C u l t o d a I m o r ta l i d a d e Barão do Rio Branco: cem anos depois Muri lo Melo Fi l ho C Ocupante da Cadeira 20 na Academia Brasileira de Letras. ompletaram-se, no último dia 10 de fevereiro de 2012, nada menos de 100 anos da morte, ocorrida no Rio de Janeiro, de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o nosso Barão do Rio Branco, nascido também no Rio, 67 anos antes, em 1845, e enterrado ao lado do túmulo de seu pai. Quando morreu o paraibano fundador da ABL, J.M. Pereira da Silva, na segunda vaga então aberta na Academia, justamente na Cadeira 34, o secretário-geral da ABL, Joaquim Nabuco, sugeriu a Machado a candidatura do Barão para preenchê-la, justificando: – Será o reconhecimento da Academia ao admirável trabalho do nosso chanceler, um grande vitorioso nas nossas questões fronteiriças, que aumentou o território brasileiro sem dar um tiro sequer. ȄȄ Machado contra, inicialmente Não foi uma tarefa muito fácil para Nabuco, porque Machado não era inicialmente muito favorável ao Barão, argumentando que 7 Murilo Melo Filho ele não era um escritor propriamente dito: não tinha um só livro publicado e ainda por cima era famoso por sua desorganização familiar e por sua desordem funcional, com processos, papéis, jornais, documentos e anotações em seu tumultuado gabinete. Mas Nabuco insistiu: – Você, Machado, já se imaginou na presidência de uma reunião da Academia, tendo um homem da importância e da estatura do Barão lá no meio dos acadêmicos, como um dos seus presididos? ȄȄ Uma posse em carta Realmente desorganizado, o Barão candidatou-se à sucessão de Pereira da Silva e conseguiu eleger-se unanimemente para a Cadeira 34. Foi praticamente uma aclamação, pois não houve adversários na eleição, que se processou no dia 1 de outubro de 1898, um ano depois da fundação da Academia. Sua posse foi a segunda que se realizou na instituição, logo em seguida à posse de João Ribeiro, que foi a primeira. Mais do que isto, inovou também na posse, que se realizou através de uma carta, porque o novo acadêmico nem tão cedo podia ausentar-se do seu posto de cônsul do Brasil na cidade de Liverpool. Só podia vir ao Rio nos intervalos das várias batalhas diplomáticas na defesa dos direitos brasileiros em suas fronteiras. ȄȄ Pai e filho José Maria Júnior, o Barão, era filho de José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, patrono da Cadeira 40 na nossa Academia, que também foi ministro do Exterior no gabinete do Visconde de Itaboraí e presidente do próprio Conselho de Ministros. O Barão do Rio Branco participava das reuniões da Academia sempre que estava no Rio, exercendo as suas funções de chanceler ao longo dos 8 Barão do Rio Branco: cem anos de pois vários governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Nos debates acadêmicos, tinha uma gesticulação toda especial, que mais parecia um cacoete. Costumava levantar o braço, apontando com o dedo em riste para o alto e explicando-se: – Ao perceber que as minhas opiniões não estavam conseguindo convencer muito, eu resolvia suspendê-las na ponta dos dedos. ȄȄ Boêmio e notívago Em sua mocidade, o jovem Juca foi um boêmio notívago, frequentador da Lapa e da sua boate Alcazar, na qual conheceu uma crooner, de nome Marie Philomène Steves, uma bailarina belga, de 23 anos, muito bonita, pela qual se apaixonou e com a qual viveria durante vários anos, tendo cinco filhos: Raul, Clotilde, Paulo, Amélie e Hortênsia. Casou-se com ela, no dia 20 de setembro de 1889, no civil, num cartório em Londres e, no religioso, numa capela da Sardenha, distrito de Saint Giles, com um ofício celebrado pelo padre Delaney. Tempos depois, pesquisando sobre a vida do Barão, para escrever a sua biografia, o biógrafo Luís Viana Filho conseguiu uma certidão desse último casamento, que nunca usou, em respeito ao seu sigilo e à sua discrição. ȄȄ A política e o jornalismo A política nunca havia sido a profissão ideal do moço José Maria. Ainda chegou a tentá-la, quando se elegeu e se reelegeu como deputado provincial em Mato Grosso. Porém, mais cedo do que imaginava, desiludiu-se e afastou-se dela, logo depois que seu pai renunciou à presidência do conselho ministerial, chefiado pelo Visconde de Itaboraí. Também com relação ao jornalismo, limitou-se a uma ou duas colaborações esparsas, sem nenhuma importância. 