A JUSTIÇA AMBIENTAL COMO UMA NOVA IMAGEM DE JUSTIÇA Carlos Guilherme Madeira - UFPel Patrícia da Cruz Oliveira - UFPel INTRODUÇÃO O presente artigo se propõe analisar o papel da Justiça Ambiental, de modo a construir uma nova imagem de justiça, isto é, uma nova fotografia social de justiça que busque explicitar os conflitos ambientais, muitas vezes subterrâneos, provenientes da injustiça e da desigualdade ambientais. Para a concretização do presente trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica na literatura científica para a compreensão dos principais conceitos inerentes à justiça ambiental, bem como para a contextualização do cenário no qual a fotografia social dessa natureza está inserida. O mundo em que vivemos enfrenta profundas e intensas transformações nas mais variadas áreas da realidade social. Uma das áreas que tem adquirido destaque é a que guarda relação à proteção ambiental. Contudo, a questão ambiental não pode ficar restrita apenas em termos de preservação, por isso, devem ser incorporadas à concepção de proteção ambiental, as dimensões de distribuição e justiça. Isso porque essas noções que sedimentam o conceito justiça ambiental possuem importância, a partir da constatação da crescente escassez dos recursos naturais e que em face dessa degradação afetam, de modo desigual, distintos grupos sociais ou áreas geográficas. Essas relações entre sociedade e natureza evidenciam assimetrias de natureza política, social e econômica, estas sendo específicas de um dado momento histórico e de uma dada configuração espacial. Onde se constata que as várias formas de 1 degradação ambiental ocorrem preponderantemente em locais onde vivem as populações mais vulneráveis. Diante dessa realidade surge a importância da justiça ambiental. A JUSTIÇA AMBIENTAL Assim, por justiça ambiental compreende-se como o conjunto de princípios que garantam que grupo algum de pessoas (étnicos, raciais, ou de classe) suporte uma parcela desproporcional dos efeitos ambientais negativos. Sendo estes de operações econômicas, políticas e programas federais, estaduais e municipais ou pela própria ausência ou omissão na prestação dessas políticas públicas. Nesse sentido, justiça ambiental é uma busca por um tratamento justo, bem como do envolvimento significativo de todas as pessoas independente da raça, cor, origem ou renda, no tocante à gestão de políticas ambientais (compreensão ambiental ampliada), leis e regulamentações ambientais. Advêm desse entendimento duas variáveis: o justo que corresponde que nenhum grupo de pessoas deva suportar desproporcionalmente a carga dos danos ambientais oriundos de operações industriais, comerciais e estatais; e o envolvimento significativo de todas as pessoas, o que remonta para uma idéia de justiça ambiental enquanto um “movimento” contra as injustiças tradicionalmente sedimentadas no Estado de Direito (HERCULANO, 2002). Diretamente relacionada a esse conceito está outro, o qual se expressa uma luta social: o da Injustiça Ambiental. Esta seria o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam maior carga dos danos ambientais decorrentes do desenvolvimento a populações com maior vulnerabilidade (atingidos por barragens, grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos discriminados, povos indígenas, etc.). No campo da normatização ambiental podem-se notar benefícios como gravames. Os primeiros de modo a produzir benefícios diretos como constituição de praças, áreas de preservação permanente, reservas legais, política de gestão de resíduos sólidos, o 2 desenvolvimento de novas tecnologias com menor impacto ambiental. Todavia, no tocante à distribuição do ônus decorrente dessa normatização há uma tendência de que os grupos com maior vulnerabilidade econômica, social e política arquem com maiores custos. Como por exemplo, indústrias com risco ambiental instalarem-se perto de residências de pessoas com menor poder aquisitivo, praças e parques ficarem distantes, a gestão de resíduos sólidos preferencialmente atender as regiões centrais e de bairros nobres, etc. Sendo assim, uma desigualdade proveniente da distribuição