda estamos na
questão central: quem é o ser humano? Vejamos então como a reflexão sobre a liberdade pode nos ajudar a
compreender melhor quem somos e a própria filosofia.
Filosofar é preciso, vier é (im)preciso
Quando cruzavam os mares, os antigos navegadores portugueses costumavam cantar: “Navegar é preciso/
viver não é preciso”. No título deste texto, fizemos um trocadilho com as palavras preciso e impreciso.
Para tratar do tema da liberdade na nossa existência, é interessante fazer esse contraponto. Embora seja
apenas uma introdução ao tema, ou seja, a “ponta do fio”, já podemos vislumbrar os horizontes da questão. Afinal,
quando nos perguntamos para que ou por que existimos, estamos levantando também outro problema: o que
devemos ou podemos fazer de nossas vidas?
Será que somos livres para decidir o que seremos da vida? Ou já estará decidido, em algum lugar (nos
genes, nos planos divinos...), quem somos e o que vai acontecer na nossa vida? Seremos apenas atores,
representando papéis escritos por algum autor desconhecido e misterioso, ou autores de nossa própria existência?
Observe que concepções de liberdade diferentes estão envolvidas nas diversas definições de ser humano e
do sentido de nossa existência. Que crenças estarão por detrás da expressão tão comum: “Foi o destino que quis!”
Que destino é esse? Trata-se de um destino criado para o ser humano ou pelo ser humano?
Leia a seguir a reflexão do filósofo Karl Jaspers sobre a liberdade, a humanidade e a filosofia.
]
Quem se dedica à filosofia põe-se à procura do homem, escuta o que ele diz, observa o que ele faz e se
interessa por sua palavra e ação, desejoso de partilhar, como seus concidadãos, do destino comum da
humanidade.
Karl Jaspers
Na reflexão acima, Karl Jaspers nos traz algumas pistas para montarmos nossa própria teia e
compreendermos a proposta: qual a relação entre o filosofar e a investigação do ser humano? Por que essa
investigação envolve uma reflexão sobre você mesmo? E por que algumas dimensões da experiência de ser gente –
como o pensar, o sentir, o comunicar, o agir, o fazer e o próprio filosofar – merecem destaque especial? Qual o
sentido dos fios condutores da teia: conhecimento, amor e liberdade?
Se essas perguntas lhe ocorreram, estamos caminhando bem nesta introdução ao filosofar. Não se
preocupe em dar respostas definitivas e completas. Estamos apenas começando. Como uma música que chama
nossa atenção, a filosofia revela aos poucos, suas nuances, à medida que a ouvimos de novo, refletindo sobre aquilo
que tínhamos pensado antes.
FILOSOFIA / ENSINO FUNDAMENTAL / 8º ANO - 2015
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5. A IMPORTÂNCIA DA LIBERDADE
“O homem nasce livre e, por toda parte, é posto a ferros.”
Jean Jacques Rousseau
Mal entendida, negada, almejada, sobretudo usurpada, a liberdade sempre foi uma questão fundamental na
história da filosofia e da humanidade. Ela é a base da Ética.
Na história das nações, está registrado quanto sangue foi derramado para conquistar ou reconquistar a
liberdade. No Brasil, esquartejaram Tiradentes para intimidar os seguidores do lema da Conjuração Mineira: Libertas
quae sera tamen (“Liberdade ainda que tardia”).
Na Antiguidade, o preço da derrota de um povo em guerra com outro era a morte ou a escravidão.
Na Idade Moderna, tivemos a escravidão dos africanos, que no Brasil durou mais de três séculos. Os
sofrimentos pelos quais passavam eram tão atrozes que muitos se suicidaram; outros fugiram para o interior do
território, onde formaram povoações.
No Brasil, a liberdade ainda não raiou para grande parte da população. O analfabetismo, o desemprego, a
fome, as doenças – provenientes do descaso do governo na educação e na justiça em favor da sociedade –
impedem que a liberdade surja no horizonte, como diz o Hino da Independência. Entre nós, a liberdade ainda é uma
aspiração, uma esperança, que já custou a cabeça de Zumbi (chefe dos Palmares), de Tiradentes e de tantos outros
que morreram lutando contra os grilhões da escravidão.
Enfim, a liberdade tem sido motivo de trágicas e heróicas batalhas.
O QUE É LIBERDADE
“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta,
que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.
Cecília Meireles
Na epígrafe acima, Cecília Meireles expressa um paradoxo: a liberdade não é explicável, mas é entendível.
De fato, há mais de dois milênios os filósofos vêm refletindo sobre o conceito de liberdade e ainda não chegaram a
uma definição unânime.
O conceito da liberdade é complexo. Vamos começar fazendo-lhe uma pergunta à queima roupa: como
você definiria liberdade? Se pensou autodeterminação, em alternativas de escolhas, em decisão, em fazer ou não
fazer algo sem ser obrigado a isso, você está no caminho certo.
Mas logo terá de enfrentar outros desafios: Como somos livres, se não podemos fazer tudo o que
queremos? Os fatos que mudam os rumos de nossas vidas, de nosso país, podem ser previstos e evitados? É
possível construir uma nova sociedade, mais justa e fraterna? E o temido destino? A nossa sorte está mesmo escrita
nas estrelas?
Os itens seguintes o ajudarão a procurar respostas a essas e outras questões.
FILOSOFIA / ENSINO FUNDAMENTAL / 8º ANO - 2015
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As várias formas de liberdade
A liberdade é qualificada de acordo com o objeto a que se refere. Por exemplo, a liberdade física é a que
nos confere o direito de locomoção, de ir e vir. Quando somos privados desse direito por ilegalidade ou abuso de
poder, a Constituição nos garante o recurso jurídico do habeas corpus (em latim, “que tenhas o [teu] corpo”), por
meio do qual se pode revogar uma prisão considerada injusta. Mas, em nossa sociedade perigosa e violenta, a
liberdade de locomoção é cada vez mais restrita.
A liberdade política nos concede o poder de atuar nos rumos da organização da sociedade. Também esse
aspecto da liberdade é dificultado por forças interessadas em manter privilégios.
A liberdade jurídica nos torna iguais em direitos e deveres perante a Lei, o que entre nós ainda é uma
utopia.
A liberdade religiosa nos permite seguir o credo de nossa preferência ou de não seguir nenhum credo.
A liberdade profissional nos dá a possibilidade de seguir a profissão que vá ao encontro de nossos
interesses e tendências. Mas entre esses direitos e a realidade do trabalho no Brasil existe uma grande distância.
Os limites da liberdade
“Nossa liberdade é uma liberdade condicionada, uma liberdade em condição
humana, nossa vida se desenvolve entre os limites acessíveis de uma liberdade
zero e de uma liberdade infinita.”
Georges Gusdorf
Não existe liberdade zero. Por mais escravizada que se encontre uma pessoa, sempre lhe sobra algum
poder de escolha. Em qualquer situação, nunca faltará a possibilidade de dizer sim ou não, de se mostrar contrário
ou favorável a algo, de na ausência de outros meios revelar aprovação apenas pela expressão do rosto. Até pelo
pensamento é possível exercer a liberdade.
Do mesmo modo que não existe liberdade zero, também não há liberdade infinita ou absoluta. Ninguém
pode escolher tudo. Ninguém, por exemplo, escolhe entre nascer e não nascer, nem escolhe seus pais, nem o País,
nem a época em que vive.
Somos, pois, limitados, condicionados, determinados por uma série de fatores que não dependem da nossa
vontade. Em filosofia, a palavra necessidade sintetiza todos os obstáculos que agem sobre nós e nos impedem de
ser, fazer e conseguir o que gostaríamos.
“Poderia se dizer que livre, livre mesmo, é quem decide de uma hora para outra que
naquela noite quer jantar em Paris e pega um avião. Mas mesmo este depende de estar
com o passaporte em dia e encontrar lugar na primeira classe. E nunca escapará da dura
realidade de que só chegará em Paris para o almoço do dia seguinte. O planeta tem seus
protocolos.” [VERISSIMO, Luis Fernando. Veja, São Paulo, (26): 27, 29 jun. 1988]
Além desses condicionamentos ou determinismos inevitáveis, existem outros, evitáveis, criados pelo próprio
homem. O ladrão, por exemplo, corre o risco de perder a liberdade de locomoção, e os que se drogam se arriscam a
ficarem viciados, escravizando-se às drogas. A liberdade, como a saúde, requer cultivo e vigilância.
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Mas as restrições à liberdade não são criadas apenas pelos indivíduos, isoladamente. É na organização
social e política que se constrói a maioria dos entraves à liberdade. Um povo composto por analfabetos, doentes e
famintos tem uma liberdade restrita às suas condições subumanas. O que podemos fazer, então?
A liberdade como conquista
“A liberdade é algo que se tem e não se tem, que se quer e se conquista.”
Friedrich Nietzsche
A conquista moral depende da consciência psicológica, ou seja, antes de podermos julgar sobre o bem e o
mal, sobre o certo e o errado, temos consciência de nossos atos, sentimo-nos autores de nossas ações.
A questão da liberdade requer um exame sobre nossa situação pessoal e social. Vejamos, por exemplo, o
caso de um estudante que mora na periferia de uma metrópole. Ele gostaria de cursar medicina, mas não pode,
porque trabalha durante o dia e não existe faculdade de medicina à noite. Que opções lhe restam? O que ele deve
fazer para se realizar?