9 Murilo Melo Filho Resolveu então abraçar a carreira diplomática, que o consagraria depois para sempre. Iniciou-a no cargo de cônsul brasileiro na cidade de Liverpool, cumulativamente com o escritório de Imigração em Paris. Escreveu então um livro sobre os problemas fronteiriços do Brasil com a Argentina. ȄȄ Problemas agravados Esses problemas iriam agravar-se sempre pelos anos afora, desde quando Quintino Bocaiúva era o chanceler brasileiro, no gabinete provisório do governo republicano de Deodoro. O litígio chegou a um ponto de tanta preocupação que ensejou a assinatura de um tratado, com a assinatura do Barão e de Estanislau Zeballos, o ministro argentino. Mas a radicalização continuou tão perigosa que as chancelarias brasileira e argentina recorreram a Cleveland, o presidente americano. Rio Branco empenhou-se a fundo na questão, assessorado, entre outros, pelos Acadêmicos Domício da Gama e Salvador de Mendonça. Trabalhava dia e noite, sem descanso, redigindo um extenso Memorial para a decisão de Cleveland, que encerrou a questão comunicando o seu laudo, inteiramente favorável ao Brasil. O Barão vencia o primeiro dos vários outros embates diplomáticos, que enfrentaria adiante. ȄȄ Mais 5 mil km² Mas esta seria apenas o começo de várias outras vitórias. Pois logo a seguir aconteceria a questão do Amapá, reivindicado pela França, com os olhos voltados para as suas imensas riquezas de ouro, numa área de 5 mil km². Terminava o governo de Campos Sales e começava o quadriênio de Rodrigues Alves, que convidou Rio Branco para o Ministério do Exterior e teve de insistir muito para o seu convite ser aceito. 10 Barão do Rio Branco: cem anos de pois Sua equipe, constituída pelo Almirante Guilhobel e por Domício da Gama, era substancialmente reforçada por mais três membros: Graça Aranha, Hilário de Gouveia e Joaquim Nabuco. Transferindo sua residência para Berna, Rio Branco desdobra-se em gestões importantes e prepara a defesa dos interesses brasileiros em seis alentados volumes, até que é convidado para ir à Villa Trautheim e aí ouvir do Departamento Político a leitura do laudo francês que reconhecia os direitos brasileiros sobre a área do Amapá. ȄȄ Mais duas questões Mal havia triunfado sobre essa área, o chanceler brasileiro já tinha de voltar suas atenções para a questão do Acre. Tratava-se de uma enorme área reivindicada pela Bolívia, mas defendida pelo brasileiro Plácido de Castro, à frente de pelotões armados e dispostos a todos os sacrifícios. Tratava-se de um território de 47.800 km², que Rio Branco conseguiu simplesmente comprar pelo preço de 2 milhões de libras esterlinas e pelo compromisso de construir a ferrovia Madeira-Mamoré. A capital desse território, posteriormente transformado em estado, foi batizada com o nome de Rio Branco, em homenagem ao seu grande defensor. Restava resolver uma última questão de fronteira, a do Peru, ocupado pelo Exército peruano, que simplesmente achava urgente a guerra contra o imperialismo do Brasil. O nosso Barão teve, antes de mais nada, de sobrepor-se às exigências de chefes militares brasileiros, que defendiam posições radicais e se opunham ao pacifismo do Itamaraty, finalmente vitorioso. Em 1907, dá total apoio às posições de Rui na Conferência da Paz, em Haia. ȄȄ Um inteligente diplomata O Juca bonacheirão e desorganizado não tinha hora certa para dormir ou para alimentar-se, fumando diariamente dezenas de cigarros, com um 11 Murilo Melo Filho corpanzil que pesava mais de 100 quilos, logo ameaçados pelos sintomas de uma grave meningite. Mas era no fundo um inteligente diplomata, cuja habilidade transou durante vários anos entre as rivalidades sul-americanas de argentinos, paraguaios, uruguaios, bolivianos e guianenses. Lutador, competente e respeitado por diplomatas europeus, asiáticos e americanos, partidários da diplomacia na boca do canhão e na esteira dos tanques, o Barão do Rio Branco foi um dos maiores chanceleres que o Brasil já teve até hoje, com uma valiosa herança, merecedora de ser muito defendida e honrada. 12