PEDAGOGIA: QUE CURSO É ESTE ? A PERSPECTIVA DO ALUNO. Ana Beatriz Mugnatto Pacheco* Marilane Santos** Resumo Este trabalho procura analisar e pontuar os anseios dos alunos ingressantes no curso de pedagogia de um caso específico: a Faculdade Católica de Uberlândia. Tem como hipótese um desencontro entre as expectativas dos alunos referentes ao curso e as reais necessidades de formação dos pedagogos. Traz algumas reflexões sobre o ensino superior, especificamente o curso de Pedagogia, e mostra alguns pontos de distanciamento entre as expectativas dos alunos e o curso em questão. Palavras-chave: Pedagogia. Formação. Prática Profissional. Introdução Este artigo trata-se de um estudo de caso, cujas descobertas podem se prestar a generalizações ou a novas questões relativas aos cursos de Pedagogia. O estudo pretende pontuar as principais expectativas dos alunos ingressantes no curso de Pedagogia da Faculdade Católica de Uberlândia, bem como suas origens, e refletir sobre encontros e desencontros das perspectivas de formação e a prática profissional do pedagogo. O recorte proposto parte da proximidade da pesquisadora com os entrevistados, facilitando a pesquisa e oferecendo respostas norteadoras de ações ao corpo docente da instituição em questão. Trata-se de uma instituição confessional, conforme seu regimento, criada a 8 anos, com um corpo docente estável com poucas variações de profissionais desde a criação da instituição. No entanto, a proposta do curso de Pedagogia sofreu transformações, devido seu período de criação ter se aproximado do momento de aprovação das novas diretrizes curriculares da Pedagogia, em 2006. Estas características imprimem ao objeto uma história já consolidada articulada aos interesses da pesquisa em questão. O objetivo geral do estudo está em conhecer a clientela do curso de pedagogia da Faculdade Católica de Uberlândia em relação as suas dificuldades, representações, conflitos e frustrações, tendo como hipótese um dualismo entre as representações dos alunos sobre o curso e as reais necessidades da formação. * ** Mestre em Educação. Professora da Faculdade Católica de Uberlândia. Metodologia A metodologia escolhida no levantamento de dados foi a utilização de questionários individuais distribuídos para 39 alunos do 1º período, cujo retorno foi de 35 questionários na íntegra. O instrumento de pesquisa utilizado consta de 15 itens elaborados de forma mais objetiva possível, para a facilitação de respostas e também da apuração dos dados. As questões propostas buscam confirmar a hipótese inicial deste trabalho, priorizando a consciência do estudante sobre a relação do curso com o mercado de trabalho, sabendo que a formação profissional se constitui enquanto instrumento de atuação em sociedade numa área específica que, a cada dia, exige mais especializações deste profissional. Procura também verificar o grau de satisfação dos alunos com o curso em questão, entendendo que existe uma ruptura entre a metodologia dos cursos secundários e superiores, que podem contribuir para ampliar a distância entre as expectativas dos alunos e a proposta da instituição. A relevância social de tal pesquisa está em contribuir para tomada de decisões por parte dos formadores na constituição do curso de pedagogia. A compreensão das representações dos alunos sobre o curso permite ao professor entender atitudes e posturas dos discentes. As práticas de formação podem ser transformadas em função do alcance efetivo da participação do aluno. O próprio curso pode ser reestruturado objetivando uma melhor formação do profissional. Trata-se, portanto, de uma avaliação pelo viés dos alunos, que embora não conheçam o histórico e os desafios dos campos de ação do pedagogo são objeto a ser tratado pelo curso e merecem toda atenção. Numa perspectiva construtivista, o foco das análises recai sobre o sujeito que aprende, como indicador do processo de conhecer. Compreender como este aluno pensa, colabora para a constituição de caminhos de ensinagem. O Lugar do Ensino Superior na Sociedade Para desenvolver nossas análises algumas reflexões sobre as instituições educativas ajudam na compreensão de suas constituições, e no papel de seus atores sociais na construção de suas estruturas. Cândido (1956) faz algumas análises sociológicas da estrutura da escola enquanto instituição. Ele trata da escola de nível fundamental, porém, enquanto reflexões sociológicas são perfeitamente aplicáveis ao nível superior, já que se trata também de uma instituição educacional legitimada socialmente, reconhecida por outros grupos sociais. Dessa forma escola é um depósito de expectativas sociais, padrões e valores que se definem conforme os grupos que a legitimam. No entanto, a escola possui uma certa autonomia na definição de suas regras que são definidas por acordos internos entre seus membros. “Sua existência depende