FUNÇÕES E PROPÓSITOS DA AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Adriana Quimentão Passos Universidade Estadual de Londrina [email protected] Loreni Aparecida Ferreira Baldini FAP – Faculdade de Apucarana [email protected] Resumo: Este artigo consiste em apontamentos a respeito das funções e propósitos da avaliação no âmbito escolar. Inicialmente apresentamos considerações acerca da evolução da Educação Matemática e de suas principais temáticas, dentre elas, a avaliação e, em especial, a avaliação formativa. Discutimos a avaliação da aprendizagem escolar sob a ótica de Hadji (1994) e Barlow (2006), a fim de proporcionar uma reflexão a respeito de suas funções e propósitos. Constatamos que é necessário ter clareza das funções e dos propósitos da avaliação, de modo que ela seja tomada como fio condutor da prática pedagógica, visando os processos de ensino e de aprendizagem do conhecimento matemático. Palavras-chave: Educação Matemática. Avaliação. Funções. Propósitos. Introdução Quais são as funções e propósitos da avaliação escolar? E da avaliação na Educação Matemática? Neste artigo, buscamos discutir essas questões. Para isso, apresentamos um brevíssimo histórico da evolução da Educação Matemática e de algumas finalidades desse campo de atividade, cujo propósito é formar os estudantes por meio da Matemática. Esta é uma perspectiva de ensino e de aprendizagem da Matemática relativamente recente, que toma a avaliação formativa como um meio adequado para coletar informações a respeito da elaboração do conhecimento pelos estudantes, permitindo que os educadores possam refletir sobre as situações didáticas e, quando necessário, reformulá-las. Os documentos oficiais, como a Lei de Diretrizes e Bases – nº 9394/96 – LDB (Brasil, 1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – (Brasil, 1998, 1999) e as XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná – DCE – (Paraná, 2008) indicam a avaliação formativa como um meio de promover a aprendizagem, orientando o trabalho de professores e de estudantes. No entanto, ela ainda não é efetivada no ambiente escolar, apesar de existir certo consenso a respeito da relevância de se utilizar a avaliação para conduzir a prática pedagógica. Com o presente artigo, visamos colaborar com reflexões acerca das funções e propósitos da avaliação, mais especificamente as da avaliação formativa. A Educação Matemática e a avaliação Segundo Kilpatrik (1996), a Educação Matemática como um campo de atividade é antiga, no entanto, como um campo acadêmico é relativamente recente. De acordo com o mesmo autor, apesar de as primeiras cadeiras de educação terem sido estabelecidas em universidades da Europa, por volta do século XVIII, a Educação Matemática percorreu um processo lento. Ela só começou a ser reconhecida como uma matéria universitária no final do século XIX. Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006), os motivos que impulsionaram o desenvolvimento da Educação Matemática como campo científico foram: a preocupação dos matemáticos e dos professores de Matemática com o seu ensino; a iniciativa de universidades europeias, no final do século XIX, de formar professores secundários e as pesquisas desenvolvidas por psicólogos americanos e europeus a respeito da aprendizagem Matemática. Conforme Kilpatrik (1996), os primeiros educadores matemáticos dedicavam-se apenas a ensinar Matemática e a escrever métodos de ensino para essa área do saber. Somente por volta de 1960 a Educação Matemática começou a tomar forma. O período compreendido entre metade de 1950 e metade de 1970 foi relevante para a produção acadêmica da área, impulsionada pelo movimento da “Matemática Moderna”. A maioria das pesquisas realizadas nesse período procurava especificar o comportamento de estudantes e de professores. De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), a Educação Matemática surgiu no Brasil no final da década de 1970, também impulsionada pelo Movimento da Matemática Moderna. No início do século XXI, a comunidade de educadores matemáticos já podia contar com uma associação própria, a SBEM – Sociedade XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Brasileira de Educação Matemática – e com um número considerável de programas de pós-graduação stricto sensu, responsáveis pela formação de mestres e doutores em Educação Matemática. Podemos dizer que a Educação Matemática: [...] caracteriza-se como uma práxis que envolve o domínio do conteúdo específico (a matemática) e o domínio de ideias e processos pedagógicos relativos à transmissão/assimilação e/ou à apropriação/construção do saber matemático escolar. (FIORENTINI E LORENZATO, 2006, p. 5) São múltiplos os objetivos das pesquisas em Educação Matemática (EM). Eles são definidos a partir dos problemas de pesquisa. Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 10), considerando um “espectro amplo e não imediato”, dois objetivos básicos para as pesquisa em EM podem ser indicados: um, de natureza pragmática, que tem em vista a melhoria da qualidade de ensino e de aprendizagem da Matemática; outro, de cunho científico, que tem em vista o desenvolvimento da EM enquanto campo de investigação e de produção de conhecimentos. Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006), as principais temáticas na Educação Matemática mundial são: processo de ensino-aprendizagem da Matemática; mudanças curriculares; utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no ensino e na aprendizagem da Matemática; prática docente, crenças, concepções e saberes práticos; conhecimentos e formação/desenvolvimento profissional do professor; prática de avaliação e contexto sociocultural e político do ensino-aprendizagem da Matemática. Com relação à avaliação, os autores observam que existe um esforço para que as mudanças na prática docente impliquem modificações na avaliação. Acrescentam ainda que a “a avaliação no/do processo ensino-aprendizagem da Matemática tem sido pouco investigada” (FIORENTINI e LORENZADO, 2006, p. 51). Essa dificuldade já havia sido apontada por Ponte et al, em 1997, quando alertavam que, nas últimas décadas, tem-se observado um desenvolvimento considerável, por meio das pesquisas, com relação às questões metodológicas relacionadas à elaboração do conhecimento matemático. No entanto, os conceitos e práticas de avaliação não acompanharam a mesma evolução das práticas pedagógicas. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 As DCE (Paraná, 2008, p. 70) também orientam que as práticas avaliativas “superem a pedagogia do exame para se basearem numa pedagogia do ensino e da aprendizagem”, visto que, nas escolas, a avaliação tem sido tomada quase que exclusivamente para atribuir uma nota ao estudante. Para que a avaliação possa acompanhar as diferentes estratégias metodológicas, que visam promover a aprendizagem, e para que ela cumpra a sua primeira função, que é “contribuir para uma boa gestão dessas aprendizagens” (HADJI, 1994, p. 92), faz-se necessário repensar o processo de avaliação. De acordo com XXXXX (2009), a avaliação escolar tem sido tomada como o fim de um processo, o qual, ao ser encerrado, atribui-se uma nota aos estudantes, mediante as dificuldades detectadas. Porém, na maioria das vezes, nada é feito para efetivamente superá-las. As DCE (Paraná, 2008), no entanto, orientam como a avaliação deve acontecer durante os processos de ensino e de aprendizagem, a partir de procedimentos metodológicos favoráveis à “interpretação e discussão, que considerem a relação do estudante com o conteúdo trabalhado, o significado desse conteúdo e a compreensão alcançada por ele” (Ibidem, p. 69). A avaliação, nessa perspectiva, tem sido objeto de estudo de pesquisadores como Hadji (1994), Esteban (1999, 2000), Buriasco (2000, 2002a, 2002b, 2004), Santos (2002, 2003); Barlow (2006) dentre outros, que defendem, particularmente no âmbito da Educação Matemática, mudanças para a avaliação escolar, de modo que ela seja tomada como fio condutor da prática pedagógica, orientando o trabalho do professor. Hadji (1994) e Barlow (2006) propiciam uma reflexão a respeito dos tipos de avaliação escolar e enfatizam a avaliação formativa ou formadora. Para Hadji (1994, p.31), “o acto de avaliação é uma acto de „leitura‟ de uma realidade observável”. É uma ação, por meio da qual o avaliador verifica, julga, estima, situa, representa, mede, determina, emite opiniões. Para ele, “avaliar é mesmo tomar posição sobre o „valor‟ de qualquer coisa que existe” (Ibidem, p. 35). Avaliar é um ato como um juízo, por meio do qual nos pronunciamos ao articularmos certa ideia ou representação daquilo que deveria ser e um conjunto de dados fatuais respeitantes a esta realidade. O avaliador é um mediador que estabelece a relação entre como as coisas são e como elas deveriam ser. Ele destaca a avaliação formativa, a qual “destina-se a „corrigir‟, se necessário, o desenvolvimento do processo” (Ibidem, p. 48). XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Segundo Barlow (2006, p. 16), “em todos os campos, a avaliação se apresenta, como um