NOVAS
ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
Assim
como
o
desenvolvimento
de
determinadas
tecnologias permitiu o aparecimento da fotografia, do cinema e
da televisão, hoje computadores e tablets estão mudando não
só
nossa
maneira
de
ler
como
a
de
escrever.
Novas
possibilidades expressivas vêm sendo abertas a partir da criação
e popularização de ferramentas narrativas voltadas para o meio
digital.
No
entanto, a
discussão
em torno
do
fim do
livro
impresso, substituído por dispositivos eletr ônicos de leitura,
tende a ignorar o fato de que o próprio livro pode ser visto
como
uma
tecnologia.
E
o
papel
apenas
uma
de
suas
materialidades. Computadores e e -readers seriam capazes de
revolucionar nossas formas de ler e escrever, assim como os
códices
(que
são
os
livros
tais
como
conhecemos
hoje,
compostos por folhas dobradas e encadernadas) fizeram com os
rolos de pergaminho?
Não vamos aqui discutir o futuro do livro, mas o futuro da
escrita. Não devemos confundir texto literário e objeto livro,
como se fossem quase sinônimos. Como resume Alckmar Luiz
dos Santos (2003, p. 67):
A pal av ra n ã o f oi ar qu i tet ada e t ra m ada p a ra o
pap el ,
pa r a
a
f ol h a
e s c ri ta
n em
para
a
pá gi n a
i mpr es s a, m as f ez de s s e e sp aç o su a m o rad a e sí ti o
qu as e co m o ti v e s s e si d o fei ta e i n v en tada ad r ed e
pa ra o cu pa r e s s e l u ga r.
Gradativamente, o livro impresso deixa de ser um modelo
absoluto para o escritor, uma vez que hoje narrativas sem
1
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
papel, ou até mesmo híbridas, podem se utilizar de vários
suportes para sua “publicação” (no sentido ori ginal de “tornar
público” e não no do senso comum: imprimir). Ao unir texto,
som e imagem, ganhamos “uma dimensão a mais para expressar
a
experiência
multidimensional
da
vida”
(MURRAY,
2003,
introdução). Surgem daí estruturas inusitadas, que colocam em
questão até
mesmo o
conceito
de autoria e
a propriedade
intelectual. Romances epistolares passam a ser e -pistolares,
com símbolos de SMS substituindo os travessões. 1 Ou podem ser
narrados a partir de uma página de Google Maps. 2 Ou ainda
emular as mídias socia is. 3
Essas novas práticas textuais estão transformando nossas
noções de autoria, de leitura e de escrita no mundo todo. Mas e
especificamente no Brasil? Para mapear esse universo, este
levantamento busca identificar novas possibilidades expressivas
que
vêm
emergindo
com
o
desenvolvimento
acelerado
das
tecnologias digitais de escrita e leitura. Não se trata de fazer
uma
antologia
baseada
em
obras
e
criadores/produtores
nacionais, como a realizada pela Enciclopédia Itaú Cultural Arte
e Tecnologia. 4 Até porque uma nova tecnologia não garante
automaticamente
o
aparecimento
de
um
novo
experimento
autoral. Por vezes, ferramentas ficam disponíveis por muito
tempo
até
que
usadas. Novas
nossa
imaginação
tradições
narrativas
perceba
também
como
não
devem
ser
surgem
do
nada, e sim da vontade de contar uma história que nunca foi
1
Ver interessante exemplo disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=zUe3sbtqI2Q>.
2
Exercício curioso disponível em: De onde vieram os homens que eu beijei —
<http://tinyurl.com/ydpst8q/>; De onde vieram os homens com quem dormi —
<http://tinyurl.com/yfnlbvs/>; De onde vieram os homens que eu amei —
<http://tinyurl.com/yjk9pvp>.
3
Possibilidade disponível em: <http://storify.com/>.
4
Disponível em: <http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/home.php>.
2
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
contada, ou de empregar uma forma que nunca foi usada.
Uma particular tecnologia de comunicação – a imprensa, a
câmera de vídeo, o rádio – pode causar -nos espanto quando
entra em cena pela primei ra vez, mas as tradições da narração
de histórias são contínuas e alimentam -se umas nas outras,
tanto
no
conteúdo
quanto
na
forma.
Os
primeiros
livros
publicados tiveram como base a tradição dos manuscritos. A
obra de Malory, A morte de Arthur (Morte d’Arthur, 1470),
publicada
em
manuscrito,
valeu -se
de
versões
em
prosa
e
poesia da lenda de Camelot, tanto em inglês quanto em francês;
estas, por sua vez, valeram -se de narrativas orais seculares
[...] Somente então, depois que as longas narrativas episódicas
tornaram-se comuns nas publicações, Cervantes pôde escrever
uma história contemporânea como Don Quixote (1605), que
marca o início do romance europeu (MURRAY, 2003, p. 42) .
Literatura expandida ou outra coisa?
Se hoje o conceito de livro já não parece tã o óbvio, muito
menos
sintaxes
o
de
literatura.
próprias,
se
Um
novo
instaura
a
espaço
partir
de
expressivo,
suportes
com
como
computadores, CD-ROMs e, agora, tablets . Tudo isso nos leva a
um impasse conceitual. Até que ponto a teoria da literatura
pode se expandir para ser usada na análise de experiências com
games como My Life with Master 5 ou Façade? 6 Obras assim
poderiam ser consideradas literatura? Como se enquadrariam
nos valores que, embora tenham se alterado significativamente
ao longo dos séculos, co nsolidaram-se no que hoje identificamos
como sistema literário, com seus padrões estéticos, paradigmas
5
6
Disponível em: <http://www.halfmeme.com/master.html>.