Milhões de jovens estão na mesma situação desse estudante, e aqueles que não se deixam abater pelos
condicionamentos adversos atingem ao menos parte de seus objetivos. Mesmo pessoas com sérias limitações
físicas, como era o caso do conhecido sociólogo Betinho, conseguem superar os obstáculos e se tornam modelos de
cidadania e agentes de mudança social. Por isso, não se deve desistir da luta. O que aí está pode mudar, sim.
A liberdade não é uma dádiva, algo que recebemos sem esforço. Ao contrário, ela é uma conquista que
pode conduzir a outras conquistas, um caminho que pode levar a outros caminhos, com novos obstáculos e
horizontes. O uso da liberdade faz a história do indivíduo e da sociedade. Segundo Sartre, não importa o que fizeram
de nós, não importam as condições adversas em que nos encontramos: importante é o que podemos fazer com o
que fizeram de nós.
Livres com os outros
“Temos aprendido a voar como as aves, a nadar como os peixes,
mas ainda não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.”
Martin Luther King
Costuma-se dizer: “Minha liberdade termina onde começa a liberdade do outro”. Isso só faz sentido em
algumas situações, como no condomínio de um edifício. Tenho liberdade para ouvir a música que quiser. O volume,
porém, não deverá incomodar o vizinho.
Mas o exercício da liberdade se realiza com o outro, na interação social, na verdadeira política, na luta pela
justiça, pela igualdade dos direitos essenciais pela solidariedade. O individualismo, o “cada um por si”, enfraquece
nosso poder de ação.
É conhecida a velha história do pai que, à beira da morte, chamou os filhos e deu um feixe de varas para
que cada um tentasse quebrá-lo. Ninguém conseguiu. Então, ele desamarrou o feixe e foi quebrando vara por vara.
Com isso, o sábio pai quis demonstrar o poder da união e a fragilidade do individualismo.
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Liberdade e responsabilidade
“Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo dela.
Georges Bernard Shaw
O termo responsabilidade pode ser sinônimo de “cumprimento de dever”. Assim, é responsável quem
cumpre seus deveres. Em filosofia, responsabilidade constitui a consequência necessária – o corolário – da
liberdade. O ato livre é necessariamente um ato pelo qual se deve responder. Porque sou livre, tenho de assumir as
consequências de minhas ações e omissões. Já os animais irracionais, por não serem livres, não são responsáveis
pelo que fazem ou deixam de fazer. Ninguém pode condenar um cavalo que lhe deu um coice. Só o ser humano
comete crime e só ele pode ser julgado.
Racional e livre, ele tanto constrói como destrói; tanto ergue escolas e hospitais como inventa bombas
capazes de destruir o planeta; tanto ama como odeia; tanto salva como mata. Às vezes, o mesmo homem salva com
uma das mãos e mata com a outra.
Não há como se espantar diante do incrível poder que a liberdade confere ao homem: para o bem e para o
mal. Mas basta observar nossas cidades, com seus miseráveis, com seus mutilados e mortos no trânsito, com seus
desempregados, com seus menores abandonados e prostituídos, para concluir que temos usado muito mal a
liberdade.
Diante de tantos horrores, somos tentados a indagar: vale a pena ser livre? A pergunta filosófica. Cada um
terá razões favoráveis ou contrárias à liberdade. Dos ditadores e autoritários já conhecemos a resposta.
De acordo com Sartre, não há como escolher: o homem é condenado a ser livre. Já para Rousseau,
“abdicar da liberdade é destruir a própria natureza humana”.
A responsabilidade moral
O homem não é responsável por todos os atos que pratica. Só o é em duas condições fundamentais; fora
delas não há mérito nem demérito nas ações humanas:
a. O ato deve ser consciente. O ato moral e responsável supõe que o agente o tenha praticado com um mínimo de
consciência e lucidez; requer o conhecimento das consequências decorrentes do ato. Muitos criminosos são
absolvidos por falta de provas de que agiram conscientemente.
b. O ato deve ser livre. Além de consciente, o ato moral terá de ser livre. Coações internas, como distúrbios psíquicos
incontroláveis, podem atenuar ou anular a responsabilidade moral de um ato. Coações externas, como o uso da força
e da ameaça de morte, também isentam o agente moral da responsabilidade do ato.
É a própria liberdade que nos oferece a possibilidade de corrigir o mau uso que se faz dela. Não resolve
ficar lamentando a má sorte da vida ou o que os outros fizeram de nós e do mundo; importa, antes, reagir com as
FILOSOFIA / ENSINO FUNDAMENTAL / 8º ANO - 2015
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forças e as armas que nos sobram. Se não reagirmos, ninguém o fará por nós. “O futuro do homem é o próprio
homem”, diz Ponge; “o futuro do mundo está em nossas próprias mãos”, diz Sartre.
A negação da liberdade
“(...) nada jamais foi tão insuportável para um homem e uma sociedade humana do que a liberdade”.
Fiodor Dostoiévski (Os irmãos Karamazov)
O conceito de liberdade não faz parte daquelas certezas apodíticas, como “dois mais dois são quatro”.
Diverge-se quanto a sua concepção e muitos até mesmo negam que ela exista. A seguir, veremos como a liberdade
é anulada pelo determinismo absoluto e pelo fatalismo.
Apodítico: diz-se de uma verdade ou argumento evidentes por si, não necessitando de provas para serem
compreendidos e aceitos.
Determinismo absoluto: aplicação do princípio da causalidade das ciências naturais às ciências humanas.
Assim, os fatos de nossa vida e da história passam a ser decorrentes de um complexo sistema de causas e
efeitos inevitáveis e independentes de nossa vontade.
O DETERMINISMO ABSOLUTO
O cientista geralmente parte do pressuposto de que todo fenômeno tem uma causa. É o que se denomina
princípio da causalidade. Uma doença, por exemplo, é efeito ou sintoma de uma causa. Compete ao cientista
descobrir a causa e extingui-la.
O princípio da causalidade supõe ainda uma correspondência necessária entre causa e efeito. Ou seja,
uma determinada causa produz sempre determinado efeito. Por exemplo, sob determinadas condições, o calor (a
causa) fará necessariamente a água ferver (o efeito). Se a mesma causa, sob condições idênticas, produzisse
efeitos diferentes, seria impossível fazer ciência. Essa correspondência necessária entre causa e efeito chama-se
determinismo científico, que é aplicado a vários ramos da ciência, como a física, a química e a biologia. O
determinismo científico favoreceu o desenvolvimento da ciência nos últimos três séculos.
Determinismo científico: teoria de que todo fenômeno tem uma causa (princípio da causalidade). O princípio
da causalidade supõe uma correspondência necessária entre causa e efeito.
A partir da teoria da relatividade de Albert Einstein e das descobertas da física quântica, os cientistas
passaram a trabalhar, em alguns campos de pesquisa, com uma certeza restrita, não absoluta, ou seja, com
previsões prováveis.
Mas não estaríamos comentando aqui o determinismo científico se ele não tivesse dado origem, no século
XIX, ao determinismo absoluto, com graves consequências para as ciências humanas em geral e para a filosofia em
particular.
O determinismo absoluto ou universal estende às ciências humanas o mesmo princípio aplicado às ciências
naturais. Assim, os fatos de nossa vida e da história, por exemplo, passam a ser decorrentes de um complexo
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sistema de causas e efeitos inevitáveis e independentes de nossa vontade. O determinismo absoluto leva o
mecanicismo, segundo o qual o homem é previsível e controlável como uma máquina e, portanto, sem
autodeterminação, sem liberdade. Atualmente, o determinismo absoluto já não tem o prestígio de que desfrutava no
século XIX, embora persistam suas marcas e influências na civilização ocidental.
O FATALISMO
Se a liberdade nem sempre é compreendida por cientistas e filósofos, imaginemos pelas pessoas comuns,
que tem muito mais dificuldades em interpretar os complexos fenômenos da realidade. É mais fácil atribuí-los
simplesmente a entidades transcendentes.
Denomina-se fatalismo ou destino a crença de que os fatos de nossa vida dependem não do exercício de
nossa liberdade, mas da vontade de forças superiores, como Deus ou deuses.
É comum encontrarmos pessoas fatalistas. Após tragédias como enchentes e mortes no trânsito, há
sempre alguém para justificar: “Tinha de acontecer, era o destino, estava escrito...”
Às vezes, a intervenção das forças transcendentes ocorre em forma de milagre. Num desastre, por
exemplo, morrem todos os passageiros, exceto uma criança. Então, sempre aparece alguém para atribuir a Deus a
bondade de ter salvado a criança, o que põe Deus em péssima situação: se salvou a criança, por que deixou morrer
seus pais e os outros passageiros?
No caso seguinte chega a ser hilário. O rabino Nilton Bonder conta que num enterro em dia chuvoso, a
viúva ao ser cumprimentada por ele, disse: “Rabino, até Deus está chorando”. Alguém ao lado sussurrou: “Quer dizer
que quando alguém morre num dia ensolarado, Deus está sorrindo?”.
O fatalismo é muito mais antigo que o determinismo absoluto. Ele advém certamente da Pré-História.
Chegou até nós na forma de narrativas míticas, como a das Moiras gregas. São três irmãs fiandeiras que decidem o
destino humano. Cloto faz o fio da vida de cada um; Láquesis determina o comprimento do fio, ou seja, a duração da
vida; e Ántropos corta o fio quando chega a hora da morte.