julgamento, no sentido lógico do termo: atribuição de um predicado a um sujeito”. Avaliar é realizar uma comparação entre um referente e um referido, ou seja, entre um real e um ideal. Ela é “uma operação mental de comparação, seguida da comunicação a outro do julgamento assim realizado” (Ibidem, p.28). No ambiente escolar, esse julgamento pode ser tomado como uma forma de controle dos conhecimentos. Neste caso, a avaliação é realizada somente com o aspecto de classificação. No entanto, a proposta deste autor é “definir as condições de uma avaliação realmente formativa – e mesmo formadora (isto é, envolvendo o estudante de modo que ele formule os critérios de sua própria avaliação sob forma de contrato)” (Ibidem, p. 64). Algumas considerações acerca das funções e propósitos da avaliação Antes de iniciar a discussão a respeito das funções e propósitos da avaliação, na visão de Hadji (1994) e Barlow (2006), apresentamos algumas definições destas palavras, de acordo com os dicionários de língua portuguesa, filosófico e etimológico. Com relação à palavra “função”, das acepções apresentadas no dicionário Houaiss (2009), destacamos: “2. obrigação a cumprir, papel a desempenhar [...], 6. uso a que se destina algo; utilidade, emprego, serventia”. Etimologicamente, para Houaiss (2009), função provém do “lat. functione: trabalho, execução, [...] cumprir, exercer”. No dicionário filosófico, o termo função: [...] corresponde à palavra grega ergon, do modo como é empregada por Platão, quando diz que a F. dos olhos é ver, a F. dos ouvidos é ouvir, que cada virtude é uma F. de determinada parte da alma e que a F. da alma, em seu conjunto, é comandar e dirigir (Rep., I, 352 ss.). F., nesse sentido, é a operação própria da coisa, no sentido de ser aquilo que a coisa faz melhor do que as outras coisas (ABBAGNANO, 2007, p 472). De igual forma, apresentamos as definições da palavra propósito, também de acordo com os dicionários da língua portuguesa e etimológico. Dentre as acepções que constam no dicionário Houaiss (2009), a palavra “propósito” pode ser entendida como “1. intenção (de fazer algo); projeto, desígnio [...] 2. aquilo que se busca alcançar; objetivo, finalidade, intuito [...] 3. aquilo a que alguém se propôs ou por que se decidiu; decisão, determinação, resolução”. A etimologia desta XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 palavra, de acordo com Cunha (2001), decorre do “lat. propositum-i.: Intenção, deliberação, intenso”. Destacamos, também, que, para Hadji (1994, p. 61), função é o “papel característico de um elemento ou de um objeto no conjunto em que está integrado”. Com relação à avaliação escolar, Hadji (1994, p. 37) observa que uma das funções essenciais é a de “clarificar a tomada de decisões”. Ela desempenha um papel fundamental nos processos de ensino e de aprendizagem, pois, a partir das produções dos estudantes, fornece informações que servem para a tomada de decisões. Em linhas gerais, segundo Hadji (1994), a avaliação desempenha três funções essenciais: medir as aprendizagens realizadas, que podem ser efetivadas a partir de um inventário, entendido como um tipo de balanço a respeito das aprendizagens. situar o estudante em seu processo de aprendizagem e diagnosticar lacunas e dificuldades em relação aos saberes e ao saber-fazer que deveriam ser adquiridos e, ainda, revelar e explicar os problemas, a partir de um diagnóstico; guiar, orientar escolhas acadêmicas e profissionais, bem como os desempenhos futuros, por meio de um prognóstico. Em consonância com Barlow (2006, p. 97), quando a avaliação é permanente, “seu papel é preparar, orientar, aperfeiçoar a ação do estudante e, eventualmente a do professor”. Para este autor, a avaliação tem uma função de orientação pedagógica que é definida de acordo com o momento dos processos de ensino e de aprendizagem. Na perspectiva de Barlow (2006), a avaliação, antes da ação, ou seja, do início dos processos de ensino e de aprendizagem, é relevante, pois, por meio de um diagnóstico, é possível constituir pontos de apoio para a formação. Este tipo de avaliação permite identificar tanto os pontos positivos, quanto os negativos que podem estabelecer uma ponte entre o conhecimento existente e o conhecimento visado. No decorrer da ação, a avaliação tem a função de “ajudar seus interlocutores a resolver melhor sua tarefa, fazendo um levantamento das dificuldades ou das estratégias em questão” (Ibidem p. 111), regulando a aprendizagem de modo a orientar as ações tanto do professor quanto do estudante, exercendo