PÓS-MODERNIDADE, INTERNET E INFORMAÇÃO: MUDANÇAS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO Ana Carla Barbosa* *Jornalista. Mestranda em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias. Universidade Norte do Paraná, PR, Brasil. [email protected] Rosemari Bendlin Calzavara* *Doutora em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professora do Mestrado em Ensino de Linguagens e suas Tecnologias da Universidade Norte do Paraná, PR, Brasil. [email protected] Resumo O impacto dos meios de comunicação na sociedade contemporânea modifica dia após dia os meandros políticos, econômicos e as relações humanas. Neste contexto, tratada sob a luz de reflexões acerca da Pós-Modernidade, a presente revisão literária busca situar com ênfase no advento da internet, como tais elementos se desvelam em uma cultura da mídia e, mais adiante, também em uma cibercultura, que estão diretamente relacionadas aos questionamentos e análises atuais de teóricos contemporâneos debruçados em compreender tais fenômenos. Palavras-chave: pós-modernidade, internet, cultura da mídia, cibercultura. ABSTRACT The impact of the media in contemporary society changes day by day the intricacies of political, economic and human relations. In this respect, treated under the light reflections on Post-Modernity, this literature review is to situate emphasizing the advent of the internet, as such elements are unveiled in a media culture and, later, also on a cyberculture, which are directly related to current questions and analysis of contemporary theorists bent on understanding such phenomena. Keywords: postmodernity, internet, media culture, cyberculture. 2 1.Introdução A partir da expansão da tecnologia digital, as dinâmicas informacionais da sociedade foram alteradas profundamente. A chamada mídia tradicional, em um movimento considerado recente, deixa a cada dia diminuir um percentual de sua parcela como referência uníssona das informações. Neste estudo, busca-se por meio da leitura de pontos nevrálgicos da transformação do consumo e da comunicação pós-moderna como princípios para uma proposta de interpretação e análise acerca do fenômeno da proliferação de veículos de informação e a fragilidade criada sobre sua legitimação como fontes. Este estudo reúne argumentos de autores contemporâneos que vêm na pluralidade de meios, no acesso aos mesmos e na fortalecimento da condição mercantilista da informação, alguns dos pontos nevrálgicos para a compreensão e compilação destes aspectos. Neste âmbito, mais precisamente o papel da internet em tal processo ganha destaque, tratada aqui sob o viés de Castells (1999), que caracteriza a mesma como protagonista de várias das profundas modificações ocasionadas nas relações políticas e econômicas da contemporaneidade. Para tal revisão, a criação da internet situa o início deste estudo. Posteriormente, um breve panorama sobre multiplicidade informacional como uma das características da Pós-Modernidade, bem como seu impacto na construção de uma Cultura da Mídia e sua influência na estruturação das teorias recentes também são pontuados. Este último aspecto é norteado pelo que Kellner (2001) e Santaella (2003) elencam como uma modificação radical de uma cultura de massas para uma cultura da mídia e também em Lévy (1999), que projeta uma Cibercultura. 2. Desenvolvimento 2.1 Eis que houve internet Primeiramente, fundamenta-se a escolha desta pesquisa em iniciar sua exploração tendo o advento da internet como ponto de partida como uma tentativa de corresponder às características citadas na introdução. Marcada pela velocidade das transformações, a Pós-Modernidade se destaca por suas constantes quebras de 3 padrões e reconstruções de referenciais (Hall, 2006). Desta forma, julgou-se pertinente que o leitor obtenha antes de prosseguir por estas páginas, contato com um breve histórico sobre uma das matrizes da nova sociedade em rede afirmada por Castells (1999). E é sob a luz do sociólogo espanhol que a exposição do tópico segue. A criação e o desenvolvimento da Internet nas três últimas décadas do século XX foram consequência de uma fusão singular de estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa tecnológica e inovação contracultural (Castells, 1999 p.82). O autor aponta que a Agência de Projetos de Pesquisas Avanças (ARPA), ligada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos, começou a solidificar novas propostas ao fim da década de 50 e anunciou a ‘’Era da Informação’’ em larga escala. Neste contexto, Paul Baran, atualmente conhecido por seus diagramas, onde demonstra os tipos de conexões em rede, idealizou um sistema de comunicação que resistisse a ataques nucleares. Em suma, o primeiro grande passo para a internet se deu com a preocupação de descentralizar os comandos militares. Com base na tecnologia de comunicação da troca de pacotes, o sistema tornava a rede independente de centros de comando e controle, para que a mensagem procurasse suas próprias rotas ao longo da rede, sendo remontada para voltar a ter sentido coerente em qualquer ponto da rede (Castells, 1999, p. 82). Ao permitir posteriormente a união de som, imagem e outros dados, surgiu uma rede que permitia a comunicação de seus ‘’nós’’ sem a necessidade de antes passar por centros de controle, caracterizando uma comunicação global e horizontal. Esta foi a formação da primeira rede de computadores- a ARPANET, que funcionou em setembro de 1969 (Castells, 1999). Outro detalhe sobre o advento foi seu uso entre os centros de pesquisas das Universidades da Califórnia e de Utah, que colaboravam diretamente com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Cientistas das instituições de ensino, ainda conforme Castells (1999), repassavam mensagens sob o ‘’entusiasmo de ficção científica’’. Dado nem sempre tratado com minúcia acerca desta fase embrionária da rede mundial de computadores é dissensão do uso da ARPANET para fins científicos e conversas pessoais. Após ter seu acesso estendido a todas as 4 disciplinas das universidades, houve a dissenção entre a ARPANET, que se encarregou dos fins científicos e a MILNET, voltada ao uso militar. A rede das redes que se formou durante a década de 1980 chamava-se ARPA-INTERNET, depois passou a chamar-se INTERNET, ainda sustentada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos e operada pela National Science Foundation. Tendo-se tornado tecnologicamente obsoleta depois de mais de 20 anos de serviço, a ARPANET encerrou as atividades em 28 de fevereiro de 1990. Em seguida, a NFSNET, operada pela National Science Foundation assumiu o posto de espinha dorsal da Internet (CASTELLS, 1999, p. 83). A ‘’espinha dorsal’’ supracitada foi encerrada em 1995, o que abriu caminho para a privatização da Internet. Desta vez, o diferencial está na ausência de supervisão que se arrastou por um período considerável. Para Castells (1999), o fato reforça características anarquistas do meio de comunicação tanto no âmbito técnico quanto no cultural. A partir daí, protocolos e aparatos desenvolvidos entre as universidades de elite, centros de pesquisa e o financiamento militar, juntamente com as redes corporativas, comerciais e colaborativas desenvolvidas, que por sua vez, contribuíram para o aprimoramento nas redes horizontais desenvolvidas no meio militar. Embora vários pormenores desta fase da ‘’formulação’’ da internet tal qual é conhecida hoje mereçam atenção, é na criação aplicativo world wide web – WWW) que os próximos parágrafos se concentram. O surgimento da WWW data de 1990, resultado de pesquisas do Centre Européen poour Recherche Nucleaire (CERN). O centro suíço é referência mundial em pesquisas da Física. Como inspirador da www, esteve o panfleto de Ted Nelson, de 1974, que apresentou a ideia de utilizar os computadores para benefício próprio e iniciou a noção de ‘’hipertexto’’ na tecnologia digital (Castells, 1999). Como consequência, A equipe do Cern criou um formato para os documentos em hipertexto ao qual deram o nome de linguagem de marcação de hipertexto (hypertext mark-up language – HTML) dentro da tradição de flexibilidade da Internet, para que os computadores pudessem adaptar suas linguagens específicas desse formato compartilhado, acrescentando essa formatação ao protocolo TCP/IP. Também configuraram um protocolo de transferência de hipertexto (hipertexto transfer protocol – HTTP) para orientar a comunicação entre programas navegadores e servidores de WWW; e criaram um formato padronizado de endereços, o localizador uniforme de recursos (uniform resource locator – URL), que combina informações sobre o protocolo do aplicativo e sobre o endereço