SEGURANCA AERONAUTICA
Nº 110
2007-12-21
Meu Caro,
Mais uma semana e mais temas para conversarmos sobre Segurança Aeronáutica. Num
primeiro tema iremos abordar a problemática da performance e os perigos da volta. No
segundo tema, com recurso a um Relatório de Acidente do GPIAA, Relatório Final N°
39/INCID/2005, iremos abordar, mais uma vez a problemática das rodas e pneus.
UM POUCO DE CONHECIMENTO DE PERFORMANCE DA VOLTA
Já lá vai mais de um ano, abordámos nesta nossa croniqueta semanal um acidente que foi
amplamente noticiado nos meios da comunicação social. Não se tivesse ele dado com uma
pessoa célebre do mundo do baseball.
Se não estás lembrado sobre o acidente posso relembrar-te as suas linhas mestras. Cory
Lidle e o seu instrutor Tyler Stanger bateram contra um edifício de Manhattan quando
visitavam a zona num Cirrus SR20. Ao pretenderem fazer 180º não conseguiram fazê-lo
com uma trajectória apertada e, depois, foi o que se viu, vezes sem conta, nos noticiários da
televisão: chocaram contra um edifício.
Na minha prática de Rally Aéreo sempre tive muito cuidado quando tínhamos de voar em
vales apertados sem saída em frente. Eles podem ser uma verdadeira ratoeira para os
aviadores. Lembro-me de uma situação durante uma prova em que nos vimos encurralados
numa garganta em que o terreno subia mais do que a velocidade vertical do C172 e a volta
de 180º, a partir de certa altura se tornou impossível. Felizmente, passámos. Uma lição que
aprendi na crueza do voo. O pior sítio para aprender lições.
Este mês, na revista da AOPA USA, Barry Shiff, a partir do acidente de Cory Lidle, volta a
abordar o tema da performance da volta e a relembrar-nos muitos conceitos que às vezes já
não nos lembramos.
GOING AROUND IN CIRCLES
By Barry Schiff
It has been 13 months since New York Yankee hurler Cory Lidle and his flight instructor,
Tyler Stanger, inadvertently flew their Cirrus Design SR20 into a Manhattan high-rise.
Even though the NTSB has issued a probable cause for this tragedy, it remains a hot and
frequent topic of conversation. Such discussions occasionally lead to this question: What is
the best way to make a 180-degree turn in tight quarters?
Most pilots know that turn radius during coordinated flight at a constant altitude is determined
by bank angle and true airspeed.
A classic example of how airspeed affects turn performance is provided by using as an
example what was the world's fastest airplane, the Lockheed SR-71 Blackbird. If its pilot
were to roll into a 30-degree-bank while sprinting at 2,000 knots, for example, turn rate would
be only 0.3 degrees per second. A 180-degree turn would take 10 minutes and turn diameter
would stretch from Dayton, Ohio, across Indiana to Chicago. That's what is meant by having
to plan ahead. On the other hand, an Aeronca Champion at 50 knots in a 60-degree bank
turns 38 degrees per second and has a turn diameter of only 256 feet.
Clearly, then, a minimum-radius turn results when an airplane is flown slowly and banked
steeply. The trouble is that slow flight and large bank angles are incompatible because stall
speed increases as bank angle steepens.
It can be shown that the minimum-radius turn occurs when the airplane is flown at its
maneuvering speed and banked steeply enough to result in its limit load factor of (typically)
3.8 Gs. At such a time the airplane is on the verge of a stall.
A problem with this is that most pilots are reluctant to pull on the wheel as much as it takes to
induce a 3.8-G load. We are uncomfortable with that much acceleration pressing us into our
seats. Also, there is no way to determine in most airplanes when you have reached 3.8 Gs,
although a pilot might consider that this load results when turning with a 75-degree bank
angle.
A pet peeve of mine is that non aerobatic airplanes do not have G meters, something that
can be added inexpensively, requires very little panel space, and does not require a power
source.-How can a pilot be expected to abide by limit-load factors without such a gauge? He
can't. (You will likely notice when observing a G meter that we usually overestimate given G
loads, especially in turbulence.)
When executing a 75·degree banked turn, the airplane effectively weighs 3.8 times as much
as it does in 1-G flight. The angle of attack must be quite large (to develop the needed lift),
drag rises dramatically, and substantial power must be added to maintain airspeed. The
trouble is that most lightplanes do not have sufficient power to prevent airspeed decay in
such a turn, which results in a stall.
The typical engine propels an airplane rapidly at small angles of attack or slowly at large
angles of attack. It rarely is powerful enough to do both, that is, to maintain relatively high
speed at large angles of attack.
Lack of sufficient horsepower might have affected lhe Lidle flight. The SR20 has only 200
horsepower; the SR22 has 310. This additionally 110 horsepower might have made a
difference, although this is speculative.