Portanto, o nascimento, as condições de vida e a morte dependeriam apenas das temíveis Moiras, palavra
que em grego significa destino. Os romanos chamavam as Moiras de Parcas.
A crença no destino nega radicalmente a liberdade humana e é maléfica para a sociedade: se o nosso
destino já está predeterminado, para que educar os motoristas? Para que lutar por justiça? Para que reivindicar o fim
das opressões?
Se não existe liberdade, também não existe responsabilidade. Se somos determinados pelo destino, não há
como responsabilizar os desonestos, os exploradores, os ladrões e os assassinos, pois estariam destinados a
cometer crimes, sendo, portanto, vítimas, mais que culpados.
Os adeptos do fatalismo ignoram que os homens é que constroem e destroem cidades, criam culturas,
erguem civilizações, arquitetam guerras e promovem a paz. Apesar dos condicionamentos, o homem se define pela
liberdade e pela responsabilidade.
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Édipo, vítima do destino
Segundo a mitologia grega, Édipo nasceu com o destino de assassinar o pai e casar-se com a mãe.
Sabedores disso, os pais mandaram matá-lo. O encarregado da execução, porém, apiedou-se da criança
e deixou-a pendurada pelos pés numa árvore. Um pastor recolheu-a e levou-a para o seu senhor, que não
tinha filhos. Assim, Édipo cresceu longe da cidade de seus verdadeiros pais.
Já moço, dirigiu-se a Tebas, cidade onde nascera. No caminho, discutindo com um homem, o matou, sem
saber que era o rei de Tebas, seu verdadeiro pai.
À porta da cidade, teve de responder ao enigma de uma esfinge. Se errasse a resposta, seria morto,
como muitos já o tinham sido. O enigma era: “Qual é o ser que de manhã tem quatro pés, ao meio-dia,
dois, e ao entardecer, três?” Édipo acertou ao responder que era o homem, o qual de manhã (na infância)
engatinha, ao meio-dia (durante quase toda a vida) anda sobre dois pés e ao entardecer (na velhice) anda
sobre os dois pés e apoiando em uma bengala.
Com isso, Édipo entrou como herói em Tebas e, mais tarde, casou-se com a rainha, que era a sua própria
mãe. Cumpriu-se, assim, o destino.
Em Santa Catarina, entre os descendentes dos açorianos, existe uma lenda semelhante. Um menino,
segundo a predição de uma cigana, nasceu com o destino de morrer vitimado pelos chifres de um touro.
Então, os pais nunca o deixaram sair sozinho, Mas, um dia, ao visitar um parente, o menino subiu num
caixote para arrancar um berrante de parede e caiu em cima da ponta do chifre. Morreu. Mais uma vez, os
esforços humanos foram impotentes contra o destino.
As duas lendas, separadas por mais de vinte séculos, encarnam e procuram justificar a mentalidade
fatalista.
Édipo responde ao enigma da esfinge.
Pintura em vaso grego do século V a.C.
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Acepções da liberdade
“É o que posso expressar dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si
mesmo, e como, no entanto, é livre, uma vez que foi lançado no mundo, é responsável por tudo o que faz”.
Jean-Paul Sartre
É de Aristóteles a primeira reflexão sistemática sobre a liberdade. Observe, no texto a seguir, que ela é,
essencialmente, a que estamos desenvolvendo neste capítulo.
“[...] Mas é evidente que o homem é a origem de suas próprias ações e se não somos
capazes de relacionar nossa conduta a quaisquer outras origens que não sejam as que
estão dentro de nós mesmos, então as ações cujas origens estão em nós devem também
depender de nós e ser voluntárias”. [ARISTÓTELES. Ética a Nicômancos. Tradução do
grego de Mário da Grama Kury. Brasíli: Ed. Universidade de Brasília, 1985. p. 57, 1113 b]
Esse texto de Aristóteles demonstra que nossos atos livres tem origem em nós mesmos; são causados por
nós. Os atos livres implicam na decisão soberana da inteligência e da vontade. Por isso, temos de responder por
eles. Essa acepção aristotélica de liberdade predomina até hoje na história da filosofia.
Sartre levou o conceito de Aristóteles. Para ele, a liberdade é, antes de tudo, o que qualifica o homem, a
sua humanidade. Não é possível não ser livre. Embora não tenha criado a si mesmo, é responsável por tudo o que
faz. Não há como renunciar a liberdade. O homem é condenado à liberdade e isso é motivo de angústia.
Mas o homem não age sempre de acordo com a responsabilidade que decorre de sua condição livre. Pode
usar de má-fé, degrada-se, mente para si mesmo.
Para Kant, assim como para Cecília Meireles, a liberdade é algo que qualquer pessoa entende, mas
ninguém sabe explicar. Segundo Kant, consiste em seguir racionalmente as regras criadas pelo próprio indivíduo.
Kant pronuncia a época em que o homem deve emancipar-se de todas as tutelas para tornar-se legislador de si.
Como ser racional autônomo, não deve obedecer, a não ser às leis que lhes são determinadas pela sua consciência
moral. A razão é legisladora universal, ou seja, é o homem que cria e reconhece as leis e só assim se submete a ela.
Outros filósofos como Espinosa e Hegel, divergem de Aristóteles quanto à origem do ato livre. Para eles
não é o indivíduo a causa de liberdade, e sim o todo, que pode ser a Natureza (para os antigos estóicos), a
Substância (segundo Espinosa) ou o Espírito como história (no caso de Hegel). Nessa acepção, agir livremente é
agir de acordo com as regras e as leis do todo. A totalidade é que é soberana e livre. Os homens, partes da
totalidade, devem agir de acordo com ela. O indivíduo não escolhe isoladamente, cabe-lhe apenas agir
conscientemente, de acordo com as determinações da totalidade.
De acordo com os estóicos, o homem livre segue a sabedoria da racionalidade da natureza e de sua
própria razão, que lhe garantem o domínio sobre a irracionalidade das paixões.
Para Espinosa e Hegel, a liberdade depende igualmente do conhecimento da necessidade, ou seja, das
determinações do todo. A escravidão corresponde à falta de consciência da necessidade.
FILOSOFIA / ENSINO FUNDAMENTAL / 8º ANO - 2015
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Marx e Engels concordam com esses dois filósofos quanto à consciência da necessidade, mas para eles
não basta ter conhecimento dos entraves naturais e sociais da liberdade. É preciso agir e modificar a realidade em
prol da maior autonomia do homem diante dos obstáculos que o impedem de se realizar.
A boa e a má escolha
“Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e,
ao contrário, um mal como se fosse um bem.”
Epicuro
Fazemos escolhas desde o amanhecer até a noite. Escolhemos frutas, roupas, amigos, amores, filmes,
músicas, colégios, pessoas, profissões, políticos...
Mas as escolhas nem sempre são fáceis e simples como optar entre ir ao cinema e ir ao teatro. Não
escolhemos uma profissão com a mesma tranquilidade com que compramos um par de tênis. Há uma diferença
considerável entre escolher um filme para ver e um candidato em quem votar. As escolhas variam da aquisição de
um alfinete à declaração de guerra a outro país.
Em relação à escolha, há que se notar outra característica humana: dentre as alternativas, optamos pela
que consideramos melhor para nós, ou pela menos ruim, conforme o ditado: “Dos males, o menor”. Ao fazer
compras, queremos sempre o melhor e o mais barato. Na escolha da profissão, optamos, se possível, pela que
oferece maior realização pessoal e financeira. Para amigos, escolhemos aqueles que nos dão maior satisfação.
Enfim, escolher o melhor é tão cotidiano e universal quanto comer e beber.
Mas eis o problema: nem sempre o subjetivamente melhor é objetivamente o melhor. Às vezes, ignoramos
o que seja realmente um bem para nós. A escolha depende do conhecimento. Só escolhe bem quem conhece todos
os aspectos e implicações de cada alternativa. Ora, ainda é muito grande nossa ignorância sobre a realidade
humana. O que (ou mesmo quem) nos faz mais felizes, mais realizados? Muitos desconhecem até os alimentos que
deveriam ingerir para gozar de boa saúde. Maior ainda é o desconhecimento em relação aos prazeres. A busca da
satisfação imediata pode custar sérios males ao futuro.
Às vezes, erramos também nas transações comerciais. É por isso que os antigos nos aconselham a não
decidir nada de importante sem pensar muito e tentar conhecer todos os aspectos da questão. Algumas pessoas só
decidem no dia seguinte, pois acreditam que, durante o sono, o inconsciente seleciona a melhor opção. Daí o ditado:
“O travesseiro é o melhor conselheiro”.
Na política, é comum a eleição de candidatos que nunca seriam escolhidos se os eleitores estivessem mais
bem informados. A ignorância é adubo para demagogos e corruptos.
Tudo isso, porém, não significa que os males do mundo são frutos apenas da ignorância, como pensava
Sócrates. Para esse filósofo, o homem só pratica o mal quando ignora o bem.
Na verdade, às vezes cometemos deliberadamente o mal para satisfazer um prazer passageiro ou para
conseguir algo que não obteríamos por meios lícitos. Nem sempre a razão comanda nossas ações. Agimos também
conduzidos por paixão, por impulsos inconscientes. É por isso que o filósofo cristão Paulo de Tarso afirmou: “Não
faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero” (Romanos 7: 19).
Também não devemos nos esquecer das determinações emotivas, do coração, que, segundo Pascal, tem
razões que a própria razão desconhece.
