Portugal e os impostos para 2014: a bipolaridade como vector estratégico
Os agentes económicos em Portugal vivem tempos de incerteza, face ao
contexto económico-financeiro do país, agravado pela retoma ainda tímida das
principais economias (e parceiros económicos de Portugal) no plano global.
Neste contexto, o Governo, “emparedado” entre a exigência de prosseguir um
programa de ajustamento desenhado para proceder ao reequilíbrio das contas
públicas, com base num conjunto de medidas destinadas a reduzir a despesa
do Estado e, bem assim, a necessidade de começar a emitir sinais de
confiança para os agentes económicos, que visem estimular a competitividade
do tecido económico do país, decidiu adoptar uma estratégia a dois tempos no
que se refere à actualização da legislação fiscal de Portugal para 2014.
Efectivamente, o Orçamento do Estado português, usualmente um documento
preparado e aprovado de forma integrada, contendo todas as alterações à
legislação fiscal para o ano vindouro, não trouxe, para 2014, grandes
novidades, na medida em que continua a manter a linha estratégica associada
ao tão “famigerado” programa de austeridade.
Assim, no que respeita ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares (“IRS”), as alterações mais assinaláveis respeitam à alteração de
regras associadas ao regime simplificado, bem como ao regime de
contabilidade organizada. Adicionalmente, quer os escalões de IRS, quer as
respectivas deduções à colecta permanecem inalteradas para 2014, mantendose inclusivamente a sobretaxa de IRS, nos mesmos termos que aqueles
aplicáveis em 2013.
No que se refere ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), as alterações
mais relevantes respeitam ao regime de IVA de caixa – clarificando-se o direito
à dedução por parte dos clientes de entidades sujeitas a este regime –, bem
como alterações ao regime de reembolso de imposto associado a créditos de
cobrança duvidosa ou incobráveis. Nota-se ainda a prorrogação para 2014 das
regras de simplificação de comunicação do conteúdo de facturas aplicáveis a
entidades que não sejam obrigadas a possuir o SAF-T (PT) e, bem assim,
alterações introduzidas ao regime de bens em circulação.
Relativamente aos benefícios fiscais, para além da eliminação de alguns
benefícios tornados irrelevantes, face às alterações profundas associadas ao
Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) – nomeadamente,
a eliminação do regime fiscal aplicável a SGPS, ao apoio à internacionalização
e, bem assim, à dupla tributação económica de dividendos oriundos de PALOP
e Timor-Leste –, salienta-se a alteração do regime de benefícios fiscais à
reestruturação empresarial (no sentido de o tornar presumivelmente mais
flexível) e, em particular, um novo incentivo fiscal ao reinvestimento de lucros e
reservas. Deve ainda ser vincada a alteração significativa introduzida ao
SIFIDE, a qual é expectável que gere um impacte relevante nas empresas
portuguesas que acederam no passado a este regime.
Finalmente, as regras da Segurança Social foram também alteradas, embora o
impacte principal se denote na esfera de Membros de Órgãos Estatutários, os
quais passam, a partir de 1 de Janeiro de 2014, a ter a totalidade das suas
remunerações sujeitas a Segurança Social, sendo eliminado o tecto
contributivo existente até 2013.
Por outro lado, e na senda de um processo sistematizado, com diversos
milestones perfeitamente definidos e atempados, incluindo a possibilidade de
encetar uma discussão pública, promoveu uma alteração extremamente
relevante ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
(“CIRC” ou “Código do IRC”), pomposamente denominada por Reforma do IRC.
A versão final do CIRC terá eventualmente ficado aquém de uma efectiva
Reforma (pelo menos, atendendo ao impacte provocado pela primeira reforma
do IRC, que deu origem ao primeiro Código em 1989), comportando, no
entanto, diversas alterações que efectivamente são favoráveis ao contexto
empresarial português e podem, assumindo uma melhoria das perspectivas
económicas a nível internacional, contribuir para uma maior competitividade
das nossas empresas.
Neste sentido, apresentamos de seguida as medidas inclusas no Orçamento
do Estado para 2014, bem como na Lei de Reforma do IRC, que julgamos
poderão ter maior impacte no negócio das empresas portuguesas no decurso
de 2014 e anos seguintes:
 Redução da taxa de IRC – esta medida foi indiscutivelmente a grande
bandeira hasteada no âmbito da Reforma do IRC. Efectivamente, a taxa de
IRC para o ano fiscal de 2014 foi reduzida de 25% para 23%, sendo ainda
previsto (embora agora com carácter condicional à situação económicofinanceira do país, em oposição à assertividade de tal objectivo conforme
constava da Proposta de Lei original), a sua progressiva redução até 2016
para uma taxa entre 17% e 19%.
Salienta-se que os grandes contribuintes (e estes são muito poucos…)
continuam sujeitos a uma taxa agregada máxima de 31,5%, na medida em
que foram alterados os escalões e respectivas taxas associados à derrama
estadual, contemplando agora uma taxa máxima de 7% para contribuintes
com um lucro tributável superior a EUR 35 milhões. Pelo contrário, as PME
passam a beneficiar de uma taxa de 17% sobre os primeiros EUR 15.000 de
lucro tributável.
 Prejuízos fiscais – Passam a poder ser deduzidos num prazo máximo de
12 anos (dos actuais 5 anos), estando no entanto limitados, em cada ano, a
70% do lucro tributável do exercício em apreço (redução dos actuais 75%).