What about slowing the aircraft to decrease turn radius and deploying the flaps to reduce
stall speed? This is not a viable option. Most airplanes have a limit load factor of only 2 Gs
with flaps extended, and flaps do not lower stall speed significantly.
A factor often not considered when turn diameter must be minimized is wind, which has more
effect than is generally appreciated. Every knot of wind displaces an airplane 100 feet per
minute in the direction toward which the wind is blowing.
In the case of the Lidle accident, it was estimated that the wind at the altitude of the SR20
was easterly at 13 knots. If correct, this means that the airplane was drifting 1,300 feet per
minute to the west. If the airplane was being turned at the standard rate of 3 degrees per
second, the airplane would have drifted 1,300 feet toward Manhattan during a 180-degree
turn. During a double-rate standard turn at 6 degrees per second, the turn would take only 30
seconds and the aircraft would have drifted 650 feet to the west.
Turning downwind while attempting to minimize turn radius, therefore, is counterproductive.
Turning into the wind, has the opposite effect and dramatically reduces turn radius. This is
why pilots should fly on the downwind side of a valley or canyon and turn into the wind if a
minimum-radius course reversal becomes necessary.
It also is a good idea to fly at least as fast as the maneuvering speed because you are bound
to lose a bunch of speed during a steeply banked turn unless you have substantial
horsepower under the cowling.
An aerobatic pilot with sufficient airspeed can execute an Immelman turn, which has the least
horizontal turning radius (none!) of any course reversal. This is a half loop followed by a half
roil. Some speculate that other maneuvers, such as a whifferdill, a hammerhead turn, or a
wingover might have been more effective during Lidle's final turn, but nothing would have
been as effective as a timely turn in the other direction.
Meu Caro, depois desta conversa toda permite-me que te dê um conselho de amigo: não
tentes fazer voltas em locais em que as performances do avião não o permitem. Um
conselho do Fernando.4
O REBENTAMENTO DE UM PNEUMÁTICO NA ORIGEM DE UM INCIDENTE
Mais uma vez, servindo-nos dos excelentes relatórios do GPIAA vamos abordar um tema
relacionado com pneumáticos. Para conheceres o texto completos do relatório deves visitar
o seguinte site: http://www.moptc.pt/tempfiles/20060706133353moptc.pdf. Nele encontrarás
o texto completo do qual respigaremos somente as partes mais importante.
O incidente com um bimotor Beechcraft BE76, vulgo Duchess, semelhante ao da imagem
seguinte:
deu-se no aeródromo da Covilhã durante um voo de instrução. Vejamos o que nos diz a
Sinopse do Relatório:
“... Na corrida da descolagem, à V1, o piloto ouviu um estouro e decidiu continuar a
descolagem.
Depois de efectuar um circuito, aterrou na mesma pista, tendo-se verificado depois que o
pneu direito tinha rebentado…” .
Prosseguindo na leitura do Relatório, no seu ponto 1.1 – História do Voo – podemos
perceber mais detalhadamente os factos:
“...Na corrida da descolagem, os pilotos ouviram um estouro. Como a aeronave já
ultrapassara a V1, inviabilizando a sua imobilização em espaço útil antes do fim da pista, o
instrutor tomou os comandos e decidiu continuar a descolagem. Recolheu o trem, fez uma
volta de pista e voltou a aterrar, por suspeitar de problemas com um dos pneus. A
aproximação foi feita na VRef mínima e com full flaps para minimizar eventuais danos.
Após imobilização e inspecção ao trem, verificou-se que a aeronave tinha o pneu da roda
direita rebentado e a respectiva jante encontrava-se danificada pelo contacto com a
superfície abrasiva da pista...” .
Efectivamente como se pode ver pela foto, além do pneu rebentado, a jante apresenta
danos por ter andado a rolar na pista. O pneu, esse, ficou no seguinte estado:
“... O rasto apresentava o facetamento típico de erosão quando se verifica o arrastamento
de uma roda bloqueada em contacto com uma superfície abrasiva como, por exemplo, o de
uma pista de betão;”
No ponto 1.14 do Relatório – Ensaios e Pesquisas – Podemos, ainda, ler o seguinte:
“...ii. Segundo informação recolhida junto do piloto-instrutor, o facetamento do pneu poderá
ter-se dado na aterragem anterior, efectuada por um dos alunos-pilotos;
iii. A aterragem foi dura, inicialmente sobre a perna direita da aeronave, e o aluno-piloto
poderá tê-la efectuado com o pé apoiado sobre o travão;
iv. O facetamento terá escapado à inspecção exterior feita antes do voo de regresso a Tires
por ter ficado escondido, em contacto com o solo...” .
No capítulo do Relatório dedicado à “Análise” do incidente podemos ler, entre outras coisas,
o seguinte:
“...Quando fazia a corrida de descolagem para cumprir a perna Covilhã/Tires, já próximo da
V1, ouviu-se um estouro dentro do cockpit. O piloto-instrutor tomou de imediato o controlo
do avião e prosseguiu a descolagem para precaver a possibilidade de saída pelo fim da
pista, se optasse por a abortar. O trem foi recolhido e o avião foi “limpo”.
