MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradorias da República nos Municípios de Santarém e Altamira/PA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL
JUDICIÁRIA DE SANTARÉM – ESTADO DO PARÁ
DA
SUBSEÇÃO
Ref.: Inquérito Civil Público nº 1.23.002.000185/2007-76/PRM/STM/MPF
“Outra coisa boba: ‘Os assentamentos não
estão licenciados’. E que problema gente?”
Raimundo Araújo Lima, diretor nacional de
programas do INCRA para a região Norte.1
O
MINISTÉRIO
PÚBLICO
FEDERAL,
oficiando neste feito os Procuradores da República ao final assinados, no uso de
suas atribuições constitucionais e legais, vem à presença de Vossa Excelência
propor a presente
AÇÃO CAUTELAR INOMINADA
1
Cf. fl. 56. Trata-se de trecho de declaração feita na 6ª Reunião Ordinária (08 e 09/05/07) da Comissão de
Gestão de Florestas Públicas (CGFLOP), órgão de natureza consultiva do Serviço Florestal Brasileiro, que tem,
entre suas competências, assessorar, avaliar e propor diretrizes para gestão de florestas públicas brasileiras. A
transcrição da gravação pode ser encontrada no sítio institucional do CGTFLOP
(http://www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_arquivos/6a_reuniao_cgflop_ata.pdf) ou em anexo às fls. 44/67.
1
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
em face do:
1) INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA
AGRÁRIA - INCRA, pessoa jurídica de direito público interno,
representada por sua Superintendência Regional em Santarém/PA, com
endereço na Av. Presidente Vargas, s/n, Santarém/PA, CEP 68005-110,
telefone (93) 3522-1192/2242,
2) ESTADO DO PARÁ, pessoa jurídica de direito público, domiciliada na
Rodovia Augusto Montenegro, km 09, bairro Icoaraci, Belém/PA;
com fundamento nos arts. 798, 799 e seguintes, do Código de Processo Civil,
com a finalidade de
vedar ao Estado do Pará, através da Secretaria de Estado de Ciência,
Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará (SECTAM), a emissão de
Licenças de Instalação e Operação (LIO) bem como de licenças de atividades de
exploração florestal manejada naqueles Projetos de Assentamento (PA), Projetos
de Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de Desenvolvimento Sustentável
(PDS) criados pelo INCRA, entre 2005 e 2007, sem Licença Prévia (de
viabilidade ambiental), bem como suspender as já emitidas,
suspender a eficácia das portarias do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) de criação de Projetos de Assentamento (PA),
Projetos de Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de Desenvolvimento
Sustentável (PDS), publicadas entre 2005 e 2007, por falta de licenciamento
ambiental e vícios procedimentais no processo de criação2,
2
Fotocopiadas às fls. 244 e seguintes, na ordem da tabela de 213/243.
2
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suspender parcialmente a eficácia do Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta de fl. 18/23, celebrado entre o Estado do Pará e o Instituto de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) – referente à execução do
licenciamento dos projetos de assentamento de reforma agrária do INCRA -, no
que diz respeito à emissão de Licenças de Instalação e Operação (LIO)
(Cláusula Segunda, II, e) bem como de licenças de atividades de exploração
florestal manejada (Cláusula Terceira, d) naqueles projetos de assentamento
criados pelo INCRA sem Licença Prévia (de viabilidade ambiental), quando esta
é imposta pelas normas ambientais,
pelos motivos de fato e de direito a seguir explanados.
DOS FATOS
A Superintendência Regional do INCRA em Santarém
publicou no biênio 2005/2006 as portarias apontadas na tabela de fls. 213/2433,
que criavam na região Oeste do Estado do Pará projetos de assentamento de
reforma agrária nas modalidades Projeto de Assentamento (PA), Projeto de
Assentamento Coletivo (PAC) e Projeto de Desenvolvimento Sustentável
(PDS).
Tramitam desde 2006 na Procuradoria da República em
Santarém, alguns procedimentos referentes a irregularidades na criação desses
assentamentos4.
Em 09/03/2007, o IBAMA informou ao MPF que vários
desses projetos de assentamento haviam sido criados sobre unidades de
3
Fotocopiadas às fls. 244 e seguintes.
São os Procedimentos Administrativos nº 1.23.002.000625/2006-03, 1.23.002.00048/2007-22,
1.23.002.000433/2007-70.
4
3
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conservação ou suas zonas de amortecimento, inclusive se sobrepondo a unidade
de conservação de proteção integral – o Parque Nacional da Amazônia -, onde é
vedada qualquer ocupação humana5.
Foi então instaurado em 13/04/2007 o Inquérito Civil Público
em
epígrafe,
com
a
finalidade
de
apurar
possíveis
irregularidades
administrativas e ambientais na criação desses projetos de assentamento.
Em 13 de abril de 2007, o MPF realizou inspeção6 na
Superintendência
Regional
simultaneamente,
quando
do
foram
INCRA
colhidos
em
Santarém
depoimentos
e
de
Altamira,
servidores,
requisitadas diversas informações, e fotocopiados todos os autos dos
procedimentos de criação de assentamentos entre 2005 e 2007, reunidos todos
nos Anexos que acompanham esta ação7.
O MPF examinou tais procedimentos e verificou a presença
de diversos vícios graves, como se pode verificar na tabela de fls. 213/243.
Posteriormente apurou que tais vícios já eram de conhecimento do INCRA,
conforme relatório interno da própria autarquia8.
Informaram ainda IBAMA9 e SECTAM10 que nenhum
projeto de assentamento do INCRA foi objeto de licenciamento entre 2005 e
2007. Os projetos criados, portanto, sequer foram precedidos de Licença Prévia,
em frontal infração à Resolução CONAMA nº 289/200111, então vigente, bem
5
cf. doc. de fls. 41/43, com mapa.
nos termos do art. 8º, V e VIII, da Lei Complementar nº 75/93.
7
Em 2007 não foi criado nenhum assentamento.
8
Fls. 24/40.
9
Fls. 01/02.
10
Fls. 03/17.