territorial dos impactos ambientais emerge, é explicitada. Afetando negativamente classes sociais de baixa renda. Essa discussão acerca da justiça ambiental faz uma crítica forte à forma autoritária utilizada, muitas vezes, para resolução de conflitos, onde os consensos entre grupos de maior vulnerabilidade ambiental e os que se beneficiam da degradação ambiental são artificiais. Pois, em busca de um consenso visto como o correto esconde-se os conflitos ambientais que emergem da injustiça ambiental. O SURGIMENTO DO CONCEITO DE JUSTIÇA AMBIENTAL O movimento que ficou conhecido como “justiça ambiental” (Environmental Justice) surge na década de 80, nos Estados Unidos, como convergência e sintonia das agendas ambiental e social. Ela é decorrente de uma resposta a uma concepção conservadora ambiental (e de ecologia) na qual há uma supervalorização de algumas idéias, restringindo a formulação de uma concepção ampliada ambiental. Desse modo, essas visões se contrastam em campos distintos: (a) um conservador, conformista, e normatizador dos comportamentos, os quais não pretendem intervir nas condições determinantes do mundo social, e; (b) outro que pressupõe a ação política, a qual objetiva a transformação da realidade no sentindo de suas intenções alcançarem as esferas estruturantes da sociedade. 3 Para Loureiro et al. (2007), o bloco conservador caracteriza-se por um reformismo superficial das relações sociais de poder com pouca politização da questão ambiental e dicotomização dos processos naturais e sociais. Tal vertente acredita plenamente na tecnologia e no conhecimento científico como viabilizadores de soluções completas para a degradação ambiental. Sua prática no campo educativo possui então um caráter comportamentalista e moralista, enfatizando mudanças de hábitos e focando o indivíduo. Para exemplificar prioriza valores de amor e proteção aos animais e plantas, ou aconselhando sobre: economia de água e luz, reciclagem; enquanto que os reais problemas são encobertos, não são explicitados, continuando no subterrâneo das relações sociais. Essa resposta a essa concepção conservadora – que se aplica também ao campo da educação – apresenta a problemática ambiental não como uma crise ambiental, mas uma crise societária. Focaliza o modo de produção capitalista e sua lógica de acúmulo e lucros crescentes como determinantes da degradação da natureza. Considera a existência de diversas formas de poder (resultantes das relações de gênero, étnicas, institucionais), no entanto, priorizando as relações de classe como determinantes, sendo impossível separar o econômico do social na sociedade em que vivemos (LOUREIRO et al., 2007). Bem como evidencia que sociedades desiguais destinam maior carga dos danos ambientais decorrentes do desenvolvimento a populações com maior vulnerabilidade (atingidos por barragens, grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos discriminados, povos indígenas, etc.). Imersos nessa perspectiva, representantes de minorias raciais posicionaram-se criticamente ao movimento ambiental e às recentes leis de proteção ambiental editadas nos Estados Unidos. Até então, o movimento ambiental acreditava que a proteção ambiental gozava de certo consenso nacional. Contudo, o fundamento que sustentava essa crítica levava em consideração de que as ações desses movimentos estavam ancoradas numa perspectiva ambiental conservadora, sedimentada num reformismo superficial, com forte aspecto comportamentalista e cujos conflitos 4 eram encobertos, denunciando-os de iniciativas de classe média. Dessa maneira, os interesses desse movimento não representavam as comunidades pertencentes às classes sociais com maior vulnerabilidade: as populações de baixa renda e as minorias raciais. Assim, essas críticas à legislação estatal, bem como ao movimento ambiental, evoluíram para protestos, tendo em vista as decisões de governos estaduais e locais de instalar aterros de resíduos perigosos próximos a bairros de residência predominante de negros, mas também hispânicos e asiáticos. Em virtude desse motivo, “o movimento era identificado com a bandeira de ‘racismo ambiental’ (environmental racism), tendo, porém, prevalecido expressão ‘justiça ambiental’ (environmental justice) para designá-lo” (MACHADO, 2008, p. 03). Isso é corroborado ao destacar que em 1987 um relatório científico divulgado pelo Comitê para a Justiça Racial da Igreja Unida de Cristo denunciou as ligações entre a degradação ambiental e a discriminação racial. Isso foi demonstrado utilizando dados estatísticos, nos quais ficou evidenciado que a distribuição espacial da destinação temporária ou final de resíduos tóxicos e perigosos (resíduos químicos e radioativos ou de indústrias com efluentes poluentes) coincidia próxima aos territórios onde se localizavam as comunidades de negros, de hispânicos e asiáticos. Etnias socialmente discriminadas e vulnerabilizadas. É nesse contexto – com maior exposição a riscos ambientais para as populações que habitavam a vizinhança desses depósitos – que surgem movimentos de justiça ambiental nos EUA, os quais conciliam a luta antirracista com a defesa ambiental. CASOS PARADIGMÁTICOS NOS ESTADOS UNIDOS Herculano (2008) nos traz alguns casos que foram emblemáticos para impulsionar essa tomada de posição para a busca de justiça ambiental. Apontando que esse clamor por justiça ambiental começou a ser organizado, por iniciativa dos cidadãos, assim como no campo teórico, após o caso ocorrido em Niagara, estado de Nova York, de contaminação química em 5 Love Canal. Destacando que “a partir de 1978, moradores de um conjunto habitacional de classe média baixa descobriram que suas casas haviam sido erguidas junto a um canal que tinha sido aterrado com dejetos químicos industriais e bélicos” (HERCULANO, 2008, p. 2-3). No ano de 1982, pouco tempo depois desse episódio, na Carolina do Norte, relata (HERCULANO, 2008) que moradores da comunidade negra de Warren County, foram surpreendidos com a descoberta que um aterro para depósito de solo contaminado por PCB (polychlorinated biphenyls) seria instalado em sua vizinhança. Neste mesmo ano foi realizado o primeiro protesto nacional organizado pelos afro-americanos contra o que chamaram de ‘racismo ambiental’. Enfatiza ainda que, desde então, “o movimento negro norte-americano sensibilizou congressistas, e o US General Accounting Office conduziu uma pesquisa que mostrou que a distribuição espacial dos depósitos de resíduos químicos perigosos, bem como a localização de indústrias muito poluentes nada tinham de aleatório” (HERCULANO, 2008, p. 3). Como destacado antes, o que se conclui com essas pesquisas essa distribuição espacial dos riscos ambientais acompanhavam a mesma distribuição territorial das etnias socialmente discriminadas e vulnerabilizadas nos Estados Unidos. O terceiro caso refere-se a um estudo oficial realizado pelo GAO (United States General Accounting Office), em 1983. Ele constatou que dos quatro aterros de rejeitos perigosos na Região 4 da EPA (Environmental Protection Agency), que compreende Alabama, Flórida, Geórgia, Kentucky, Mississippi, Carolinas do Norte e do Sul e Tennessee, três estavam localizados em comunidades afro-americanas, considerando que os negros eram apenas um quinto da população da região. Outro caso assustador explicitado por Herculano (2008) ocorrido no sul da Louisiana, em uma região conhecida como a Cancer Alley (Alameda do Câncer), no cinturão negro do Alabama, era onde se concentram incineradores e depósitos de rejeitos perigosos. Mais um dado que soma a essa perplexidade de injustiça ambiental, está localizado na cidade de Emelle, no 6 Alabama, onde os negros formam 90% da população e 75% dos residentes do Condado de Sumter. Nessa cidade está instalado o maior aterro comercial de lixo tóxico dos Estados Unidos, que recebe rejeitos retirados dos procedimentos de descontaminação. Já no sudeste de Chicago, “onde habitavam 150 mil pessoas, dos quais 70% negros e 11% latinos, tinha contabilizado em 1991, segundo a Greenpeace, 50 aterros de lixo tóxico, 100 fábricas (das quais 7 indústrias químicas e 5 siderúrgicas) e 103 depósitos abandonados de lixo tóxico na sua comunidade” (HERCULANO, 2008, p. 3). Nos Estados Unidos os negros têm sido alvo da