do computador que contém as informações 5 solicitadas. O URL também pode relacionar-se com uma série de protocolos de transferência, e não só o HTTP, o que facilitava a interface geral (CASTELLS, 1999, p. 88). Não obstante o avanço do Cern, outro fator foi fundamental para se contemplar a rede mundial de computadores vivenciada na atualidade: o WWW foi distribuído gratuitamente. O acesso ao software emplacou a formulação de sítios (sites) e, somado ao aprimoramento de navegadores que tiveram sua maior expressão nas tentativas de empreendedores, fez-se o ‘’boom: nos meados da década de 90, finalmente o globo estava interligado em uma grande teia mundial. 2.2. Mídia e Pós-Modernidade Situado o advento da internet, este tópico prossegue no intuito de trazer à tona algumas considerações sobre o cenário midiático na Pós-Modernidade. Intencionalmente, a opção por elucidar anteriormente as ‘’raízes’’ da rede mundial desta revisão, guarda a tentativa de se delinear semelhantemente a um hipertexto. Termo corrente ao longo deste estudo, a Pós-Modernidade é um período depreendido em Santos (1986) como o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Nesta mesma linha, o forte do pós-modernismo está na ruptura de condições construídas ao longo de séculos em espaços temporais relativamente pequenos. A referência supracitada é primária e serve para relacionar a análise conferida em Santaella (2003, p. 68): A emergência de novos caracteres formais na cultura, extensiva à emergência de uma nova ordem econômica e social, ou seja, aquilo que foi sendo chamado de sociedade pós-industrial, de capitalismo tardio, multinacional, sociedade das mídias ou de espetáculo, veio encontrar um ponto de referência relativamente consensual no rótulo de pósmodernidade. Embora a autora reconheça os encaminhamentos e conjugue traços marcantes da Pós-Modernidade, sua obra encaminha para o que a mesma conceitua como uma evolução para o ‘’pós-humano’’, caminho este que não será prosseguido aqui. Contudo, como a mesma pontua, existe certo consenso em torno dos delineamentos pós-modernos. 6 Da mesma forma, Bauman (1999, p. 16 ) também enxerga na evolução midiática uma trama determinante do cotidiano atual. De acordo com o sociologo polonês, teóricos contemporâneos ‘’saúdam a nova tecnologia virtual de atar e desatar vínculos como formas alternativas promissoras e, em alguns casos, superiores de sociabilidade’’. Antes de retornar à questão da internet, faz-se necessário resgatar a noção de mídia adotada nesta revisão. Mídias são meios e, meios, como o próprio nome já diz, são simplesmente meios, isto é, suportes materiais, canais físicos nos quais as linguagens se corporificam e através dos quais transitam (Santaella, 2003, p. 116). Portanto, mais uma vez se afirma que o texto não desconsidera as demais mídias, a exemplo do livro, rádio, TV, estas últimas também de grande prospecção no cenário pós-moderno, mas ressalta-se a internet por se permitir a multimidialidade. 2.3 Cultura da Mídia, Cibercultura e virtualidade Destaque na produção teórica contemporânea, o filósofo norte-americano, Douglas Kellner, vê em uma cultura da mídia, o cerne do ‘’tecido’’ das rotinas das sociedades. Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que muitas pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher , bemsucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de ‘’nós e eles’’ (KELLNER, 2001, p. 9) Como arcabouço da cultura da mídia, o autor ainda aponta a os sistemas de rádio e reprodução de som, imprensa e sistema de televisão, considerado este último o fator diferencial para este tipo de cultura. Com parte de sua obra concentrada na análise de peças que comportam em seu corpo os traços da manipulação cultural e da sua tentativa de manipular identidades e impor estilos, o filosófo enuncia o advento da internet, mas não o condiciona a um lugar diferenciado entre as transformações culturais das últimas décadas. 