11
Resolução CONAMA nº 289/2001, art. 3º, §2º: “A LP [Licença Prévia] constitui-se em documento obrigatório
e que antecede o ato de criação de um projeto de assentamento de reforma agrária (...)”. Vide fls. 93/96.
6
4
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como à norma que a sucedeu, a Resolução CONAMA nº 387, de 29/12/200612.
A licença prévia é que atesta a viabilidade ambiental do assentamento e
especifica os requisitos a serem inquiridos no licenciamento de instalação e
operação do assentamento13.
Os projetos foram criados sem qualquer política efetiva de
implementação, conforme se constata no clamor das reivindicações de
importantes entidades representativas dos trabalhadores rurais.
Verificou-se que tais projetos não atendem a uma autêntica
demanda de potenciais clientes da reforma agrária. São antes resultado da
pressão do setor madeireiro junto às esferas governamentais, que vislumbram
nos assentamentos um estoque de matéria-prima cujo manejo é objeto de um
licenciamento mais rápido, devido ao valor social que seu manejo apresentaria,
em tese.
De fato, o Manifesto pela Cidadania, do Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém, de 15/03/2007, é incisivo:
Passados quatro anos, nossa frustração está estampada no fato de nossos
assentamentos continuarem sendo criados sem as condições necessárias
ao seu pleno desenvolvimento (...).
Não bastasse isso, os que conseguem ser assentados se obrigam a manter
com madeireiros uma relação de dependência e exploração (...) apoiada
pelo INCRA, que se exime de suas obrigações previstas no Plano
Nacional de Reforma Agrária.
12
Nesse ponto, esta tem o mesmo tem o mesmo teor que a n. 289. Resolução CONAMA nº 387/2006, art. 3º,
§2º: “A LP [Licença Prévia] constitui-se documento obrigatório e que antecede o ato de criação de um Projeto de
Assentamento de Reforma Agrária (...)”. Vide fls. 97/111.
13
Cf. art. 2º das Resoluções CONAMA nº 289/2001(fl. 93) e 387/2006 (fl. 98).
5
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Assim, cansados de sermos vistos como números nas estatísticas do
governo, e, sobretudo desta política de Reforma Agrária fragmentada,
que no mínimo nos levará a um processo de favelização nos
assentamentos criados (...)14
Por sua vez, foram intensas as manifestações do setor
madeireiro, pressionando o Governo do Estado do Pará e outras autoridades
públicas para que fosse celebrado termo de ajustamento de conduta que
permitisse superar o impasse gerado pela falta de licenciamento15.
Tal situação levou à assinatura do Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta16 cuja suspensão parcial se pede aqui cautelarmente.
Os dispositivos impugnados no mesmo são aqueles que infringem as normas de
licenciamento de assentamentos, isto é, aqueles que permitem a emissão de
Licença de Instalação e Operação (LIO) sem a anterior Licença Prévia (LP) 17, e
o licenciamento de atividades de exploração florestal manejada nos mesmos,
antes mesmo da concessão da Licença de Instalação e Operação (LIO)18.
DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DA
ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Pede-se na presente ação a suspensão cautelar das portarias
da Superintendência Regional do INCRA em Santarém de criação de Projetos de
Assentamento (PA), Projetos de Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de
14
Fl. 191.
Vejam-se nas fls. 200/207 os ofícios distribuídos na internet, inclusive remetido para os membros do MPF no
Pará.
16
Fls. 18/23.
17
Cláusula Segunda, II, e), do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (vide fl. 21).
18
Cláusula Terceira, d), do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (vide fl. 21).
15
6
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Desenvolvimento Sustentável (PDS), publicadas entre 2005 e 200719. Trata-se,
portanto, da impugnação de atos administrativos do INCRA.
O interesse federal desponta ainda no pedido de suspensão
cautelar da Cláusula Segunda, II, e), bem como da Cláusula Terceira, d), ambas
do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta celebrado entre o
Governo do Estado do Pará e o INCRA.
Tais cláusulas conferem ao INCRA a faculdade jurídica,
perante a autarquia ambiental compactuante, de efetivar desde já a instalação e
operação dos assentamentos.
Evidente, portanto, o interesse material da autarquia federal
fundiária.
Os interesses tutelados com uma futura ação civil pública,
prospectiva a esta ação cautelar, são de natureza coletiva e indisponível: dizem
respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo (Constituição da República, art.
225).
Outrossim, a Floresta Amazônica brasileira é patrimônio
nacional, e sua utilização obedece a restrição constitucional explícita de
realizar-se dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
19
Fotocopiadas às fls. 244 e seguintes, na ordem da tabela de 213/243.
7
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Legitima-se o Ministério Público na qualidade de defensor do
meio ambiente, prevista no art. 129, III da Constituição Federal, que diz:
Artigo 129 - “São funções institucionais do Ministério
Público: (...)
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;”
Corroborando o texto da Constituição Federal, a Lei
Complementar nº. 75/93 em seu art. 5º, III, "d" estabelece entre as funções
institucionais do Ministério Público da União a defesa do meio ambiente:
Art. 5º - “São funções institucionais do Ministério Público
da União: (...)
III - a defesa dos seguintes bens e interesses: (...)
d) o meio ambiente;”
Daí a legitimidade do Ministério Público Federal.
OS
PROJETOS
SUSTENTÁVEL
DE
(PDS)
DESENVOLVIMENTO
E
OS
PROJETOS
DE
ASSENTAMENTO COLETIVO (PAC)
Trata-se de modalidades de projetos de reforma agrária com
destinação coletiva da área. Sua disciplina encontra-se respectivamente na
Portaria INCRA/P/Nº477/1999 e na Instrução Normativa INCRA/Nº15/2004.
8
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É a destinação coletiva da área, com a existência de um
núcleo concentrando as edificações dos assentados, e uma área de uso comum,
onde seriam executados os planos de manejo madeireiro, que o torna uma forma
ágil de viabilizar a exploração madeireira em áreas devolutas da União.
A proposta de criação dos projetos de assentamento coletivo
foi anunciada na região ao longo dos dois últimos meses de 2005, merecendo
destaque duas reuniões no auditório do Banco da Amazônia – a segunda delas
em 31/10/2005 – nas quais se verificava a presença majoritária de representantes
do setor madeireiro20. O engajamento da classe empresarial na criação desses
assentamentos ganhou notoriedade a partir de diversas manifestações do setor na
imprensa21.