basicamente da atividade combinada dos seus membros – os que ensinam e os que aprendem...” (Znaniecki, 1945 apud Cândido, 1956, p. 107) Embora seus membros se distingam em seus papéis, a instituição do grupo exige características que o distingue de outros grupos e os agrupam por interesses em comum. Assim, enquanto grupo social a escola se organiza por um sistema de normas desenvolvido internamente. Cândido (1956) denomina duas correntes de sociabilidade definidas nos papéis do professor e do aluno, e em confluência pela prática pedagógica. Entretanto, essas correntes não se encontram em perfeita harmonia, pois professores e alunos enquanto papéis distintos possuem também representações e expectativas distintas sobre o processo. Por outras palavras, a escola constitui um ambiente social peculiar, caracterizado pelas formas de tensão e acomodação entre administrados e professores – representando os padrões cristalizados da sociedade – e os imaturos que deverão equacionar, na sua conduta, as exigências desta com as de sua própria sociabilidade. (Cândido, 1956, p.111) Imaturos aqui entendidos como os alunos, ou seja, aqueles que passam a fazer parte de um processo não iniciado por eles, mas legitimado socialmente. Quanto aos cursos superiores e sua relação forte com a sociedade, destacamos a responsabilidade que as universidades têm com a formação profissional e pessoal, com a pesquisa, e com a transformação científica e tecnológica. Dessa forma, as ações dos níveis superiores de ensino influenciam e são influenciadas pela demanda social. Ou seja, sabendo de sua responsabilidade, a sociedade cria em torno das faculdades expectativas referentes aos seus anseios. Sendo assim, o nível superior representa a modernidade e o espaço onde acontece o novo e se projeta o futuro. Todas essas expectativas sociais criam nos estudantes uma esperança e uma imagem de modernidade em torno do ensino superior, e acabam por impor à universidade uma responsabilidade social com as demandas profissionais e com as respostas a questões problemáticas geradas no seio social. Portando, está posto a relação entre a instituição educativa e a sociedade enquanto espaço de valores, diferenciados pelo seu público e entre seus membros. Ou seja, as expectativas dos ingressantes no curso de pedagogia da Faculdade Católica de Uberlândia (objeto de nosso estudo) estão relacionadas às expectativas sociais em relação à instituição e também se encontram em conflito com as expectativas de outros atores sociais envolvidos no processo, como os professores, por exemplo. Outra ponderação necessária realizar antes de desenvolver as análises dos dados colhidos diz respeito aos conhecimentos. Arnay (1997) tece reflexões sobre a diferença de conhecimento produzido cotidianamente, nas escolas, e aqueles oriundos das universidades (científicos) estabelecendo uma relação entre eles. Para ele os valores e o sentido do que se ensina nas universidades estão afastados dos conhecimentos cotidiano e científico. Nossos alunos nos chegam com conhecimentos cotidianos elaborados sobre suas experiências. São conhecimentos constituídos intuitivamente. No entanto, reconhecem o papel do nível superior na elaboração de conhecimentos científicos. Entretanto, ...o conhecimento cotidiano é um obstáculo sério para a aquisição de outros conceitos mais elaborados, pois ele simplifica a complexidade dos conceitos científicos e os transforma naquilo que se tem chamado de elaborações errôneas, incompletas ou ingênuas, em suma, ele resiste a ser mudado ou transformado. (Arnay, 1997, p.42) Diante do que está posto, verificamos que há um abismo separando os conhecimentos e a forma de raciocínio entre os alunos ingressantes e os conteúdos do ensino superior, o que pode perfeitamente gerar nos estudantes frustrações em relação as suas expectativas. Pimenta e Anastasion (2005) levantaram questões pertinentes à caracterização desses sujeitos, delegando importância na identificação dos alunos para que o projeto da instituição tenha sucesso. “Se se tem como proposta um processo de ensinagem, tomar o aluno como sujeito desse processo é fundamental para que construa como sujeito.”