prática de localização de destinação de resíduos perigosos e de incineradores, isso fica demonstrado ao longo dos exemplos supramencionados. Todavia, não são os únicos grupos étnicos que suportam desproporcionalmente a carga dos danos ambientais oriundos de operações industriais, comerciais e estatais: os latinos e os indígenas também são alvos dessa injustiça ambiental. Com na zona de ocupação latina do leste de Los Angeles e de Kettleman (uma comunidade rural de cerca de 1.500 habitantes, das quais 95% são latinos), que destina aterros e incineradores a estas localidades. Do mesmo modo, os indígenas são sujeitos a suportar os riscos de aterros e incineradores, como se pode observar: Em 1991, os Choctaws da Filadélfia do Mississippi conseguiram derrotar um projeto de alocar um aterro de lixo de 466 acres em seu meio. Naquele mesmo ano, a reserva de Rosebud, em Dakota do Sul, se viu ameaçada por uma empresa de Connecticut que se propunha a construir ali um aterro de lixo de 6 mil acres. (HERCULANO, 2008, p. 4). Nesse país, onde se originou o que conhecemos por justiça ambiental, a população afetada passou a se organizar em frentes nacionais objetivando, além de levantar bandeiras contra o racismo ambiental ou injustiça ambiental, apoiar a população atingida que arca desproporcionalmente aos efeitos das fontes dos riscos dessas atividades potencialmente poluidoras. O movimento por justiça ambiental, no campo político, influenciou um conjunto 7 de normas de proteção ambiental nos Estados Unidos como as referentes aos procedimentos de descontaminação; ao direito à informação sobre as atividades (dentre elas as potencialmente poluidoras) que operam ou venham a operar em determinada vizinhança; à criação de fundos direcionados às comunidades afetadas, para auxiliar na contratação de técnicos e advogados, etc. MEMORANDO SUMMERS: A GLOBALIZAÇÃO DA INJUSTIÇA AMBIENTAL Esse memorando que inicialmente deveria ser uma comunicação interna e restrita aos quadros do Banco Mundial, ganhou proporções mundiais, o que trouxe repercussões negativas à instituição, gerando um grande mal-estar. O fundamento central do documento trazia a seguinte proposição: “Cá entre nós, o Banco Mundial não deveria incentivar mais a migração de indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos?” (ACSELRAD; MELLO; BEZARRA, 2009, p. 7). A gravidade desse fato se deve, além de seu conteúdo, por o autor deste documento ser à época o economista chefe do Banco Mundial. Acselrad; Mello; Bezarra apontam que o documento gira em torno de três argumentos fundamentais que embasavam o entendimento Summers de que as atividades mais danosas ao meio ambiente devessem ser destinadas aos países periféricos: 1) o meio ambiente seria uma preocupação ‘estética’ típica apenas dos bem de vida; 2) os mais pobres, em sua maioria, não vivem mesmo o tempo necessário para sofrer os efeitos da poluição ambiental. Segundo ele, alguns países da África ainda estariam subpoluídos. Nesse sentido, lamentou que algumas atividades poluidoras não fossem diretamente transportáveis, tais como produção de energia e infraestrutura em geral; 3) pela ‘lógica’ econômica, pode-se considerar que as mortes em países pobres têm um custo mais baixo do que nos países ricos, pois seus moradores recebem salários mais baixos. (ACSELRAD; MELLO; BEZARRA, 2009, p. 7). Percebe-se pelo excerto a concepção ambiental conservadora e restrita, demonstrando um caráter estético da proteção ambiental; segundo que as populações vulneráveis devem arcar 8 mais com os efeitos das atividades poluidoras por já estarem na vulnerabilidade, inclusive por terem menores expectativas de vida, o que não mudaria muito o quadro social, e; por fim o viés meramente econômico, no qual é mais barato poluir em países menos desenvolvidos. Summers na tentativa de contornar a situação que deixava o Banco Mundial como um protagonista de uma política perversa – ambientalmente injusta contra as populações mais vulneráveis – declarou que o memorando tratava-se de uma estratégia, um exercício para provocar a discussão. E, pelo que se pode analisar, provocou discussões, só que