Disponível em: <http://www.interactivestory.net/>.
3
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
de estilo, gêneros, filiações etc? “Tentar ver e julgar a literatura
eletrônica apenas através da lente da obra impressa é, de forma
significativa, não vê-la”, adverte Katherine Hayles.
[.. .] a l i te ratu r a e l etr ôn i c a ch eg a e m ce n a ap ó s
qu i n h en t o s
an o s
n atu ral m en t e,
de
ap ó s
l i ter atu ra
b em
mai s
do
i mp r es sa
que
(e,
isso
de
tra di çã o o r al e ma n u s c ri ta). O s l ei to r e s ch eg am a
u ma
o br a
di gi tal
c om
exp e ct ati va s
f o rm ada s
no
mei o i mpr e s s o, i n cl u i n do u m c on h e ci men t o e xt en s o
e p r ofu n do d as f o r ma s d e l et ra s , c on v en ç õ e s d o
mei o i mp r e ss o , e e sti l os l i terá ri o s i mp r e ss o s . P o r
n e c e ssi dad e , a l i te r atu ra el et r ôn i ca d e v e p r e en ch er
e ss a s
e xp e cta ti va s
me sm o
à
m edi da
qu e
as
mo di fi ca e a s t ran s f o rm a. ( HA Y L ES , 200 9, p . 2 1) .
Assim como boa parte dos autores que se debruçam sobre
o tema, Hayles se divide entre enxergar a literatura eletrônica
como parte integrante da tradição literária ou algo capaz de
expandir a tal ponto as fronteiras desse campo que é preciso
repensar se ainda deva ser considerada literatura.
Ao explorar as possibilidades narrativas oferecidas pelas
tecnologias já
na sua concepção, a literatura
eletrônica se
distingue
versões
originalmente
das
digitalizadas
de
obras
escritas para serem publicadas como livros de papel, como a
maioria dos e-books vendidos nas livrarias virtuais. Portanto,
não basta estar no digital. O conceito de literatura eletrônica
pode ter nascido em contraposição ao impresso, mas está longe
de ser abrangente o bastante para abarcar toda e qualquer obra
que apenas se utilize de suportes digitais para sua produção e
leitura (HAYLES, 2009, p. 21).
Para
esclarecer
ainda
mais
o
conceito,
em
seu
artigo
4
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
“Eletronic
literature:
what
it?”, 7
is
Hayles
(2007)
nar ra
a
formação de uma comissão da Eletronic Literature Organization
(ELO), 8 para chegar a uma definição para o que seria essa
literatura born-digital. Segundo a ELO, enquadra -se no conceito
de literatura eletrônica uma “obra com um aspecto literário
importante que aproveita as capacidades e contextos fornecidos
por um computador independente ou em rede”.
O que seria esse “aspecto literário importante” é que é a
questão.
Para fugir dela, alguns pesquisadores usaram saídas mais
radicais: simplesmente aboliram o uso da palavra literatura,
trocando-a por outros menos carregados, como narrativa, texto
digital e digital storytelling . Em seu artigo na web Ergodic
Literature 9,
Espen
Aarseth
justifica
essa
posição
não
por
comodismo, mas por estratégia. O objetivo é ev itar pisar em
solo minado. Aarseth chama a atenção para o fato de que o
campo dos estudos literários está em estado permanente de
guerra civil com relação ao que seriam seus objetos válidos. Ou
seja, brigando para instalar e retirar fronteiras entre obras
dotadas ou não do tal “aspecto literário importante”.
Qu e di r ei to t em o s n ó s
pa ra
paí s e s
em e xp o rt a r e ss a gu e rr a
e st ra n gei r o s ?
Ai n da
que
i n si gh ts
i mpo rtan t e s p o s sa m s e r a dqu i ri do s do e stu d o d e
f en ôm en o s
e xt r al i te rá ri o s
com
i n st r u me n t os
de
te o ri a l i ter á r i a (u s ad os c au t el o sa m en t e) , i s s o n ão
qu e r di z e r qu e e s s e s f en ôm en o s s ej am l i teratu r a e
qu e d ev e m s e r j u l g ad os c o m c ri té ri o s l i ter á ri os , ou
qu e o cam p o da l ite ra tu ra p r e ci s e s e r ex pan di d o
7
8
9
Disponível em: <http://eliterature.org/pad/elp.html>.
Site do ELO: <http://eliterature.org/>.
Disponível em: <http://www.hf.uib.no/cybertext/Ergodic.html>.
5
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
pa ra i n cl u í - l os. N o meu p on t o d e vi st a, n ã o h á n ada
c om
qu e
p os sa
se
g an h a r
d e s sa
e sp é ci e
de
i mpe ri al i smo t e ó ri c o , m as mu i t o a se p e rd e r: as
di scu s sõ e s s o b r e a “l i teral i dad e” d e st e ou d aqu el e
mei o
ve r bal
det e ri o r a r
correm
em
ap ol og éti ca s
u ma
ou
ch au vi n i s tas .
