Unidade: Ética e Cidadania Unidade I: 0 Unidade: Ética e Cidadania As teorias antropológicas da cultura Algumas afirmações tornaram-se lugar comum no mundo atual: “As pessoas não têm valores”; “Os jovens não sabem o que é moral”; “Os políticos não têm ética”;“Temos de lutar pela cidadania”. Valores, ética, moral, cidadania...Esses conceitos são utilizados de maneira indiscriminada e sem que as pessoas tenham real noção do que eles realmente significam. É necessário saber o que realmente é um ato moral, qual o sentido de ética e de cidadania. Vamos discutir esse assunto nesta unidade. Os valores. Ao entrar em contato com algo, uma árvore, por exemplo, fazemos uma série de observações em nossa relação com o objeto: sua cor, seu cheiro ou sua beleza. Essas observações são os juízos. Observe: 2º) Realizamos Juízos de Valor: A arvore é bela. A árvore é útil. Atribuímos valor às coisas todo o tempo e isso marca a nossa relação com os objetos. Contudo, o que é valor? Unidade: Ética e Cidadania 1º) Realizamos um Juízo de Realidade: a arvore existe 1 Valor do grego axios (valor) Algo tem valor quando nos afeta. Acaba com a nossa indiferença. A não indiferença é a essência do valor. Os valores são, em um primeiro momento, herdados do mundo cultural em que vivemos, ou seja, aprendemos com os outros o que é belo e o que é feio; aprendemos a andar, correr e brincar. Portanto, é importante perceber que os valores são construídos coletivamente e variam de acordo com a cultura que os gestou. Dentro desses valores estão os éticos ou morais. A Moral e o ato moral Os conceitos de moral e ética são muitas vezes utilizados como sinônimos, aliás possuem uma etimologia semelhante, apesar de designarem coisas diferentes. Ética Moral Origem Latina: Origem grega mos, moris ethos ”maneira de comportar regulada pelo costume . “costume” moralis, morale “relativo aos costumes” Observe que a moral é perpassada por duas importantes dimensões: a pessoal e a coletiva, pois os atos humanos são marcados pela dinâmica entre a liberdade pessoal e a pressão coletiva; entre a aceitação e a recusa das normas criadas socialmente. A criação do mundo moral leva à reflexão sobre os atos cotidianos e levanta a problemática do ato moral. Unidade: Ética e Cidadania Em sentido amplo, a moral é o conjunto de regras de conduta que um grupo admite como ideais numa determinada época e a ética é a parte da Filosofia que se ocupa da reflexão sobre as noções que fundamentam a vida moral. 2 É normativo. Ato Moral As normas que determinam o “dever ser” É fatual. São os atos humanos que se realizam. Amoral= foge da norma. Moral= de acordo com a norma É voluntário e livre. É um ato de vontade que busca um objetivo. É responsável. É um ato como livre e consciente. É solidário. Reciprocidade entre os envolvidos É obrigatório – cria um dever. A consciência moral obriga a ação – autonomia (autodeterminação) Estabelecidas as características do ato moral e determinado que a moral é um ato coletivo, pode-se iniciar as considerações sobre a questão da ética, ou seja, as reflexões da Filosofia sobre a vida moral. considerações Os filósofos antigos consideravam que a vida moral era marcada por um constante choque entre os nossos desejos e a nossa razão. Nesse período, a vida ética era educar as paixões e orientar a vontade no rumo do bem e da felicidade. A finalidade da Ética no mundo antigo era observar a harmonia entre os caráter do sujeito ético e os valores da sociedade. « Os homens de bem querem o bem de uns e outros, do mesmo modo. E por serem homens de bem são amigos dos outros, pelo que os outros são. Estes são assim amigos de uma forma suprema. Querem para os seus amigos o bem que querem para si próprios.» Ética a Nicômaco – Aristóteles. Unidade: Ética e Cidadania Ética: algumas filosóficas. 3 As características principais da ética para os antigos eram: Ética Antiga Racionalista. Agir em conformidade com a razão. Naturalista Agir em conformidade com a Natureza. Somos parte dela. Política Agir considerando a comunidade. Se somos felizes com o outro. O advento do Cristianismo trouxe muitas mudanças, contudo uma das mais importantes foi que a religião cristã não se definiu por pertencer ao Estado ou por estar associada a uma determinada vida cidadã. O Deus cristão se relaciona diretamente com o seu crente, trata-se de uma relação interior e não definida pela participação política. A Fé cristã altera a concepção de ética, que passa ser definida: Ética Cristã Definida por nossa relação com Deus e não com os outros homens. A lei Divina é revelada = temos a obrigação de obedecer: idéia de dever. Unidade: Ética e Cidadania Dotados de Vontade Livre, somos fracos e tentados ao pecado, devemos nos guiar por Deus. 4 A idéia da ação Ética como um ato de dever é uma das marcas da Filosofia Moral ocidental, trata-se de um conceito utilizado até hoje. A Ética Cristã vai contribuir, ainda, com a noção de que é possível distinguir três tipos de condutas morais: Conduta Moral = agir de acordo com as regras. Conduta Imoral = agir contrariando as regras. Conduta Indiferente à Moral = quando agimos em situações não claramente definidas pela moral