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Aristóteles dizia que o conhecimento é o que existe de mais fácil e de mais difícil: fácil,
porque todos tem sempre algum conhecimento das coisas num certo grau; difícil, porque o
conhecimento adequado de alguma coisa impõe muitas exigências. Nem sempre o que
aparece como um bem é bem. Nem sempre o que agrada imediatamente se identifica com
o bem. Depois, é necessário considerar o bem em diversas dimensões: é o bem do
momento? é o bem estável? é o bem que tranquiliza? é o bem que constrói?
O problema seria simples, se consistisse numa distinção teórica entre bem e mal. Ele se
torna complexo quando descobrimos que toda a dificuldade está em distinguir entre o bem
e o bem, em hierarquizar os bens, em separar o bem de superfície e o bem profundo, entre
o bem acidental e o bem substancial, entre o bem aparente e o bem essencial.
[MENDONÇA, Eduardo P. de. A construção da liberdade. São Paulo: Convívio, 1977. p.97]
Hoje, a escolha do bem, do melhor, qualquer escolha, é seriamente prejudicada pelo excesso de
informações. Somos bombardeados pelo rádio, televisão, cinema, livros, jornais, revistas, outdoors e internet. Muitas
dessas informações tem objetivos mercadológicos. Alojam-se em nosso inconsciente, fazendo-nos desejar coisas de
que não precisamos, que nem sempre serão boas para nós, mas que o mercado deseja vender. Com isso, nossos
desejos correm o risco de ser os desejos alheios. E a escolha pelo melhor pode virar opção pelo pior.
ATIVIDADES
1. Crie ou encontre no texto uma frase que expresse bem a importância da Liberdade.
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2. Comprove com argumentos a complexidade do conceito de Liberdade.
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3. Faça um comentário sobre a Liberdade como conquista. Cite exemplos de pessoas, inclusive você.
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4. Que relação existe entre individualismo e Liberdade?
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5. Você concorda que a humanidade tem usado muito mal a Liberdade? Por quê?
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6. Que relação existe entre o determinismo científico e o determinismo absoluto?
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7. Qual a diferença entre determinismo absoluto e fatalismo?
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8. Qual é a principal diferença entre a concepção de liberdade de Aristóteles e a dos estóicos?
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9. Qual é a principal diferença entre a concepção de liberdade de Espinosa e a de Kant?
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10. Por que, segundo Sartre, o homem é condenado à liberdade?
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11. O que Marx e Engels introduziram na concepção de liberdade de Espinosa e Hegel?
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6. FILOSOFIAS HELENÍSTICAS
A busca da felicidade interior
Com a conquista da Grécia pelos macedônicos (322 a.C.), teve início o chamado período helenístico.
Devido à expansão militar do império macedônico, efetuada por Alexandre Magno, o período helenístico caracterizouse por um processo de interação entre a cultura grega clássica e a cultura dos povos orientais conquistados.
O mesmo processo se deu no campo filosófico. As escolas de Platão (Academia) e de Aristóteles (Liceu) –
dirigidas, respectivamente, pelos seus discípulos – continuaram abertas e em plena atividade, mas os valores gregos
começaram a mesclar-se com as mais diversas tradições culturais.
Do público ao privado
No plano político, a antiga liberdade do cidadão grego, exercida no contexto de autonomia de suas cidades,
foi desfigurada pelo domínio macedônico da participação do cidadão nos destinos da polis. Com isso, a reflexão
política também se enfraqueceu.
Substituiu-se, assim, a vida pública pela vida privada como centro das reflexões filosóficas. Em outras
palavras, as preocupações coletivas cedem lugar às preocupações pessoais.
As principais correntes filosóficas desse período vão tratar da intimidade, da vida interior do ser humano.
Formulam-se, então, diversos modelos de conduta, “artes de viver”, “filosofias de vida”.
Parece que a principal preocupação dos filósofos era proporcionar às pessoas desorientadas e inseguras
com a vida social alguma forma de paz de espírito, de felicidade interior em meio às atribuições da época. Um dos
principais filósofos desse período, Epicuro, aconselhava que as pessoas se afastassem dos perigos e intranquilidade
da vida política e buscassem a felicidade em sua vida privada.
Entre as novas tendências desse período, destacaremos o epicurismo, o estoicismo, o pirronismo o
cinismo.
Epicurismo: o prazer (satisfação pessoal)
O epicurismo é uma corrente filosófica fundada por Epicuro (341-271 a.C.), que defendia que o prazer é o
princípio e o fim de uma vida feliz.
No entanto, Epicuro distinguia dois grandes grupos de prazeres. O primeiro reúne os prazeres mais
duradouros, que encantam o espírito, como a boa conversação, a contemplação das artes, a audição da música etc.
O segundo inclui os prazeres mais imediatos, muitos dos quais são movidos pela explosão das paixões e que, ao
final, podem resultar em dor e sofrimento.
De acordo com o filósofo, para que possamos desfrutar os grandes prazeres do intelecto, precisamos
aprender a dominar os prazeres exagerados da paixão, como os medos, os apegos, a cobiça e a inveja. Por isso, os
epicuristas buscavam a ataraxia, isto é, o estado de ausência da dor, quietude, serenidade e imperturbabilidade da
alma.
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Observação: o epicurismo muitas vezes é confundido com um tipo de hedonismo marcado pela
procura desenfreada dos prazeres mundanos. No entanto, o que Epicuro defendia era uma
administração racional e equilibrada do prazer, evitando ceder aos desejos insaciáveis que,
inevitavelmente, terminam em sofrimento.
Hedonismo: doutrina centrada na ideia de prazer (existem diversas doutrinas hedonistas).
Estoicismo: o dever (responsabilidade)
O estoicismo, fundado a partir das ideias de Zenão de Cício (336-263 a.C.), foi a corrente filosófica de
maior influência no período helenístico. Os representantes dessa escola, conhecidos como estoicos, defendiam a
noção de que toda a realidade existente é uma realidade racional, o que quer dizer que todos os seres, os
indivíduos e a natureza fazem parte dessa realidade racional.
O que chamamos de Deus, segundo esses pensadores, nada mais é do que a fonte dos princípios
racionais que regem a realidade. Integrado à natureza, não existe para o ser humano nenhum outro lugar para ir ou
fugir, além do próprio mundo em que vivemos. Somos deste mundo e, ao morrer, nos dissolvemos neste mundo.
Não dispomos, portanto, de poderes para alterar substancialmente, a ordem universal do mundo, mas pela
filosofia, podemos compreendê-la e viver segundo ela. Assim, em vez do prazer dos epicuristas, Zenão propõe o
dever, vinculado à compreensão da ordem cósmica, como o melhor caminho para a felicidade. É feliz aquele que
vive segundo sua própria natureza, a qual, por sua vez, integra a natureza do universo.
Os estóicos também defendiam uma atitude de austeridade física e moral, baseada em virtudes como a
resistência ante o sofrimento, a coragem ante o perigo, a indiferença ante as riquezas materiais. O ideal perseguido
era um estado de plena serenidade (ataraxia) para lidar com os sobressaltos da existência, fundado na aceitação e
compreensão dos “princípios universais” que regem toda a vida.
Pirronismo: a suspensão do juízo (não existe apenas uma verdade)
O pirronismo, fundado a partir das ideias de Pirro de Élida (365-275 a.C.), foi uma corrente filosófica que
defendia a ideia de que tudo é incerto, nenhum conhecimento é seguro, qualquer argumento pode ser contestado.
Por isso, seus seguidores propunham que as pessoas adotassem a suspensão do juízo (epokhé, em
grego), isto é, a abstenção de fazer qualquer julgamento, já que a busca de uma verdade plena é inútil. Desse modo,
aceitando que das coisas se podem conhecer apenas aparências e desfrutando o imediato captado pelos sentidos,
as pessoas viveriam felizes e em paz.
O pirronismo constituiu, portanto, uma forma de ceticismo, pois professa a impossibilidade do
conhecimento, da obtenção da verdade absoluta.
Cinismo (negação dos bens materiais como forma de Liberdade)
A palavra cinismo vem do grego kynicos, significa “como um cão”. O termo cinismo designa, assim, a
corrente dos filósofos que se propuseram viver como os cães da cidade, sem qualquer propriedade ou conforto.
Levavam ao extremo a tese socrática de que o ser humano deve procurar conhecer a si mesmo e
desprezar todos os bens materiais. Por isso, Diógenes de Sínope (c. 413-327) – o pensador mais destacado
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dessa escola – é conhecido como o “Sócrates demente”, ou o “Sócrates louco”, pois questionava os valores e as
convenções sociais e procurava viver estritamente conforme os princípios que considerava moralmente corretos.
Vivendo em uma época em que as conquistas de Alexandre promoveram o helenismo, mesclando culturas
e populações, Diógenes também não tinha apreço pela diferença entre grego e estrangeiro. Conta-se que, quando
lhe perguntaram qual era sua cidadania, teria respondido: “Sou cosmopolita” (palavra de origem grega que significa
“cidadão do mundo”).
Há muitas histórias de sabedoria e humor sobre Diógenes. Uma delas conta que ele morava em um barril e
que, certa vez, Alexandre Magno foi visitá-lo. De pé, em frente à “casa”, Alexandre perguntou-lhe se havia algo que
ele, como imperador, poderia fazer em seu benefício, ao que Diógenes respondeu prontamente: “Sim, poder sair da
frente do meu sol”. Diz a lenda que Alexandre, impressionado com o desprezo do filósofo pelos bens materiais, teria
comentado: “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes”. O artigo do quadro que segue desenvolve reflexões
atuais a partir de outra história de Diógenes.