se mp r e
o
bat al h a
de
al ega ç õ e s
Qu a n do
mu i ta
p e r i go
de
se
r ei vi n di caç õ e s
em
c on t rá ri o
en e rgi a
é
ga sta
de m on s tr an d o qu e P é u m p er f ei to ti po m e r ec e do r
de Q, a qu e stã o ma i s fu n d am en t al s ob r e o qu e P é
s e rá mu i ta s v ez e s n egl i gen ci ada . N o en tan t o, e s sa s
ca mpan h as n ã o p r o du ti va s ( e n ã o ac a dê mi ca s) e m
fa v or da s mí di as m ar gi n ai s ou f o r ma s e st éti ca s d e
e xp r e ss ã o
ai n da
sã o
mai o r:
si n ai s
el as
pat éti c o s
il u stra m
de
um
mu i to
b em
pr obl ema
o
e stad o
c on s e r va d or e pa r c i al das ci ên ci as h u man a s , em
qu e n ada p od e s e r es tu da d o s em q u e j á e st ej a
den t r o d e u m cam p o; n a qu al o val o r de u m obj et o
c om o u m m em br o a c ei to d e u m cân on e ou ou t r o é
det e r mi n ad o
po r
s eu
ti po ,
em
vez
das
su a s
qu al i dade s i n di vi du a i s. [ AAR S ET H , 19 97 ].
Embora
eventualmente
também
faça
uso
do
termo
literatura eletrônica, Janet Murray é outra autora seminal que
vai optar pelo estudo da narrativa, deixando clara essa opção já
no subtítulo de seu clássico Hamlet no Holodeck: o futuro da
narrativa
no
capacidade
ciberespaço
de
(MURRAY,
representação
do
2003).
novo
meio
Destacando
digital
e
a
sua
natureza participativa, Murray não busc a o que haveria de valor
literário em videogames, por exemplo, mas quais as estratégias
usadas
por
estes
representantes
contemporâneos
da
“arte
narrativa” para engajar seus jogadores, chamados por ela de
interatores.
6
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
A n a r rati va é u m d o s n o ss o s m e c an i sm o s co gn i ti vo s
pri má ri o s p a ra a co mp r e en s ã o d o mu n d o . É t amb é m
um
dos
m od o s
fu n d am en t ai s
pel o s
qu ai s
c on s t ru í mo s co mu n i dad e s, d e sd e a t ri bo a g ru pa da
em
v ol ta
r eu n i da
da
f ogu ei ra
di an t e
do
c on ta m os u n s a o s
trai ç ã o,
am o r,
c omp r e en de m o s
h i stó ri as ,
e
at é
a
apa r el h o
c omu n i dad e
de
t el e vi sã o .
ou t r o s h i st ó ri as
ó d i o,
p e rda ,
mu i ta s
v ez e s
Nós
at ra v és
vi v em o s
Nós
de h e r oí sm o ,
t ri u n f o .
mu tu am e n t e
gl obal
ou
n os
d e s sa s
m o rr e m o s
pel a f o r ça qu e el as p os su e m. ( MUR R AY , 200 3, p .
9).
Mas
se
julgar
essas
narrativas
com
base
em
valor es
literários pode ser um erro para certos autores, deixar toda
essa
bagagem
conceitual
e
analítica
para
trás
seria
um
desperdício. Principalmente quando são as obras literárias que
fazem uso de grande parte das ferramentas que serão descritas
a seguir.
Experimentando a caixa de ferramentas
Longe de querer ser canônico ou definitivo, este ensaio
busca fazer um levantamento
das ferramentas próprias das
narrativas
sem
em
meio
digital,
a
menor
pretensão
de
identificar novos gêneros literários ou e -literários. Concentrar a
pesquisa apenas em obras assumidamente literárias seria fugir
ao objetivo final, que é orientar autores, produtores e editores
perdidos num labirinto de possibilidades, que incluem enhanced
books (ou livros turbinados, em tradução nossa), 10 propostas
10
Exemplo
disponível
<http://www.youtube.com/watch?v=kdiIaIUTBEc&feature=related>.
em:
7
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
comerciais
como
o
vook, 11
experiências
em
realidade
aumentada 12 e até especialistas que brincam de contar uma
história
bíblica
usando
a
linguagem
das
sociais. 13
redes
Ferramentas podem ter diferentes usos que não os literários.
Novas tecnologias, dispo sitivos, plataformas, programas e
aplicativos
vêm
possibilitando
constantemente
a
criação
de
novos formatos que algumas vezes incorporam a taxonomia
literária tradicional; em outras,
a reinventam
e
hibridizam,
como é o caso das hipernovelas, webnovelas, bl ognovelas e
wikinovelas 14 que fazem parte da Biblioteca Digital Miguel de
Cervantes. 15
Já
a
Eletronic
Literature
Organization,
outra
instituição que se dedica ao levantamento e à catalogação de
narrativas digitais, fornece um quadro diferente do que seriam
os novos gêneros e -literários em sua página:
• E-books, ficção hipertextual e poesia digital, dentro e
fora da web.
• Poesia animada por Flash e outras plataformas.
• Instalações de arte computadorizada que pedem leitura
aos espectadores ou possuem aspectos literários.
• Personagens conversáveis, também conhecidos como
chatbots.
• Ficção interativa.
• Romances que tomam a forma de e -mails, SMS,
mensagens ou blogs.
11
Explicação disponível em: <http://vook.com/what-is-a-vook.html>.
Exemplo disponível em <http://www.editoramelhoramentos.com.br/jogos/>.
13
Exemplo disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=vZrf0PbAGSk>.
14
Exemplos de hipernovelas, webnovelas, blognovelas e wikinovelas disponíveis em:
<http://bib.cervantesvirtual.com/portal/literaturaelectronica/obras.jsp>.
15
Site da Biblioteca Digital Miguel de Cervantes: <http://www.cervantesvirtual.com/>.
12
8
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
• Poemas e histórias que são gerados por computador,
tanto os interativos como os baseados em p arâmetros
previamente estabelecidos.
