FACULDADE SETE DE SETEMBRO – FASETE
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS COM
HABILITAÇÃO EM PORTUGUÊS / INGLÊS
JOELMA VIEIRA
AS MULHERES DE CASTRO ALVES
PAULO AFONSO – BA
JUNHO/2009
JOELMA VIEIRA
AS MULHERES DE CASTRO ALVES
Monografia
apresentada
ao
curso
de
Licenciatura em Letras com habilitação em
Português e Inglês, da Faculdade Sete de
setembro – FASETE, como pré-requisito para
avaliação conclusiva. Sob a orientação do
professor Msc. Sávio Roberto Fonseca de
Freitas.
PAULO AFONSO – BA
JUNHO/2009
Dedico este trabalho ao meu esposo, família,
amigos e professores, que colaboraram nesta
grande caminhada e acima de tudo tiveram
paciência, compreensão, demonstraram amor e
carinho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que me deu força, determinação e discernimento para enfrentar a cada dia
as etapas da vida, dentro e fora da academia.
Ao meu esposo, que foi um dos primeiros a acreditar em mim e na importância da
realização dos meus sonhos, compreendendo as minhas ausências, durante a
minha caminhada profissional e que como prova de amizade e de companheirismo,
sempre me apoiou e me disse as palavras certas nos momentos de angústia, não
deixando que eu desistisse de seguir em frente.
À minha mãe, minha irmã e os meus familiares, que sempre torceram e vibraram por
mim a cada conquista realizada.
Ao meu orientador Sávio Roberto da Fonseca, que me fez seguir pela literatura e
abraçar, com toda paixão e dedicação, a poesia, despertando em mim o amor e o
gosto de conhecer a lírica amorosa de Castro Alves. Com a sua paciência e o seu
apoio, ele me guiou até aqui.
À professora Socorro Almeida, que é também uma das grandes responsáveis pelo
meu encantamento pela área da literatura.
Enfim, agradeço a todos que me incentivaram e me compreenderam ao longo desta
jornada, sem deixar que eu desistisse de concretizar mais um sonho de minha vida
acadêmica.
Amei e amo Castro Alves... Por tudo o que ele obrigou
sua poesia a exprimir, violentado-a e tirando daí um
interesse dramático, menos pela dramaticidade própria
aos assuntos versados do que pela tentativa de fusão
entre o lirismo individual e a consciência política. Mas
amo também em Castro Alves o grande poeta que ele
poderia ter sido, completamente diverso do grande poeta
que apesar de tudo conseguiu ser.
Drummond de Andrade
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo mostrar a representação da mulher romântica na
poética de Castro Alves, por meio da análise de poemas da obra lírico-amorosa e
enfatizar que Castro Alves mesmo compartilhando do projeto literário romântico
nacionalista, rompe alguns cânones, pois ele é um romântico que não segue a linha
de seus predecessores, presos às sugestões do passado. Em seus poemas líricoamorosos a mulher é apresentada de forma real, tocável, a relação sexual acontece,
e a atmosfera divinal que envolve a mulher nas gerações anteriores é substituída por
uma atmosfera sensual. Para o desenvolvimento desse trabalho, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica diversificada com a finalidade de justificar, teoricamente as
idéias construídas. Neste estudo identificamos como Castro Alves representa a
condição da mulher romântica, objeto comum no Romantismo em sua poesia líricoamorosa.
Palavras-chave: Romantismo, Mulher, Poesia, Castro Alves.
ABSTRACT
This work has as objective show the representation of women in the romantic poetry
of Castro Alves, through of the analysis poetry of the work lyric-loving and emphasize
that Castro Alves even sharing the project's literary romantic nationalist, breaks some
canons, because he is a romantic who does not follow the line of its predecessors,
stuck to the suggestions of the past. In his lyrical-loving poems, the woman is
presented of form real, tocável, the sexual relation occurs, and the atmosphere divine
that involve women in previous generations is replaced by a sensual atmosphere.
For the development of this work, was carried out a search bibliographic diverse with
the finality of justify, theoretically the ideas constructed. This estudy identified as
Castro Alves to represent the condition of romantic women, common object in
Romanticism in his liric-loving poetry.
Keywords: Romanticism, Women, poetry, Castro Alves.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10
CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO............................................................... 12
2.1 Panorama do Romantismo Brasileiro...................................................................13
2.2 As Escolhas de Castro Alves.............................................................................. 18
CAPÍTULO II............................................................................................................. 35
3. 1 As mulheres de Castro Alves............................................................................. 36
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 50
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................... 52
10
1 INTRODUÇÃO
Ao ingressar na universidade, fui apresentada a Castro Alves e à sua poesia, o que
me deixou fascinada pela vida e pela forma dele se revelar como poeta. Este
encontro despertou o desejo de conhecê-lo mais e mais, como fazem os
enamorados num momento de encanto e deslumbramento. Então, decidi averiguar
como Castro Alves representa a mulher em sua poesia lírico-amorosa, o que justifica
o título desta pesquisa, As mulheres de Castro Alves. Foi desta maneira que me
tornei uma pesquisadora da obra de Castro Alves e, em especial, de sua lírica
amorosa, passando para meus colegas um pouco da minha paixão e admiração pelo
poeta.
Assim, propomo-nos a análise da poética de Castro Alves, que enfoca a
representação da mulher em sua obra lírico-amorosa, ou seja, a condição da mulher
romântica, objeto comum no Romantismo.
Para o presente trabalho realizou-se uma pesquisa bibliográfica diversificada a partir
de uma revisão de teóricos e críticos da literatura brasileira com a finalidade de
embasar teoricamente as idéias construídas. Este trabalho apresenta-se dividido em
dois capítulos.
O primeiro capítulo é dividido em dois tópicos. O primeiro o ―Panorama do
Romantismo Brasileiro‖ traz informações acerca do movimento romântico, em
especial sobre a poesia romântica brasileira, expondo a ideologia, os valores do
homem deste momento e o contexto histórico-social referente a este movimento
literário. E o segundo tópico, traz as escolhas de Castro Alves para a composição de
suas poesias e o avanço da poesia lírico-amorosa dele, apresentando uma
concepção da mulher totalmente diferente da mulher romântica tradicional.
No segundo capítulo, ―As mulheres de Castro Alves‖, analisamos o perfil da mulher
castroalvina, em sua poesia Lírico-amorosa, a partir da leitura dos poemas ―Marieta‖
(Os anjos da meia-noite), ―Fabíola‖ (Os anjos da meia-noite), ―Dalila‖, ―Boa-noite‖, ―O
gondoleiro do amor‖ e ―O adeus de Teresa‖, nos quais ele apresenta uma mulher
11
carnal, mais envolvente, corporificada e movida pela paixão, distanciando-a do perfil
feminino idealizado das primeiras gerações do Romantismo.
12
CAPÍTULO I
13
CAPÍTULO I – REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 PANORAMA DO ROMANTISMO BRASILEIRO
De acordo com Moisés (322-323) o Romantismo como momento estético, inicia-se
na Europa no final do século XVIII, estendendo-se até o final do século XIX. Seu
surgimento, porém, acontece no período imediatamente posterior à Revolução
Francesa. Sendo que esta foi o apogeu de um processo revolucionário que se
iniciou na Europa no final do século XVIII, marcando o radical descontentamento em
relação à maneira como a aristocracia governava toda a sociedade. Esta revolução
resultou no desejo de romper com um mundo constituído a partir dos princípios
feudais, em que se opunha o grande poder dos senhores ao servilismo do povo. Ou
seja, lutava-se por uma sociedade mais harmônica, em que os direitos individuais
fossem respeitados e a partir disso, Liberdade, Igualdade e Fraternidade
transformaram-se nas palavras de ordem da época.
A Revolução Francesa foi
responsável pelo golpe definitivo no absolutismo e, conseqüentemente, na
aristocracia. Pois desta forma, o absolutismo cedeu espaço ao liberalismo, corrente
filosófica fundamentada na crença da capacidade individual do homem. Essas
revoluções geraram inúmeras mudanças no estilo de vida das pessoas.
O Romantismo foi um dos movimentos mais revolucionário da História, por
representar um rompimento brusco no uso dos aspectos formais e estruturais da
literatura. Pois no Classicismo há uma preocupação em obedecer à risca às regras e
aos preceitos estéticos. Busca-se a perfeição através da sujeição a normas rígidas
de conteúdo e formas. Também há uma busca pelo rigor na métrica e na rima e o
uso da ordem inversa e uma enorme preocupação com correção gramatical.
Observem o (Canto Décimo, Os Lusíadas, soneto I) de Camões ―Eu cantarei de
amor tão docemente‖, pois apresenta a sujeição as regras rígidas de conteúdo e de
forma:
Canto Décimo
Os Lusíadas
Soneto I
14
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns têrmos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.
Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.
Também, Senhora, do desprêzo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.
Porém, para cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa,
Aqui falta saber, engenho e arte.1
(CAMÕES, Luís de)
Já no Romantismo todo tipo de padrão clássico preestabelecido é abolido. O escritor
romântico recusa formas poéticas, usa o verso livre e branco, libertando-se dos
modelos greco-latinos, tão valorizados pelos clássicos, aproximando-se da
linguagem coloquial.