O barril e a esmola
“Zombavam de Diógenes. Além de morar num barril, volta e meia era visto pedindo
esmolas às estátuas. Cegas por serem estátuas, eram duplamente cegas porque não tinham olhos
– uma das características da estatuária grega. [...]
Perguntaram a Diógenes por que pedia esmola às estátuas inanimadas, de olhos vazios.
Ele respondia que estava se habituando à recusa. Pedindo a quem não o via nem o sentia, ele
nem ficava aborrecido pelo fato de não ser atendido.
É mais ou menos uma imagem que pode ser usada para definir as relações entre a
sociedade e o poder. Tal como as estátuas gregas, o poder tem os olhos vazados, só olha para
dentro de si mesmo, de seus interesses de continuidade e de mais poder.
A sociedade, em linhas gerais, não chega a morar num barril. Uma pequena minoria mora
em coisa mais substancial. A maioria mora em espaços um pouco maiores do que um barril. E há
gente que nem consegue um barril para morar, fica mesmo embaixo da ponte ou por cima das
calçadas.
Morando em coisa melhor, igual ou pior do que um barril, a sociedade tem necessidade de
pedir não exatamente esmolas ao poder, mas medidas de segurança, emprego, saúde e
educação. Dispõe de vários canais para isso, mas, na etapa final, todos se resumem numa estátua
fria, de olhos que nem estão fechados: estão vazios. [...]” [Carlos Heitor Cony, Folha de S. Paulo, 5 de
janeiro de 200]
Detalhe de Diógenes e Alexandre Magno.
Desprezando as convenções e hierarquias
da sociedade, o filósofo Diógenes
enalteceu o que para ele era o maior de
todos os prazeres: a liberdade.
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Período greco-romano
O último período da filosofia antiga, conhecido como greco-romano, corresponde, em termos
históricos, à fase de expansão militar de Roma (desde as Guerras Púnicas, iniciadas em 264 a.C., até a
decadência do Império Romano, em fins do século V da era cristã). Trata-se de um período longo em anos,
mas pouco notável no que diz respeito à originalidade das ideias filosóficas.
Os principais pensadores desse período, como Sêneca, Cícero, Plotino e Plutarco, dedicaram-se
muito mais à tarefa de assimilar e desenvolver as contribuições culturais herdadas principalmente da
Grécia clássica do que de criar novos caminhos para a filosofia.
A progressiva penetração do cristianismo no decante Império Romano é uma das características
fundamentais desse período. A difusão e a consolidação do cristianismo, pela Igreja Católica, atuaram na
dissolução da força da filosofia grega clássica que passou a ser qualificada como pagã (própria dos povos
não cristãos).
ATIVIDADES
1. Caracterize, em termos gerais, a filosofia desenvolvida depois do período clássico.
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2. Confronte o epicurismo com o estoicismo, destacando as semelhanças e as diferenças.
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3. Por que o pirronismo é considerado uma forma de ceticismo? De que maneira seu ceticismo definia o modo de
vida que propunha?
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4. Explique a origem da palavra cinismo, destacando sua relação com a corrente filosófica que a denomina.
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As ideias e a realidade histórica
As quatro causas
A teoria aristotélica das quatro causas, tal como foi recolhida e conservada pelos pensadores medievais, é
uma das explicações encontradas pelo filósofo para dar conta do problema do movimento. [...] Haveria, então, uma
causa material (a matéria de que um corpo é constituído, como, por exemplo, a madeira, que seria a causa material
da mesa), a causa formal (a forma que a matéria possui para constituir um corpo determinado, como, por exemplo, a
forma da mesa, que seria a causa formal que a madeira passou a ter), a causa eficiente (a ação ou operação que faz
com que uma matéria passe a ter uma determinada forma, como por exemplo, quando o marceneiro fabrica a mesa)
e, por último, a causa final (o motivo ou a razão pela qual uma determinada matéria passou a ter uma determinada
forma, como, por exemplo, a mesa feita para servir como altar em um templo). Assim, as diferentes relações entre as
quatro causas explicam tudo que existe, o modo como existe e se altera e o fim ou motivo para o qual existe.
Hierarquias das causas
Um aspecto fundamental dessa teoria da causalidade consiste no fato de que as quatro causas não
possuem o mesmo valor, isto é, são concebidas como hierarquizadas, indo da causa mais inferior à causa superior.
Nessa hierarquia, a causa menos valiosa ou menos importante é a causa eficiente (a operação de fazer a causa
material receber a causa formal, ou seja, o fabricar natural ou humano) e a causa mais valiosa ou mais importante é
a causa final (o motivo ou finalidade da existência de alguma coisa).
À primeira vista, essa teoria é uma pura concepção metafísica que serve para explicar de modo coerente e
objetivo os fenômenos naturais (física) e os fenômenos humanos (ética, política e técnica). Nada parece indicar a
menor relação entre a explicação causal do universo e a realidade social grega. Sabemos, porém, que a sociedade
grega é escravagista e que a sociedade medieval se baseia na servidão, isto é, são sociedades que distinguem
radicalmente os homens em superiores – os homens livres, que são cidadãos, na Grécia, e senhores feudais, na
Europa medieval – e inferiores – os escravos, na Grécia, e os servos da gleba, na Idade Média.
Relação das causas com a divisão social
Mas, o que teria a concepção da causalidade a ver com tal divisão social? Muita coisa. Se tomarmos o
cidadão e o senhor e indagarmos a qual das causas a ele corresponde, veremos que corresponde à causa final, isto
é, o fim ou motivo pelo qual alguma coisa existe é o usuário dessa coisa, aquele que ordenou sua fabricação (por
isso, na teologia cristã, Deus é considerado a causa final do universo, que existe “para Sua maior glória e honra”. Em
outras palavras, a causa final está vinculada à ideia de uso, o que depende da vontade de quem ordena a produção
de alguma coisa. Se, por outro lado, indagarmos a que causa corresponde o escravo ou o servo, vamos ver que
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corresponde à causa eficiente, isto é, ao trabalho graças ao qual certa matéria receberá certa forma para servir ao
uso ou ao desejo do senhor.
Compreende-se, então, por que a metafísica das quatro causas considera a causa final superior à eficiente,
que se encontra inteiramente subordinada à primeira. Não só no plano da Natureza e do sobrenatural, mas também
no plano humano ou social o trabalho aparece como elemento secundário ou inferior, a fabricação sendo menos
importante do que seu fim. A causa eficiente é um simples meio ou instrumento.
O inimigo da democracia foi Platão, o maior dos discípulos de Sócrates. Em A República, apresenta-nos um
Estado Ideal desenvolvido a partir da construção militarista de Esparta. O Estado se divide basicamente em três
classes: os governantes, o exército e o povo. Platão localiza três seções correspondentes à divisão do Estado: a
razão, a vontade e as paixões. Cabe à razão descobrir as leis que regem o homem, a tarefa da vontade é executá las, espera-se que as paixões as cumpram. A vontade regida pelas paixões leva a desmandos semelhantes aos que
ocorrem no Estado governado pelo povo.
A política foi outro campo de investigação de Platão. Decepcionado com a política vigente, não aceitou a
democracia. Em seu famoso livro A República, descreve o Estado ideal, governado por reis-filósofos, os únicos
capacitados a realizar a verdadeira política.
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7. DUVIDAR: O PENSAMENTO EM BUSCA DE NOVOS HORIZONTES
Importância de perguntar
Nossa análise nos deu uma pequena ideia de que ter dúvidas, mesmo que provisoriamente, é algo
desejável para alcançar um conhecimento maior: Por que será, então, que as pessoas tendem a expressar poucas
dúvidas, a fazer tão poucas perguntas umas às outras em seu dia a dia?
Isso pode ser observado, por exemplo, na sala de aula. Quando um professor pergunta à classe se alguém
tem alguma dúvida sobre o que acabou de expor, qual é a reação mais comum? Silêncio ou algumas perguntas
tímidas. A maioria tem alguma dúvida – ou muita dúvida –, mas não ousa expressá-la. Essa postura ocorre também
nas universidades, nas empresas, em encontros culturais, nos almoços e jantares, nas mesas de bar etc. Por que
isso é tão frequente?
Uma explicação pode estar na dificuldade de expressão, isto é, na dificuldade de encontrar as palavras
certas para expressar a dúvida que se tem, o que é muito comum. Outra explicação seria que grande parte das
pessoas não ousa expressar sua dúvida por medo de falar em público. Esse temor também é bastante comum. O
desenvolvimento de maiores habilidades de expressão linguística e de comunicação oral poderia mudar bastante
esse cenário.
Há, porém, uma explicação que nos parece mais fundamental: muita gente acredita, mesmo sem estar
consciente disso, que ter dúvidas e perguntar é expor uma debilidade, um sinal de dificuldade intelectual ou falta de
“conhecimentos”. Como nossa cultura valoriza muito a inteligência e a informação (ou, pelo menos, o parecer
inteligente e bem informado sobre tudo), poucos se arriscam a ser interpretados como tolos, ignorantes ou confusos
ao fazer uma simples pergunta.
Assim, a conversação entre as pessoas costuma ser, com frequência, uma sucessão de monólogos ou de
enfrentamentos, onde cada um dos interlocutores está mais preocupado em dar o contra ou exibir seus
“conhecimentos”, suas certezas, do que entender o outro ou aprender com ele – ou junto com ele. Em resumo, o
que está em jogo é mais o amor-próprio, a vaidade pessoal do que a aprendizagem. E, quando não entram nessa
disputa, as pessoas “optam” pelo silêncio.
