1a Série Ensino Médio Semana 11 Nome: LÍNGUA PORTUGUESA Texto I Em seu livro De Mariazinha a Maria, Marta Suplicy fala sobre dois tipos diferentes de mulher, determinados pela educação, pela sociedade: "Maria" (a mulher independente) e "Mariazinha" (a mulher submissa). MARIAZINHA Acho que eu nunca teria percebido a Mariazinha se não tivesse sido criada para ser uma delas, se não tivesse me revoltado ainda muito pequena com a diferença de possibilidades e regalias abertas para mim e meu irmão, se não tivesse tido um pai patriarcal e protetor e uma mãe aparentemente submissa, mas insatisfeita, se não vivesse os medos, ansiedades e dor no abrir dos meus caminhos, e se não estivesse constantemente atenta às tentações de voltar a ser Mariazinha. Na adolescência, eu gostava de ter aulas de italiano e francês. Meu pai achava aquilo perda de tempo e me alertava para os perigos de não saber falar inglês. "O importante, minha filha, é você falar inglês e saber bater bem à máquina. Isso caso o comunismo vier". Profissão? Ele não era contra. Até achava que eu devia ter. Mas algo que me protegesse contra a perda eventual dos meus bens. Acho que, na cabeça dele, secretária devia ser uma função à prova de qualquer regime. Hoje em dia, numa boa, me diz aborrecido que queria dizer que achava importante que eu tivesse profissão. No mínimo, a de secretária. Na época, eu entendia que essa era sua pretensão máxima para a minha pessoa. Já minha mãe sempre se mostrava a favor da independência econômica da mulher. Falava frequentemente que mulher não deve depender do marido financeiramente e rememorava como era agradável, quando solteira, trabalhar na fábrica do pai como sua secretária. Quando eu perguntava então por que não voltava a essa profissão, falava dos filhos, que meu pai não deixava e outras desculpas. Fazia lindos bordados e tapetes, se dizia cansada, não entrava na cozinha. Acho que morria de chateação. Ela é inteligente. E, engraçado, quando recebeu a herança de seu pais, imaginei que enfim iria fazer alguma coisa própria, administrar seus bens, sei lá. Preferindo não assumir responsabilidades, pouco acostumada a resolver questões de negócios, delegou para meu pai as decisões e continuou a pedir dinheiro a ele. E a reclamar da dependência da mulher... etc. ... etc. ... (...) Não se nasce mulher, torna-se mulher, já dizia Simone de Beauvoir três décadas atrás. Não se nasce Mariazinha. É necessário uma educação esmerada, muito puxão de orelha, reprimendas e elogios, e uma boa dose de imitação à figura da mãe, acompanhada de admiração pelo pai, para se produzir uma Mariazinha. Quando a Mariazinha nasce, se for de classe média, seu "treinamento" provavelmente terá início no hospital, nas suas roupinhas cor-de-rosa, prosseguindo com o atendimento das enfermeiras que, segundo as pesquisas, falam mais docemente com as meninas do que com os bebês do sexo masculino. As expectativas dos pais quanto à Mariazinha são bem definidas. Se alguém perguntar à mãe de um bebê do sexo masculino o que ele será quando crescer, ela fará, provavelmente, divagações que vão do médico ao músico. Se perguntar o que a sua filha será quando crescer, a chance de ela responder "Ela vai se casar, ora", será bastante alta. (...) Com a menina vai ocorrer que, desde pequena, será treinada para a dependência, enquanto seu irmão será treinado para se livrar dela e buscar a autonomia. Seus pais reforçarão suas "gracinhas" infantis enquanto a seu irmão não será permitido ser bobinho. A Mariazinha vai aprendendo que o ser "boazinha" significa ser dependente e fiel seguidora da opinião dos pais, obedecer, e é nessa tarefa que se empenhará. Esse aprendizado ficará arraigado no mais profundo do seu ser. É um aprendizado que a aliena de si mesma, que se dá de forma inconsciente, que dificilmente ela perceberá. A capacidade de aprendizagem da Mariazinha não será usada para emancipar, como a dos meninos, mas para antecipar às exigências dos adultos. Ela é treinada para ser perceptiva do desejo dos outros e não de seu próprio. As meninas são aplaudidas nesse comportamento e o manterão, com alta probabilidade, vida afora. Marta Suplicy, De Mariazinha a Maria . Petrópolis, Vozes, 1985. 1 1a Série Ensino Médio Semana 11 Texto II MARIA, MARIA Maria, Maria É o som, é a cor, é o suor, É a dose mais forte e lenta De uma gente que ri quando deve chorar E não vive, apenas aguenta Mas é preciso ter força, É preciso ter raça, É preciso ter gana sempre, Que traz no corpo a marca, Maria, Maria Mistura a dor e a alegria. Mas é preciso ter manha, É preciso ter graça, É preciso ter sonho sempre. Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida Milton Nascimento e Fernando Brant 1) Explique a importância do verbo perceber no seguinte contexto do texto I: "Acho que eu nunca teria percebido a Mariazinha se não tivesse sido criada para ser uma delas..." 2) a) Aponte diferenças entre a "Maria" retratada por Milton Nascimento e Fernando Brant e a mulher identificada como "Mariazinha" de Marta Suplicy. b) "Possui a estranha mania de ter fé na vida." Baseando-se no conteúdo do texto, explique o que afirmam esses versos. 2