VÍCIOS
NOS
ADMINISTRATIVOS
PROCEDIMENTOS
DE
CRIAÇÃO
DOS
ASSENTAMENTOS
Em 13/07/2007, foi instaurado no âmbito do MPF inquérito
civil público22 com a finalidade de apurar irregularidades administrativas e
ambientais na criação de projetos de assentamento pela Superintendência
Regional do INCRA de Santarém. Incontinenti, realizou-se inspeção ministerial
nessa Superintendência, nos termos do art. 8º, § 3º, da Lei Complementar nº
75/93, durante a qual foram requisitados diversos depoimentos, atestados, bem
como cópia de todos os procedimentos de criação de assentamentos, com
portarias publicadas entre 2005 e 200723.
20
Cf. relatório de fls. 198/199.
Cf., por exemplo, fls. 209/210.
22
Inquérito Civil Público nº 1.23.002.000185/2007-67/MPF/Santarém/PA, Portaria nº 001/2007, de 13/04/2007,
fls. 211/212.
23
Cf. os Anexos, com cópia fiel e integral de todos os procedimentos.
21
9
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Visando certificar a presença de alguns documentos
considerados imprescindíveis à criação dos assentamentos, bem como analisar
alguns procedimentos adotados pelo INCRA, durante o processo de
formalização dos projetos de assentamentos criados em 2005 e 2006, os
procedimentos foram todos examinados, havendo-se constatado diversas
irregularidades.
Tais vícios – além daqueles relativos a irregularidades
ambientais - dizem respeito ao cabal descumprimento da Norma de Execução
INCRA nº 37, de 30 de março de 200424. Referida norma dispõe sobre a
instrução documental e o organograma hierárquico que deve ser seguido na
criação dos projetos de assentamento:
Art. 2º Para criação do projeto de assentamento será constituído um
Processo Administrativo, conforme seguintes procedimentos:
I – Os Setores técnicos e operacionais:
a) expedição de memorando solicitando a formalização do processo
administrativo de criação do projeto, anexando as seguintes
peças técnicas:
− (...)
− laudo Agronômico de Fiscalização (Manual para Obtenção de
Terras, Módulo II);
− (...)
− planta e memorial descritivo do imóvel, constante do processo
administrativo de obtenção do imóvel;
− laudo
de
Vistoria
e
Avaliação
constante
do
processo
administrativo de obtenção da área, ilustrado com fotografias, se
houver;
− Licença Prévia – LP concedida ou requerimento de licença,
quando não houver manifestação do órgão ambiental;
24
Cf. fls. 91/92. Dispõe sobre o processo de criação e reconhecimento de projetos de assentamento de reforma
agrária. Publicada no DOU nº 65, de 05/04/04, seção 1, p. 149.
10
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b) após formalização do processo os setores técnicos e operacionais
analisam e emitem parecer;
c) (...)
II - Gabinete do Superintendente.
a) instruído o processo, o Projeto de Assentamento será aprovado
mediante portaria do Superintendente Regional do INCRA.
Foram
encontradas,
até
o
momento,
as
seguintes
irregularidades:
A) Inexistência de relatório agronômico:
Diversos assentamentos foram criados apenas com um
levantamento técnico resumido – denominado ora laudo técnico, ora parecer
preliminar, relatório de vistoria, ou síntese do relatório25. Um dos assentamentos
foi criado sem qualquer relatório técnico prévio26.
No entanto, a Norma de Execução INCRA nº 37/2004, no art.
2º, I, a), é expressa ao pautar a elaboração do Laudo ou Relatório Agronômico
de Fiscalização no roteiro definido no Módulo II do Manual para Obtenção de
Terras, do INCRA.
Este último - tanto na 2ª Edição Revisada, vigente a partir de
26/10/200627, quanto na edição anterior28 - fixa um rol bastante detalhado de
25
Trata-se dos seguintes assentamentos: PDS Nova Integração; PA Brasília Legal; PDS Mário Braule Pinto da
Silva; PDS Cocalino; PDS Nova União; PDS São João Batista; PA Arixi; PDS Novo Horizonte; PDS Nova
Brasília II; PDS São Manoel; PA Urucurituba; PA Daniel de Carvalhol; PDS Santa Rita; PA Santa Cruz; PA
Brasília Legal; PDS Nova Esperança; PDS Laranjal; PDS Renascer II; PDS Esperança do Trairão; PA Renascer;
PA Rio Cigano; PA Nossa Senhora de Fátima; PDS Taborari; PDS Santa Lúzia; PDS Anjo da Guarda; no PDS
Jamanxim; PDS Paraíso; PAC Bom Sossego e PDS Água Azul.
26
Trata-se do PDS Pimental.
27
Fls. 161/190.
28
Fls. 126/160.
11
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características a serem levantadas em campo29, apontando ainda que as mesmas
deverão orientar parecer sobre a viabilidade ambiental do projeto.
A ausência de um relatório técnico completo, com todas as
informações geográficas necessárias à feitura dos mapas, bem como as
informações sobre o perfil sócio-econômico da região, com descrição minuciosa
do modo de vida da população atingida pelo assentamento, seus meios de
produção, transporte, cultura, acesso à informação, dentre outros aspectos, é
uma falha de instrução procedimental que impede analisar a viabilidade do
assentamento – seja econômica, seja ambiental - e o desenvolvimento de
projetos que visem à melhoria das condições de vida dos beneficiários.
Tal deficiência, entre outras conseqüências, acabou por
permitir a criação de diversos assentamentos sobrepostos a unidades de
conservação30.
B) Ausência
de
parecer
técnico-operacional
sobre
a
viabilidade do assentamento.
29
As quais abrangem características gerais da área de influência do imóvel, localização, aspectos físicos, bióticos
e sócio-econômicos, características edafo-climáticas, efetivo pecuário, benfeitorias existentes, recursos naturais
existentes, aspectos sociais.