bem mais profundas que as da pura retórica. O “Memorando Summers”, postulou abertamente o entendimento de que deveriam incentivar a transferência das indústrias mais poluentes aos países com menor desenvolvimento, onde o controle estatal é menor e as populações aceitariam mais facilmente (com menos dificuldades do que as populações dos países desenvolvidos) os efeitos decorrentes das atividades poluidoras. Essas declarações revelam e sustentam uma realidade existente, a da desigualdade no tocante à proteção ambiental. O próprio memorando indica que os empreendimentos lesivos ao meio ambiente tem se dirigido a regiões pobres do planeta. Assim, a injustiça ambiental tem sua concentração preponderantemente delimitada espacialmente, em áreas onde é diagnosticada a presença de grupos sociais e étnicos com maiores privações, sem acesso aos campos de decisão do Estado e do mercado, “coincidentemente” são os mesmo locais onde se concentram a falta de investimentos em infraestrutura, a omissão na prestação de políticas públicas ambientais (controle de depósito de lixo tóxico), a existência de moradias de risco, a desertificação, a precarização das relações de trabalho, o que potencializa a vulnerabilidade dessas populações (ACSELRAD; MELLO; BEZARRA, 2009). TEMATIZANDO A JUSTIÇA AMBIENTAL NO BRASIL 9 A utilização do conceito de justiça ambiental não é comum no Brasil, pois muitos não englobam distribuição e justiça às questões ambientais. Contudo, cabe destacar que a temática dos problemas sociais já está presente na agenda ambiental brasileira. Ao menos com certa expressividade no campo da educação ambiental que vem sendo denominada de diversas nomenclaturas: Educação Ambiental Crítica; Educação Ambiental Popular; Educação Ambiental Transformadora, Educação Ambiental Emancipatória. Mesmo assim, faz-se necessário um aprofundamento das discussões acerca dessa temática, dos diagnósticos dos elementos peculiares à realidade brasileira, dos estudos de casos e/ou etnográficos para identificar os componentes que melhor a caracterizam. Tendo em vista as extremas desigualdades na sociedade brasileira, as grandes injustiças, à existência de péssimas condições de vida para um significativo número de pessoas, essa temática tem importância, justamente, para desenvolver possibilidades de superar a injustiça ambiental. Esse novo estágio rumo á justiça ambiental necessitaria da participação das diferentes comunidades envolvidas e com a utilização de uma metodologia que propicie o amplo e efetivo espaço de discussão e participação. No país os casos de exposição a riscos químicos são pouco conhecidos e divulgados. Por razão das desigualdades socais e econômicas, a exposição desigual dos riscos fica aparentemente subsumida pela pobreza e péssimas condições de vida. Assim, encobrindo as injustiças ambientais. De acordo com Herculano (2008) um conjunto de ações e movimentos sociais pode ser caracterizado como de busca por uma justiça ambiental, mesmo não utilizando essa terminologia. Destacando, o caso “do Movimento dos Atingidos por Barragens, os movimentos de trabalhadores extrativistas resistindo contra o avanço das relações capitalistas nas fronteiras florestais, e de inúmeras ações locais contra a contaminação e a degradação dos espaços de vida e trabalho” (HERCULANO, 2008, p. 3). 10 Uma característica peculiar à realidade brasileira é o enorme potencial político do movimento de justiça ambiental. Pois, apresenta-se como uma nova forma de lutar contra as desigualdades sociais. Essa singularidade da politização de movimentos que se enquadram no que se concebe enquanto uma busca por justiça ambiental é apontado como um elemento de renovação do ambientalismo brasileiro, dos movimentos sindicais, sociais e populares. Nesse sentido: O ambientalismo brasileiro, por sua vez, tem um grande potencial para se enovar e expandir o seu alcance social, na medida em que se associe e se solidarize com as massas pobres e marginalizadas, que vêm se mobilizando em favor dos seus direitos. Os movimentos sindicais, sociais e populares, entre outros, também podem renovar e ampliar o alcance da sua luta