Segundo
Cândido
(1997:
203-205)
o
Romantismo
caracteriza-se
pelo
sentimentalismo, pelo sonho, pelo devaneio, por uma atitude emotiva, subjetiva,
diante das coisas. O romântico ao contrário dos clássicos exprime a insatisfação do
mundo contemporâneo: inquietude, tristeza, aspiração vaga, anseio de algo melhor
do que a realidade, inconformismo social, ideais políticos e de liberdade, tendo o
coração como medida da sua existência. Também cultiva o amor e a confidência ou
vai à renúncia e isolamento buscando a natureza; o sentimento religioso, amor à
pátria e à humanidade; salta de dentro de si para as grandes causas sociais e da
realidade.
No Brasil o Romantismo tem início em 1836, com a publicação do livro “Suspiros
Poéticos e Saudades” de Gonçalves de Magalhães, e coincide com a independência
política em 1822, o Segundo reinado, a guerra do Paraguai e a campanha
1
CAMÕES, Luís de – Poesias. Disponível em: <http://bardo.castelodotempo.com/poesias/eucantarei-de-amor-tao-docemente-camoes>; Acesso em 01/03/2009
15
abolicionista. É neste ambiente confuso e inseguro que nasce o Romantismo
brasileiro, carregado de lusofobia e, principalmente, de nacionalismo.
Após 1822, o sentimento de nacionalismo cresce, despertando a consciência
nacional e a busca pela definição da identidade brasileira, gerando assim
necessidade de se fazer uma propaganda positiva do país no mundo inteiro. Então,
o Romantismo brasileiro repete as mesmas características do Romantismo europeu,
porém com traços específicos do nosso país, visto que nossos escritores tinham
consciência da necessidade de criar uma literatura que traduzisse a realidade
brasileira. Pois a criação de uma literatura independente e diferente da portuguesa
deveria equivaler, no plano cultural, ao que a proclamação da independência
representou no plano político.
Por esta razão, os nossos artistas buscam sua fonte de inspiração nas raízes précoloniais e utilizam a natureza, as questões sociais e políticas do país para valorizar
o patrimônio cultural brasileiro. Na Europa, eles acharam no cavaleiro fiel à pátria um
modo de retratar as culturas de seu país. Mas como o Brasil não tinha um passado
medieval, com seus heróis típicos como os europeus, alguns artistas foram buscar
sua inspiração na cultura indígena para simbolizar as origens heróicas brasileiras.
Portanto, a figura do índio idealizada como herói nacional, foi uma das formas que
os autores do Romantismo encontraram para equiparar o antepassado brasileiro ao
europeu, já que o indianismo resgatava o ideal do "bom selvagem" (Jean-Jacques
Rousseau), segundo o qual a sociedade corrompe o homem e o homem perfeito
seria o índio, que não tinha nenhum contato com a sociedade européia.
No Brasil, a poesia romântica surge em meio aos fervores independentistas da
primeira metade do século XIX, sendo marcada, num primeiro momento, pelo teor
patriótico, de afirmação nacional, de compreensão do que era ser brasileiro, ou pela
expressão do eu, isto é, pela expressão dos sentimentos mais íntimos, dos desejos
mais pessoais, diferente do ideal de imitação da natureza presente na poesia
árcade. Os românticos romperam com a rigidez formal da poesia, preferindo a
liberdade de criação. Isto tudo seguido de uma revolução na linguagem poética, que
passou a buscar uma proximidade com o cotidiano das pessoas e com a linguagem
do dia-a-dia.
16
Em relação ao Romantismo propriamente dito, Oliveira e Rafael (2000: 15-23)
afirmam que este momento foi dividido em três gerações distintas: geração
Nacionalista ou Indianista; geração do “Mal-do-século”, Byroniana ou Ultra-romântica
e a geração Condoreira ou Hugoana. Deste modo, todos os poetas românticos
foram enquadrados dentro de uma dessas gerações de acordo com as
características e vertentes assumidas por cada um deles.
Na primeira geração os autores empenhavam-se na definição de uma temática
nacional. Um dos principais temas abordados na poesia desse período foi o
nacionalismo, expresso através da valorização dos índios como heróis nacionais
(indianismo) e da exaltação da terra brasileira. Também foram trabalhados outros
temas, como o saudosismo, caracterizado pela recordação do passado individual
(infância e adolescência), pois o momento da infância era entendido como um
período seguro, sem preocupações, pleno de pureza e inocência. Do mesmo modo
a religiosidade, precisamente o cristianismo medieval e alguns elementos do
pessimismo resultante do mal-do-século. Nessa geração, o amor é angelical,
idealizado e cortês. O homem é um cavaleiro e a mulher, verdadeira princesa, a
mais bela dentre todas. Ela é jovem, adolescente e virgem, puríssima, imaculada. O
homem dá-se por muito feliz se puder apenas cantar sua senhora, cobrir-lhe de
glórias e andar seguindo seus pés, pensando nela, apenas. Mesmo no plano do
pensamento, não observamos sensualidade, muito menos sexo. O amor é puro, o
homem é protetor submisso, e nada de concreto se realiza entre os amantes, devido
à enorme distância entre ambos. Há muita contemplação e pouca ação. Lembra
bastante o trovadorismo medieval. Entre os principais autores, destacam-se
Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto.
Essa segunda geração recebeu forte influência de poetas europeus principalmente
do inglês George Gordon Byron (1788-1824), mais conhecido como Lord Byron. É
impregnada de egocentrismo, negativismo boêmio, pessimismo, dúvida, desilusão
adolescente e tédio constante. O ultra-romântico fecha-se em si mesmo, pois se vê
insatisfeito com a realidade circundante. Dessa forma, por vezes parte para
devaneio, para o erotismo obsessivo ou mesmo demonstra melancolia e tédio diante
da vida. Devido a seu estado depressivo, anseia a morte, que se mostra como a
única solução para seus problemas. Pode-se notar que nessa geração já se tem um
17
início de sensualidade, apesar de fortemente reprimida e muito conflituosa, pois o
poeta sugere que deseja carnalmente a amada, porém, em virtude da idealização
feminina extrema, ele se sente inferior e indigno de tocá-la. Ressaltamos que uma
das características mais forte dessa geração é o medo de amar, em conflito com o
forte desejo de consumar o amor. Os principais poetas dessa geração foram Álvares
de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.
Já na terceira geração romântica os poetas voltam sua atenção para a decadência
da monarquia e para as lutas abolicionistas. Entre os temas recorrentes, figura o
sofrimento dos escravos, merecendo destaque no tratamento dessa questão o
baiano Castro Alves, que ficou conhecido como “o poeta dos escravos”. Essa
geração é chamada de condoreira, devido ao simbolismo do condor, ave que voa a
grandes alturas, transmitindo-nos a sensação de liberdade. Além disso, os poetas
desse período demonstram altivez e grandiloqüência, características que se
assemelham às da ave.
Nesse período, a poesia torna-se uma forma de protesto político e de denúncia das
injustiças sociais. O intimismo amoroso já se faz presente, a realização é plena, ou
seja, deseja-se e faz-se. Nessa última geração acabaram-se as idealizações e veio,
forte, a consumação erótica do amor. O principal representante dessa fase foi Castro
Alves, seguido por Tobias Barreto e Sousândrade.
Portanto podemos notar no poema ―Os três amores‖, de Castro Alves, as três
gerações românticas. Nele, cada estrofe corresponde a uma fase do movimento
romântico: na primeira estrofe, vemos o amor cortês; na segunda, o ultraromantismo e na terceira, o amor sensual.
I
Minh´alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes,
- Tu és Eleonora...
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II
Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu, teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
- E tu és Julieta...
III
Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és - Júlia, a Espanhola!...
(ALVES; 2005; p. 51-52)
2.2 AS ESCOLHAS DE CASTRO ALVES.
No período em que Castro Alves viveu (1847-1871), ainda existia a escravidão no
Brasil. Diante desse fato, Afrânio Coutinho (1947: 44) destaca que esse contexto foi
decisivo para consolidação do repertório do poeta. Logo a escravidão foi o tema
mais freqüente de seus poemas de sentido social. Castro Alves, mesmo
compartilhando do projeto literário romântico nacionalista, rompeu alguns cânones
ao cantar o escravo, pois o jovem baiano foi capaz de compreender as dificuldades
dos negros escravizados e manifestou toda sua sensibilidade escrevendo versos de
protesto contra a situação a qual os negros eram submetidos, razão pela qual ficou
conhecido como “Poeta dos Escravos”.
A poesia de Castro Alves se distingue em duas vertentes distintas: a feição social e
humanitária, em que alcança momentos de fulgurante eloqüência épica e a feição
lírico-amorosa, mesclada da sensualidade de um autêntico filho dos trópicos. Porém,
com intenso vigor poético e inspirada lírica, o poeta dedicou-se, sobretudo, à
temática humana e social, combatendo o tráfico negreiro e defendendo a abolição.