30
Conforme informações prestadas pelo IBAMA – STM (fls. 41/43), verificaram-se as seguintes situações de
sobreposição:
Os Projetos de Assentamento PA YPIRANGA e PDS TABOARI estão sobrepostos as zonas de
amortecimento das seguintes unidades de conservação: FN Itaituba II e PARNA Amazônia. Já os projetos PA
RIO CUPARI, PA URICURITUBA , PA AREIA, PA RIO BONITO, PDS BOA VISTA DO CARACOL, PDS
ESPERANÇA DO TRAIRÃO estão sobrepostos as zonas de amortecimento da FN Trairão. Os projetos PA SÃO
BENEDITO, PAC ARAXI, PDS PIMENTAL estão sobrepostos as zonas de amortecimento da Parna Amazônia.
Os projetos PDS ANJO DA GUARDA, PDS MÁRIO BRAULE PINTO DA SILVA, PDS SANTA LUZIA,
PDS SANTA RITA estão sobrepostos as zonas de amortecimento da RESEX Tapajós-Arapiuns. O PA DANIEL
CARVALHO e o PA SANTA CRUZ incidem em áreas de entorno de zonas de amortecimento das seguintes
unidades de conservação: RESEX Tapajós-Arapiuns e FN Tapajós. O PA CAMPO VERDE incide sobre área de
amortecimento da RESEX Riozinho do Anfrísio.
Os Projetos de Assentamento PDS CUPARI, PDS DIVINOPOLIS, PDS NOVO MUNDO incidem
sobre a FN Trairão. Já os projetos PA MIRITITUBA, PDS COCALINO, PDS SÃO MANOEL, PDS NOVA
ESPERANÇA, PDS NOVA INTEGRAÇÃO, PDS NOVO HORIZONTE e PDS NOVO PARAÍSO estão
sobrepostos a PARNA Amazônia. O PDS Água Azul incide sobre a FN Itaituba II. O PA Paraíso encontra-se
sopreposto tanto a zona de amortecimento como ao próprio interior das unidades de conservação RESEX
Riozinho do Anfrísio e FN Trairão.
O PDS Ademar Federicci se sobrepõe à zona de amortecimento da Resex Verde para Sempre, no
município de Porto de Moz.
12
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Diversos projetos foram criados sem o parecer exigido pelo
art. 2º, I, b, da Norma de Execução INCRA nº 37/200431. Suas portarias de
criação foram, portanto, assinadas pelo Superintendente Regional sem qualquer
análise técnica.
Saliente-se ademais o considerável número de projetos sem
qualquer parecer de viabilidade da procuradoria jurídica autárquica32.
C) Ausência de verificação quanto à sobreposição de
unidades de conservação, áreas indígenas ou outra área
em que seja vedada a criação do assentamento.
Vários projetos não possuem a certidão do setor de
cartografia atestando que a área encontra-se livre de qualquer embaraço à
criação do assentamento. Em alguns casos essa certidão foi emitida sem
qualquer ponto de coordenadas geográficas, emitida apenas com base em
informações usuais de localização, como nome de um lago, ou mesmo de
propriedades confrontantes. Em outros casos33, as certidões foram feitas sem
nenhum documento que comprovasse a localização do projeto.
31
Trata-se dos seguintes projetos: PDS Liberdade, PDS São Manoel; PAC Araipacupu; PDS Nova Brasília II;
PDS Nova BrasíliaII; PDS Nova Esperança; PDS Laranjal; PAC Nova Altamira; PDS Terra Nossa; PDS Nelson
Oliveira; PAC Itapecurú; PAC Ananizal; PAC Monte Muriá; PAC Acomtags; PAC Iripixi; PAC Macanã II; PDS
Avelino Ribeiro; PDS Arthur Faleiro; PA Macanã; PDS Vila Nova I e II; PDS Milho Verde; PDS Renascer II;
PAC Bom Sossego; PA Rio Cigano; PDS Água Azul; PA Nossa Senhora de Fátima; PDS Pimentel; PDS
Taborari; PAC Nova união; PDS Irmã Doroty; PAC Ouro Branco I; PAC São Sebastião do Tutuí; PAC Ouro
Branco II; PDS Ouro Branco.
32
Trata-se dos projetos PDS Liberdade; PDS São Manoel; PDS Nova Integração; PDS Mário Braule Pinto da
Silva;PAC Araipacupu; PAC Bela Terra I; PDS Cocalino; PDS Novo Paraíso; PDS Nova União; PDS São João
Batista; PA Arixi; PDS Novo Horizonte; PDS Nova Esperança; PDS Laranjal; PDS Terra Nossa; PDS Nelson
Oliveira; PAC Itapecurú; PAC Ananizal; PAC Monte Muriá; PAC Acomtags; PAC Iripixi; PAC Macanã II; PDS
Avelino Ribeiro; PDS Arthur Faleiro; PA Macanã; PDS Vila Nova I e II; PDS Milho Verde; PAC Bom Sossego;
PDS Esperança do Trairão; PA Rio Cigano; PDS Água Azul; PA Nossa Senhora de Fátima; PDS Pimental; PDS
Taborari; PAC Nova união; PDS Irmã Doroty; PAC Ouro Branco I; PAC São Sebastião do Tutuí; PAC Ouro
Branco II; PDS Ouro Branco.
33
Por exemplo, dentre os projetos de Oriximiná.
13
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Dentre os procedimentos que possuíam manifestação da
Procuradoria Jurídica, alguns continham ressalvas acerca da necessidade de
verificação da incidência ou não em reserva indígena, biológica ou florestal34, a
qual, entretanto, não foi feita. Dentre esses procedimentos, verificou-se que o
PDS Anjo da Guarda e o PDS Santa Rita sobrepuseram-se à zona de
amortecimento da unidade de conservação RESEX Tapajós Arapiuns35.
Tal dispositivo visa ainda atender ao art. 37, § 6º, da Lei nº
4.771/65 (Código Florestal), segundo o qual:
É proibida, em área com cobertura florestal primária ou
secundária em estágio avançado de regeneração, a
implantação de projetos de assentamento humano ou de
colonização para fim de reforma agrária, ressalvados os
projetos de assentamento agro-extrativista, respeitadas as
legislações específicas.