vigente. Etica Cristã julga não somente as ações e atitudes mas, as intenções invisíveis do ato. - A Consciência Moral é o dever são inatos. São a “voz da Natureza” e o “dedo de Deus” - Nascemos bons e puros, a ação da sociedade nos corrompe. - A Noção de dever Moral somente nos faz lembrar nossa natureza original. - Ao obedecer ao dever moral obedecemos a nós mesmos, aos nossos sentimentos e emoções e não obedecemos à razão que nos faz perversos. - A Razão torna a sociedade perversa Retrato de Jean-Jacques Rousseau (1753) por Maurice Quentin de La Tour. Unidade: Ética e Cidadania A noção dever criada pela ética cristã apresentou um problema interessante para os filósofos. Considerando que o ato moral deve ser autônomo, como ele pode ser um dever? Dois grandes filósofos tentaram responder esse dilema, Rousseau e Kant. 5 - Kant reafirma a importância da razão para uma postura Ética. - Somos egoístas, ambiciosos e cruéis e por isso precisamos da Razão para escolher uma vida moral. - A Razão Prática é a liberdade como instrumento de criação de normas e princípios éticos. - A noção de dever deve ser aplicada a toda a ação moral. - O dever é um imperativo categórico. Ordena incondicionalmente. - A ação moral deve ser pautada por três máximas: 1) determina o que todo o ser humano deve fazer; 2) determina que todos os seres humanos sejam o objetivo da ação; 3) determina que a ação moral cria o reino humano dos fins. Retrato de Imanuel Kant – séc XVIII Autor não conhecido Esses autores apontam um caminho diferente para explicar a ação moral baseada na noção do dever, contudo, a solução de ambos é a mesma: Rousseau Kant O dever de cumprir o ato moral está dentro de nos. É nossa natureza. Rousseau e Kant tratam da Ética na sua dimensão Homem/Natureza e não atentam para as relações HOMEM/CULTURA/HISTÓRIA. Rousseau e Kant tratam a Ética como uma relação pessoal e, na verdade, os laços centrais da relação ética são sociais. As relações sociais são fixadas por instituições, como família, sociedade civil e estado. Unidade: Ética e Cidadania O pensamento de Rousseau e de Kant sobre a questão da Ética foi alvo de duras criticas de outros grande nome da Filosofia: Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Hegel critica ambos, pois considera que trataram a Ética de maneira errônea e as duas observações mais importantes que faz são: 6 - Os seres Humanos são históricos e culturais e sua moralidade resulta da necessidade reguladora da vida em comunidade. - A vida ética é o acordo e a harmonia entre a vontade do indivíduo e a vontade coletiva. - Ser ético é portar-se de acordo com as regras morais da sociedade em que vivemos, internalizando-as. Isso é um ato racional. - A crise de uma sociedade pode ser notada quando suas normas passam a ser transgredidas. Retrato de Hegel (1831) por Jakob Schlesinger Os autores que analisamos até o momento tratam a Ética com um elemento que é fruto da razão humana voltada ao bem geral. Contudo, esses pensadores receberam criticas e, entre elas, destacam-se as apontadas por Nietszche, por outros filósofos inspirados por ele e por Marx. Retrato de Nietszche (1889/1900) por Hans Olde O pensamento de Nietszche tem o mérito de apontar a hipocrisia e a violência da moral vigente trazendo de volta um ideal de felicidade que a sociedade dominada por preconceitos destruiu. Deve-se observar que seu pensamento continua polêmico, pois não se sabe se a violência que ele ponta como purificadora e criadora realmente gera o novo ou somente o caos. Unidade: Ética e Cidadania - A moral racionalista é fruto do pensamento dos fracos e ressentidos que temem a vida, os desejos e as paixões. É a moral dos fracos que pretende escravizar os fortes. - É preciso instituir uma Moral dos senhores ou a Ética dos Melhores. Essa moral é fundada na vontade de potência. - O modelo da Vontade de Potência é encontrado nos guerreiros bons e belos do mundo antigo. - A força de potência gera uma violência purificadora e nova, além de liberar o desejo humano que foi reprimido por uma sociedade de fracos. 7 A crítica de Marx à moral é parte integrante da que faz ao capitalismo e pode ser localizada na crítica que o autor estabelece à ideologia burguesa. - A ideologia representa as crenças de uma determinada classe social. Pode ser utilizada como instrumento de dominação que age através do convencimento, alienando a consciência humana e mascarando a realidade. - Os valores éticos vigentes – liberdade, igualdade, racionalidade, busca pela felicidade etc - são irrealizáveis na sociedade vigente. - A sociedade atual é baseada na violenta exploração do trabalho e a maioria das pessoas não tem condições concretas de atingir esses ideias. - Somente a mudança da sociedade permitirá que a etica se realize Karl Marx – sem referencias. A questão da liberdade: algumas considerações. Um dos conceitos éticos mais conhecidos e discutidos é a liberdade. Trata-se de um conceito utilizado por todos, o tempo todo. Contudo, o que é Liberdade? Vamos buscar alguns sentidos desse termo em alguns filósofos importantes que refletiram sobre o assunto. A questão central da primeira concepção de liberdade é a centralidade do individuo. Unidade: Ética e Cidadania A primeira grande teoria sobre a liberdade foi apresentada por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco e muitas das suas concepções foram retomadas por Sartre. 