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Enquanto poeta social, extremamente sensível às inspirações revolucionárias e
liberais do século XIX, Castro Alves viveu com intensidade os grandes episódios
históricos do seu tempo e foi, no Brasil, o anunciador da Abolição e da República,
devotando-se apaixonadamente à causa abolicionista.
A poesia social de Castro Alves é caracterizada pelo discurso retórico, declamativo,
uso exagerado de hipérboles e antíteses, acúmulo sucessivo de metáforas,
movimento, com o objetivo de demonstrar concretamente o ritmo da luta da
humanidade em busca da liberdade e impressionante capacidade de comunicação.
Como se pode destacar no poema ―Pedro Ivo‖:
Rebramam os ventos... Da negra tormenta
Nos montes de nuvens galopa o corcel...
Relincha – troveja... galgando no espaço
Mil raios desperta co‘as patas revel.
É noite de horrores... nas grunas celestes,
Nas naves etéreas o vento gemeu...
E os astros fugiram, qual um bando de garças
Das águas revoltas do lago do céu.
Dorme, cidade maldita,
Teu sono de escravidão!...
Dorme, vestal da pureza,
Sobre os coxins do Sultão!...
Dorme, filha da Geórgia,
Prostituta em negra orgia
Sê hoje Lucrecia Bórgia
Da desonra no Balcão!...
(ALVES; 2005; p. 72-81).
Castro Alves foi influenciado diretamente pela poesia social de Victor Hugo - o
Condoreirismo é o hugoanismo brasileiro. De teor declamativo e pendor social, um
de seus símbolos mais freqüentes é a imagem do condor dos Andes, pássaro que
representa a liberdade da América, o que sugeriu a Capistrano de Abreu a
denominação dada ao estilo. A forma mais típica dessa poesia é a décima composta
de uma quadra (abab ou abcb) e uma sextilha (ddeffe) de versos heptassílabos,
como na poesia ―O Livro e a América‖ de Espumas Flutuantes:
20
Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto –
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.
(ALVES; 2005; p. 32-35).
Sua produção literária assume a denúncia. Castro Alves se utiliza da declamação,
em voga na época, em teatros e comícios estudantis, muitas vezes de improviso,
quebrando, para os jovens estudantes e seus familiares, o silêncio sobre escravos e
escravidão imposto pela marca colonial e difundido no Império. Como se pode ver
no poema ―O século‖, no qual canta a liberdade dos escravos – um sonho no seu
imaginário – e conclama a participação de todos os brasileiros para a luta por Justiça
e Liberdade:
Lutai... Há uma lei sublime
Que diz: ―à sombra do crime
Há de a vingança murchar‖.
Não ouvis do Norte um grito,
Que bate aos pés do infinito,
Que vai Franklin despertar?
Em busca desta liberdade:
Basta!... Eu sei que a mocidade
É o Moisés no Sinai;
Das mãos do Eterno recebe
As tábuas da lei! marchai!
Quem cai na luta com glória,
Tomba nos braços da História,
No coração do Brasil!
Moços do topo dos Andes,
Pirâmides vastas, grandes,
Vos contemplam séculos mil!
(ALVES; 2003; p. 25-29).
Como poucos poetas, pode identificar-se com os anseios do povo, e, mais ainda
com a sua ânsia de liberdade e aquela íntima necessidade de estar ao lado das
causas justas, em defesa dos oprimidos e sofredores. Como se pode observar que
21
ao aderir o abolicionismo em 1964, Castro Alves passou a defender as liberdades
públicas em geral por prontamente ter proclamado, por exemplo, "O povo ao poder":
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor!
Senhor!... pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua seu...
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
(DANTAS; 1979; p. 220)
Ele quebrou o silêncio sobre o negro escravo e a escravidão, ditado pela
colonização na história e na literatura do país. Sua poesia deu visibilidade ao “outro”,
àquele que veio do outro lado do Atlântico pela força bruta da máquina escravocrata,
contribuindo para que o diferente despontasse na sociedade brasileira no período
em pauta. O poeta expõe a vida do cativo, negro ou mestiço, sujeito à crueldade dos
senhores, destaca ainda a África chorando seus filhos africanos escravizados na
Europa e América, como se pode perceber no trecho do Poema ―Vozes d‘África‖:
―Deus! Ó Deus, onde estás que não respondes?‖. O eu – lírico, neste poema, é a
própria África que se queixa a Deus pela desventura de ver seus filhos arrebatados
do solo pátrio para serem escravizados, lançados ao desamparo e brutalmente
colonizados pelas potências européias no século XIX:
Deus! ó Deus, onde estás que não respondes!
Em que mundo, em que estrela tu te escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...
Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É pois teu peito eterno inexaurível
De vingança e rancor?
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais, que assim me oprime
Teu gládio vingador?!
(ALVES; 2003; p. 109-112).
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Castro Alves foi um dos mais impetuoso e engajado à causa social e humanitária do
abolicionismo. Ele procurou aprofundar as implicações humanas da escravatura
adequando a sua eloqüência condoreira à luta abolicionista. Representa o escravo
de modo romanticamente trágico para despertar a sociedade, habituada a três
séculos de escravidão, para o que há de mais desumano neste regime. O maior
exemplo desta representação está em ―A Cachoeira de Paulo Afonso‖, longo poema
narrativo, escrito em 1870, o qual narra a história de amor de dois escravos, Lucas e
Maria (Diálogo dos Ecos).
E chegou-se p‘ra a vivenda
Risonho, calmo, feliz...
Escutou... mas só ao longe
Cantavam as juritis...
Murmurou: ―Vou surpr‘endê-la!‖
E a porta ao toque cedeu...
―Talvez agora sonhando
Diz meu nome o lábio seu,
Que a dormir nada prevê...‖
E o eco responde: — Vê!...
―Como a casa está tão triste
Que aperto no coração!...
Maria!... Ninguém responde!
Maria, não ouves, não?...
Aqui vejo uma saudade
Nos braços de sua cruz...
Que querem dizer tais prantos,
Que rolam tantos, tantos,
Sobre as faces da saudade
Sobre os braços de Jesus?...
Oh! quem me empresta uma luz?...
Quem me arranca a ansiedade,
Que no meu peito nasceu?
Quem deste negro mistério
Me rasga o sombrio véu?...‖
E o eco responde: — Eu!...
E chegou-se para o leito
Da casta flor do sertão...
Apertou co‘a mão convulsa
O punhal e o coração!...
‗Stava inda tépido o ninho
Cheio de aromas suaves...
E — como a pena, que as aves
Deixam no musgo ao voar, —
Um anel de seus cabelos
Jazia cortado a esmo
Como relíquia no altar!...
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Talvez prendendo nos elos
Mil suspiros, mil anelos,
Mil soluços, mil desvelos,
Que ela deu-lhes p'ra guardar!...
E o pranto em baga a rolar...
"Onde a pomba foi perder-se?
Que céu minha estrela encerra?
Maria, pobre criança,
Que fazes tu sobre a terra?"
E o eco responde: — Erra!
"Partiste! Nem te lembraste
Deste martírio sem fim!...
Não! perdoa... tu choraste
E os prantos, que derramaste
Foram vertidos por mim...
Houve pois um braço estranho
Robusto, feroz, tamanho,
Que pôde esmagar-te assim?..."
E o eco responde: — Sim!
E rugiu: "Vingança! guerra!
Pela flor, que me deixaste,
Pela cruz em que rezaste,
E que teus prantos encerra!
Eu juro guerra de morte
A quem feriu desta sorte
O anjo puro da terra...
Vê como este braço é forte!
Vê como é rijo este ferro!
Meu golpe é certo... não erro.
Onde há sangue, sangue escorre!...
Vilão! Deste ferro e braço,
Nem a terra, nem o espaço,
Nem mesmo Deus te socorre!!..."
E o eco responde: — Corre!
Como o cão ele em torno o ar aspira,
Depois se orientou.
Fareja as ervas... descobriu a pista
E rápido marchou.
No entanto sobre as águas, que cintilam,
Como o dorso de enorme crocodilo,
Já manso e manso escoa-se a canoa;
Parecia assim vista — ao sol poente —
24
Esses ninhos, que o vento lança às águas,
E que na enchente vão boiando à toa!...2
(ALVES, Castro)
Castro Alves, um dos maiores representante da última geração romântica, diferente
dos seus predecessores, como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo, projeta o
drama interior do escritor (o eu), sua intensa contradição psicológica, sobre o
mundo. Enquanto que, para a geração anterior, o conflito faz o escritor voltar-se
sobre si mesmo, pois a desarmonia é resultado das lutas internas, para Castro
Alves, são as lutas externas (do homem contra a sociedade, do oprimido contra o
opressor) que provocam essa desarmonia. É outro modo de representar o conflito
entre o bem e o mal, tão prezado pelos românticos. Como se pode notar no poema,
"O Século":
O século é grande ... No espaço
Há um drama de treva e luz.
Como Cristo - a liberdade
Sangra no poste da cruz.
Um corvo escuro, anegrado
Obumbra o manto azulado,
Das asas d'águia dos céus...
Arquejam peitos e frontes...
Nos lábios dos horizontes
Há um riso de luz ... É Deus.
(ALVES; 2003; p. 25-29).
