22 JORNAL ANJ Dezembro / 2012 LIVRO Apporelly foi um gênio da “revolução em miniatura” Autor de tiradas que seguem no anedotário brasileiro até hoje, o Barão de Itararé ganha nova biografia ENTRE SEM BATER A vida de Apparício Torelly, O BARÃO D’ ITARARÉ Cláudio Figueiredo Carlos Müller de Brasília 479 páginas G eorge Orwell, mais conhecido por seu tenebroso “1984”, foi profundo conhecedor da literatura britânica e ensaísta perspicaz. Exibiu esse talento num artigo publicado em 1945, no qual examinava o humor literário, intitulado “Funny, but not vulgar”, geralmente traduzido como “Engraçado, mas não vulgar”. Vale a pena voltar a ele ao ler “Entre sem bater - A vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé”, de forma a que não se fique apenass no anedótico, aliás maravilhoso. “Uma coisa engraçada é - de um modo que não seja realmente ofensivo ou intimidante - aquela que transtorna a ordem estabelecida.Cada brincadeira é uma revolução em miniatura”, definiu Orwell, acrescentando:“Não se pode ser memoravelmente engraçado sem trazer à luz, em algum momento, os temas que o rico, o poderoso ou o complacente prefeririam que se deixasse de lado”. As observações podem ser tomadas como chaves não só para os trocadilhos, quadrinhas e máximas do humorista, mas também para entender sua personalidade,sua obra e o papel por ele desempenhado na vida política brasileira,em particular entre as décadas de 1930 a 1960. Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly adotou como nome jornalístico “Apporelly”, mas criou para si mesmo a fantástica figura do Barão de Itararé, título nobiliárquico autoconferido “por bravura”naquele que seria o combate decisivo da Revolução de 1930, embora não tenha chegado a ocorrer.Seu A publicidade de A Manha tinha o toque do Barão até na frase de rodapé humor, entretanto, manifestou-se antes disso, ao sofrer precocemente um aneurisma que levou os três médicos consultados a prognosticarem dois anos de sobrevida, o que ele interpretou como seis e na realidade seriam quase 76, intensos tanto no humor quanto nas tragédias pessoais, para não falar de suas fases de dedicação a questões científicas e a uma peculiar mescla de alquimia, misticismo e astrologia que praticamente o levou da celebridade ao ostracismo no final da vida. Seguindo com Orwell,Apporelly levou às últimas consequências o entendimento de que “o humor consiste em desprestigiar a humanidade”e que há métodos mais sutis de fazer isso do que na base do pastelão. Que é tanto mais eficaz quanto baseado na “pura fantasia que assalta a noção de homem sobre si mesmo em sua dignidade e também com sua racionalidade”. Esse humor de Apporelly começou desconcertando seus professores na faculdade de medicina de Porto Alegre, onde desafiou o autoritarismo da polícia do governador/ditador Borges de Medeiros antes de se transferir para o Rio de Janeiro onde editaria o semanário “A Manha”, paródia do diário de informação geral “A Manhã”. Na então capital federal, a ditadura Vargas foi menos complacente diante da combinação de sátira com simpatias pelo comunismo do humorista (vereador pelo PC em 1946/7) que, após uma surra colocou na porta do jornal o aviso “entre sem bater”.A rebeldia lhe custou quase um 1940.Duas décadas mais tarde,depois ano de prisão sem processo. de uma longa viagem pela China e às Recuperar a liberdade,para ele e vésperas do Golpe Militar de 64,faria outros que sequer haviam participado nova profissão de fé libertária ao afirmar do levante militar de 1935 (a na posse da diretoria da Sociedade “Intentona”),exigiu sua assinatura Cultural Sino-Brasileira que “não estava numa declaração na qual condenava ali para pregar a revolução,porque “toda e qualquer atividade extremista revolução não se prega...vai-se ou que atente contra o regime liberal fazendo...não se deve pedir licença aos democrático estabelecido no Brasil...[e] outros para fazer revolução porque,se juro pela minha honra de brasileiro e pedir,ninguém dá”. patriota que estarei sempre ao lado do Apporelly não fez a revolução governo constituído política, mas nem na defesa das nossas o humor nem o instituições”.Nessas Revolução não se jornalismo foram condições,sua verve, os mesmos depois prega... vai-se fazendo, que “nosso que tanto podia eclodir da forma querido diretor”, profetizava o Barão mais inesperada como ele se referia como consumir a si mesmo como horas lapidando uma frase de efeito, diretor de A Manha, provou que era derivou para o cotidiano do brasileiro possível fazer um semanário comum.Com isso tratava de ganhar a humorístico, crítico e inteligente, no vida e sustentar suas pesquisas sobre a qual não poupava a própria imprensa febre aftosa (sic). da época em críticas ao oportunismo A atividade num laboratório político em editoriais como o que improvisado durou menos que a afirmava que o jornal “franqueou as ditadura e o Barão voltou a trabalhar suas colunas...a todos quantos pela redemocratização, como ocorreu quiserem utilizá-las convenientemente, quando a elite política e intelectual se após um breve e agradável contato com reuniu na ABI a pretexto de comemorar a nossa gerência.Nenhum partido seu aniversário, em 1944. pode queixar-se de haver encontrado “Amo a liberdade até a revolta”, fechado às suas aspirações o guichê afirmou o Barão numa conferência em daquela parte da nossa empresa”.