8 - A liberdade se opõe ao que é condicionado externamente e ao que acontece sem escolha voluntária. - É considerado livre aquele que tem em si mesmo o principio para agir ou não. - A liberdade é o poder absoluto da vontade para se determinar. - A liberdade é a ausência de constrangimentos externos ou internos. Artistoteles por Rafael – Detalhe do Afresco Escola de Atena ( 1509/1510) - A liberdade é uma escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e seu mundo. - Conformar-se, ceder, aceitar ou lutar são escolhas do individuo. - Estamos condenados à liberdade. - Somos agentes livres e responsáveis para criar ou perder nossa própria felicidade. Jean Paul Sartre – Foto do jornal argentino Clarín ( 1983) A segunda concepção de liberdade surgiu no Helenismo, com os estoicos e foi retomada por Espinosa, no século XVIII, e Marx e Hegel, no XIX. As questões centrais dessa concepção podem ser observadas a seguir. Unidade: Ética e Cidadania A questão central dessa primeira concepção de liberdade é a centralidade do indivíduo. Essa concepção afirma que todo o indivíduo é racional, assim como a sociedade e que é livre quando age em conformidade com a lei e para o bem da totalidade. 9 Segunda concepção de liberdade Liberdade é agir sem ser forçado ou constrangido; A liberdade está na realização da vontade do indivíduo, mas na atividade do todo. O indivíduo é parte do todo. Liberdade está no poder do todo de agir em conformidade consigo mesmo sendo, necessariamente, o que é. Essa concepção considera que a liberdade do indivíduo é tomar parte ativa da sociedade e isso significa conhecer as condições e causas que determinam a nossa ação e não ser um fantoche dessas condições. Existe uma terceira concepção de liberdade que procura harmonizar elementos das duas anteriores: a concepção da liberdade como uma possibilidade objetiva. Liberdade e possibilidade objetiva. A liberdade é a capacidade de perceber as possibilidades e o poder de realizar as ações que mudam o sentido das coisas e iniciam uma nova direção. A cidadania: uma possibilidade de felicidade e liberdade? A liberdade sempre é associada à cidadania. Observe o quadro de Eugène Delacroix, A Liberdade guiando o povo, pintado em 1830. Unidade: Ética e Cidadania O possível, portanto, é aquilo que nós criamos por nossa própria ação. A liberdade é simultaneamente a consciência das circunstâncias que nos cercam e as ações que realizamos no intuito de superar essas circunstâncias e construir a felicidade. 10 A liberdade segundo Delacroix O quadro foi pintado em 1830 para comemorar o aniversário da Revolução Francesa, que é considerada um marco da construção da cidadania no mundo contemporâneo. Contudo, o que é cidadania? cidadania da seguinte forma: O jurista brasileiro Dalmo Dallari1 define “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social” Unidade: Ética e Cidadania Esta imagem produzida na França, nos anos de 1790, ilustra como a população via a sua condição. Nela você pode ver o povo carregando a nobreza e o clero nos ombros. 1 DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, p.14. 11 No final da Idade Moderna, começam a surgir diversos questionamentos entre os intelectuais sobre os privilégios que a nobreza e clero insistiam em manter sobre o povo. Nesse momento começam a despontar pensadores que marcariam luta pela conquista da cidadania, como Rousseau, Montesquieu, Diderot, Voltaire e outros. Esses pensadores defendiam o fim dos privilégios e os ideais de liberdade e igualdade como direitos fundamentais do homem e tripartição de poder. Essas ideias dão o suporte definitivo para a estruturação do Estado Moderno. Deve-se observar que a cidadania é encontra-se em permanente construção, trata-se de um objetivo perseguido por aqueles que procuram liberdade, mais direitos, melhores garantias individuais e coletivas. O exercício da cidadania plena pressupõe diversos fatores. Cidadania é Ter direitos e deveres. Viver com dignidade. Ter iberdade de opinião. Ter liberdade de ir e vir, com segurança. Votar e ser votado. Ter participação ativa na comunidade. Unidade: Ética e Cidadania Fiscalizar a ação do estado. 12 Referências ARANHA, Maria Lucia. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. CHAUI, Marilena. A Filosofia como vocação para a liberdade. Estudos Avançados 17 (49): São Paulo, 2003. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. O que é cidadania? - Tribunal Regional Eleitoral do Acre, consultado em 9 de julho de 2009. http://www.tre-ac.gov.br/maiscidadao/Download/cartilha.pdf GALERIA DE IMAGENS: As imagens de clipart podem ser encontradas nos sites: Webweavers – free clipart http://www.webweaver.nu/clipart/ As pinturas e fotografias podem ser encontradas no site: Unidade: Ética e Cidadania http://commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page 13 Responsável pelo Conteúdo: Profª. Dra. 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