• Escrita colaborativa de projetos que permitem aos
leitores contribuir com o texto de uma obra.
• Performances literárias online que desenvolvem novos
modos de escrita.
Poucos
autores
brasileiros
estão
mapeados
nessas
bibliotecas ou antologias de obras digitais, como The Eletronic
Literature Collection, 16 que teve seu segundo volume lançado
recentemente.
A
nova
coleção
abriga
63
obras
de
países,
produzidas com programas que vão do Flash ao Processing e
C++. São trabalhos que incluem categorias emergentes de e-lit,
como mash-ups, geolocalização, codework , assim como outras
mais tradicionais, como hipertexto e multimídia.
Entre os raros brasileiros que figuram no site da ELO está
a pesquisadora Giselle Beiguelman, com obras como Code up, 17
Ceci n’est pas un Nike 18 O impacto de O livro depois do livro 19 se
faz
sentir
até
hoje,
por
apontar
mudanças
conceituais
importantes. Para a autora, o livro deve ser visto de agora em
diante como um “complexo digital multimídia” (BEIGUELMAN,
2003, p. 13). Em vez de arte ou literatura digital, seria mais
correto falar em
pr oj et o s
c ri ati vo s
qu e
têm
co m o
den o mi n ado r
c omu m o f at o d e e xpan di r em e r edi r e ci on a r e m o
s en ti do
16
17
18
19
Disponível
Disponível
Disponível
Disponível
em:
em:
em:
em:
obj e ti vo
do
l i vr o ,
p er mi tin do
p en s ar
<http://collection.eliterature.org/>.
<http://container.zkm.de/code_up/web/english/index.htm>.
<http://www.desvirtual.com/nike/>.
<http://www.desvirtual.com/thebook/o_livro_depois_do_livro.pdf>.
9
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
e xp e ri ên ci as d e l ei tu ra p au ta da s p el a h i bri di z açã o
das mí di as e ci bri di z aç ã o d o s e sp aç o s ( on l i n e e o ff li n e). ( B E IGU E L MA N , 200 3, p . 31) .
Giselle
aponta
ainda
para
a
insuficiência
de
antigos
critérios conceituais e classificatórios, baseados na divisão de
campos artísticos, para dar conta das mú ltiplas possibilidades
abertas por uma escrita digital que não tenta mimetizar o texto
impresso, mas criar novas estratégias discursivas. Ou seja,
seria
preciso
também
repensar
as
ferramentas
da
crítica
literária para se poder avaliar as novas possibilidad es narrativas
dos cibertextos.
Nesse
sentido,
o
que
se
impõe
confrontar
hoje
é
o
desaparecimento dos critérios que permitiam ordenar, classificar
e distinguir não só os distintos formatos discursivos dos textos,
em função de sua materialidade (carta, jorna l, documento de
arquivo ou livro), mas as próprias especificidades entre as
mídias sonoras, visuais e textuais que têm agora seus limites
objetivos implodidos pela interface . (BEIGUELMAN, 2003, p.
13).
É sintomático que parte da produção de experiências c om
narrativas digitais feitas no Brasil tenha sido elaborada por
designers
e
artistas
plásticos,
como
a
própria
Giselle
Beiguelman. Com a notável exceção dos poetas, pouquíssimos
escritores
contemporâneos
vêm
utilizando
as
novas
possibilidades abertas pela s tecnologias . Ainda hoje, quando se
fala em literatura 2.0 ou jovens autores que se lançam por meio
da internet, o que vem à mente são os blogs. A ferramenta
utilizada
por
autores
pioneiros
como
Clarah
Averbuck
foi
banalizada ao passar a ser usada por mi lhares de aspirantes a
10
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
escritor, alguns com enorme sucesso comercial, como Raquel
Pacheco,
mais
conhecida
como
Bruna
Surfistinha.
Outras
estruturas narrativas com base digital ainda são relativamente
desconhecidas pelos ficcionistas e críticos literários, mas não
dos poetas.
Poética dos meios
Pioneira no uso de tecnologias computacionais, a poesia
comporta
provavelmente
digitais,
dando
cinética,
holopoesia,
código,
poesia
a
origem
maior
a
variação
várias
hiperpoesia,
interativa,
pop
de
categorias,
poesia
up
ferramentas
como
poesia
generativ a,
poesia
poem
e
outras
formas
emergentes, como a spoem, poema em forma de spam. 20 A
variação
já
começa
nomenclaturas:
pelo
próprio
tecnopoesia,
termo,
que
c omputer
recebe
poetry,
várias
poésie
numérique ou poesia digital, ciberpoesia, poesia eletrônica.
Por
sorte,
esse
campo
vasto
é
um
dos
poucos
já
efetivamente mapeados no território da literatura eletrônica
brasileira. Sua história, principais nomes, obras e ferramentas
utilizadas podem ser acompanhadas no site Brazilian Digital Art
and Poetry on Web, 21 idealizado pelo pesquisador da Unicamp
Jorge Luiz Antonio, que também assina obras referenciais como
Poesia digital: teoria, história, antologias (ANTONIO, 2010). Em
sua definição, a poesia eletrônica
É
c o mp o sta
po éti c a;
é
f or mad a
de
por
um
u ma
ti po
p al av r as ,
l i n g u ag em
de
po e si a
f o r ma s
t ec n o - ar tí sti ca c on te mp o rân ea ,
g rá fi ca s,
i ma g en s ,
gr afi s mo s , so n s , el em en t os an i mad o s ou n ã o , n a
20
21
Disponível em: <http://toegristle.com/netart/spam/>.