(Pimenta e Anastasion, 2005, p.232) Em relação às expectativas do grupo de ingressantes no ensino superior, Pimenta e Anastasion (2005) não fazem referência. Porém, alguns itens observados pelos autores apontam algumas pistas na compreensão delas. Dentre eles temos que: estes alunos vêm de um 2º grau com dinâmicas de trabalho específicas ao 2º grau, que não o preparam a pensar na postura profissional e/ou no desempenho de uma profissão; apresentam dificuldades com a língua, apresentando também dificuldades de interpretação e não conseguem portanto, interpretar o ofício ao qual optaram; muitas vezes o aluno não busca qualidade de aprendizagem, mas um produto final (diploma). Portanto, o aluno desconhece as habilidades necessárias ao desempenho de uma profissão. Os itens elencados no parágrafo anterior nos apontam um aluno despreparado para as exigências de um mercado de trabalho, um aluno que não teve a oportunidade de pensar sobre sua opção profissional e que muitas vezes a associam às referências que possuem – as disciplinas conteudistas do 2º grau. Este despreparo e alienação frente ao compromisso social de sua opção profissional fazem com que os ingressantes em cursos superiores criem representações sobre o curso que não condizem com as reais necessidades sociais da profissão a qual estão sendo formados, e isto pode gerar algumas frustrações nestes alunos. Os dados desta pesquisa procurarão esclarecer estes aspectos e responder se há uma distância entre os alunos e o curso capaz de causar uma ruptura entre eles. Entretanto, as respostas dos alunos nem sempre deverão nortear os programas dos cursos superiores. Porém, conhecê-las diminuirá a distância entre o imaginado e o necessário, e norteará ações por parte dos docentes na condução menos traumática do processo de escolarização superior. A Voz dos Alunos Na caracterização do público podemos classificá-lo como em sua maioria de mulheres (99%), na faixa etária entre 20 – 30 anos, cursando o ensino superior pela primeira vez, e sem nunca ter atuado na educação. Os dados colhidos comprovam as referências de Pimenta e Anastasion (2005) quanto à alienação do aluno frente às necessidades do mercado de trabalho, desconhecendo as habilidades do pedagogo enquanto profissional, e/ou interpretando-as equivocadamente por apresentarem dificuldades lingüísticas de interpretação. Este é outro dado comprovado pela pesquisa, os alunos sentem a dificuldade no português e chegam a eleger a disciplina como uma das mais importantes para o curso. Eles têm como maior queixa a dificuldade no uso dos textos e sua interpretação. Em relação ao campo de atuação, as respostas dos futuros pedagogos em número foram iguais quando questionados da atuação em escolas e empresas, embora não tenham sugerido nenhum outro espaço de atuação. Fica uma dúvida se eles realmente conhecem os espaços de atuação do pedagogo, ou se assinalaram somente o que lhes foi sugerido, pois nas outras questões do questionário demonstram conhecer muito pouco da constituição do curso e das habilidades e competências sobre a profissão. Sendo assim, mostram desconhecer o ofício ao qual optaram. Das idéias construídas pelos alunos sobre o ofício pedagógico, as respostas foram agrupadas em categorias: 1ª- envolve uma qualificação para uma intervenção no ensinoaprendizagem, 2ª- envolve uma prática afetiva, 3ª- projeta um futuro de sociedade. Quanto à primeira categoria citada, cujas bases envolvem uma técnica em torno do ofício pedagógico, Libâneo (1999) reforça essa idéia como do senso comum quando diz: “Há uma idéia de senso comum, inclusive de muitos pedagogos, de que a Pedagogia é o modo como se ensina, o modo de ensinar a matéria, o uso de técnicas de ensino.” (Libâneo, 1999, p. 21) Para Libâneo (1999) trata-se de uma idéia reducionista do papel do pedagogo na sua constituição profissional, pois o mesmo considera a pedagogia como “um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa”. (Libâneo, 1999, p.21 e 22) Em relação à segunda categoria, percebemos uma idéia de des-profissionalização do ofício, descaracterizando-o, pois os alunos associam a imagem do pedagogo a uma dedicação amorosa. Torna-se uma idéia problemática já que os alunos não conseguem perceber quais as habilidades envolvidas no ato intencional pedagógico, carregado de sentido e interesses políticos. Por fim, a última categoria elencada nos mostra um sujeito preocupado com o futuro, porém sem trazer em seu bojo especificidades próprias da profissão. A noção que possuem sobre a profissão é muito genérica e negligencia suas especificidades. Formar o cidadão, ensiná-lo para o futuro, são facetas da Pedagogia que exigem uma maior explicitação em relação aos seus conteúdos de ensino, às estratégias de ensinagem e à organização de um sistema. No entanto, verifica-se nesta resposta do alunado uma expectativa social em relação à faculdade que confirma seu status de modernidade e responsabilidade na formação de pessoas. Portanto, sobre as idéias dos alunos quanto ao ofício pedagógico, podemos dizer que elas são fragmentadas, próprias do conhecimento não elaborado, e necessitam serem trabalhadas para se alcançar o conhecimento científico, próprio do ensino superior. Este contraste confirma as reflexões de Arnay (1997) sobre os obstáculos na aquisição do conhecimento e as possíveis frustrações dos alunos frente ao curso. Solicitados a sugerirem melhorias ao curso os alunos demonstraram ter consciência do papel interativo do pedagogo solicitando mais ensinamentos relativos às relações entre o professor e os