Portanto, a poética deve se identificar profundamente com o ritmo da vida social e
expressar o processo de busca da humanidade por redenção, justiça e liberdade. O
poeta "condoreiro" tem um papel messiânico e afinado com o seu momento
histórico. Esse comprometimento faz a poesia se aproximar do discurso,
incorporando ênfase a oratória e a eloqüência.
Nos poemas de caráter político-social de Castro Alves, como O Livro e a América,
Ode ao Dous de Julho e Pedro Ivo, a poesia é suplantada pelo discurso político
grandiloqüente e até verborrágico. Para atingir o alvo e persuadir o leitor e, muito
2
ALVES, Castro – Poesias. Disponível em:
<https://literaturadobrasil.websiteseguro.com/livro.php?livro=22>; Acesso em 01/05/2009
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mais, o ouvinte, o poeta abusa de antíteses e hipérboles e apresenta uma sucessão
vertiniginosa de metáforas que procuram traduzir a mesma idéia. A poesia é feita
para ser declamada e o exagero das imagens é intencional, deliberado, para reforçar
a idéia do poema. Os versos devem ressoar e traduzir o constante movimento de
forças antagônicas, como em ―Ode ao Dous de Julho‖:
Era no dous de julho. A pugna imensa
Travara-se nos cerros da Bahia...
O anjo da morte pálido cosia
Uma vasta mortalha em Pirajá
(...)
Era o porvir -- em frente do passado,
A Liberdade -- em frente à Escravidão,
Era a luta das águias -- e do abutre,
A revolta do pulso -- contra os ferros,
O pugilato da razão -- com os erros,
O duelo da treva -- e do clarão!...
(ALVES; 2005; p. 47-50).
O abolicionismo foi fator importante para o progresso da maioria dos poetas
românticos, ou seja, a poesia humanitária fez com que os poetas pudessem
explicitar toda a visão de mundo da realidade que no momento vivenciavam, como
forma de expor suas opiniões e ao mesmo tempo abrir os olhos do povo para o que
estava ocorrendo naquele momento presente com clareza. Como evidencia Castro
Alves, a realidade presente numa postura abolicionista a partir da obra "Os
escravos". Como se pode ressaltar no poema ―Tragédia no lar‖ que para convencer
ouvinte/leitor sobre a situação que os escravos viviam, Castro Alves convida-o a
descer à senzala e conhecer o terrível drama humano que lá se encena:
Leitor, se não tens desprezo
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcance cruel,
Vem comigo, mas ... cuidado ...
Que o teu vestido bordado
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordei.
(. . .)
Vinde ver como rasgam-se as entranhas
De uma raça de novos Prometeus,
Ai, vamos ver guilhotinadas almas
Da senzala nos vivos mausoléus.
(ALVES; 2003; p. 45-51).
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Castro Alves foi um dos introdutores do tema do escravo na poesia brasileira,
tratando-o como herói, como ser integralmente humano. E neste clima, Castro Alves
incorporou em definitivo o negro à literatura,
dando-lhe, além do clamor de revolta, atmosfera de dignidade lírica,
educado pela literatura de Victor Hugo, tendo horizontes mais
amplos e interessado não apenas em poesias com sentimentos e
emoções, mas pela realidade que o cercava e defendeu a república,
a liberdade e a igualdade de classes sociais. O poeta cultivou o
egocentrismo, ou seja, diferenciou-se dos românticos tradicionais,
seus versos eram potentes armas que conduziram à luta da
abolição, que retratavam uma realidade aparentemente tão distante
de nosso tempo e ao mesmo tempo tão palpável no cotidiano dos
dias atuais. (CANDIDO; 1975; p. 251).
A escravidão foi o tema mais assíduo dos poemas de sentido social de Castro Alves,
mas ele também cultivou a poesia lírica, sendo um grande poeta do amor e da
morte, e esses temas existenciais avultam em sua obra Espumas Flutuantes,
deixando em segundo plano a poesia de fundo cívico e social que também se
encontra no livro.
A poesia lírico-amorosa de Castro Alves, reunida em Espumas Flutuantes,
diferencia-se dos românticos anteriores pela visão poética do amor como sentimento
plenamente vivenciado e concretizado no plano emocional e no plano físico. O amor
é descrito com vigor, desejo e sensualidade, através de metáforas da natureza. A
mulher amada é acessível, de carne e osso e a paixão envolve e motiva o poeta a
traduzir o relacionamento amoroso em versos.
A paixão concreta, ardente e fecunda por Eugênia Câmara influenciou sua visão
poética do amor. Essa visão pode ser classificada não só como sentimental, mas
também como sensual, entendida como uma poesia que apela aos sentidos
(sensorial). É desse período o poema ―O Gondoleiro do Amor‖, em que a descrição
da amada é carregada de uma sensualidade sem precedentes no romantismo
brasileiro:
Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;
Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no languor
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Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!?
(ALVES; 2005; p. 55-56).
Sua expressão amorosa é carregada de sensualidade, e a representação da mulher,
nos melhores momentos de seus poemas eróticos, é marcada por uma realidade,
uma "carnalidade" inteiramente ausente da poesia de seus contemporâneos e
predecessores imediatos, que tendiam à pura idealização feminina, seja na figura da
mulher-anjo, seja na da mulher-demônio.
A experiência do amor com a atriz inspirou seus mais belos poemas de esperança,
euforia, desespero e saudade, como ―É Tarde‖. Pela primeira vez, a poesia é
motivada pela paixão e pelo envolvimento do poeta, e a dor não se traduz em
lamentos e queixas. Seu sentimentalismo amoroso é maduro, adulto, e se realiza em
sua plenitude carnal e emocional.
Castro Alves transforma a realidade imediata da sua experiência amorosa em
criação poética e utiliza-se, para traduzir esse movimento de união entre vida e arte,
de metáforas (imagens) ligadas à natureza, como revela o poema ―Aves de
Arribação‖:
É noite! Treme a lâmpada medrosa
Velando a longa noite do poeta...
Além, sob as cortinas transparentes,
Ela dorme, formosa Julieta!
Entram pela janela quase aberta
Da meia-noite os preguiçosos ventos
E a lua beija o seio alvinitente
-- Flor que abrira das noites aos relentos.
O Poeta trabalha!... A fonte pálida
Guarda talvez fatídica tristeza...
Que importa? A inspiração lhe acende o verso
Tendo por musa -- o amor e a natureza!
E como o cactus desabrocha a medo
Das noites tropicais na mansa calma,
A estrofe entreabre a pétala mimosa
Perfumada da essência de sua alma.
(ALVES; 2005; p. 142-145).
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Como poeta romântico, Castro Alves caracteriza-se pelo vigor da paixão, a
intensidade com que exprime o amor, como desejo, frêmito, encantamento da alma
e do corpo, superando completamente os primeiros românticos. Embora a sua lírica
amorosa de ainda contenha um ou outro vestígio do amor platônico e da idealização
da mulher, de modo geral ela representa um avanço decisivo na tradição poética
brasileira, por ter abandonado tanto o amor convencional e abstrato dos clássicos
quanto o amor cheio de medo e culpa dos primeiros românticos.
Castro Alves é um caso singular entre os nossos românticos, pois ele transformou a
poesia lírico-amorosa do romantismo, mudando a concepção temática do amor.
Seus poemas, muitas vezes de fundo autobiográfico, destacam-se pelo vigor da
paixão, pela intensidade na expressão do sentimento e da experiência amorosa
realizada também no plano físico, enquanto desejo e envolvimento sentimental e
carnal. Isso o diferencia dos poetas das gerações românticas precedentes, cuja
poesia se dirige a uma amada distante, idealizada, intocada e etérea. Observe no
poema ―Lélia‖ (Lira dos Vinte Anos) de Álvares de Azevedo:
Passou talvez ao alvejar da lua,
Como incerta visão na praia fria...
Mas o vento do mar não escutou-lhe
Uma voz a seu Deus!...ela não cria!
Uma noite, aos murmúrios do piano
Pálida misturou um canto aéreo...
Parecia de amor tremer-lhe a vida
Revelando nos lábios um mistério!
Porém, quando expirou a voz nos lábios,
Ergueu sem pranto a fronte descorada,
Pousou a fria mão no seio imóvel,
Sentou-se no divã... sempre gelada!
Passou talvez do cemitério à sombra
Mas nunca numa cruz deixou seu ramo,
Ninguém se lembra de lhe ter ouvido
Numa febre de amor dizer: "eu amo!"
Não chora por ninguém... e quando, à noite,
Lhe beija o sono as pálpebras sombrias
Não procura seu anjo à cabeceira
E não tem orações, mas ironias!
Nunca na terra uma alma de poeta,
Chorosa, palpitante e gemebunda
Achou nessa mulher um hino d‘alma
E uma flor para a fronte moribunda.
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Lira sem cordas não vibrou d‘enlevo,
As notas puras da paixão ignora,
Não teve nunca n‘alma adormecida
O fogo que inebria e que devora!
Descrê. Derrama fel em cada riso,
Alma estéril não sonha uma utopia...
Anjo maldito salpicou veneno
Nos lábios que tressuam de ironia.