assim a função educativa. Após a XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 formação, o professor realiza a avaliação certificadora, que tem como finalidade garantir que o estudante esteja pronto para desempenhar uma função com responsabilidade social. Nessa linha de análise, Hadji (1994) estabelece três grandes funções da avaliação: orientar, regular e certificar. Elas desempenham um papel na sequência da ação de formação. Antes da ação de formação, a avaliação é considerada diagnóstica, cuja função é a de orientar ou adaptar. Procura explorar ou identificar algumas características dos estudantes, visando escolher uma sequência melhor adaptada e articulada a estas características, sejam dificuldades ou competências existentes, sejam aptidões pessoais. Durante a ação de formação, a avaliação é considerada formativa e tem como função: regular a aprendizagem, visando melhorar a aprendizagem; informar o professor acerca da aprendizagem dos estudantes e das questões relativas ao ensino; informar aos estudantes seu percurso, ou seja, seus êxitos e suas dificuldades. Por último, a avaliação sumativa1 tem como função verificar e certificar, ocorre após o ciclo de formação. Por isso, muitas vezes é pontual. Por meio dela se faz um balanço na busca de um resultado para ser comunicado externamente. Convém salientar que uma função não exclui a outra e os diferentes tipos de avaliação podem ter funções comuns. Barlow (2006) destaca que diante da diversidade de definições da avaliação, ela pode ter diferentes funções como: [...] testar o nível de conhecimentos ou de habilidades dos alunos, identificar as dificuldades e capacidades dos alunos, controlar os progressos dos alunos, dar nota aos trabalhos e classificá-los, conceder um diploma, prever a sequência de formação (BARLOW, 2006, p. 112). De modo análogo, Hadji (1994) sintetiza as principais funções da avaliação conforme especificado no Quadro 1. Quadro 1: Funções das avaliações escolar Objeto Inventário Diagnóstico 1 Uso Social Verificar (por à prova) Situar um nível e Compreender Função Principal Tipo De Avaliação Certificar Sumativa Regular Formativa Para Hadji (1994), uma avaliação sumativa equivale a avaliação certificadora. Funções Anexas Classificar Situar Informar Inventariar Harmonizar XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 dificuldades Prognóstico Predizer Orientar Diagnóstica Prognóstica Preditiva Tranquilizar Apoiar Orientar Reforçar Corrigir Estabelecer um diálogo Explorar ou identificar Orientar Compreender (um modo de funcionamento) . Adaptar (perfis) Fonte: Hadji (1994). Observamos, neste quadro, o surgimento de funções consideradas anexas, que complementam e ampliam as funções principais. As funções anexas podem aproximar as funções principais umas das outras e, ainda, mostrar que não há uma fronteira distinta entre as diferentes funções. Na função principal de certificar, que pode ser entendida tanto no sentido de outorgar um certificado, como no sentido de averiguar os conhecimentos apropriados, observamos que a função anexa “classificar” indica a seleção de acordo com algum método, uma grelha2 ou um referencial, como no caso do vestibular e dos concursos. No entanto, a função “situar” estabelece uma posição do processo de aprendizagem do estudante com relação a suas possibilidades, suas produções, ao nível geral ou a um alvo, o referente. A função “informar” presta ciência aos envolvidos na avaliação, como pais, estudantes, sociedade. A função principal de regular a aprendizagem – guiar constantemente a aprendizagem - apresenta várias funções anexas e tem como tipo de avaliação a formativa, que, segundo Hadji (1994, p. 66), pode servir para: 2 esclarecer o professor, através do inventário das lacunas e dificuldades do aluno; permitir um ajustamento didáctico, através de uma harmonização método/aluno; ajudar o indivíduo que aprende (dar-lhe segurança, guiá-lo); facilitar mais directamente a sua aprendizagem (dar um reforço, corrigir); instaurar uma verdadeira relação pedagógica (criar as condições de um diálogo). Para Hadji (1994), é uma grade de correção. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Dentre as funções anexas, ressaltamos que, ao inventariar, o professor levanta os conhecimentos e as aquisições, observa a aprendizagem; ao harmonizar, ele averigua se há consenso entre os processos de ensino e de aprendizagem; ao apoiar, ele se fixa no conhecimento construído para prosseguir; ao orientar, escolhe caminhos, modalidades mais adequadas ou apropriadas; ao corrigir, ele oportuniza ao estudante, se necessário, corrigir seus erros. Por fim, a função principal de “orientar” apresenta as funções anexas de explorar ou de identificar características dos estudantes que podem favorecer a formação, orientar a elaboração de um conhecimento, compreender o processo de criação de conceitos e adaptar as escolhas pedagógicas, visando à aprendizagem. Dessa forma, observamos que as funções anexas, como ressalta Hadji (1994), possibilitam operações de cruzamento, ou seja, estabelecem elos entre as funções principais; uma não exclui a outra e, ainda, elas se interpenetram ou se singularizam. Assim, funções da avaliação não são algo que pode ser distinguido facilmente, como diz Hadji (1994); não é algo unidimensional que se encerra totalmente no sentido de uma prática. Ainda, segundo ele, para falar das funções da avaliação, não se pode desconsiderar a intenção, ou melhor, o propósito do avaliador, que se organiza em espaços diferentes e serve a diferentes jogos como: jogo pedagógico: processo didático e ajuda à aprendizagem (regular a aprendizagem); jogo institucional: diálogo social, entre pais, professores e estudantes; jogo social: articulação escola e sociedade. Dessa forma, inferimos que a função a privilegiar depende do propósito, da intenção do avaliador, ou seja, a qual jogo ela servirá. No entanto, convém ressaltar “que há, de direito e de facto, uma função dominante para os professores ou para os formadores: a de facilitar as aprendizagens” (HADJI, 1994, p. 90). O autor considera que essa é a essência da avaliação. Tal afirmação gera a necessidade de definir o significado de ensinar ou formar, atividades atreladas à educação, que é uma atividade mais ampla. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 Conforme Haydt (2006), a palavra “educação” pode ser empregada no sentido social ou individual. No sentido social, o termo tem origem na palavra latina educare, que significa alimentar, criar. Nesse sentido, a palavra indica algo externo que é concedido a alguém. Do ponto de vista social, a educação é a transmissão de valores, normas, costumes e conhecimentos pelas gerações adultas às gerações mais jovens. Em sociedades rudimentares, essa transmissão ocorre por meio da transferência direta, enquanto nas sociedades complexas, que são compostas por um amplo patrimônio cultural, cabe à escola a função de educar e ensinar. No sentido individual, a educação refere-se ao desenvolvimento de cada indivíduo. É nessa direção que Barlow (2006) toma a etimologia da palavra educação (ducare), conduzir (ex) para fora, ou seja, sair. Essa é uma ação particular, pessoal, porque ninguém pode evoluir, aprender no lugar do outro. O estudante é o sujeito da ação e cabe ao formador estimular a ação. Para Hadji (1994), a educação é uma ação com a intenção de modelar o comportamento para adequar-se a normas préestabelecidas. Pode-se dizer que educar é humanizar, é tornar o aprendente humano. Quanto mais educado, mais se aproxima de um ser humano ideal. Em consonância com essa ideia, Hadji (1994) discute o sentido de educar, de ensinar e de formar. Para o autor, educar significa interferir no processo de desenvolvimento do ser humano conduzindo-o a um sentido desejável. Ensinar é auxiliar o estudante a apropriar-se dos conhecimentos de uma disciplina; é gerir a sua aprendizagem, relacionada aos saberes, aos conhecimentos. Já formar é atribuir uma competência específica, relacionada ao saber-fazer em relação às atividades sociais. No ambiente escolar, essas três ações estão constantemente presentes, uma delas é enfatizada de acordo com os objetivos estabelecidos, tendo em vista que a tarefa essencial dos professores é facilitar as aprendizagens que dizem respeito aos três grandes eixos do desenvolvimento intelectual: saber ser, os saberes e o saber fazer, além do desenvolvimento motor e do sensorial. Cabe à avaliação contribuir para uma boa gestão da aprendizagem. Para que a gestão da aprendizagem ocorra com sucesso, é importante considerar que qualquer avaliação é interpretação e que para ocorrer ela depende de movimentos ascendentes e descendentes, ou seja, devemos ir aos “factos, ao sistema de ideias que permite tê-los em conta, modificar este sistema em função dos factos analisados, voltar XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 aos factos para os apreender com a ajuda deste sistema modificado”. (Hadji, 1994, p. 141) Como isso pode ser feito? Quais são os recursos que o professor pode utilizar? De que modo pode ser