O
LICENCIAMENTO
AMBIENTAL
DOS
ASSENTAMENTOS E O PASSIVO AMBIENTAL DO
INCRA
Estabelece o art. 10 da Lei nº 6.938/81 que:
A construção, instalação, ampliação e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos
ambientais (...) capazes, sob qualquer forma, de causar
34
Trata-se dos projetos PA Renascer; PDS Paraíso; PA Miriti; PA Porão; PA Curumu; PA Camburão II; PA
Camburão I; PDS Brasília; PDS Santa Rita; PDS Santa Lúzia; PDS Anjo da Guarda; PA Itaquera I; PA
Muriçoca; PA Vai Quem Quer; PA Maripá; PA Terra Preta e Olho d'água; PA Cristo Rei; Pds Jamanxim; PA
Repartimento; PA Cipoal; PA Vale do Açaí; PA Curumu II; PA Mamauru; PA Acomec; PDS Água Preta; PDS
Castanheira; PA Curuá; PA Jamary; PA Vira Volta.
35
Cf. parecer do IBAMA de fls. 41/43.
14
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento
(...), sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
Esse dispositivo – que integra a tutela constitucional
instituída pelo art. 225, caput, da Constituição da República – instrumentaliza o
princípio da prevenção (uma vez previsível que certa atividade possa ser danosa,
ela deve ser evitada) e a conseqüente precaução (quando houver dúvida sobre o
potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a
decisão mais conservadora, evitando-se a ação).
A prevenção, no caso da criação e implementação dos
assentamentos do INCRA, está justificada e ganha ênfase no histórico de suas
ações de reforma agrária, bem como nos diagnósticos atuais de desmatamento.
Nesse sentido, o Item 2 do II Plano Nacional de Reforma
Agrária, cuja aplicação é imperativo constitucional na destinação das terras
devolutas36, estatui:
Um dos elementos centrais de um projeto nacional soberano
reside em um novo padrão de desenvolvimento para o meio
rural assentado na Reforma Agrária e no fortalecimento da
agricultura familiar. Onde a ação compartilhada do Estado
e da sociedade civil é capaz de desconcentrar a propriedade
da terra, alterar a estrutura agrária, criando condições para
a eficácia das políticas de fomento à produção, de garantia
da sustentabilidade ambiental e de universalização do
acesso a direitos.
36
Art. 188 da CF: A destinação das terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e
com o plano nacional de reforma agrária.
15
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Em uma das primeiras publicações analisando a viabilidade
dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), Raissa Guerra já
enfatizava que, para se atingir um desenvolvimento sustentável nos
assentamentos – prevenindo a evasão e a reprodução da pobreza no campo - é
indeclinável considerar-se além dos aspectos sociais e econômicos, também os
aspectos ambientais37.
Pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia (IMAZOM) publicaram, em 2006, fundamental estudo quantitativo
do desmatamento nos assentamentos de reforma agrária na Amazônia38.
Combinando dados de desmatamento com o mapa de assentamentos criados
entre 1970 e 2002 pelo INCRA, verificaram que cerca de 106 mil quilômetros
quadrados (49% da área dos assentamentos mapeados) foram desmatados até
2004, representando 15% do desmatamento da Amazônia. A perda de floresta
nos assentamentos representou 15% do desmatamento total da Amazônia até
2004 (aproximadamente 696 mil quilômetros quadrados).
Analisando 343 assentamentos estabelecidos no período de
1997 a 2002, verificou-se que aproximadamente 20% da área desses
assentamentos já estava desmatada antes de sua criação, enquanto 80% eram
37
Em Verificando a viabilidade do PDS São Salvador no Estado do Acre. Ambiente & Sociedade 2004, 7 (001)
(Disponível também em http://www.scielo.br/pdf/asoc/v7n1/23542.pdf): “As políticas públicas voltadas para a
Amazônia raramente levaram em conta a população local e a preservação dos recursos naturais. (...) O I Censo
de Reforma Agrária no Brasil, realizado por pesquisadores da Universidade de Brasília constatou que o maior
problema do INCRA é o número de projetos que não prosperam (Schmidt, Marinho, Rosa, 1998). (...) Os dados
comprovam que a reforma agrária, da maneira como vem sendo implementada no Brasil, ao invés de estar
promovendo justiça social, está, sim, garantindo a reprodução da pobreza no campo. Documentos do INCRA
demonstram um grande índice de evasão nos assentamentos em todo o país, resultado de uma má administração
do órgão responsável (INCRA/FAO, 1998). (...) Surge daí a necessidade de se repensar o atual modelo de
assentamento, e trabalhar para se atingir uma nova concepção, os assentamentos sustentáveis. A sua aplicação
e replicação bem sucedidas poderiam revolucionar o processo de ocupação da região. Para se atingir um
desenvolvimento sustentável nos assentamentos de reforma agrária é necessário considerar os seus aspectos
sociais, econômicos e ambientais.”
38
Desmatamento nos Assentamentos de Reforma Agrária na Amazônia, Brandão Jr., A. & Souza Jr., C. 2006 O
Estado da Amazônia, nº 7. Belém: Imazon (disp. http://www.imazon.org.br/publicacoes/publicacao.asp?id=408).
16
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
florestas nativas. A taxa de desmatamento nos assentamentos (1,8% ao ano) foi
quatro vezes maior se comparada à taxa média de desmatamento na Amazônia.
Dentre as ações que o estudo propõe para mitigar esse quadro
está a proibição de assentamentos em áreas de florestas e a exigência das
licenças ambientais para os novos assentamentos (Prévia, Instalação e
Operação), além da licença de operação para os assentamentos criados antes de
2001.
APLICAÇÃO
DAS
RESOLUÇÕES
CONAMA
Nº
289/2001 E Nº 387/2006
O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), em
25/10/2001, tendo em vista as competências que lhe foram conferidas pela Lei
no 6.938/1981, editou a Resolução nº 289, que estabeleceu diretrizes para o
Licenciamento Ambiental de Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária39.