É formosa, contudo. Há dessa imagem
No silêncio da estátua alabastrina
Como um anjo perdido que ressumbra
Nos olhos negros da mulher divina.
Há nesse ardente olhar que gela e vibra,
Na voz que faz tremer e que apaixona
O gênio de Satã que transverbera,
E o langor pensativo da Madona!
É formosa, meu Deus! Desde que a vi
Na minh‘alma suspira a sombra dela...
E sinto que podia nesta vida
Num seu lânguido olhar morrer por ela.
(AZEVEDO; 1994; p. 232)
Podemos notar no poema acima que a mulher era cultuada, divinizada, um ser
distante, intocável, ou seja, a mulher era idealizada por aquele que a amava. Esta
idealização fica explícita por meio dos elogios de que era objeto e na sensação de
que o amado não era digno de merecer o amor desta mulher. Percebemos também
a sensualidade reprimida por meio dos vocábulos langor, lânguido, entre outros
usados no poema pelo autor.
Castro Alves, pelo contrário, freqüentemente inspirado em nível autobiográfico,
enfatiza o vigor da paixão, a intensidade do sentimento e inclusive a experiência
amorosa realizada no plano físico. A amada do poeta é de carne e osso, não é fruto
da imaginação adolescente, como para os poetas que o antecederam. O poema ―O
‗Adeus‘ de Teresa‖ é um exemplo dessa amada, que passa a noite com o eu lírico:
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
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Era eu... Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me: "Adeus!"
... e "tem o pé no chão", como no poema Adormecida:
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
(ALVES; 2005; p. 65-66).
A poesia lírico-amorosa de Castro Alves, reunida em Espumas Flutuantes, revelou
uma importante diferença do exagero sentimentalóide dos românticos precedentes.
Por conterem uma sensualidade explícita e uma visão poética do amor como
sentimento plenamente vivenciado e concretizado no plano emocional e no plano
físico, ao contrário da musa das gerações anteriores, tão etéreas. A visão de amor
que percebemos no eu lírico não deixa de ser sentimental, não chega a ser vulgar: é
sensual, carnal (com toda a diferença que cabe às palavras sensual e obsceno).
Aqui Castro Alves usa de uma linguagem delicada, mas visivelmente cálida, como
se pode perceber na sexta estrofe do poema ―Boa – Noite‖:
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas...
- São as asas do arcanjo dos amores.
(ALVES; 2005; p. 83-85).
A poesia lírico-amorosa de Castro Alves evolui de um campo de idealização para
uma concretização das virgens sonhadas pelos românticos. Percebe-se, em seus
versos, uma mulher mais real, de carne e osso, sensual com forte dosagem erótica.
As ligações sentimentais são apresentadas de uma maneira viril, sensual e calorosa.
Em vez de "virgem pálida", a mulher de boa parte dos poemas de Castro Alves é um
ser corporificado e, mais que isso, participa ativamente do envolvimento amoroso. E
o amor é viável, concreto, capaz de trazer tanto a felicidade e o prazer quanto à dor.
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
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Boa-noite!... E tu dizes – Boa-noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
(ALVES; 2005; p. 83-85).
Deste modo podemos perceber que a paixão nítida que se evidencia nos versos do
poema ―Boa Noite‖, é um sentimento-relacionamento vivenciado. Não é sofrível, a
não ser pela dificuldade encontrada pelos amantes para se separarem após uma
noite de amor.
A lírica amorosa de Castro Alves recorre também aos sentidos, utilizando figuras de
linguagem como a metáfora (Mas não mo digas descobrindo o peito, / - Mar de
amor onde vagam meus desejos!, Fechemos sobre nós estas cortinas... / - São as
asas do arcanjo dos amores.), a sinestesia ("É noite ainda em teu cabelo preto..."),
a assonância em a (- São as asas do arcanjo dos amores.), a aliteração em l (A
frouxa luz da alabastrina lâmpada / Lambe voluptuosa os teus contornos...) e em s
(Ri, suspira, soluça, anseia e chora...), a símile (Como um negro e sombrio
firmamento, / Sobre mim desenrola teu cabelo..., O globo de teu peito entre os
arminhos / Como entre as névoas se balouça a lua...), e as hipérboles (Mas não mo
digas descobrindo o peito, / - Mar de amor onde vagam meus desejos!, Como um
negro e sombrio firmamento, / Sobre mim desenrola teu cabelo...).
Essas características não se encontram apenas em poemas de temática que se
pode chamar épica, porque abordam grandes questões coletivas, mas aparece
também em poemas propriamente líricos, sejam os de tema amoroso, seja os que
nos revelam o poeta como um admirável pintor de paisagens. Suas imagens, quase
sempre arrojadas e intensas, costumam alternar o pequeno e o grandioso e tem o
que se pode chamar "pendor cósmico" – uma preferência pelos magnos elementos
da natureza, como oceanos, céus, noite, estrelas, montanhas e tufões. A escola
condoreira, de que ele é a maior figura, caracteriza-se pelo gosto das imagens
grandiosas, realçadas por antíteses, por hipérboles (exageros) e pelo tom elevado,
de oratória enfática e messiânica, a serviço de causas sociais. Como se pode
observar no poema “Murmúrios da Tarde‖, em que a paisagem surge com intensa
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plasticidade,
descrita
com
a
sensibilidade
característica
do
poeta,
predominantemente visual, porque há em sua poesia uma preocupação em fazer
com que o leitor/ouvinte também consiga “visualizar” os cenários descritos.
Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saía,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.
(ALVES; 2005; p. 110-112).
Outro ponto a ser destacado na poesia do poeta baiano é a forma como ele encara a
morte e a vida. Pois enquanto na geração do “mal-do-século”, a morte, muitas
vezes, representava uma saída para o tédio da vida -, a visão de Castro Alves da
existência é bem diferente: demonstra uma imensa paixão pelo mundo, e a vida é
vista com otimismo e prazer. Na verdade, o poeta lamenta deixá-la, quando
ameaçado pela doença que o levaria à morte, pois viver é ―glória!‖, ―amor!‖,
―anelos!‖. Enquanto Álvares de Azevedo afirma: ―Eu deixo a vida como deixa o tédio
/ Do deserto, o poento caminheiro‖, Castro Alves “retruca”, no poema ―Mocidade e
Morte‖, escrito aos 17 anos, após as primeiras manifestações da tuberculose:
Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre que embalsama os ares
(...)
Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! O seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
(ALVES; 2005; p. 44-47).
Sabe-se que os ultra-românticos, por sentirem-se incompreendido e insatisfeito com
a realidade a sua volta, fecham-se em si mesmo, e dessa forma, por vezes parte para devaneio, para o erotismo obsessivo ou mesmo demonstram melancolia e tédio
diante da vida. E devido a seu estado depressivo, anseia a morte, que se mostra
como a única solução para seus problemas. Álvares de Azevedo, não foi diferente,
pois além de ser um ultra-romântico, ainda foi acometido pelo mal-do-século, muito
jovem, e assim passou à aspiração e ao temor da morte numa atitude adolescente.
A imagem da vida circunstante reflete em Álvares de Azevedo, a dolorida atitude de
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inadaptabilidade ao mundo, próprio de quem sente a vida se desfazendo em dor e
insatisfação.
Por isso que Álvares de Azevedo afirma que para ele a vida é um deserto. Enquanto
Castro Alves considera a vida um paraíso. Pois para Castro Alves a morte não é
uma fuga e sim um temível e amargo obstáculo às realizações e sonhos. Em
―Quando eu morrer‖, escrito em março de 1869, pouco antes de falecer, Castro
Alves repudia a morte, que afasta o morto do calor dos sentimentos da vida:
Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo
(...)
Ei-la a nau do sepulcro -- o cemitério...
(...)
Ali ninguém se firma a um braço amigo
Do inverno pelas lúgubres noitadas...
No tombadilho indiferentes chocam-se
E nas trevas esbarram-se as ossadas...
Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas,
Sem ver o branco fumo de seus lares
Levantar-se por entre as avenidas!...
(ALVES; 2005; p. 158-159).
E mesmo tratando da morte, Castro Alves lhe dá movimento e dinamismo ao
comparar os mortos, nesta mesma poesia, a:
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo
(ALVES; 2005; p. 158-159).
Portanto podemos perceber que a obra lírica de Castro Alves representa, na
evolução da poesia romântica brasileira, um momento de maturidade e de transição.
Maturidade em relação a certas atitudes ingênuas das gerações anteriores, como a
idealização amorosa e o nacionalismo ufanista, às quais Castro Alves dá um
tratamento mais crítico e realista. O amor é tratado como um encantamento da alma
e do corpo e não mais como uma esquivança ou desespero ansioso dos primeiros
romances. Como se pode notar a poesia amorosa é bem mais sensual do que se
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fazia na época. Nela, a mulher, diante das vagas idealizações ultra-românticas,
aparece em toda sua beleza física e envolvida por um clima de erotismo e paixão.
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CAPÍTULO II
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CAPÍTULO II - AS MULHERES DE CASTRO ALVES
"Tremei, pais de família! Don Juan vai sair."
(Castro Alves)
Em sua poesia lírica amorosa Castro Alves, diversamente, fala de mulheres "de
carne e osso", por assim dizer, mulheres que são objeto de desejos concretos.