7 A necessidade de tal reconhecimento trouxe a outros teóricos uma segunda perspectiva, a da Cibercultura, cujo expoente mais significativo é o francês Pierre Lévy. O pensador verifica na alteração de recepção, a exemplo do sentido único da TV, para a biderecionalidade do computador, uma interface que transita entre o biológico e o tecnológico. A universalização da Cibercultura propaga a co-presença e a interação de quaisquer pontos do espaço físico, social ou informacional. Neste sentido ela é complementar a uma segunda tendência fundamental, a virtualização (Lévy, 1999, p. 47). Lévy (1999) elenca três sentidos para a palavra virtual: o primeiro técnico – relacionado à informática, o segundo corrente e o terceiro de caráter filosófico. A suposta confusão entre as diferenciações, nas palavras do autor, acaba por exercer determinado ‘’fascínio’’ sobre a ‘’realidade virtual’’. O estudioso complementa que Na acepção filosófica é virtual aquilo que existe apenas em potência e não em ato, o campo de forças e problemas que tende a resolver-se em uma atualização [...] No sentido filosófico o virtual é obviamente uma dimensão muito importante da realidade. Mas no uso corrente, a palavra é empregada muitas vezes para significar a irrealidade – enquanto a ‘’realidade’’ pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível. A expressão ‘’realidade virtual’’ soa então como um oximoro, um passe de mágica misterioso (LÉVY, 1999, p. 47). Embora seja exposta suscintamente, a referencia para situar as noções de virtualidade tem uma intenção direcionada: demonstrar como a ‘’desterritorialização’’ possui efeito diferencial no que tange à assimilação de uma Cibercultura e como a mesma se incorpora, ainda que em alguns graus menores que os outros, às dinâmicas frequentes da atualidade por meio da virtualidade. O raciocínio também é descrito por Lévy (1999) como a capacidade de gerar manifestações concretas ‘’em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular’’. 3. Considerações finais Qual a finalidade de interligar considerações a despeito da condição pósmoderna, o surgimento da internet, uma Cultura da Mídia e uma Cibercultura? Não necessariamente nesta ordem, mas na matriz informacional contemporânea, calcada 8 na mediação digital e na diminuição de distâncias, já característica e estudada sob a raiz da globalização, desvencilhar tais aspectos se tornou tarefa impossível. A mídia, tal qual descreve Kellner (2001), já alcançou proporções que permitiram que a mesma estivesse imbricada na cultura, na comunicação, na economia e na política. Visto seu poder diante das sociedades. Tamanho é seu empoderamento ao longo dos anos que uma própria cultura da mídia é exposta pelo autor como força inquestionável em meio a esta influencia. Mas Santaella avança quando a mesma preconiza, sobretudo nos meios digitais e no advento da internet, o combustível para as principais transformações Pós-Modernas. Desde a (s) identidade (s) às maneiras de se relacionar, a rede das redes, conforme intitula Castells (1999), o impacto da Internet ganha a cada dia mais elementos que levam para o entusiasmo e, devido à sua velocidade, também ao temor pelo futuro. A pesquisadora transita também pela Cibercultura de Lévy (1999) e mantém certo ‘’equilíbrio’’ ao pronunciar-se quanto ao jogo do positivo e negativo. Sem juízo de valor prévio, o que Santaella ressalta é o reconhecimento de que ‘’mudanças profundas foram provocadas pela extensão e desenvolvimento das hiper-redes multimídia de comunicação interpessoal. Cada um pode tornar-se produtor, criador, compositor, montador, apresentador, difusor de seus próprios produtos. Com isso, uma sociedade de distribuição piramidal começou a sofrer a concorrência de uma sociedade reticular de integração em tempo real’’. É neste enunciado que a noção de virtualidade de Lévy (1999) se faz pertinente. Se cada sujeito pode exceder barreiras pelas extensões das hiper-redes multimídia, sua presença, embora não física, também é real. Administrar estas noções exige perspicácia para compreender, estudar analisar e realizar formulações críticas sobre seus efeitos nos mais diferentes aspectos da vida diária. Para tais tarefas, constitui-se aqui um ponto de partida que julga despertar curiosidade e reflexões deste contexto. 4. Referências bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 9 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia; tradução de Ivone Castilho Benedetti. Bauru, SP: Edusc, 2001. LÉVY, Pierre. Cibercultura: Editora 34 Ltda, 1999 SANTAELLA, Lúcia. Culturas e Artes do Pós-Humano. São Paulo: Paulus, 2003. SANTOS, Jair Ferreira. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1986.