Essa resolução definiu a Licença Prévia (LP), conferindo-lhe
atestar sobre a viabilidade ambiental da criação do assentamento (art. 2º):
Licença concedida na fase preliminar do planejamento dos
projetos de assentamento de reforma agrária aprovando sua
localização e concepção, sua viabilidade ambiental e
estabelecendo os requisitos básicos a serem atendidos na
próxima fase do licenciamento.
Constituiu a Licença Prévia (LP) em documento obrigatório e
que antecede o ato de criação de um projeto de assentamento (art. 3º, §2º) 40. Nos
39
Fls. 93/96.
Dispõe a Norma de Execução INCRA nº 37, de 30 de março de 2004, em seu art. 2º, inciso I, in fine, que para
a criação do projeto de assentamento, previamente à formalização do processo administrativo, deverá ser
40
17
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
casos dos projetos de assentamento de reforma agrária situados na Amazônia
Legal, a resolução ainda obrigou o responsável pelo projeto a obter junto à
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) – anteriormente mesmo à solicitação
da LP – a avaliação do potencial malarígeno da área (art. 10), ausente em todos
os projetos objeto desta cautelar.
Definiu ainda no art. 2º a Licença de Implantação e Operação
(LIO):
Licença que autoriza a implantação dos projetos de
assentamento de reforma agrária de acordo com as
especificações constantes do Projeto Básico, incluindo as
medidas de controle ambiental e demais condicionantes.
Previamente à solicitação da Licença de Implantação e
Operação (LIO), o art. 10 prevê ainda a necessidade de obtenção do respectivo
atestado de aptidão sanitária.
É, portanto, apenas e tão-somente a LIO que permite passar à
fase de implantação do projeto. Tendo em vista as inovações que estabelecia à
época, a Resolução estabeleceu uma norma de transição no art. 9º, dispensando a
LP para aqueles assentamentos já implantados:
Para os projetos de assentamento de reforma agrária
implantados
antes
da
vigência
desta
Resolução,
o
responsável pelo projeto deverá requerer, junto ao órgão
apresentado ao setor técnico e operacional da autarquia a Licença Prévia (LP) concedida ou o “requerimento de
licença, quando não houver manifestação do órgão ambiental”. Importante salientar que este dispositivo
permissivo (em itálico) infringe o art. 3º, §2º, da Resolução CONAMA nº 289/2001, e portanto é ilegal, uma
vez que infringe a repartição de competências em matéria ambiental instituída pela Lei nº 6.938/81,
especificamente no que diz respeito às competências normativas do CONAMA, expressas nos arts. 6º e 8º.
18
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ambiental
competente,
a
respectiva
LIO
para
a
regularização de sua situação ambiental.
A edição dessa norma à época gerou, entretanto, um impasse
social e político, uma vez que 95% dos 4.528 projetos de assentamento
cadastrados no INCRA não tinham concluído os procedimentos e estudos
necessários para a efetivação do licenciamento ambiental41, num quadro
normativo em que o licenciamento ambiental é condição necessária para a
concessão de crédito rural aos pequenos agricultores assentados.
Celebrou-se então Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta, em 17/10/200342, perante o Ministério Público Federal, entre o
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Ministério do Meio
Ambiente (MMA), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), visando à
execução das regras e princípios para o licenciamento ambiental de projetos de
assentamento de reforma agrária promovidos pelo INCRA43.
Em cumprimento ao parágrafo primeiro, cláusula segunda do
TAC, foi constituído um Grupo de Trabalho Permanente com a finalidade de
discutir, implementar e acompanhar as ações necessárias ao seu cumprimento,
integrado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio
Ambiente, IBAMA, ONGs, representantes da sociedade civil e entes públicos
estaduais do âmbito do meio ambiente44.
41
Cf. fl. 113, nos considerandos.
Nos autos da Ação Civil Pública nº 97.0101415-4, em Brasília/DF.
43
Fls. 112/118.
44
Através da Portaria Interministerial nº1/2004, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério do
Meio Ambiente (fls. 119/121).
42
19
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O TAC fixava uma pauta de operacionalização dos critérios
estabelecidos na lei e resoluções do CONAMA, que abrangia levantamento
preliminar de dados dos projetos de assentamento; negociação de acordos,
convênios e termos de cooperação entre os compromissados, inclusive
diminuindo custos gerais e acelerando trâmites procedimentais; ingresso com
solicitações de licenciamento ambiental45.
O TAC, entretanto, não foi cumprido integralmente até o
término de sua vigência, três anos depois, motivo por que foram sucessivamente
celebrados dois Termos Aditivos, prorrogando sua vigência – um primeiro em
18/10/2006 (prorrogando sua vigência por mais seis meses)46, e um segundo em
18/04/2007 (igualmente prorrogando sua vigência por mais seis meses)47.
Importante salientar que, conforme dispõe o art. 188 da
Constituição da República, o marco normativo que orienta a destinação das
terras devolutas – o II Plano Nacional de Reforma Agrária (2004) – foi explícito
quanto à necessidade de adequação da atuação da autarquia fundiária federal ao
apontado TAC:
“O II PNRA prevê, também, a regularização do passivo dos
assentamentos em relação ao licenciamento ambiental,
adequando-os à resolução 289/01 do Conama e ao
estabelecido pelo Termo de Ajuste de Conduta formalizado
pelo Ministério do Meio Ambiente, Ibama, Ministério
Público Federal, Incra e Ministério do Desenvolvimento
Agrário.”48
45
Fl. 114.
Fls. 122/123
47
Fls. 124/125.
48
Item 5.3 do II Plano Nacional de Reforma Agrária.
46
20
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Posteriormente, a Resolução CONAMA nº 387/06 revogou
completamente a Resolução nº 289/2001. Embora ainda estabeleça o esquema
procedimental básico de licenciamento – através da Licença Prévia e da Licença
de Implantação e Operação – deu mais agilidade ao processo, por exemplo,
prevendo o uso do laudo agronômico e do Plano de Desenvolvimento do
Assentamento (PDA) como instrumentos para o licenciamento. Esses são
documentos já previstos nas normas do INCRA para a obtenção de terras e para
o planejamento da implantação de projetos de assentamento.