Embora a mulher representada na poesia de Castro Alves não tenha voz no poema,
ela apresenta ações pontuais reveladoras daquilo que deseja experimentar junto do
seu homem, o que confere à poesia um veio muito mais erótico. Ao invés de ser
somente
observada
e
contemplada,
mostra-se
mais
próxima
do
amado,
caracterizando-se como alguém sensual, ávida, desejante e desejosa, o que
possibilita um real contato dos enamorados que, finalmente, concretizam o seu
amor. Como se pode notar no poema ―Marieta‖ (Anjos da meia-noite):
Como o gênio da noite, que desata
O véu de rendas sobre a espádua nua,
Ela solta os cabelos... Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de prata.
O seio virginal, que a mão recata,
Embalde o prende a mão... Cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento... Alem na rua
Preludia um violão na serenata!...
...Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta...
Matam lábios os beijos em segredo...
Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! Ó palor! Ó pranto! Ó medo!
Ai! Noites de Romeu e Julieta!...
(ALVES; 2005; p. 131).
Podemos perceber que esse poema apresenta um tipo de mulher sensual,
envolvente, erótica e íntima do seu amante, sendo perceptível através da forma que
ela vai se despindo e soltando o cabelo: “Como o gênio da noite, que desata/ O véu
de rendas sobre a espada nua,/ Ela solta os cabelos... bate a lua/ Nas alvas dobras
de um lençol de prata...”.
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Podemos notar que esta mulher, toca o seu próprio corpo, “sonhando acordada”,
enquanto está ouvindo em seu quarto, uma serenata que está sendo feita na rua.
Em seguida, percebemos que ela parece estar esperando alguém com quem
mantém uma relação amorosa secreta. Os termos que demarcam essa relação
secreta são furtivos, discreta, beijos em segredos. Depois do encontro dos
apaixonados, notamos todo o encantamento sexual do amante.
Porém, rompendo com esse tipo de mulher, visto no poema ―Marieta‖, temos
―Fabíola‖ (Anjos da meia-noite), caracterizada como a representação da libertinagem
e do amor enlouquecido, que perturba e incomoda o eu - lírico, que a classifica como
demônio.
Como teu riso dói... como na treva
Os lêmures respondem no infinito;
Tens o aspecto do pássaro maldito,
Que em sânie de cadáveres se ceva!
Filha da noite! A ventania leva
Um soluço de amor pungente, aflito...
Fabíola! É teu nome!... Escuta... é um grito,
Que lacerante para os céus s‘ eleva!...
E tu folgas, Bacante dos amores,
E a orgia, que a mantilha te arregaça,
Enche a noite de horror, de mais horrores...
É sangue, que referve-te na taça!
É sangue, que borrifa-te estas flores!
E este sangue é meu sangue... é meu... Desgraça!
(ALVES; 2005; p.133).
Como se pode notar a mulher apresentada no poema “Fabíola” assemelha-se a
―Lilith‖ um demônio de essência feminina, adorador do pecado da luxúria, livre e
lasciva. Possuidora de grande beleza ataca os homens durante a noite, a fim de ter
relações sexuais com eles. Por esse meio, Lilith atua como um vampiro, sugando as
energias vitais da sua vítima noite após noite. Lilith alimenta-se das energias sexuais
e do prazer dos homens.
Portanto em ―Fabíola‖, a mulher é realmente essa assassina lasciva que rega as
plantas com o sangue do que deveria ser seu bem-amado. Fabíola tem pontos em
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comum com Lilith, pois também só ataca suas vítimas durante a noite e entrega-se à
luxúria seduzindo a todos sem pudor, alimentando-se do sofrimento daquele que a
ama, é o protótipo da vampira que fere muito além do riso, pois ela ataca a moral
ignorando-a simplesmente, é fria e cruel diante do sofrimento do outro.
Essa atitude de Castro Alves frente ao feminino permite definir o poeta como
libertário, por ele apresentar uma experiência conjugal erotizada, que o diferencia
dos outros poetas cantados na tradição poética brasileira. A figura feminina na
poesia castroalviana deixa de ser sombra distante e intocável, e passa a ser uma
figura acessível, concreta, segundo Roncari (1995, p. 472-).
Deste modo, as mulheres que aparecem em seus poemas sugerem um novo
modelo de relação amorosa, mais desprendido da idealização, da sentimentalidade
e da dependência entre os envolvidos. Como se pode ver no poema ―Dalila‖ :
Foi desgraça, meu Deus!... Não!... Foi loucura.
Pedir seiva de vida – à sepultura,
Em gelo – me abrasar,
Pedir amores – a Marco sem brio,
E a rebolcar-me em leito imundo e frio
– A ventura buscar.
Errado viajor – sentei-me à alfombra
E adormeci da mancenilha à sombra
Em berço de cetim...
Embalava-me a brisa no meu leito...
Tinha o veneno a lacerar-me o peito
– A morte dentro de mim...
Foi loucura!... No ocaso – tomba o astro.
A estátua branca e pura de alabastro
– Se mancha em lodo vil...
Quem rouba a estrela – à tumba do ocidente?
Que Jordão lava na lustral corrente
O marmóreo perfil?...
.............................................................
Talvez!... Foi sonho!... Em noite nevoenta
Ela passou sozinha, macilenta,
Tremendo a soluçar...
Chorava – nenhum eco respondia...
Sorria – a tempestade além bramia...
E ela sempre a marchar.
E eu disse-lhe: tens frio? – arde minha alma.
Tens os pés a sangrar? – podes em calma
Dormir no peito meu.
Pomba errante – é meu peito em ninho vago!
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Estrela – tens minha alma – imenso lago –
Reflete o rosto teu!...
E amamos – este amor foi um delírio...
Foi ela minha crença, foi meu lírio,
Minha estrela sem véu...
Seu nome era o meu canto de poesia,
Que com o sol – pena de ouro – eu escrevia
Nas lâminas do céu.
Em teu seio escondi-me... como à noite
Incauto colibri, temendo o açoite
Das iras do tufão,
A cabecinha esconde sob as asas,
Faz o seu leito gentil entre as gazas
Da rosa do Japão.
E depois... embalei-a com meus cantos,
Seu passado esqueci... lavei com prantos
Seu lodo e maldição...
... Mas um dia acordei... E mal desperto
olhei em torno a mim... – Tudo deserto...
Deserto o coração...
Ao vento, que gemia pelas franças
Por ela perguntei... de suas tranças
À flor que ela deixou...
Debalde... Seu lugar era vazio...
E meu lábio queimado e o peito frio,
Foi ela que o queimou...
Minha alma nodoou no ósculo imundo,
Bem como Satanás – beijando o mundo –
Manchou a criação,
Simum – crestou-me da esperança as flores...
Tormenta – ela afogou nos seus negrores
A luz da inspiração...
Vai, Dalila!... É bem longa tua estrada...
É suave a descida – terminada
Em báratro cruel.
Tua vida – é um banho de ambrosia...
Mais tarde a morte e a lâmpada sombria
Pendente do bordel.
Hoje flores... A música soando...
As perlas do champanhe gotejando
Em taças de cristal.
A volúpia a escaldar a louca insônia...
Mas sufoca os festins da Babilônia
A legenda fatal.
Tens o seio de fogo e a alma fria.
O cetro empunhas lúbrico da orgia
Em que reinas tu só!...
Mas que finda o ranger de uma mortalha,
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A enxada do coveiro que trabalha
A revolver o pó.
Não te maldigo, não!... Em vasto campo
Julguei-te – estrela, – e eras – pirilampo
Em meio à cerração...
Prometeu – quis dar luz à fria argila...
Não pude... Pede a Deus, louca Dalila,
A luz da redenção!!...
(ALVES; 2005; p. 120-123).
A mulher que Castro Alves apresenta nesse poema constitui a imagem da mulher
ambiciosa e traiçoeira, podendo-se perceber através da comparação que ele faz da
sua amada com as ações de Dalila (personagem bíblica). Dalila mostra-se
claramente apaixonada por Sansão, e explora todo o seu fascínio a fim de
conquistá-lo. Porém, o interesse dessa mulher era apenas seduzir o amado para
que ele lhe revelasse o segredo de sua força. Após obter a informação, Dalila a
comunica aos filisteus, inimigos do seu amante, e recebe como recompensa, cem
mil moedas de prata. Diante disso nota-se que tanto a Dalila apresentada na Bíblia
quanto a de Castro Alves são prostitutas envolventes, sedutoras e egoístas, que dão
pouca importância ao amor e à confiança do seu amado. Castro Alves parte da
personagem bíblica para evocar uma atmosfera de engano e desilusão, na qual se
filia à experiência amorosa do eu - lírico. O poema inicia-se com eu - lírico fazendo
uma reflexão, na qual ele dirige-se a Deus, pensando sobre a experiência amorosa
não muito feliz vivida com uma mulher chamada Dalila.