Disponível em: www.vispo.com/misc/BrazilianDigitalPoetry.htm>.
11
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
mai o r
pa rt e
da s
v ez e s
e/ ou
h i p er mi di áti co s
i n te ra ti vo s ,
e
h i per te xtu ai s
c on sti tu e m
um
te xt o
el et r ôn i c o , u m h i pe rt e xt o e/ ou u ma h i pe r mí di a. El a
e xi st e n o e spa ç o si mb ól i co d o c ompu ta do r (i n t e rn et
e r e d e), t en do c om o f o rm a de c omu n i c aç ão p o éti c a
os
m ei os
e ss e s
e xi st e
el et r ôn i c o - di gi tai s
c omp on e n t es ;
n e ss e
m ei o
de
e
um
só
se
qu e
m od o
se
vi n cu l am
g e ral ,
e xp r e s sa ,
el a
em
a
só
su a
pl en i tu de , p o r m ei o del e . (A N TO N IO , 20 08, p . 114 ).
O levantamento
22
dá conta desde experiências pioneiras da
década de 1960, como o “Poema elétrico”, de Albertus Marques
(cuja energia vinha de pilhas) e a Tumba de Mallarmé , série de
10 poemas criada por Erthos Albino de Souza 23 (considerada a
primeira
poesia
eletrônica
brasileira),
quanto
poemas
originalmente concebidos para a mídia impressa, convertidos
para o meio digital, como o “Girassol”, 24 de Ferreira Gullar,
animado em Flash.
A
diversidade
de
propostas
e
ferramentas
utilizadas
impressiona, uma vez que a poesia eletrônica brasileira sofreu
até metade da década de 1990 dificuldades, como a falta de
acesso ao hardware (especialmente por causa da Lei da Reserva
de
Informática
–
1984-1992),
o
que
fez
com
que
muitos
trabalhos pioneiros fossem desenvolvidos em laboratórios de
universidades. Nessa época, a poesia digital muitas vezes era
difundida em disquetes, como os poemas em PowerPoint de
Lúcio Agra. Só em 1995, temos um livro de poe sia eletrônica na
22
Mais
detalhes
em:
<http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/Enc_Artistas/artistas_imp.cfm?cd_v
erbete=974&imp=N&cd_idioma=28555>.
23
Verbete
da
série
na
Enciclopédia
Itaú
Cultural
Arte
e
Tecnologia:
<http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tikiindex.php?page=Le+Tombeau+de+Mallarm%C3%A9>.
24
Disponível
em:
<http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/epoemas/index.shtml?epoemas>.
12
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
rede, Poemas em computador – por Alckmar Luiz dos Santos e
Gilberto Prado, com 11 poemas que fazem explorações de ordem
poética, visual, digital e sonoras. 25
Buscar tipologias na poesia eletrônica é difícil porque não
raro os autores fazem uso de várias ferramentas e transitam
entre várias categorias, desde a poesia -programa, explorada por
Erthos Albino de Souza, passando pela infopoesia, que migra a
poesia visual
para os meios computacionais,
como
os clip -
poemas digitais de Augusto de Camp os, 26 ao videotexto de Julio
Plaza, 27 à holopoesia 28 de Eduardo Kac, e à poesia hipertextual,
a
partir
dos
anos
1980,
quando
são
criados
os
primeiros
sistemas de hipertexto e a internet começa a se popularizar. A
partir dos anos 1990, ganha espaço a poesia ci nética de André
Valias 29 e a poesia multimídia de Lenora de Barros, Arnaldo
Antunes e Walter Silveira ”, 30 além de experiências com poesias
interativas,
participação
colaborativas
do
e
leitor.
performáticas,
Paralelamente,
que
a
exigem
a
poesia -código
ultrapassa o código linguístico para fazer uso das linguagens de
marcação de hipertexto (HTML) e de símbolos matemáticos,
como
nas
obras
de
José
Carlos
Silvestre. 31
Da
“poesia
migrante”, que faz uma releitura da poesia concreta e de grande
parte
dos
poemas
das
va nguardas,
como
as
obras
de
25
Disponível em <http://www.cce.ufsc.br/~nupill/hiper01/hiper01.html>.
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/augustodecampos/clippoemas.htm>.
27
Disponível em: <http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=Julio+Plaza>.
28
Disponível em: <http://www.ekac.org/allholopoems.html>.
29
Disponível em: <http://www.andrevallias.com/oratorio/>.
30
Disponível
em:
<http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tikiindex.php?page=A%20Contribui%C3%A7%C3%A3o%20Multimilion%C3%A1ria%20de%20Todos%
20os%20Erros>.
31
Sobre algumas obras: <http://bogotissimo.com/silverbox/br/>.
26
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Cristiane Costa
Philadelpho Menezes, 32 Augusto 33 e Haroldo de Campos, Décio
Pignatari, 34 à poesia performática cíbrida, vivenciada a partir de
aparatos como telefones celulares, notebooks, PDAs e GPSs, há
toda uma gama de ferramentas digitais que t ambém poderiam
ser
usadas
expressiva
por
e
ficcionistas
mesmo
ganhar
para
ampliar
outros
usos
sua
não
capacidade
estritamente
literários. Por mais que seja injusto reduzir uma obra de arte à
ferramenta
usada
pelo
artista
para
desenvolvê -la,
seja
o
PowerPoint ou o spam, é inegável que os poetas foram os
primeiros a
acordar
para o
potencial expressivo
dos
meios
digitais e a realizar experiências de ponta que alargaram o
limite da página impressa no Brasil.
