Programa espacial brasileiro: a alternativa da
cooperação internacional
André Abrahão
01/11/2011
Quando, pelo tratado firmado entre Brasil e Ucrânia em 21 de
outubro de 2003, o governo brasileiro assumiu como política de
Estado o projeto de implantar em Alcântara (MA) um sítio de
lançamento para os foguetes Cyclone, estrelas do programa
espacial ucraniano, o país parecia dar um passo definitivo rumo
ao século XXI. Depois de quatro décadas de tentativas frustradas
de tirar do papel um programa espacial 100% brasileiro – a
Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) é de1979! –, contra o
qual sempre faltaram recursos e sobraram pressões internas e
externas contrárias, encontrava-se enfim o que prometia ser a
fórmula ideal para incluir o Brasil no universo das nações que
detêm a tecnologia de lançamento de foguetes e cargas ao
espaço: a cooperação.
Alcântara (MA), a dois graus do Equador, tem situação geográfica excepcional para disputar, com apenas
oito outros países e em condições altamente competitivas, um mercado internacional de lançamentos
estimado em US$ 3,7 bilhões anuais até 2016. Se tivermos um veículo para atender parte da demanda
projetada de mais de 400 lançamentos de novos satélites para repor os que estão com seu prazo de
validade em vésperas de vencer, viabilizaremos, no mínimo, um retorno financeiro nada desprezível do
investimento. Mas as vantagens não são exclusivamente econômicas.
Claro que, quando falamos em foguetes lançadores de satélites, sempre renascem as desconfianças
geradas pelo insucesso do VLS, projeto do Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeronáutica (DCTA),
que contra si tem o fato de, em 32 anos, com gastos estimados em R$ 2,6 bilhões, contabilizar só três
tentativas de lançamento, frustradas, a última das quais (2003) ceifou a vida de 21 técnicos brasileiros.
Diante do desafio, nosso país dispõe de duas alternativas: a. desistir de sua presença no espaço e
renunciar à sua autonomia; b. investir na cooperação com aquele país que se dispõe a ceder tecnologia e,
assim, conquistar autonomia, economizar recursos, ganhar tempo e acumular conhecimento.
Nenhum progresso, porém, suportará a atual dieta de recursos. Para o programa binacional da Alcântara
Cyclone Space (ACS) estão previstos no Orçamento da União de 2011 raquíticos R$ 50 milhões (a título de
continuidade da integralização do capital da parte brasileira e sujeitos a contingenciamento e até esta
data não liberados) bem no ano em que começam as obras civis do Complexo Terrestre do Cyclone-4 e
quando a União deve ainda cerca de R$ 300 milhões para completar sua parte na integralização do capital
da ACS. Essa despesa ‘vultosa’ é menos de um quinto do que está custando demolir e reconstruir o
Maracanã. E é neste projeto que repousa o maior potencial prático de todo o PNAE! A título de
comparação, em 2005 a Índia investia cerca de US$ 750 milhões/ano e a China, US$ 1,5 bilhão/ano. Não
vou falar dos EUA, da França ou da Rússia.
A Agência Espacial Brasileira (AEB), que deveria coordenar os trabalhos das diversas entidades que
integram o Programa, como o INPE, a FAB e a ACS, é, até aqui, mero cartório repassador de recursos, sem
força política ou poder legal de planejamento e controle. A inadaptação orgânica da AEB e a dieta de
recursos foram apontados pela CPI da Câmara dos Deputados como uma das razões do desastre de 2003.
Parte das dificuldades atuais do Programa Cyclone-4, alias, decorrem da incapacidade de a AEB cumprir a
parte brasileira decorrente do Tratado Brasil-Ucrânia, que lhe atribuiu a construção da infraestrutura do
futuro sítio de lançamentos e do porto de cargas de Alcântara, objetivos que estão muito distantes de
serem alcançados.
A esperança é que podemos confiar no apoio que o governo da União promete à recém iniciada
administração do professor Marco Antonio Raup.
A binacional ACS, fruto da parceria Brasil-Ucrânia, nasceu para implantar em Alcântara o sítio de
lançamento para o foguete Cyclone IV, mas também, posteriormente, uma unidade de produção e
lançamento do Cyclone V. Além de atrair para um dos estados mais pobres da União, o Maranhão,
investimentos de R$ 1 bilhão em infraestrutura e obras, promovendo melhoria social e preservando o
meio-ambiente da região, a empreitada deverá atrairpara o Estado uma indústria de fornecedores de
equipamentos de alta tecnologia e valor agregado (como ocorre, por exemplo, junto à base europeia de
Kourou, na Guiana), gerando empregos e um polo de desenvolvimento de um saber que, hoje, está
relegado a perigoso segundo plano. Nos anos 80, o Brasil ombreava com a Índia e a China nos diferentes
níveis do avanço tecnológico. Atualmente, esses dois países têm seus próprios foguetes e lançam satélites
– inclusive os nossos – enquanto nossos cientistas aandonam o programa, movidos pelo desencanto,
atraídos por mercados mais atraentes ou atingidos pela aposentadoria. A média etária dos cientistas e
técnicos da área, aqui, é de 50 anos, e muitos estão às vésperas da aposentadoria. Precisamos
urgentemente de sangue novo e conhecimento atualizado. Pedimos concursos públicos.
Além de representar um bom negócio e valiosíssima oportunidade de promover o desenvolvimento de
uma região economicamente estagnada, a parceria binacional se reveste de importante valor estratégico
do qual o Estado brasileiro não pode abrir mão. Além de promover negócios e viabilizar inclusão
tecnológica, é também ferramenta essencial para a preservação da soberania nacional, da qual é
impensável que uma política nacional de Ciência e Tecnologia abra mão. Ao prever a incorporação de
tecnologias sensíveis às linhas de produção do foguete binacional, avançamos no sentido de consolidar
nosso conhecimento e a independência no controle de fronteiras, preservação de florestas, controle das
telecomunicações e sensoriamento do clima e da agricultura na imensa área territorial que ocupamos.
Mas igualmente o controle das comunicações governamentais, do espaço aéreo e das operações militares,
das fronteiras e do imenso mar territorial. Não é pouca coisa – na prática, é o que ajudará a fazer de nosso
País protagonista respeitado de sua própria História e não mais um freguês de países cujos interesses,
num mundo cada vez mais competitivo, passam longe de ser os nossos.
Autor: Roberto Amaral
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