A partir da segunda estrofe, o poema mostra o conflito do eu – lírico consigo mesmo
e a descrença na vida através de passagens repletas de antíteses (vida x sepultura,
gelo x brasa). Depois de analisar a situação em que se encontra naquele momento,
o amante começa a fazer um confronto de sua vivência antes e depois do encontro
com a amada. Pois quando estava sozinho, o eu - lírico tinha uma vida sossegada e
confortável. Depois que ele encontra a amada, a vida ganha um novo sentido. Logo
no encontro entre o eu – lírico e a amada, percebemos que a figura feminina parece
ser alguém que precisa de proteção e cuidado. Então a necessidade dessa mulher é
preenchida pelo eu - lírico, que se doa generosamente ao relacionamento. Desse
modo, observamos que os amantes se completam.
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É importante destacarmos também a observação do eu - lírico sobre o humor da
mulher com quem ele começava a se envolver. Ele ressalta que, quando a mulher
chorava, o choro parecia ser falso, forçado, controlado, o que não acontecia quando
ela estava a sorrir. Pois quando a amada sorria chamava a atenção por seu riso ser
exagerado, e tal excesso, talvez, apontasse para o caráter dessa mulher: ―Talvez!...
Foi sonho!... Em noite nevoenta/ Ela passou sozinha, macilenta,/ Tremendo a
soluçar.../ Chorava – nenhum eco respondia.../Sorria – a tempestade além bramia.../
E ela sempre a marchar‖. Nota-se que por um lado, a mulher necessita da proteção
do amante, e por outro, precisa de algo que dê mais sentido à sua vida, constituindo
uma razão convincente para não morrer. Este novo sentido concentra-se na
experiência amorosa e impele o eu - lírico a entregar-se cada vez mais a essa
relação. Depois de estarem envolvidos completamente, os amantes se aproximam e
se entregam consumando o amor. Ele se torna dependente dela, e esta é idealizada
e valorizada por ele, constituindo-se a sua fonte de inspiração. Como marca de
nobreza e de intensidade do amor, o eu - lírico assume a atitude de desconsiderar
completamente os erros e as ações negativas realizadas pela amada no passado: ―E
depois... embalei-a com meus cantos/ Seu passado esqueci... lavei com prantos/
Seu lodo e maldição...‖. Contudo, todo o amor, a valorização e a dedicação do eu lírico para com a sua mulher são recebidos por ela de um modo indiferente, uma vez
que a amada o deixa mergulhado na decepção de não tê-la conquistado:
[...] Mas um dia acordei... E mal desperto
Olhei em torno de mim... – tudo deserto...
Deserto o coração...
Ao vento, que gemia pelas franças
Por ela perguntei... de suas tranças
A flor que ela deixou...
Debalde... Seu lugar era vazio... [...].
Podemos perceber que a partir décima primeira estrofe, o amante começa a nomear
sua amada, que até então ele não fazia, e agora faz chamando-a de Dalila, no intuito
de aproximá-la a personagem bíblica que traiu Sansão. A partir deste momento, ele
“almeja” que ela se vá e que retome a sua vida distante da dele. O eu lírico manda a
mulher ir para um ambiente que seja coerente com as atitudes dela, lugar este que o
amante identifica como um bordel:
Vai, Dalila!... é bem longa a estrada...
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É suave a descida – terminada
Em báratro cruel.
Tua vida – é um banho de ambrósia...
Mais tarde a morte e a lâmpada sombria
Pendente do bordel.
Abrigando a mulher no ambiente adequado à sua índole traiçoeira, o eu - lírico
imagina como seria a vida de sua amada e as suas companhias: flores, música,
champanhe, taça de cristal, festa, volúpia, insônia. Esta mulher deixa de ter uma
vida regrada e estável, para possuir um estilo de vida próximo ao dia-a-dia de uma
prostituta.
O eu - lírico aproxima a mulher da imagem do fogo no verso ―Tens o seio de fogo e a
alma fria‖, no intuito de relacioná-la ao espaço do amor quente e luxurioso. Contudo,
a idéia da alma fria nega a entrega total da mulher ao desejo amoroso, visto que ela
marca que o envolvimento emocional não é verdadeiro, arrematando, com a imagem
do cetro da orgia que a amada empunhava a idéia de frieza e de amor sem
compromisso.
O eu - lírico toca de novo no tema da decepção na décima quarta estrofe: ―Julguei-te
– estrela – e eras – pirilampo‖. Os termos estrela e pirilampo são aqui opostos, uma
vez que estrela remete à idéia de algo estático e estável, enquanto que pirilampo
tem uma significância voltada à instabilidade e à volubilidade, características estas
que definem Dalila como uma mulher que prefere provar vários amores a ser musa
de um homem só.
Castro Alves, por ser um poeta liberto das amarras do ultra-romantismo, trata das
relações entre homem e mulher de um modo mais tátil, mais próximo e envolvente.
Como se pode ver no poema ―Boa-noite‖, no qual é destacado todo o erotismo e à
sensualidade da figura feminina no encontro com seu parceiro. A mulher cantada
nos versos vivencia uma sensualidade ardente e se aproxima do erotismo:
Boa-noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa-noite, Maria! É tarde...é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Boa-noite!...E tu dizes – Boa-noite.
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Mas não mo digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.
Julieta do céu! Ouve... a calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi o teu hálito, divina!
Se a estrela- d‘alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d‘alvorada:
―É noite ainda em teu cabelo preto...‖
É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchando o roupão, a espádua nua –
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Rescende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer os teus pés divinos
Ao doido afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas do teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa-noite! – formosa Consuelo!...
(ALVES; 2005; p. 83-85).
Portanto, a mulher deste poema participa do ato amoroso. O eu - lírico a contempla,
mas não fica só no plano do alumbramento. Como se pode visualizar o poema se
volta para a ação da mulher que tenta a todo tempo convencer o seu amado a
permanecer com ela naquela noite. Esta tentativa não se faz através apenas de
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palavras, mas também de ações pontuais, já que a mulher não apenas fala, mas
age, procurando seduzir o seu parceiro.
Observamos também que a eroticidade é aguçada, a partir de estímulos dos órgãos
sensoriais. Normalmente, o primeiro deles é a visão (o encantamento pelo o que se
vê), o segundo é o olfato (aguçado pelo cheiro da amada, pondo em questão a força
afrodisíaca), e os outros órgãos se apresentam tão unidos que se torna complicado
demarcarmos a seqüência deles no momento erótico.
Notamos que da quinta até a sétima estrofe, a sensualidade aumenta e é
representada pelo predomínio do apelo sensorial. Na quinta estrofe, percebemos
que a visão prevalece. O verbo ―brilhar‖ remete à visão, que constitui o apelo
sensorial presente no momento da atração física (ou no instante em que se procura
o envolvimento amoroso). Nesta estrofe, existem também elementos que indicam a
sensualidade, como ―Brilha na cambraia...‖ e ―o globo do teu peito entre os arminhos
como entre as névoas se balouça a lua...‖, já que os vocábulos destacadas remetem
à idéia de que a mulher veste-se de forma provocante, seduzindo, assim, o seu
parceiro. O poeta aproxima a mulher de elementos da natureza, ainda nesta
passagem, já que a imagem evocada no verso ―globo do teu peito entre os
arminhos‖ lembra a lua, levemente escondida, entre as névoas. Em seguida, a cena
poética ressalta o olfato, representante do poder afrodisíaco, que incita os amantes
a continuarem envolvidos e a se sentirem estimulados por todo momento erótico,
como podemos observar no decorrer do poema nos dois primeiros versos da sexta
estrofe. À medida que se sente envolvido amorosamente e envolto por cortinas que
presenciam a confinação dos corpos dos amantes, o eu - lírico desiste de resistir aos
encantamentos da mulher, não se importando mais com as horas. As cortinas são
apresentadas como as ―asas dos arcanjos dos amores‖.
A sétima estrofe é marcada pela personificação do elemento inanimado, luz. Esta
lambe os contornos da mulher com prazer, o que dá ao poema uma visualização
essencialmente erótica, e que dialoga com a imagem do ato sexual. Ao lado da leve
iluminação, o ambiente emana a idéia de calor, que acentua ainda mais a
experiência de sedução, retomada pelos gestos do amante.
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Destacamos ainda que na sétima estrofe tem-se a idéia de que os contornos do
corpo da mulher são lambidos com prazer pela lâmpada, por meio da aliteração em
“L”: A frouxa luz da alabastrina lâmpada / Lambe voluptuosa os teus contornos.... Já
o verbo aquecer estabelece uma relação com os lábios, fornecendo, assim, o
predomínio do tato, visto que a ação de aquecer os pés divinos se faz através dos
lábios mornos do eu - lírico. O ato de aquecer integra as atitudes eróticas, dando
uma característica de plenitude ao momento sexual. A palavra mornos liga-se ao
amor erótico e ardente, que deixa os parceiros “febris” em contato um com o outro.
Na nona estrofe, temos a cena que explicita a maior excitação e a perda dos
sentidos dos amantes no verso ―Ri, suspira, anseia e chora‖. Nesta cena, são
confirmados as sensações e os sentimentos que perfazem o estado orgástico.
Temos, ainda, expressões que denotam o desejo do eu - lírico de perpetuar o
instante de gozo, como podemos observar no verso: ―É noite ainda. Que importa os
raios de uma nova aurora?!...‖. No espaço de sedução amorosa, a passagem do
tempo torna-se irrelevante, pois os amantes se entregam novamente ao desejo,
enganando-se de que ainda é noite.