efetivado? Para responder a estas questões, podemos retomar as funções principais e os propósitos da avaliação, aliados aos diferentes meios ou instrumentos para efetivar uma avaliação formativa que permite recolher, compreender e gerenciar as produções, corretas ou não, dos estudantes. Hadji (1994) sugere instrumentos apropriados para as funções de orientar, regular e certificar, segundo as estratégias de cada uma delas, isto é, seus objetivos, objetos, tipos de provas e instrumentos apropriados. Ao realizar uma avaliação cuja função é orientar, o avaliador pretende prever as dificuldades de aprendizagem e escolher o encaminhamento que será dado. Neste caso, o objeto de observação são as características estáveis do estudante, como as aptidões, os interesses e o que ele já domina. Para esse tipo de avaliação, é possível utilizar instrumentos como testes de aptidão ou provas preditivas. Quando a avaliação tem como função regular o processo de aprendizagem, as intenções do professor concentram-se em: compreender o caminho percorrido pelo estudante, identificar o motivo das dificuldades, acompanhar o desenvolvimento dos objetivos pedagógicos e aperfeiçoar o processo de elaboração do conhecimento. Neste caso, o professor visa identificar as estratégias, as dificuldades de aprendizagem e os modos de pensamento do estudante. Para isso, há instrumentos constituídos especificamente para este fim, como: provas individuais, clínicas, orais, autoavaliação, autocorreção, entrevistas. Para a função de certificar, ou seja, de verificar o resultado da aprendizagem, o professor visa assegurar se os objetivos foram atendidos e se os resultados podem ser atestados socialmente. Neste caso, o professor busca as competências global e terminal, se foi atingido um saber fazer significativo. Para isso, ele pode adotar provas que tratam de tarefas globais e socialmente significativas, assim como problemas típicos. Os instrumentos mais apropriados são os exercícios que servem de prova ou o confronto com problemas significativos típicos da competência visada. É importante destacar que a avaliação das tarefas, nas aulas de Matemática, deve contemplar os propósitos da Educação Matemática, mais especificamente a formação XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 pela Matemática e, por conseguinte, a aprendizagem da Matemática. Para que isso ocorra, faz-se necessário o professor ter clareza dos motivos reais que tornaram o conhecimento curricular um objeto de ensino e, a partir disso, estabelecer os propósitos a serem alcançados em cada etapa e a função da avaliação durante todo o processo. Algumas considerações Ao encerrar este artigo, destacamos que as principais funções da avaliação, isto é, o certificar, o regular e o orientar, desempenham um papel importante na formação dos estudantes, pois podem contribuir na tarefa essencial dos professores - uma boa gestão das aprendizagens. Com nossa experiência de sala de aula e nossos estudos, concluímos que a função de certificar é destacada com freqüência, a fim de aprovar ou reprovar os estudantes e regularmente não colabora com a reflexão acerca da prática pedagógica. No entanto, a função de regular a aprendizagem, de informar o professor a respeito das questões relacionadas aos processos de ensino e de aprendizagem e a de orientar os estudantes não têm sido enfatizadas com tal merecimento, conforme exposto anteriormente. Sendo assim, as reflexões proporcionadas por este artigo nos leva a reforçar a necessidade de continuar com estudos a respeito da avaliação formativa ou formadora no âmbito da Educação Matemática, de modo que ela possa contribuir com a elaboração do conhecimento matemático. Para que isso ocorra, são necessárias pesquisas que focalizem o contexto da sala de aula, a análise da produção escrita dos estudantes por meio de instrumentos de avaliação que contemplem suas funções e atinjam seus propósitos, à medida que ela de fato se integre à prática pedagógica. Referências ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BARLOW, M. Avaliação escolar: mitos e realidades. Porto Alegre: Artmed, 2006. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 1996. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 20 jul. 2008. XII EPREM – Encontro Paranaense de Educação Matemática Campo Mourão, 04 a 06 de setembro de 2014 ISSN 2175 - 2044 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC /SEF, 1998. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2008. BRASIL. 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