Novos livros, velhos livros
No entanto, os enhanced books, livros enriquecidos com
recursos multimídia e interativos criados para explorar todo o
potencial dos tablets, rapidamente se tornaram privilégio da
literatura infantil, seguidas de perto pelos guias de viagem e
revistas. O motivo provavelmente é econ ômico. Desenvolver um
livro/aplicativo exige um investimento financeiro considerável,
além
da
contratação
de
designers
e
programadores
especializados, o que não raro requer uma editora com forte
potencial comercial por trás. Na esteira do sucesso da versão de
Alice no país das maravilhas para iPad, 35 surgiram versões de
32
Verbete sobre o autor e obras na Enciclopédia Itaú Cultural Arte e Tecnologia:
<http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tikiindex.php?page=Philadelpho+Menezes&highlight=philadelpho%20menezes>.
33
Verbete sobre o autor e obras na Enciclopédia Itaú Cultural Arte e Tecnologia:
<http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tikiindex.php?page=Augusto+de+Campos&highlight=haroldo de campos>.
34
Verbe sobre poesia e novas tecnologias na Enciclopédia Itaú Cultural Arte e Tecnologia:
<http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=poesia+e+novas+tecnologias>.
35
Disponível em: <http://itunes.apple.com/br/app/alice-for-the-ipad/id354537426?mt=8>.
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NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
clássicos
nacionais
arrebitado, 36
para
primeiro
tablets,
livro
como
infantil
A
menina
publicado
por
do
nariz
Monteiro
Lobato, em 1920. Autores vivos, e muito vivos, resolveram se
aventurar
no
novo
dispositivo.
Com
mais
de
2
milhões
exemplares vendidos em papel, em 2011, Ziraldo
de
teve seu
clássico O menino maluquinho , além do inédito O menino da
terra,
lançado
para
interatividade,
iPad
com
animação,
um
jogos,
conjunto
de
realidade
recursos
de
aumentada
e
documentários. 37
Clássicos,
como
Chapeuzinho
vermelho
e
Os
três
porquinhos, 38 também foram revisitados em aplicativos para
tablets. Na versão contemporânea de Mariana Massarani, o forte
é a interação com o leitor infantil, que pode até reger uma
orquestra de bichinhos e vestir os personagens conforme seu
gosto. São livros sem palavras, que podem ser narrados sob o
ponto de vista dos principais personagens, o que levanta a
questão: até que ponto enhanced books são brinquedos, mais
do que livros ou aplicativos?
O di s cu r so d o ma r k eti n g c o rp o r ati v o é c on vi n c en t e
e u ma ga ma d e p r odu t o s e f e rr am en t as p r om et e ,
di ari am en t e , r e vol u ç õ es n o s m o do s d e pu bl i caç ã o,
di stri bu i çã o e p en s am en t o q u e t raz e m s em p r e al g o
novo
e
que
d est e r ra m
tu d o
aqu i l o
qu e
lhes
é
an t e ri o r. A l ógi ca d a n o vi dad e i mi n en t e d r aga n ã o
só
o
pa s sa do ,
ar r e m es sa n d o - n o s
e xp e ctati v a
de
um
ma s
em
o
um
p r óp ri o
e st ra n h o
pó s - fu tu r o
qu e
p r e s en t e ,
es tad o
n u n ca
de
ch eg a,
36
Disponível
em:
<http://itunes.apple.com/br/app/a-menina-do-narizinhoarrebitado/id396614333?mt=8>.
37
Uma amostra em: <http://www.youtube.com/watch?v=0jBqLacBaFc>.
38
Disponíveis
em:
<http://itunes.apple.com/us/app/id441146373?mt=8>
e
<http://itunes.apple.com/us/app/chapeuzinho-vermelho/id441143602?mt=8>.
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NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
ma s
qu e
se
p r om et e
a
mi l h õe s
e
mi l h õe s
de
pot en ci ai s u su á ri o s gl obai s . ( B E IGU E L M AN , 2 003 , p .
10).
Livros que leem em voz alta a própria história, definem os
rostos dos seus personagens e ilustram as cenas com truques,
jogos e efeitos especiais podem intensificar a experiência de
leitura.
Mas,
imaginação
lacunas
e
ao
dos
zonas
mesmo
tempo,
leitores,
de
diminuir
estimulada
ambiguidade
a
capacidade
durante
deixadas
séculos
pela
de
pelas
escrita.
O
romance, tal como o conhecemos hoje, é fruto de um momento
histórico,
construído
em
torno
de
“uma
subjetividade
interiorizada, baseada na relação en tre som e grafia” (HAYLES,
2009, p. 164). Ao abandonar o suporte em papel, as tecnologias
de leitura e estratégias narrativas mudam. Mas o que dizer da
subjetividade dos leitores? Elas refletiriam essas mudanças ou
seriam refletidas por elas?
O medo de que a tecnologia mate a fantasia tem sido uma
constante quando se fala em narrativa eletrônica. Assim como
certa ansiedade de obsolescência diante da facilidade das novas
gerações para manipular os dispositivos digitais. No entanto,
nada indica que o e -letramento desde a mais tenra infância
necessariamente gere leitores menos interessados pelo livro
impresso. Essa ansiedade não é de hoje e já teve como alvo o
cinema,
as
histórias
em
quadrinho,
a
televisão
e,
mais
recentemente, o videogame.