 Competitividade internacional da legislação portuguesa – a Reforma do
IRC incide, de forma substancial, na introdução de regimes fiscais que
pretendem assegurar a respectiva competitividade no plano internacional,
sobretudo no contexto da União Europeia. Assim sendo, são diversas as
medidas implementadas com este desígnio, nomeadamente:
o Inclusão de um regime integral de participation exemption (i.e., um regime
de isenção de tributação de dividendos e mais-valias) estendido a todas
as empresas portuguesas (causando assim a “inutilidade” fiscal das
SGPS, em sede de IRC, e a respectiva eliminação das normas especiais
de IRC aplicáveis a estas entidades);
o Introdução de regime opcional de desconsideração de resultados de
estabelecimentos estáveis/sucursais no estrangeiro de entidades
portuguesas, assimilando o respectivo regime fiscal àquele aplicável a
subsidiárias estrangeiras de sociedades-mãe portuguesas;
o Flexibilização do regime de distribuição de lucros por entidades
portuguesas a não residentes;
o Criação de regime de dedutibilidade fiscal de intangíveis, bem como de
um regime de isenção parcial (de 50%) dos rendimentos associados à
exploração de determinados activos intangíveis;
o Introdução de regime de eliminação da dupla tributação económica
internacional, por via da concessão de um crédito ao IRC pelo imposto
suportado pelas subsidiárias estrangeiras (em caso de impossibilidade de
aplicação do regime de participation exemption, por não cumprimento dos
requisitos impostos);
o Flexibilização do regime de crédito de imposto por dupla tributação
jurídica internacional, possibilitando ainda o reporte de crédito não
utilizado num determinado ano fiscal para os 5 anos fiscais posteriores;
o Flexibilização dos meios de prova para aplicação de Acordos para evitar a
Dupla Tributação, estimulando as relações comerciais internacionais com
entidades de Estados contratantes de Portugal.
 Criação de regime simplificado – Neste sentido, é reintroduzido na
legislação doméstica um regime simplificado de tributação para entidades
que cumpram determinados requisitos.
 Dedutibilidade de gastos – neste domínio, para além da revisitação da lista
de gastos dedutíveis e não elegíveis para dedução, é eliminado o conceito
de “indispensabilidade” do gasto para que o mesmo seja considerado
dedutível, para efeitos fiscais, e impondo-se agora a demonstração de nexo
de causalidade com a actividade do sujeito passivo.
Adicionalmente, a Reforma do IRC altera um dos plafonds de dedução fiscal
de gastos de financiamento, o qual passa agora a estar limitado a EUR 1
milhão (ou com limite de uma percentagem do EBITDA, conceito esse que
foi igualmente modificado).
 Remuneração convencional do capital social – As PME passam a poder
deduzir, para efeitos fiscais, 5% do montante das entradas em numerário
para capital social, quer no ano em que tal entrada de numerário ocorra
(para constituição ou aumento do capital social), quer nos 3 anos fiscais
seguintes. No entanto, este benefício fiscal encontra-se limitado a EUR
200.000 (por entidade beneficiária).
 Reestruturações corporativas – a Reforma do IRC introduz igualmente
alterações ao regime fiscal (de neutralidade) aplicável a reestruturações
corporativas, incorporando operações adicionais como elegíveis para o
respectivo regime.
 Grupos de sociedades – Foram igualmente introduzidas alterações ao
regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS”), no
sentido de flexibilizar a sua aplicação e, em particular, permitir que o mesmo
possa ser accionado para entidades com relação accionista mínima de 75%
do capital social (até 2013, o limite mínimo era de 90%).
 Tributação autónoma – Foi agravado o regime de tributação autónoma
associado a encargos com viaturas ligeiras de passageiros, com taxas que
podem mediar entre 10% e 35% (neste último caso, para veículos com valor
de aquisição igual ou superior a EUR 35.000). Salienta-se que a tributação
autónoma é inaplicável, sobre a globalidade dos encargos, caso as
respectivas viaturas hajam sido atribuídas a colaboradores da empresa para
utilização das mesmas, por via de acordo escrito entre as partes.
Um observador pouco avisado poderá notar alguma bipolaridade nas acções e
rumo que o Governo pretende encetar para o País. Efectivamente, a Reforma
do IRC – sem prejuízo do alcance que a mesma poderia ter tido, caso
implementada em toda a extensão prevista no documento original da
respectiva Comissão – constitui uma pedrada no charco da lógica de
sacralização da austeridade como instrumento para atingir o objectivo de
controlo das contas públicas, independentemente da opinião de cada
contribuinte sobre o mérito das medidas tomadas pelo Governo nesta sede.
A Reforma do IRC pretende perspectivar um futuro risonho para as empresas
portuguesas, para que estas, no seu papel de impulsionadoras do crescimento
económico em Portugal, possam estar dotadas de um quadro jurídico-fiscal
facilitador/promotor
do
investimento
interno
e
internacionalização.
Adicionalmente, a presente Reforma utiliza o mecanismo fiscal para persuasão
dos investidores externos, para que estes percepcionem Portugal como um
destino preferencial para os seus investimentos. Em qualquer dos casos, a
Reforma do IRC é indiscutivelmente positiva para o País, podendo inaugurar
um novo capítulo para a actividade empresarial em Portugal.
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