Existe outro traço bastante marcante e recorrente na poesia de Castro Alves, que é
a variedade de nomes referentes à mulher amada (Maria, Marion, Julieta e
Consuelo). A utilização dos nomes de personagens de histórias de amor de
escritores europeus nos versos de Castro Alves assevera a intenção de
universalidade da sua poética. No poema ―Boa noite‖, o poeta compara tais
personagens com a sua amada, mulher que integrará caracterizações relacionadas
a cada personagem referida.
Castro Alves utilizar-se do recurso da comparação para assemelhar o tremor da
alma da mulher, no momento que antecede o gozo, ao balanço das liras ao vento,
como se pode visualizar na seguinte passagem: ―treme a tua alma, como as liras ao
vento‖. Pode-se dizer que o ato erótico apresenta uma caracterização voltada ao
divino e ao belo, pois ele é comparado, a todo instante, à beleza da lira. Esta
informação pode ser comprovada em vários momentos, através das expressões
teclas, harmonias e cavatina, aludindo, assim, a outro órgão sensitivo: a audição.
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O poema ―o gondoleiro do amor‖ é uma barcarola que Castro Alves dedica ao seu
grande amor Eugênia Câmara (atriz portuguesa). Nesse poema Castro Alves faz
uma descrição da amada carregada de uma sensualidade sem precedentes no
Romantismo brasileiro, destacando que, apesar dos conflitos, o amor é real,
concreto e o abrigo do autor. O poeta realça ainda as características físicas da
amada e as compara com elementos da natureza:
Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;
Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.
Tua voz é a cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.
E como em noites de Itália,
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.
Teu sorriso é uma aurora,
Que o horizonte enrubesceu,
— Rosa aberta com o biquinho
Das aves rubras do céu;
Nas tempestades da vida,
Das rajadas no furor,
Foi-se a noite, tem auroras
O Gondoleiro do amor.
Teu seio é vaga dourada
Ao tíbio clarão da lua,
Que, ao murmúrio das volúpias,
Arqueja, palpita nua;
Como é doce, em pensamento,
Do teu colo no langor
Vogar, naufragar, perder-se
O Gondoleiro do amor!? ...
Teu amor na treva é — um astro,
No silêncio uma canção,
É brisa — nas calmarias,
É abrigo — no tufão;
47
Por isso eu te amo, querida,
Quer no prazer, quer na dor,...
Rosa! Canto! Sombra! Estrela!
Do Gondoleiro do amor.
(ALVES; 2005; P. 55-56)
Nesse poema ―O gondoleiro do amor‖, o mar empresta alguns dos seus atributos ao
o corpo da mulher: ―Teus olhos (...) / São ardentes, são profundos, / Como o
negrume do mar;‖. Posteriormente, aparece como uma imagem desse mesmo corpo,
com o qual se acopla, lingüisticamente, através do verbo de ligação: ―Teu seio é
vaga dourada/ Ao tíbio clarão da lua,...‖. Ou seja, o corpo da mulher é transformado
em um mar. Explica-se então a referência do título: gondoleiro, porque o eu- lírico
navega metaforicamente o corpo da mulher, com os seus prazeres, mistérios e as
suas alternâncias de luminosidade e escureza, tempestade e calmaria, conforme
refere o poema.
No poema ―O adeus de Teresa‖, o autor apresenta uma imagem feminina pouco
usual no Romantismo: a da mulher que faz prevalecer o seu desejo.
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus...
E amamos juntos... E depois na sala
―Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala...
E ela, corando, murmurou-me: "adeus!"
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa...
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"
Passaram tempos... séc'los de delírio
Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse – "Voltarei!... descansa!... "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"
Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquestra
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Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"
(ALVES; 2005; p. 65-66)
Nesse poema, percebe-se logo na primeira e na segunda estrofe, que o predomínio
é do homem, e Teresa aparece como simples objeto do desejo masculino. Na
terceira, o eu - lírico narra que seu relacionamento com Teresa era prazeroso e
sensual, e que dura certo tempo, até o momento em que ele tem que viajar, voltar
para casa, e eles se separam. Entretanto ele confessa que voltará deixando
subtendido que Teresa o espere como pode se notar no quarto verso da terceira
estrofe: ―Partindo eu disse – "Voltarei!... descansa!... ".
Na quarta estrofe o eu - lírico relata o que ocorreu quando voltou de viagem: ele
flagra Teresa, que se despediu dele "chorando mais que uma criança", com outro
homem. Sutilmente o poeta expressa, por sinal, que o flagra foi de um momento de
intimidade, já que as vozes deles "preenchiam de amor o azul dos céus". Nesta
estrofe, Teresa repete a fala que lhe coube em todo poema, ―adeus‖. Mas este
adeus é completamente diferente dos anteriores. Não se trata, aí de uma despedida
temporária, mas de um adeus definitivo. Rompeu-se, portanto, o relacionamento
amoroso dos dois amantes, com um adeus definitivo, já que Teresa substituiu o eu lírico por outro homem. Nessa última estrofe fica nítido que os papéis se alteram,
pois cabe à mulher, com alguma ironia, decretar o término da antiga relação. Como
se pode notar na última estrofe do poema que com a partida, com a ausência do
amante, a mulher se entrega a outro homem, contrariando-se aquela visão de ―amor
eterno‖ cultivada pelos românticos da segunda geração. Este ato de Teresa, por
sinal, é a principal diferença que se estabelece entre ela e as outras mulheres que
vimos nos textos românticos até então. Teresa não fica eternamente à espera de
seu único, grandioso e eterno amor. Ela é uma mulher prática, que encara toma as
rédeas da própria vida e busca a própria felicidade. Foi-se um, veio o outro.
Castro Alves é, pois, um cantor de mulheres. Em seus ardentes versos, descreve-as,
confessa-lhes a paixão e, não raro, as possui em clima de delírio. O poeta registra
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os encontros e os desencontros físicos dos amantes, com seu inegável estilo
sedutor. Como se pode visualizar a mulher castroalvina é acessível, corresponde ao
amor do eu – lírico, é de carne e osso e tem identidade concreta. Esses são alguns
elementos típicos que distinguem as mulheres de Castro Alves da mulher romântica
tradicional.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Despertar no leitor o gosto pela poesia lírico- amorosa de Castro Alves, através das
análises de alguns poemas da obra lírica. Esta foi a finalidade deste trabalho. Ao
escolher Castro Alves para mostrar como ele representa a mulher em suas poesias
lírico-amorosa, foi não somente um desafio, mas um presente, pois em seus poemas
nos deleitamos com a apresentação de uma mulher carnal, mais envolvente,
corporificada e movida pela paixão, distanciando-a do perfil feminino idealizado das
primeiras gerações do Romantismo. As mulheres das poesias de Castro Alves são
reais, têm cheiro, gosto, seios e corpo à mostra, fazem sexo, gritam e choram.
Podemos visualizar como ele revolucionou a forma de conceber e tratar a mulher
romântica, retirando a moça do seu pedestal de virgindade e perfeição, para jogá-la,
literalmente, na cama, consumando de forma erótica o amor e acabando com as
idealizações.
Castro Alves traz um novo viés para a literatura, modificando tanto o cenário literário,
quanto o da sociedade da época, uma vez que, em seus poemas, aparecem
mulheres livres, cortesãs, infiéis e desprendidas da idéia de um amor cortês estável
e infinito. Estas peculiaridades encontradas nas obras de Castro Alves consagramno como um dos grandes poetas brasileiro.
Ressaltamos ainda que o autor vive em um período de transição, destacado pela
mudança no comportamento da mulher na sociedade, que ao final do século XIX
busca a liberdade de expressão e a oportunidade de exercer uma profissão.
Portanto, a mulher predominante em Castro Alves é carnal e sensual que deixa
aflorar seus desejos e anseios e que concretiza seu amor.
Castro Alves foi contemplado como um poeta além do seu tempo pela crítica literária
contemporânea, devido, principalmente, às suas produções voltadas à causa do
negro. Ele é combativo e comprometido socialmente, quando fala a favor dos negros
através de seus poemas abolicionistas, o que lhe confere um lugar de destaque no
cenário da literatura brasileira, sobretudo, na terceira geração da poesia romântica e,
até certo modo, realista.
51
Entretanto, Castro Alves também se impôs com a sua lírica amorosa por apresentar
uma abordagem mais libertária do amor e da mulher. De modo geral, o poeta
posiciona-se claramente contra os desesperos e medos ultra-românticos. Ele trata o
amor de modo erotizado e tátil, referindo-se, muitas vezes, às suas próprias
experiências amorosas. Em sua poesia lírico-amorosa a realização é plena, ou seja,
deseja-se e faz-se.
Ao longo desta monografia, aproximamo-nos um pouco mais de Castro Alves
e sua poesia e pudemos descobrir que ler Castro Alves é fazer o resgate das
sensações de todos os momentos íntimos e amores com os quais já partilhamos do
mesmo ar, do mesmo céu e dos mesmos sonhos.
52
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