O s a u t o r es d e mí dia i mp r es sa t em e m qu e o m ei o
i mpr es s o p o s sa
s e r vi st o
c om o f o ra
de m od a
e
ma çan t e di an t e d a s n ov a s mí di as, pr i n ci pal men t e
te xt o s
el et r ôn i c o s
ac om pan h an d o
a
qu e
mú si ca ,
po d e m
mu da r
de
dan ça r
fo r ma s
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NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
su g e sti va s e ex e cu tar ou t r o s t ru qu e s i mpo s sí v ei s
pa ra o s du rá v ei s r egi st r o s do m ei o i mp r es s o . Po r
ou t r o l ad o, o p r óp ri o m ei o i mp r e s s o é cap az d e
n o v os t ru qu e s j u st am en t e p or qu e s e to rn ou u ma
f or ma
de
pr o du ç ão
p a ra
o
t e xt o
el et r ôn i c o .
(HA Y L ES , 200 9, p . 1 67).
Mas
nem
todas
as
ferramentas
apontam
para
uma
separação radical entre livro em papel e livro digital. Prêmio
Sesc
Rio
de
Literatura
Fomento
Jovem,
o
à
livro
Cultura,
em
Eros
Psique.com.br ,
&
2011,
na
categoria
escrito
e
ilustrado por Guto Lins, vem acompanhado por um site, que
complementa a narrativa e oferece recu rsos interativos. Em
www.erosepsique.com.br, o leitor pode participar da narrativa
escrevendo casos amorosos, por exemplo. A programação deixa
os
casos
abertos
favoritos,
ranqueadas
de
o
para
maneira
tempo
colaboração
que
as
todo.
coletiva
histórias
Também
é
e
votação
dos
sejam
rescritas
e
possível
construir
o
retrato falado dos personagens, a partir de pedaços de pinturas
consagradas como A jovem aldeã, de Van Gogh. O leitor escolhe
boca, nariz, olhos, entre as obras disponíveis, criando várias
versões.
A
história
também
é
construída
e
modificada
no
site.
Existem páginas que só podem ser lidas com um decodificador
de código QR, disponível para download. Caminhos alternativos
são
percorridos
com
uso
de
vídeos
e
animações,
como
na
escolha da reação de Afrodit e, ao saber que Psique era a mais
bela. Mas a inovação não acontece só no mundo virtual. O texto
impresso oferece uma série de ousadias gráficas e propõe um
processo interativo, com o leitor recortando certas páginas e
abrindo pop-ups.
17
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
A zona de fricção entre o impresso e o digital, o online e o
off-line
oferece
perspectivas
bastante
interessantes
para
autores contemporâneos que buscam novas formas de expressão
narrativa. No Brasil, ainda existem poucos projetos híbridos,
provavelmente por causa do seu cust o de desenvolvimento e
pequeno apelo comercial. Assim como Eros & Psique.com.br , o
livro OWNED: um novo jogador , da escritora carioca Simone
Campos, é um projeto subvencionado, desenvolvido com o apoio
do
Programa
Petrobras
Cultural.
Trata -se
de
um
livro-jogo
publicado na internet 39 e em papel. O personagem principal é
André, técnico de informática viciado em videogames cuja vida
começa a virar um jogo. Na pele de André, o leitor vai ter
decisões a tomar e essas escolhas vão ter consequências. O
livro em papel tem 274 páginas e 17 desfechos. O salto entre os
trechos é feito por hiperlinks. No livro impresso, folheiam -se as
páginas segundo os trechos numerados. A semelhança da obra
dessa
jovem
romancista,
pioneira
no
uso
da
linguagem
da
internet, 40 com obras pré-digitais como O jogo da amarelinha ,
de Júlio Cortázar, não é mera coincidência.
O jogo tem sido mais do que uma metáfora para narrativas
produzidas para o meio eletrônico. Games possuem três das
características que tradicionalmente distinguem uma obra di gital
da
impressa
–
o
hipertexto,
os
recursos
multimídia
e
a
interatividade. “O leitor de cibertextos (diferente do leitor de
literatura normal, um simples espectador, um voyer) é um
jogador,
um
apostador,
que
pode
explorar,
perder -se
ou
descobrir caminhos secretos”, afirma Espen Aarseth (1997), que
39
Disponível em: www.novojogador.com.br>.
Aos 17 anos, Simone Campos foi saudada como uma renovadora da linguagem do
romance,
com
sua
obra
de
estreia
No
shopping.
Mais
informações:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Simone_Campos>.
40
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NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
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cunhou o conceito de “literatura ergódica”, do grego “ergon”
(trabalho) e “odós” (caminho), para definir um tipo de texto que
exige um leitor ativo na construção da narrativa.
Essa hiperficção pode ser construti va, em que o leitor tem
o
poder
de
modificar
a história de
forma colaborativa, Ou
explorativa, que tem apenas um autor, mas que permite ao
leitor traçar oO próprio trajeto de leitura a partir de fragmentos
de textos (lexias) linkados, como no caso de OWNED. Em geral,
esse é o modelo mais usado.
Um exemplo do primeiro formato é o projeto de Pedro
Chagas Freitas “Uma obra, mil autores” 41 e ainda todos os
games em formato MMO. 42 Mas se, nos games, isso funciona
muito bem, com centenas de milhares de jogadores co nectados
no mundo inteiro em universos paralelos como os de World of
Warcraft, 43 a eficácia da hiperficção explorativa ainda está para
ser
comprovada
em narrativas
com
pretensões literárias.
A
questão é: um coletivo seria capaz de produzir uma voz ficcional
coerente?