PARECER
JURÍDICO
Nº
07/2002/SECTAM,
DISPENSANDO A EMISSÃO DE LICENÇA PRÉVIA
Consta de diversos procedimentos de criação49 fotocópia ou
indicação do Parecer Jurídico nº 07, de 2002, da SECTAM, fundamentando a
ausência de licença prévia para a criação dos assentamentos.
Tal parecer foi emitido por solicitação do Superintendente
Regional do INCRA no Estado do Pará, em 2002, acerca de um posicionamento
da autarquia ambiental estadual sobre o tipo de licença ambiental a ser expedida
em projetos de assentamento para áreas já ocupadas, em fase de regularização50.
Segundo o parecer, vê-se que a Resolução/CONAMA nº
289/01, que rege a matéria, é omissa quanto ao tipo de licença a ser expedida
para as áreas já ocupadas51 que estejam em processo de regularização através
da criação de assentamentos de reforma agrária.
49
Trata-se dos assentamentos PA Miriti ; PA Curumu ; PA Camburão II; PA Camburão I; PDS Brasília; PA
Urucurituba; PA Daniel Carvalho; PA Santa Cruz; PDS Maloca; PA Muriçoca; PA Vai quem quer; PA Maripá;
PA Terra Preta e Olho D'água; PDS Castanheira; PDS Água Preta.
50
Fls. 85/88.
51
Fl. 86.
21
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Referido parecer conclui – por analogia com as situações
manejadas nos arts. 9º e 8º, parágrafo único, da Resolução CONAMA nº 289/01
- que nesses casos não é exigível a Licença Prévia. Tais dispositivos dispensam
o requerimento da Licença Prévia nos casos de assentamentos já implantados ou
em fase de implantação quando da publicação da Resolução, em 2001.
Data venia, a ilação proposta no parecer não encontra guarida
na
Resolução,
nem
foi
corroborada
pelos
compromissos
assumidos
posteriormente pelo INCRA no TAC celebrado em 17/10/2003, como apontado
acima.
De fato, os referidos artigos 9º e 8º, parágrafo único, da
Resolução tiveram apenas eficácia formal e transitória. Visavam propriamente a
regular a transição dos procedimentos administrativos de criação ou instalação
de assentamentos, já instaurados, à nova normatização disposta então pela
Resolução nº 289/2001. Tais dispositivos não poderiam dar guarida a quaisquer
ocupações, superando sem qualquer fundamento fático a viabilidade de criação
de assentamento - que é o ponto fulcral examinado na Licença Prévia.
Sensível a esse fato, aliás, é que a Resolução CONAMA nº
387/2006 – que substituiu a Resolução nº 289 – dispensou em seu art. 9º52 a
emissão de Licença Prévia naqueles assentamentos em áreas já ocupadas por
populações tradicionais53.
Importante, entretanto, salientar que população tradicional
não é qualquer coletividade rural, mas tão somente aqueles grupos
52
Art. 9º Para os Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária a serem criados em áreas ocupadas por
populações tradicionais, em que estas sejam as únicas beneficiárias, será exigida unicamente a LIO.
53
Por esse motivo, deixa-se de pedir nesta cautelar a suspensão das portarias da Superintendência Regional do
INCRA em Santarém (SR3) que criaram os Projetos Agroextrativistas, uma vez que são voltados para a titulação
fundiária de territórios ocupados por povos e comunidades tradicionais de modo de vida extrativista.
22
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem
formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,
religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição54.
MANIFESTAÇÕES DO INCRA QUANTO À FALTA
DE ANÁLISE PRÉVIA DA VIABILIDADE DOS
ASSENTAMENTOS
O diretor nacional de programas do INCRA para a região
Norte, em declaração feita, entre 08 e 09/05/07, na 6ª Reunião Ordinária da
Comissão de Gestão de Florestas Públicas (CGFLOP), posterga a exigência da
delimitação do perímetro do assentamento para quando da elaboração de um
futuro Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), já na fase de
implantação55.
Por sua vez, o Superintendente Regional do INCRA em
Santarém esclareceu em reunião na Procuradoria da República em Altamira56
que também os estudos de viabilidade ambiental de criação do assentamento
devem ser postergados para o Plano de Desenvolvimento do Assentamento
(PDA).
54
Essa definição, estabelecida no Decreto nº 6.040/2007, é consentânea com o entendimento acadêmico
predominante, bem como com o conceito estipulado pela Convenção sobre Diversidade Biológica, da qual o
Brasil é signatário, promulgada através do Decreto no 2.519, de 16 de Março de 1998:
“Artigo 8 - Conservação In situ. Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: (...) (j)
Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e
práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à
conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a
aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição
eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas; (...)”
55
Cf. fl. 55.
56
Em 21/05/2007, cf. Memória de Reunião na fl. 68.
23
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Além da flagrante contradição – pois como criar um
assentamento cuja localização sequer está definida, ou cuja viabilidade
ambiental sequer está atestada? – oneram o Plano de Desenvolvimento do
Assentamento (PDA) com funções que lhe são impróprias, conforme se verifica
no texto das normas vigentes.
De fato, a Resolução CONAMA nº 387/200657 define o Plano
de Desenvolvimento do Assentamento (PDA) como:
plano que reúne os elementos essenciais para o
desenvolvimento dos Projetos de Assentamentos de Reforma
Agrária, em estrita observância à diversidade de casos
compreendida pelos diferentes biomas existentes, com
destaque para os seus aspectos fisiográficos, sociais,
econômicos, culturais e ambientais, sendo instrumento
básico à formulação de projetos técnicos e todas as
atividades a serem planejadas e executadas nas áreas de
assentamento, constituindo-se numa peça fundamental ao
monitoramento e avaliação dessas ações, e que deverá
conter, no mínimo, o estabelecido no Anexo III dessa
Resolução.
Da
mesma
maneira,
a
Instrução
Normativa/INCRA/Nº15/200458, que dispõe sobre o processo de implantação e
desenvolvimento de projetos de assentamento de reforma agrária, situa o PDA
na fase de implantação do assentamento.