Isso tudo nos parece um grande equívoco. Perguntas são, no mínimo, a expressão do desejo de conhecer
mais sobre algo ou alguém, do interesse pelo que o outro é, pensa ou sente. Portanto, as perguntas se
complementam com a atitude de saber escutar, de dar a adequada atenção ao que o outro questiona ou propõe, de
tal maneira que possa haver uma verdadeira troca de percepções e reflexões. Muitas vezes descobrimos nesse
processo, nesse diálogo respeitoso, que a outra pessoa – que observa o mundo a partir de uma perspectiva diferente
da nossa – percebeu coisas que não tínhamos percebido ainda, notou problemas nos quais não havíamos pensado
até então. Isso ampliará nossa maneira de ver as coisas e a nós mesmos, ampliando nossos horizontes e
possibilidades de escolha para construção de uma vida mais justa, sábia, generosa e feliz.
Atitude filosófica
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A filosofia busca tudo isso que acabamos de mencionar. Portanto, para aprender a filosofar, é fundamental
adotar uma atitude indagadora. Como afirmou o pensador alemão Karl Jaspers (1883-1969), “as perguntas em
filosofia são mais essenciais que as respostas, e as respostas transformam-se em novas perguntas” [Introdução ao
pensamento filosófico, p. 140]
Isso ocorre justamente porque a filosofia busca essa ampliação da paisagem e seus horizontes: cada
resposta (cada paisagem e horizonte conquistados) gera um novo terreno para dúvidas e perguntas (uma nova
paisagem, com mais um horizonte a ser explorado).
Assim, mesmo que você não tenha nenhuma intenção de se tornar um filósofo ou uma filósofa, desenvolver
uma atitude indagadora e “escutadora”, isto é, filosófica, pode ser de grande utilidade em muitos momentos de sua
vida.
Na infância, principalmente nos primeiros anos, essa atitude é bastante comum ou natural. A maioria das
crianças vive mergulhada no encantamento da surpresa, da novidade, da descoberta, que se desdobra em
interrogações intermináveis: “o que é isso?”, “o que é aquilo?”, “por que é assim?”, “como você sabe?” e assim por
diante. Desse modo, junto com outras experiências, elas vão formando imagens, ideias, conceitos dos diversos
elementos que formam a realidade. Por exemplo:
- Mãe, o que é tulipa?
- É uma flor, filha.
- Uma flor como?
- Uma flor muito delicada e bonita, com a forma de um sino, só que invertido, com a boca para cima.
- Que cor tem?
- Tem tulipa de tudo quanto é cor: vermelha, amarela, branca, lilás.
- E por que a gente não tem tulipa no nosso jardim?
- Porque é preciso saber cultivar essa planta, ela vem de regiões de clima frio, como a Holanda...
- Holanda? Onde fica a Holanda?
E assim por diante. Às vezes, as crianças dão uma reviravolta nas questões que abordam, fazendo
perguntas insistentes e até geniais, verdadeiras torturas para os adultos, que se veem obrigados a parar e pensar
sobre as coisas. Com o passar dos anos, porém, a vida vai deixando de ser novidade: mergulham no cotidiano das
respostas prontas e “acabadas” e, de modo geral, esquecendo aquelas questões para as quais nunca conseguimos
explicação.
A atitude filosófica constitui, portanto, uma espécie de retorno a essa primeira infância, a essa maneira de
ver, escutar e sentir as coisas. É um certo começar de novo na compreensão do mundo por meio da dúvida e de
sucessivas indagações.
É claro que esse “começar de novo” não é possível no sentido literal da expressão, porque você já
conhece, sente e imagina muitas coisas a respeito do mundo, das pessoas e de si mesmo, e não é possível apagar
toda essa vivência. Você já tem um “cardápio” de conceitos, imagens e sentimentos, sobretudo, o que foi
fundamental para sua existência até este instante, mesmo sem ter consciência disso. O natural é que você mova pela
vida orientado por esse mapa, sem precisar fazer tantas perguntas quanto uma criança que ainda não montou seu
próprio “cardápio”.
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Mas há momentos em que o “cardápio” que uma pessoa tem não serve para enfrentar determinada
situação: não é completamente satisfatório, “nutritivo” e “saudável”. É aí então que surge a quebra, o estranhamento
(que mencionamos anteriormente) em relação ao fluxo normal do cotidiano. Trata-se de uma oportunidade para
começar a pensar na vida de uma maneira filosófica, isto é, para começar a indagar e duvidar.
Abrir-se ao mundo como uma criança
Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma primeira
disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o aspirante a filosófo sinta a necessidade de levar a seu
estudo uma disposição infantil.
Em que sentido faço esta paradoxal afirmação de que convém que o filósofo se puerilize? Faço-a no
sentido de que a disposição de ânimo para filosofar deve consistir essencialmente em perceber e sentir por toda
a parte [...] problemas, mistérios: admirar-se de tudo, sentir profundamente o arcano* e misterioso de tudo isso;
colocar-se ante o universo e o próprio ser humano, com um sentimento de admiração, de curiosidade infantil
como a criança que não entende nada e para quem tudo é problema.
Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem
tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo.
GARCIA MORENTE, Fundamentos de filosofia, p. 33-34.
*Arcano: muito difícil de compreender, enigmático.
Dúvida filosófica
É nesses momentos críticos de quebra e estranhamento que costumam surgir dúvidas sobre temas
fundamentais e permanentes da existência humana, dos quais trata a filosofia.
Isso significa que nem todo tipo de dúvida é filosófica. Por exemplo: “Quem será o campeão brasileiro de
futebol deste ano?” não é uma dúvida filosófica, e sim uma simples especulação sobre algo que está para acontecer,
por mais angustiado que se sinta o torcedor com essa questão. Pode ser um bom exercício teórico discutir com
colegas ou especialistas as possibilidades de seu time do coração em comparação com as de outros, para saber
suas opiniões. Mas a resposta a esse tipo de dúvida virá da própria sucessão dos acontecimentos (ou jogos) ao
longo do tempo (ou do campeonato), tornando-se um fato inquestionável.
A dúvida filosófica propriamente dita surge de uma necessidade inquietante de explicação racional para
algo da existência humana que se tornou incompreensível ou cuja compreensão existente não satisfaz. Geralmente
são temas para os quais não há resposta única ou para os quais a mente humana sempre retorna. Por exemplo,
quem já não se fez, mesmo que intimamente, a pergunta “Por que tanta maldade?” ao saber de mais uma das
atrocidades, aparentemente inexplicáveis, de que alguns seres humanos (ou desumanos) são capazes? Tal questão
conduz a outras, mais básicas e fundamentais, como “O que é o mal?”, “O que é o ser humano?”, “É da essência do
ser humano ser mal?”, “É da essência do ser humano ser bom?” etc.
A dúvida verdadeiramente filosófica é aquela que favorece, portanto, o exercício fecundo da inteligência, do
espírito, da razão sobre questões teóricas importantes para todos nós (e que costumam ter uma incidência prática
enorme em nossas vidas, sem que nos demos conta disso, conforme veremos ao longo do livro).
Por que a dúvida filosófica propicia um exercício fecundo da razão? Porque nela se adota – para início de
conversa – a suspensão do juízo. Assim se denomina a interrupção temporária do fluxo normal de ideias prontas
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que uma pessoa possui sobre um determinado assunto. Para quê? Para poder reunir o maior número de
antecedentes ou conhecimentos fundamentais com relação a esse assunto e só então formular uma opinião, com
juízo a seu respeito, agora bem estruturado e justificado.
A dúvida filosófica não é, portanto, ociosa, não é uma especulação vazia ou fútil, nem constitui uma prática
meramente destrutiva, um questionar por questionar, uma chatice de quem não tem o que fazer (o chamado “espírito
de porco”). A pessoa que a pratica visa se articular racionalmente no sentido de construir uma explicação sólida e
bem fundamentada, um conhecimento claro e confiável sobre o tema que é objeto de sua preocupação.
Regra da razão
Para construir explicações sólidas e bem fundamentadas é preciso se organizar, ter método.
A filosofia não tem um método exclusivo de investigação, pois ele varia conforme a tradição filosófica à
qual pertença o pensador. Mas existe um princípio ou regra básica que você, e todo aquele que pretende
filosofar, deve seguir: tudo o que se diz deve ser demonstrado, isto é, explicado por meio de uma argumentação
que utilize apenas premissas válidas ou verdadeiras, articuladas de maneira lógica.
Por enquanto, lembre-se de que para filosofar é importantíssima a regra da razão: você tem de dar
razões, isto é, justificativas racionais para suas opiniões. Essas razões devem estar articuladas de maneira
coerente, não contraditória, e se houver alguma que seja duvidosa, a explicação cai por terra: você não
conseguiu demonstrar sua opinião.
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Método: forma organizada, lógica e sistemática de realizar alguma tarefa, estudo, investigação, geralmente
seguindo um conjunto de regras ou princípios reguladores.
Premissa: cada uma das proposições ou ideias de que se compõe um raciocínio e que fundamentam sua
conclusão.
Lógico: que segue as leis do pensamento ou raciocínio correto, com um encadeamento coerente que permita
chegar a uma conclusão considerada válida, bem fundamentada ou verdadeira.