se nela incorporarem a dimensão da justiça ambiental, o direito a uma vida digna e em um ambiente saudável. Todas essas lutas, na realidade, representam uma só e mesma luta pela democracia, pelo bem comum e pela sustentabilidade. (HERCULANO, 2008, p. 6). O que fica nítido a partir desse entendimento, é que, em primeira avaliação, nota-se uma conotação mais ampla de justiça ambiental que nos Estados Unidos. Porque levando em consideração a) o elevado grau de desigualdades sociais, b) injustiças sociais econômicas, c) omissão estatal na execução de políticas públicas básicas (em algumas localidades), a justiça ambiental passa a ser resignificada, de forma a ampliar a questão ambiental. Num segundo momento, percebe-se que todas as lutas são provenientes de uma mesma raiz: das desigualdades inerentes à sociedade capitalista. Onde as populações mais vulneráveis arcam com os maiores custos. Destarte, diante da presença das necessidades verificadas em uma sociedade como a brasileira, a justiça ambiental deve abarcar questões atinentes à dignidade da pessoa humana. Abarcando questões como a deficiência em saneamento básico, recolhimento de lixo e tratamento de esgoto em favelas e periferias dos centros urbanos; o uso insustentável e a degradação das propriedades destinadas para assentamentos; a imposição ao pequeno produtor ao uso de agrotóxicos, aos quais os contamina, para conseguir vender seu produto 11 com preço competitivo; a grilagem de terras que expulsa as populações tradicionais extrativistas. Isso pode ser bem evidenciado na história da justiça ambiental no Brasil, na qual o marco inicial é datado geralmente nos anos de 2000 ou 2001. Antes disso, cabe salientar que no ano de 1998 esteve no Brasil uma comitiva de representantes de redes do Movimento de Justiça Ambiental dos Estados Unidos. Eles procuravam “difundir sua experiência e estabelecer relações com organizações locais dispostas a formar alianças na resistência aos processos de ‘exportação da injustiça ambiental’” (ACSELRAD, 2010, p. 111). Segundo Acselrad (2010) foram desenvolvidos vários contatos com ONG e grupos acadêmicos, os quais foram retomados em várias edições do Fórum Social Mundial. No Brasil uma das primeiras iniciativas de uma releitura da experiência nos Estados Unidos por entidades brasileiras, sendo um dos marcos de sistematização e de divulgação da justiça ambiental “foi a coleção intitulada ‘Sindicalismo e Justiça Ambiental’, publicada em 2000 pela Central Única dos Trabalhadores – CUT/RJ, em conjunto com o IBASE, o Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano – IPPUR da UFRJ e com o apoio da Fundação Heinrich Boll” (MACHADO, 2008, p. 3). Essa iniciativa contribuiu significativamente para estimular outros grupos no meio acadêmico, nos movimentos sociais a explorar tal debate. Isso culminou na organização do Colóquio Internacional de Justiça Ambiental que aconteceu em Niterói, no Rio de Janeiro, visando combater as injustiças ambientais. Conforme Acselrad (2010) o evento reuniu as mais diversas representações: “(...) de diferentes movimentos sociais, ONG, pesquisadores de diferentes regiões do Brasil, além de um certo número de intelectuais e representantes do Movimento de Justiça Ambiental dos Estados Unidos, entre os quais o sociólogo Robert D. Bullard, responsável pelo primeiro mapa da desigualdade ambiental utilizado como base empírica de denúncias pelos movimentos nos Estados Unidos (ACSELRAD, 2010, p. 112)”. 12 Neste colóquio foi criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), que elaborou uma declaração ampliando a abrangência das denúncias para além da questão do racismo ambiental na alocação da destinação resíduos perigosos e rejeitos na vizinhança de comunidades de grupos étnicos vulnerabilizados. Objetivava ampliar os horizontes do movimento nascido no âmbito do movimento negro dos Estados Unidos, incorporando elementos da singularidade brasileira, passando a designar um conjunto de princípios e práticas que: a – asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b – asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c – asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d – favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso. (ACSELRAD, 2004, p. 13-20). Em fim, o ambientalismo brasileiro tem uma grande possibilidade de renovação e expansão, dialogando com as populações marginalizadas, as quais se mobilizam para assegurar seus direitos. Dado a característica brasileira do potencial político do movimento de justiça ambiental, isso pode possibilitar também ampliação e oxigenação do movimento ambiental brasileiro. Tendo em vista a politização de movimentos que se enquadram no que se concebe enquanto uma busca por justiça ambiental (os movimentos sindicais, sociais e populares). CONSIDERAÇÕES FINAIS 13 A temática da justiça ambiental, embora incipiente, já vem sendo construída no Brasil nos pontos de interseção com o estudo de aspectos sociais do uso da ciência e da tecnologia, assim como o poder de definição da comunidade científica e dos saberes jurídicos. Portanto, é necessário articular a ciência para o assessoramento da população. As ciências naturais para ajudar a conhecer os riscos e os efeitos das tecnologias de produção. As ciências sociais para que se explicite a dimensão social e política que estão por detrás dos riscos, evidenciando os conflitos ambientais (considerando sua dimensão social) presentes na sociedade, mas que têm se encontrado escondidos. Outra dimensão dessa articulação concerne na construção de uma cultura jurídica que incorpore os valores subjetivos de justiça distributiva e redistributiva para um judiciário operante e aberto para novas imagens de justiça. Elementos esses que caracterizam a justiça ambiental, em face de uma desigualdade dos efeitos danosos das atividades poluidoras, conforme articulado ao longo do artigo. Como pôde ser desenvolvido, nota-se que justiça ambiental não é uma vara jurisdicional, mas uma construção de valores sociais. Destarte, a importância do tema da Justiça Ambiental está no fato de essa justiça ser materializada, calcada em uma nova imagem de justiça que busca erguer do subterrâneo as desigualdades que aparentemente não existem para explicitá-las, evidenciá-las, a fim de, justamente, superá-las. Isso, por meio da participação da população afetada nas decisões das políticas ambientais que as atingem. E, simultaneamente, sem que um grupo de pessoas suporte parcela desproporcional das consequências ambientais negativas. Logo, toda imagem, concreta, abstrata, factual ou virtual requer um olhar à fotografia que se forma - neste caso uma nova fotografia social - para enxergar os conflitos inerentes à sociedade para se fazer Justiça. REFERÊNCIAS 14 ACSELRAD, Henri. Justiça ambiental – ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD, Henri et al. (Org.). Justiça ambiental e cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. p. 23 – 40. ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília Campello Amaral; BEZARRA, Gustavo das Neves. O que é justiça ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. ACSELRAD, Henri. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68, p. 103 – 119, 2010. HERCULANO, Selene. Redesenhando o debate sobre justiça ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da rede brasileira de justiça ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente. Curitiba, v. 5, jan./jun. p. 143 – 152, 2002. HERCULANO, Selene. O clamor por justiça ambiental e contra o racismo ambiental. INTERFACEHS - Revista de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade. São Paulo, v.3, n.1, Artigo 2, jan./ abril. p. 1 – 20, 2008. LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Pensamento crítico, tradição marxista e a questão ambiental: ampliando os debates. IN: LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo.(org) [et al.]. A questão ambiental no pensamento crítico: natureza, trabalho e educação. Rio de Janeiro: Quartet, 2007. 15 MACHADO, Thays. Justiça Ambiental: conceito, origem e considerações. In: SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO 2008, 16ª edição, Cuiabá, 16 a 19 de novembro de 2008. Anais do Seminário de Educação 2008. Cuiabá: UFMT, 2008. p. 1-5. 16