alunos. De acordo com Libâneo (1999), a pedagogia é a ciência da teoria e da prática da educação, que se dá em meio a relações sociais. “Isso significa que a Pedagogia lida com o fenômeno educativo como expressão de interesses sociais em conflito na sociedade em que vivemos.” (Libâneo, 2002, p. 64). Percebemos aqui que a preocupação dos ingressantes procede e que a interação entre as pessoas é realmente um desafio ao profissional da educação. Quanto ao curso, especificamente, verificamos que os alunos mostram-se satisfeitos com o mesmo, e sugerem mudanças pontuais, na sua maioria relacionadas à forma de ensinar. As queixas giram em torno de alguma disciplina, porém nada específico, e em pedidos de mais dinamismo e variações de aula, encontrando como maior dificuldade os textos adotados para leitura pelos professores. O privilégio pela abstração, presente nos textos adotados, distancia os alunos da forma de aprendizagem pela experiência, tão comum na construção de conhecimentos cotidianos. No entanto, provocam a criatividade do professor quanto às formas de ensinar. Dentre as metodologias citadas no questionário, os alunos elegeram os seminários e os trabalhos em grupo como melhores condutores do processo de aprendizagem. Surpreendentemente, esta metodologia não faz parte do universo de estudantes secundaristas, portanto, não está presente nas referências de alunos iniciantes em curso superior. Entretanto, sendo aprovada pelos alunos, torna a distância, entre os professores universitários e ingressantes no curso menor, pois a aceitação dessa metodologia de trabalho facilita ao professor trazer propostas inovadoras, e a introdução do aluno no universo da pesquisa, tão importante à formação profissional, além de aproximá-lo das dinâmicas de grupo tão necessárias ao mundo moderno. Por outro lado, esta aceitação nos mostra um aluno flexível e corajoso a ponto de tentar a inovação. Mostraram desconhecer a formatação do curso ao qual ingressaram, pois desconhecem suas disciplinas, a forma de estágio e principais teóricos da educação. Este fato torna o trabalho com alunos ingressantes ainda mais árduo, pois exige do corpo docente uma apresentação de cada disciplina e seu conteúdo relacionando-a às demais e aos objetivos gerais do curso. Questionados sobre os motivos que os levaram a optar pelo curso responderam, na grande maioria, fazê-lo por vontade própria, seguida da necessidade de se fazer um curso superior e da facilidade na empregabilidade. Demonstraram assim, não só uma preocupação em adquirir o diploma, mas a vontade de atuar na área, contrariando as análises de Pimenta e Anastasion (2005) referidas anteriormente. Considerações Finais Frente a estes dados, podemos concluir que os alunos desconhecem as necessidades de sua formação, por desconhecerem as reais necessidades da prática profissional do pedagogo. Mas, no entanto, existem alguns encontros entre as expectativas de sua formação e o currículo oferecido pelo curso, que embora não façam parte do universo de referências dos alunos, provocam nos mesmos esta satisfação descrita por eles. É notório o valor do curso para estes ingressantes, e seria desejável que a faculdade oferecesse uma acolhida mais segura e atenta aos anseios do alunado, preparando os professores que atuam nos primeiros períodos para não se limitarem apenas em sua disciplina, mas na conscientização do aluno sobre sua profissão. A relação entre os cursos superiores e a sociedade, a desarmonia entre membros sociais, os desencontros entre o conhecimento cotidiano e científico, apontados pela literatura, foram comprovados pelos dados desta pesquisa, porém as dificuldades dos alunos analisadas nestas perspectivas não mostraram um aluno frustrado com seu curso. Espera-se que este pequeno estudo tenha levantado mais questões do que respondido, e que possa gerar outros estudos mais criteriosos e completos, partindo para a pesquisa em outras turmas, com os egressos, os desistentes, e os atuantes, para que assim possamos, junto ao aluno, construir um curso de pedagogia de qualidade, atendendo às necessidades sociais ao qual foi criado. Referências ARNAY, José. Reflexões para um debate sobre a construção do conhecimento na escola: rumo a uma cultura científica escolar. In: RODRIGO, Maria J. e ARNAY, José. Conhecimento Cotidiano, Escolar e Científico: Representação e Mudança. São Paulo: Ed. Ática, 1998. CÂNDIDO, Ântonio. A Estrutura da Escola. Separata de Educação e Ciências (Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais) Rio de Janeiro, 1956. LIBÃNEO, José C. Pedagogia e Pedagogos, pra quê?. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1999. LIBÂNEO, José C. In: PIMENTA, Selma G. (org) Pedagogia e Pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2002. PIMENTA, J.G.; ANASTASION, L.G.C. Docência no ensino superior. 2ed. São Paulo: Cortez, 2005.