ATIVIDADES
1. A primeira virtude do filósofo, dizia Platão, é o espanto (thaumázein, em grego), a curiosidade insaciável, a
capacidade de admirar e problematizar as coisas. Interprete essa afirmação, relacionando-a com o que você
entendeu sobre “a importância de duvidar e perguntar” e “a atitude filosófica”.
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2. O que quis dizer o filósofo espanhol Manuel García Morente (1886-1942) quando afirmou que para filosofar é
importante “puerilizar-se”, ter uma disposição infantil?
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3. Analise as principais características da dúvida filosófica, buscando justificar a seguinte afirmação: “Nem todo tipo
de dúvida é filosófica”.
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4. Que método utiliza a filosofia? Que regra básica não se deve esquecer para aprender a filosofar?
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8. DÚVIDA METÓDICA: O EXERCÍCIO DA DÚVIDA POR DESCARTES
Para que você entenda de maneira mais concreta o que acabamos de estudar, vamos analisar agora um
exemplo de reflexão filosófica que enfatiza ao extremo o ato de duvidar: a chamada dúvida metódica, do filósofo
francês René Descartes (1596-1650).
Aprendendo a duvidar
A dúvida metódica tornou-se uma referência importantíssima e um clássico da filosofia moderna. Trata-se
de um exercício da dúvida em relação a tudo o que ele, Descartes, conhecia ou pensava até então ser verdadeiro.
Tal exercício foi conduzido pelo filósofo de maneira:
. metódica, porque a dúvida vai se ampliando passo a passo, de maneira ordenada e lógica;
. radical, porque a dúvida vai atingindo tudo e chega a um ponto extremo em que não é possível ter certeza de nada,
nem de que o mundo existe. Como em um jogo, uma brincadeira, Descartes tentou duvidar até da própria existência.
Por isso, a dúvida metódica costuma ser chamada também de dúvida hiperbólica, isto é, maior do que o normal ou
o esperado, exagerada. Note que é um exercício bastante difícil, pois não é nada natural duvidar de tanta coisa.
Experimente.
Antes de tudo, vejamos por que esse filósofo decidiu empreender tal esforço. O que o teria motivado? A
explicação está no início de suas Meditações.
Há já algum tempo que eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera
muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em
princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que
me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as
opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos,
se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências.
Em outras palavras, Descartes estava desiludido com o que aprendera até então nos estudos e na vida,
depois de perceber que havia muito engano. Aí virou uma pessoa muito desconfiada, mas que não ficou só nisso:
resolveu construir algo diferente, uma nova ciência que garantisse um conhecimento sólido e verdadeiro. Essa era
sua ambição. Para cumprir tal propósito, no entanto, percebeu que era necessário destruir primeiro todas as suas
antigas ideias que fossem duvidosas.
Isso quer dizer que ele já tinha experimentado diversos estranhamentos em sua vida com relação ao que
pensava conhecer e decidiu viver esse processo de duvidar novamente – agora, de maneira voluntária e planejada,
aplicando-o a todas as suas antigas opiniões. Você também pode fazê-lo, e é isso que queremos mostrar. Observe o
caminho seguido por Descartes e procure pensar, sentir e vivenciar com ele cada passo de suas meditações.
As primeiras determinações
[...] não é necessário que examine cada opinião em particular, o que seria um trabalho
infinito; mas, visto que a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto
do edifício, dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas
opiniões antigas estavam apoiadas. (DESCARTES, Meditações, p.17)
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Essa foi a primeira determinação de Descartes na construção da dúvida metódica. Em outras palavras, para
tornar sua tarefa mais fácil, o filósofo decidiu analisar as ideias ou crenças básicas que fundamentavam suas
opiniões. Se esses princípios ou fundamentos eram duvidosos, a outras ideias que deles dependiam também eram
duvidosas.
Esse é um procedimento básico tanto em filosofia como nas ciências em geral: uma ideia falsa ou incerta
não pode ser o fundamento de uma boa explicação, assim como alicerces de gelo ou de gesso não podem sustentar
uma boa construção.
Nesse ponto você pode estar se perguntando: “Mas como Descartes distinguia entre o certo e o
duvidoso? Que critério ele utilizava?” A resposta pode ser encontrada na obra Discurso do Método, na qual o
filósofo explicita a seguinte norma de conduta para si mesmo:
[...] jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente
como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir
em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que
eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. (p. 37; destaques nossos).
Trata-se do critério da evidência: uma ideia é evidente quando se apresenta com tamanho grau de clareza
e distinção ao intelecto – como define Descartes – que não suscita qualquer dúvida. Duvidosa, portanto, é toda ideia
que não pode ser demonstrada com essa mesma clareza, que não passa totalmente pelo crivo da razão. Descartes
decidiu que não aconselharia como verdadeira nenhuma ideia como essa.
Critério: princípio(s) ou norma(s) que se estabelece(m) para orientar alguma tarefa, conduzir algum tipo de estudo
ou estabelecer certas diferenciações de natureza mais abstrata (por exemplo: lógicas, éticas etc.)
Distinção: maneira com que uma ideia ou percepção se distingue e se diferencia de outra; diferenciação.
A dúvida sobre as ideias que nascem dos sentidos
Retomemos à meditação inicial. Descartes começa seu exercício da dúvida questionando os sentidos
como fonte segura de conhecimento.
Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos
sentidos ou pelos sentidos; ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram
enganosos, e é de prudência nunca de fiar inteiramente em que já nos enganou uma vez.
(Meditações, p. 17-18)
Vemos que aqui ele vai contra o senso comum, pois a maioria das pessoas quase sempre confia naquilo
que vê, ouve ou sente. Em geral, acredita-se que os cinco sentidos são a primeira e fundamental fonte de informação
sobre o mundo que nos cerca. Descartes argumenta, no entanto, que o conhecimento que se origina das percepções
sensoriais não é confiável, pois muitas vezes elas nos enganam. É o argumento do erro dos sentidos.
Quantas vezes você viu ou ouviu uma coisa e depois se deu conta de que havia se enganado? Por
exemplo, assistindo uma competição esportiva, no estádio ou pela televisão? Com frequência os espectadores
enxergam coisas distintas em um mesmo lance e acreditam terem tido a visão mais real e certeira possível. O
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mesmo ocorre com outros sentidos (a audição, o olfato, o paladar e o tato): há muita discordância nas percepções
individuais, é difícil o consenso.
Portanto, voltando a Descartes, não seria possível fundar uma ciência universal – que era pretensão dos
filósofos – baseada nas percepções sensoriais. Só que isso não foi assim tão fácil para ele:
Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes no que se refere às coisas pouco
sensíveis e pouco distantes, encontramos talvez muitas outras das quais não se pode
razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio deles: por exemplo, que
eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestindo com um chambre, tendo este papel entre as
mãos e outras coisas desta natureza. E como poderia eu negar que estas mãos e este
corpo sejam meus? (Meditações, p. 18).
Universal: que diz respeito a todas as coisas, que se aplica a todos e a tudo o que existe.
Aqui Descartes confessa sua dificuldade em continuar duvidando dos sentidos quando se trata de algo
muito próximo: o papel em suas mãos, o fogo na lareira que aquece o ambiente, o corpo que vê e sente como seu,
enfim, toda a circunstância que está vivenciando.
Você provavelmente concorda com ele. É bastante difícil duvidar que você tem esta apostila em suas mãos
neste momento e que está lendo estas palavras, não é? Isso parece evidente e verdadeiro. O que poderia abalar
essa impressão tão natural?
O sonho. De repente, Descartes dá-se conta de que poderia estar sonhando:
Quantas vezes ocorreu-me sonhar, durante a noite, que estava neste lugar, que estava
vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse inteiramente nu dentro de meu leito?
[...] pensando cuidadosamente nisso, lembro-me de ter sido muitas vezes enganado,
quando dormia, por semelhantes ilusões. (Meditações, p. 18; destaque nosso).
Em outras palavras, com o argumento do sonho o filósofo voltou à estaca zero em sua busca de certeza,
pois não havia nada que lhe pudesse garantir que o que percebia ao seu redor não era uma ilusão onírica. Às vezes,
os sonhos também parecem muito reais, não é mesmo? Por isso, Descartes decide deixar de lado sua investigação
sobre o conhecimento material por meio dos sentidos e parte para outra fonte.
A dúvida sobre as ideias que nascem da razão
[...] A Aritmética, a Geometria [...], que não tratam senão de coisas muito simples e muito
gerais, sem cuidarem muito em se elas existem ou não a natureza, contêm alguma coisa de
certo e indubitável. Pois quer eu esteja acordado, que eu esteja dormindo, dois mais três
formarão sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados; e não
parece possível que verdades tão patentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou
incerteza. (Descartes, Meditações, p. 19).
Parece, enfim, que Descartes um tipo de conhecimento que não lhe despertasse dúvidas: o conhecimento
matemático. Este não dependeria de objetos externos, apenas da razão e preencheria o critério de verdade por ele
estabelecido: a evidência, o conhecimento claro e distinto. Quem pode contestar o resultado considerado correto de
soma ou de equação matemática, ou a clareza dos postulados geométricos?
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Ninguém. O filósofo sabia disso. Mas, tendo meditado muito sobre o assunto, estava preparado para
enfrentar qualquer objeção. E estava certo de que elas viriam. Assim, avançou mais um passo, elevando o grau de
dificuldade para livrar-se da dúvida (e para enfrentar as objeções).