Tomou a decisão de voltar ao aeródromo de partida, tendo aterrado com full flaps e na
velocidade mínima de sustentação para minimizar qualquer dano na perna do trem, por
suspeitar do rebentamento de um pneu na roda direita, o que veio a confirmar-se...”.
Meu Caro, quando leio no primeiro período “... O trem foi recolhido...” assaltou-me de
imediato uma dúvida. Será que recolher o trem foi uma boa opção? Será que recolher um
trem com uma roda rebentada é uma boa opção? Tenho muitas dúvidas. Porquê? Porque
um pneu rebentado, e muito possivelmente danificado, pode muito facilmente bloquear o
trem dentro do compartimento, por prisão deste dentro da caixa de alojamento. Muito
provavelmente, se não fosse estritamente necessário e não representasse perigo imediato
para a aeronave, eu não recolheria o trem. Esta operação poderia transformar uma simples
aterragem com roda vazia, numa aterragem de trem em cima. Qual é a tua opinião? A
minha é puro “airmanship” a trabalhar.
Prosseguindo na “Análise” do incidente, podemos, ainda, ler o seguinte:
“...Da análise feita ao rasto do pneu verificou-se que;
•
Existia uma área de abrasão, típica de roda bloqueada no contacto com a superfície
da pista;
•
A área do facetamento apresentava três zonas distintas que indiciam ter o pneu
suportado uma pressão oscilante (o toque na pista terá facetado o rasto até à lona
(zona A do Fig.7) e depois, por reacção da aterragem, o peso oscilou marcando as
zonas B e C);
•
O primeiro contacto com a pista deu-se sobre a perna direita da aeronave, por
sugestão da erosão no bordo exterior do pneu, que desgastou o sulco (D), em
oposição à imagem intacta do sulco do lado contrário (E).
Pela imagem anterior podes imaginar o esforço que o pneumático sofreu durante a
aterragem.
Relativamente às “Conclusões” finais do Relatório podemos, entre outros, referir os
seguintes factos:
•
“...A aeronave, que procedia a um voo de instrução, executara uma aterragem
anterior dura, inicialmente sobre a perna direita do trem principal e admite-se a
hipótese de o aluno-piloto tê-la efectuado com o pé apoiado sobre o travão
provocando um eventual facetamento do pneu;
•
Esse facetamento terá escapado à inspecção exterior feita antes do voo de regresso
a Tires por ter ficado escondido, em contacto com o solo.
•
O pneu direito, fragilizado na sua estrutura, terá rebentado na corrida de
descolagem;...”
Destas conclusões relevo a segunda por, em meu entendimento, revelar uma má prática de
inspecção da aeronave. Por diversas vezes temos citado a perigosa prática do “kick and
fire”, em bom português, “pontapé na roda e dar à chave”. Por outras palavras, “inspecção
feita à pressa”. Infelizmente, inspecções feitas à pressa podem ter um preço muito elevado.
Salvo melhor opinião, se a aeronave tinha sofrido “uma aterragem anterior dura” tudo
aconselharia a um cuidado redobrado na inspecção do trem, em especial dos seus pneus.
Infelizmente, parece que não foi aquilo que aconteceu conforme podes ler no segundo
ponto: Esse facetamento terá escapado à inspecção exterior feita antes do voo de regresso
a Tires por ter ficado escondido, em contacto com o solo. Com esta posição dum certo
facilitismo, o piloto, que estava efectivamente no seu dia de malapata, deixou certamente
por inspeccionar cerca de 20% do pneu. Logo por azar os 20% que poderiam ter provocado
um acidente grave. Depois duma aterragem, dita “dura”, não seria aconselhável empurrar o
avião trinta ou quarenta centímetros para fazer uma inspecção completa e para o “descanso
das almas”, como diz o nosso povo? Se calhar valia!!! Pode implicar fazer um bocadinho de
força mas vale a pena, não achas?
Há duas semanas fui questionado pelos meus alunos sobre a maneira mais correcta de
inspeccionar os pneus de um avião equipado com carenagens nas rodas. Expliquei-lhes que
só havia uma maneira: deslocar o avião para analisar a periferia do pneu. Afinal só conheci
alguém que teria a possibilidade de fazer esta operação sem deslocar o avião: o Superhomem, porque tinha visão de raios X... 4
Meu Caro, que tenhas um Bom Natal são os votos do Fernando.4
Deixa-me terminar recomendando-te mais uma vez que te associes à AOPA Portugal.
Perguntarás, de imediato, como o poderás fazer. Visita o site da AOPA Portugal em
www.aopa.pt e manda as tuas perguntas para o Presidente da AOPA Portugal através do
seguinte e-mail address: [email protected]. Gostaria de contar com a tua presença na
nossa AOPA. 4
Como sempre, um abração do
Fernando
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