DO INTERESSE PROCESSUAL DE PROVIMENTO
CAUTELAR PARA A PROTEÇÃO DOS INTERESSES
ENVOLVIDOS
A presente medida cautelar inominada, como ato de
constrição judicial direcionado a vedar ao Estado do Pará e ao INCRA a prática
57
58
Art. 2º, VIII.
Arts. 2º e 4º, §4º.
24
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
de certos atos, e suspender outros praticados por esses entes, apresenta, nos
moldes desenhados na presente inaugural, caráter nitidamente cautelar, porque
consistente em medida preventiva de garantia à pretensão que pode vir a ser
deduzida em futura ação principal.
Ensina Humberto Teodoro Júnior, em matéria de medidas
cautelares, ter o Código de Processo Civil vigente adotado “um conceito amplo
e genérico da tutela preventiva, facultando inclusive providências inominadas e
atípicas sempre que houver necessidade de precatar o interesse das partes pelo
eficaz e útil resultado do processo.”59
Evidencia-se, assim, a preocupação do legislador em garantir
ao interessado o exercício eficaz do direito de ação, de natureza instrumental,
porque vocacionado a atender ao direito material lançado na forma de pretensão
deduzida em juízo, sem a interferência deletéria da ação do tempo ou da
renitência de pessoa física ou jurídica.
No caso em epígrafe, constata-se que os Projetos de
Assentamento (PA), Projetos de Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de
Desenvolvimento Sustentável (PDS) criados de 2005 a 2007 (apontados na
tabela de fls. 213/243) foram criados em descumprimento com as normas de
licenciamento ambiental pertinentes, bem como, na maioria dos casos, com as
normas procedimentais do próprio INCRA para sua criação.
A medida cautelar demanda, para sua efetivação, a
observância cumulada do fumus boni juris (plausibilidade do direito invocado
pela parte) e periculum in mora (receio de dano irreparável ou de difícil
reparação decorrente da conclusão da ação principal).
59
Processo Cautelar, Forense, 1998.
25
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O fumus boni juris, aqui, consubstancia-se pelas evidências
apontadas acima de possível inexistência de autênticos clientes da reforma
agrária para a criação dos apontados assentamentos; descumprimento das
normas administrativas do INCRA de criação de assentamentos; infração das
normas ambientais de licenciamento. Consolida-se assim um quadro fático que
aponta para destinação de terras devolutas em infração ao disposto no art. 188 da
Constituição da República.
O periculum in mora, a seu turno, reside na proximidade da
aprovação da emissão de autorizações, licenças ou permissões de manejo
florestal madeireiro pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Meio
Ambiente do Estado do Pará (SECTAM), em assentamentos com graves vícios
de criação, e pouca probabilidade de beneficiar autênticos clientes da reforma
agrária. Ademais, sem o regular trâmite procedimental previsto nas resoluções
pertinentes do CONAMA, é inexistente ou insuficiente um levantamento de
campo que garanta a preterida sustentabilidade do manejo madeireiro nessas
áreas.
Quaisquer autorizações, licenças ou permissões já emitidas,
não excluem, outrossim, o periculum., pois se referem a manejo derivado de
atividade em assentamento, cuja viabilidade ambiental não foi devidamente
verificada.
Motivos que justificam a necessidade da medida cautelar.
DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL:
26
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
1. Em caráter liminar e inaudita altera pars:
a) vedar ao Estado do Pará, através da Secretaria de Estado de Ciência,
Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará (SECTAM), a emissão de
Licenças de Instalação e Operação (LIO) bem como de quaisquer
autorizações, licenças ou permissões de atividades de exploração florestal
manejada naqueles Projetos de Assentamento (PA), Projetos de
Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de Desenvolvimento Sustentável
(PDS) criados pelo INCRA, entre 2005 e 2007;
b) suspender quaisquer autorizações, licenças ou permissões de atividades
de exploração florestal manejada naqueles Projetos de Assentamento
(PA), Projetos de Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de
Desenvolvimento Sustentável (PDS) criados pelo INCRA, entre 2005 e
2007, já emitidas pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e
Meio Ambiente do Estado do Pará (SECTAM);
c) suspender a eficácia de todas as portarias do Superintendente Regional
do INCRA em Santarém (SR30) de criação de Projetos de Assentamento
(PA), Projetos de Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de
Desenvolvimento Sustentável (PDS), em todos os municípios de sua
competência, publicadas entre 2005 e 2007, por falta de licenciamento
ambiental e vícios procedimentais no processo de criação;
d) suspender a eficácia da Cláusula Segunda, inciso II, letra e), bem como
da Cláusula Terceira, letra d), do Termo de Compromisso de Ajustamento
de Conduta de fls. 19/23, celebrado entre o Estado do Pará e o Instituto
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) – referente à execução do
licenciamento dos projetos de assentamento de reforma agrária do INCRA
- as quais dizem respeito à emissão de Licenças de Instalação e Operação
(LIO) (Cláusula Segunda, II, e) e de licenças de atividades de exploração
27
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
florestal manejada (Cláusula Terceira, d) naqueles projetos de
assentamento criados pelo INCRA sem Licença Prévia.
2. A citação dos réus para, querendo, contestar a ação e indicar as provas que
pretenda produzir;
3. A procedência da ação, com a confirmação da medida liminar e a condenação
dos réus nos ônus da sucumbência. Protesta provar o alegado por todos os meios
em direito admitidos.
Posteriormente se pedirá a juntada de cópia desta petição
com a assinatura original do Procurador da República em Altamira.
Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Termos em que
Pede deferimento.
28
Santarém e Altamira, 27 de julho de 2007.
COM ASSINATURA NO ORIGINAL
FELIPE FRITZ BRAGA
Procurador da República no Município de Santarém
COM ASSINATURA NO ORIGINAL
DANIEL CESAR AZEREDO AVELINO
Procurador da República no Município de Santarém
COM ASSINATURA NO ORIGINAL
MARCO ANTÔNIO DELFINO DE ALMEIDA
Procurador da República no Município de Altamira
cautelar inominada – autor MPF x INCRA/SECTAM - 29
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excelentíssimo senhor doutor juiz federal da subseção judiciári