Todavia, há muito tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus que tudo pode
e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá assegurar que esse
Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo
extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, que eu
tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir de
maneira diferente daquela que eu vejo? E, mesmo, como julgo que algumas vezes os
outros se enganam até nas coisas que eles acreditam saber com maior certeza, pode
ocorrer que Deus tenha desejado que eu me engane todas as vezes em que faço a
adição de dois mais três, ou em que enumero os lados de um quadrado, ou em que julgo
alguma coisa ainda mais fácil, se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso.
(Meditações, p. 19; destaques nossos).
Em outras palavras, por mais certeza que você tenha sobre algo (no caso, o conhecimento matemático), se
existe um ser que criou tudo e é onipotente (Deus), esse ser tem poderes para ter criado você de tal que se engane
sempre, ou seja, que você (e todo mundo) pense sempre que 2+3=5, quando na verdade isso é uma ilusão. Trata-se
do argumento do Deus enganador.
A dúvida generalizada
Esse é um argumento que se dirige às pessoas que acreditam na existência de Deus, seja ele a máxima
divindade cristã ou de qualquer outra crença ou religião. O filósofo reconheceu, porém, que alguns teólogos poderiam
objetar que Deus é um ser perfeito e supremamente bom e lhe repugnaria enganar alguém. O argumento também
não teria força entre aqueles para quem a ideia de Deus é uma fábula (os ateus).
Assim, para enfrentar tanto os mais crentes como os mais descrentes, Descartes criou o último e poderoso
artifício para colocar tudo em dúvida:
Suportei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é soberana fonte de verdade, as certo
gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a
sua indústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os
sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se
serve ara surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo absolutamente
desprovido de mãos, olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas
dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. (Meditações, p. 20; destaques nossos).
Trata-se do argumento do gênio maligno, um ser que não teria a perfeição e a bondade de Deus, como
defendem crentes e teólogos, mas que seria muito poderoso e cheio de estratégias para fazer com que qualquer
pessoa se iluda e se engane sobre tudo. É a generalização da dúvida: o mundo foi colocado entre parênteses.
No que Descartes de fato acreditasse na existência desse ser. Estudiosos da obra cartesiana costumam
interpretar o gênio maligno como um artifício psicológico que o filósofo usou para manter seu espírito alerta, para
não sucumbir à tentação de aceitar qualquer ideia como verdadeira, enfim, para seguir buscando algum
conhecimento evidente e indubitável. O gênio maligno poderia ser entendido, portanto, como uma figura simbólica de
qualquer outra coisa, pessoa ou ideia que seja capaz de nos levar ao erro.
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Qual seria a vantagem de manter esse estado psicológico? A de nos enganarmos facilmente acreditando
conhecer com certeza ago que ainda é incerto.
A descoberta da primeira certeza
Submerso na dúvida hiperbólica, mergulhado no nada, Descartes seguiu buscando o que teria deixado de
levar em conta. Como em um jogo de xadrez ou em um enigma, procurava uma saída para a exigência imposta pela
ideia de que podia haver um gênio maligno que quisesse enganá-lo sempre.
De repente, teve a seguinte intuição com relação a seu próprio ato de duvidar e de pensar:
Eu então, pelo menos, não serei alguma coisa? [...] Mas há algum, não sei qual,
enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar-me
sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me
engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma
coisa. (Meditações, p.23-24; destaques nossos).
Em outras palavras, percebeu que, se um ser enganador o enganava, ele, Descartes, tinha que ser algo
enquanto era enganado. E se duvidava, também devia ser algo que existia enquanto duvidava, mesmo que não
tivesse corpo.
Essa reflexão é resumida de maneira mais clara em sua obra Discurso do método:
[...] enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu,
que pensava, fosse alguma coisa e, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era
tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam
capazes de a abalar; julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio
da Filosofia que procurava. (p. 46)
Observe que o próprio ato de pensar, sem importar os conteúdos, não pode ser colocado em dúvida por
aquele que duvida. Tente duvidar que está pensando agora, neste mesmíssimo instante... Você verá que, enquanto
duvida que está pensando, está pensando, pois é impossível duvidar sem pensar. Portanto, você pensa, com
certeza. Ora, se você pensa, deve haver algo (um ser, que é você) que produz esse pensamento. Daí a conclusão de
Descartes, uma das mais célebres frases da história da filosofia: “Penso, logo existo”, que ficou conhecida como
cogito (forma reduzida de Cogito, ergo sum, a mesma frase em latim).
Essa foi a primeira certeza de Descartes: a de existir como “coisa que pensa” enquanto pensa. Ele ao podia
ainda concluir que há uma coisa corporal, mas pôde afirmar que existe uma coisa pensante. A partir dessa certeza, o
filósofo trataria de alcançar outras certezas, como a existência de Deus e do mundo material.
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Meditações metafísicas (1641)
Menos conhecidas pelo grande público que o Discurso do método, para os filósofos, porém, Meditações
metafísicas constituem a obra mestra de Descartes, livro em torno do qual se articulam todos os outros textos. E
mais: um pilar e um eixo para toda a história da filosofia.
As Meditações devem ser lidas por si mesmas, sem referência histórica ou erudita: Não que não tenham
história, como qualquer outro texto, mas porque traçam um presente eterno e trajetória de um pensamento que
decidiu apoiar-se apenas em si mesmo, contar apenas com suas próprias forças, para ter acesso à verdade.
HUISMAN, Dicionário de obras filosóficas, p. 363.
Aprendendo a filosofar
Depois do estudo da dúvida metódica de Descartes, acreditamos que você tenha compreendido um pouco
mais sobre o que é filosofar como se filosofa.
Você deve ter percebido, entre outras coisas, como é importante aprender a suspender o juízo e a
pesquisar mais profundamente um assunto antes de emitir uma opinião sobre ele. Tudo o que nos parece mais
evidente em um determinado instante pode ser percebido como falso ou incerto se analisado em outro instante e com
mais rigor.
Nesse processo também se descobre, muitas vezes, o sentido ou as razões profundas de certos fatos, atos
ou crenças dos quais tínhamos antes apenas uma compreensão superficial.
Outro aspecto importante que acabamos de trabalhar é a ideia de que a investigação filosófica sobre
determinado tema deve ser conduzida com bastante critério, de maneira metódica e ordenada, em que tudo o que
se diz deve estar bem fundamentado. Como já dissemos, não existe um tipo de método para isso. No caso de
Descartes, aqui vão algumas dicas sobre seu método, seguindo em grande parte até nossos dias pelos cientistas:
. sempre que possível, deve-se partir do mais simples (isto é, daqueles conceitos que podem ser compreendidos
com mais simplicidade, sem depender da compreensão de outros conceitos) até chegar ao mais complexo (isto é,
os conceitos compostos, que pressupõem outros conceitos em seu entendimento). Um exemplo bem fácil: para saber
fazer uma soma (conceito complexo), você precisa entender primeiro o que é número (conceito simples) e, depois, o
conceito de adição (conceito menos simples que números, pois depende deste para ser entendido);
. geralmente se vai do que é básico, dos fundamentos, até o “corpo” completo de um determinado assunto. Por
exemplo: para entender o tema da violência social, comece por compreender aquele que a pratica, o ser humano,
em suas diversas dimensões básicas (mental, emocional e física), bem como sua interação com o meio ambiente,
com outros seres humanos e instituições sociais, e assim progressivamente.
Sabemos, porém, que as conclusões às quais chega um filósofo muitas vezes podem causar frustração
naquele que o acompanhou um tanto interesse. Se isso acaba de acontecer com você, podemos dizer que é
compreensível, mas tenha paciência. Tanto em filosofia como na vida em geral, é importante não ser precipitado nem
preconceituoso, como recomendou o próprio Descartes, principalmente quando se trata de aprender. E é isso o que
você está fazendo agora: aprendendo a aprender, aprendendo a filosofar.
Assim, considere, primeiramente, que você ainda tem pouca “experiência” filosófica e conhecimentos
reduzidos nessa área. Além disso, você é jovem, e a filosofia é algo para toda a vida. Muitos temas ou explicações
oferecidos por determinado pensador fazem mais sentido em certas etapas de nossa existência do que em outras.
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Portanto, vá com calma: se algumas pistas fornecidas por ele não parecem agora ser úteis ou significativas para
você, deixe-as guardadinhas em um canto de sua memória até surgir o momento adequado de resgatá-las. Você não
vai se arrepender disso.
ATIVIDADES
1. Por que o exercício da dúvida realizado por Descartes é conhecido como “dúvida metódica”? E por que também é
chamado de “dúvida radical ou hiperbólica”?
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2. Identifique a real ambição de Descartes ao se propor realizar a dúvida metódica.
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3. Resuma o critério da verdade adotado pelo filósofo para iniciar sua investigação.
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4. O que quer dizer quando se fala em “ideias que nascem dos sentidos” e “ideias que nascem da razão”?
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5. Analise a dúvida metódica de Descartes, explicando seus principais passos ou argumentos, até alcançar a dúvida
hiperbólica.
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6. Qual é a primeira certeza que rompe com a dúvida hiperbólica? Explique como o filósofo chegou a ela.
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7. Interprete o final do último parágrafo da citação do quadro Meditações metafísicas: “[As Meditações] traçam num
presente eterno a trajetória de um pensamento que decidiu apoiar-se em si mesmo, contar apenas com suas próprias
forças, para ter acesso à verdade”.
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