E um computador? Nos LGOs (sigla para literatura gerada
por computador), a elaboração dos textos feita por algorítimos
pode ser randômica (quando as palavras são embaralhadas ao
acaso) ou contar com a participação do
leitor/autor. Basta
escolher algumas variáveis (um par de adjetivos e o nome de
uma pessoa) e apertar a tecla enter. Em poucos segundos essa
espécie de karaokê das letras vai gerar um poema a partir de
palavras usadas por Clarice Lispector 44 ou de um parágrafo de
41
42
43
44
Disponível em: <http://www.escritacriativa.org/uma-obra-mil-autores.html>.
Disponíveis em: <http://www.mmorpg.com/>.
Disponível em: <http://us.battle.net/wow/en/>.
Disponível em: <http://www.telepoesis.net/amorclarice/v2/>.
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NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
Jorge Amado 45 e até mesmo, usando o Fabuloso Gerador de
Lero-lero, 46 um ensaio
talvez
tão
razoavelmente
consistente
como este.
Para os autores de carne e osso, hoje há toda uma caixa
de
novas
ferramentas
fracassados
a
fragmentadas
explorar.
em
Trajetórias
marcações
de
de
amores
geolocalizão,
diálogos em SMS e uma versão da Natividade desenvolvida por
meio das mídias sociais, são exemplos de como se pode contar
tanto velhas como novas histórias de uma nova forma. Nos
endereços que constam nas notas de rodapé, é possível ter uma
ideia
dessa
produção,
que
vai
dos
textos
gerados
por
computador à realidade aumentada, das palavras animadas por
Flash da poesia cinética à interface da literatura com os games.
Algumas ferramentas ficaram de fora, como os chatbots, 47 e os
exercícios de remix . 48 O motivo é tanto a falta de espaço para
dar conta de um universo tão grande num simples ensaio quanto
a impossibilidade de colocar um ponto final numa pesquisa que
ainda está em curso, sobre um objeto que se modifica a cada
dia e que exige do pesquisado r um esforço de atualização
constante.
Abrir essa caixa de ferramentas digitais foi justamente o
objetivo deste ensaio: apresentar novas estratégias narrativas
que podem e vêm sendo usadas em campos que ultrapassam a
45
Disponível em: <http://www.mundoperfeito.com.br/index.php?option=geratexto>.
Disponível em: <http://suicidiovirtual.net/dados/lerolero.html>.
47
O exemplo brasileiro mais interessante foi o projeto brasileiro Sete Zoom
(<http://www.inbot.com.br/sete/>). Sete Zoom, ou Se7e Zoom, é um chatbot, personagem virtual
alimentada por um time de jovens escritores, que produziram várias respostas para tópicos
possíveis de conversa, de maneira que elas nunca se repetissem. Cecília Giannetti, Daniel Pellizzari,
João Paulo Cuenca, Clara Averbuck, Ricardo Lisias, entre outros, foram os escolhidos para dar o
tom satírico e ficcional do bot. A necessidade de apelar para escritores de carne e osso se justifica
porque esses personagens digitais só geram verdadeira interação quando deixam de ser marionetes
e passam a ter comportamento imprevisível.
48
Um instigante exemplo de remix literário no Brasil é o site <http://mixlit.wordpress.com/>.
46
20
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
literatura e vão da educação 49 ao jornalismo 50. A finalidade é a
oferecer
aos
interessados,
criadores
e
desenvolvedores
ferramentas que podem ampliar sua capacidade de expressão
muito além da página impressa. É uma proposta menos tecnófila
do que utilitarista. Mapear é fundamental para produzir. O que
está longe de ser uma tarefa fácil quando se trata de um
universo em constante mutação e avesso a marcos fronteiriços
como o da narrativa digital.
Referências
AARSETH, Espen. Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature.
Baltimore:
The
Johns
Hopkins
University
Press,
1997.
A
introdução “Ergodic Literature”, p. 1 -23, está disponível em:
<http://www.hf.uib.no/cybertext/Ergodic.html >. Acesso em: 31
ago. 2011.
ANTONIO, Jorge Luiz. Poesia digital: teoria, história, antologias.
São Paulo: Navegar Editora, 2010.
______.
Poesia
eletrônica:
negociações
com
os
processos
digitais. São Paulo: Navegar Editora, 2008.
BEIGUELMAN,
Giselle.
O
livro
depois
do
livro .
São
Paulo:
Peirópolis, 2003.
HAYLES,
N.
Electronic
Disponível
Katherine.
Literature
em:
Eletronic
literature:
Organization.
v.
1.0,
what
2
is
it?
January
<http://eliterature.org/pad/elp.html >.
The
2007.
Acesso
em: 27 set. 2011.
______. Literatura eletrônica : novos horizonte para o literário.
49
Exemplo: o projeto Lidra, desenvolvido pela Umesp, que pode ser analisado no site
<www.br-ie.org/pub/index.php/sbie/article/download/527/513>.
50
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=x1rxuoUMzO4&feature=related >.
21
NOVAS ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NOS MEIOS DIGITAIS
Cristiane Costa
São Paulo: Glo bal, 2009.
MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck . O futuro da narrativa no
ciberespaço.
Tradutores
Elissa
Khoury
Daher
e
Marcelo
Fernandez. São Paulo: Unesp, 2003.
SANTOS, Alckmar
literatura.
São
Luiz
dos.
Leituras
Paulo:
Itaú
Cultural,
de
nós : ciberespaço
2003.
Disponível
e
em:
<http://www.itaucultural.org.br/bcodemidias/000402.pdf >.
Acesso em: 27 set. 2011.
ARTIGO PUBLICADO EM
COSTA,
Cristiane.
In
Deslocamentos
críticos.
São
Paulo:
Babel/Itaú Cultural, 2011.
22
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1 Assim como o desenvolvimento de determinadas