Danielle Teles da Cruz
Jaqueline Aparecida Ferreira
O USO DA ESTEIRA ERGOMÉTRICA PARA A MELHORA OU PROMOÇÃO DA
MARCHA EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL
- UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA -
Juiz de Fora
Departamento de Fisioterapia – FACMED
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
JUNHO 2008
Danielle Teles da Cruz
Jaqueline Aparecida Ferreira
O USO DA ESTEIRA ERGOMÉTRICA PARA A MELHORA OU PROMOÇÃO DA
MARCHA EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL
- UMA REVISÃO SISTEMÁTICA DA LITERATURA -
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Fisioterapia da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora,
como pré-requisito para aprovação na disciplina
Trabalho de Conclusão de Curso II.
Área de concentração: Fisioterapia Neuropediátrica
Orientadora: Profa Paula Silva de Carvalho
Chagas - UFJF
Juiz de Fora
Departamento de Fisioterapia – FACMED
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
JUNHO 2008
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a nossa orientadora, Paula Silva de Carvalho Chagas, pela
dedicação, atenção e importante contribuição em nossa formação profissional.
Aos amigos Júnia Andrade, Rafael Fortunato, Henrique Rocha, Isabela de Matos,
Daniel Almeida e Diego Teles da Cruz pela colaboração, incentivo e carinho.
Aos nossos pais por compreenderem os momentos de ausência e pelo apoio
incondicional.
A todos que contribuíram de alguma forma para a realização deste trabalho.
RESUMO
As revisões sistemáticas reúnem evidências capazes de guiar a prática clínica e
nortear o desenvolvimento de novas pesquisas, sendo de extrema relevância para
profissionais que atuam na área de reabilitação. O objetivo deste estudo foi realizar
uma revisão sistemática referente ao uso da esteira ergométrica para a promoção ou
aprimoramento da marcha em crianças com Paralisia Cerebral (PC). Foi realizada
uma busca nas bases de dados: Medline, Lilacs, PEDro, Cochrane, Scielo, CINAHL,
EMBASE e DARE, referente ao período de janeiro de 2000 a dezembro de 2007. De
acordo com os critérios de inclusão, oito estudos foram selecionados e analisados
qualitativamente segundo os níveis de evidência de Sackett. Os resultados foram
discutidos com base na metodologia adotada pela American Academy of Cerebral
Palsy and Development Medicine (AACPDM), concentrando-se nos seguintes
aspectos: tipo de desenho metodológico, caracterização dos participantes dos
estudos, descrição da intervenção, e análise dos desfechos de cada estudo
relacionando-os com os domínios da Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF). Há evidências que comprovam que o uso da esteira
ergométrica nessas crianças é capaz de promover alterações nos parâmetros da
marcha (velocidade e comprimento do passo), e no Gross Motor Function Measure
(GMFM). Apesar da diversidade de protocolos utilizados, características dos
participantes, instrumentos utilizados e limitações metodológicas dos estudos
impedirem o agrupamento dos resultados, há efeitos positivos do uso da esteira
ergométrica em crianças com PC. Dessa forma, esta intervenção parece ser
promissora e eficaz para a promoção ou aprimoramento da marcha em crianças com
Paralisia Cerebral.
Palavras Chaves: Paralisia Cerebral; Esteira Ergométrica; Fisioterapia; Marcha.
ABSTRACT
A systematic review gathers evidence to guide the clinical practice and the
development of new research, being extremely relevant to professionals who work in
the area of rehabilitation. The objective of this study was to perform a systematic
review concerning the use of treadmill training for the promotion or improvement of
gait in children with Cerebral Palsy (CP). A search was conducted in databases:
Medline, Lilacs, PEDro, Cochrane, Scielo CINAHL, EMBASE and DARE, from
January 2000 to December 2007. Following the inclusion criteria, eight studies were
selected and analyzed qualitatively according to levels of evidence of Sackett. The
results were discussed based on the methodology adopted by the American
Academy of Cerebral Palsy and Development Medicine (AACPDM), focusing on the
following aspects: type of methodological design, characterization of participants in
the studies, intervention description, and analysis of outcomes of each study linking
them to the domains of the International Classification of Functioning, Disability and
Health (ICF). There is evidence to show that the use of treadmill training by these
children is able to promote changes in the parameters of gait (speed and step
length), and in the Gross Motor Function Measure (GMFM). Despite the diversity of
protocols used, participants’ characteristics, tools and methodological limitations of
the studies preventing the pooling of results, there are positive effects of using the
treadmill training in children with CP. Thus, this intervention appears to be promising
and effective for the promotion or improvement of gait in children with Cerebral Palsy.
Key Words: Cerebral Palsy, Treadmill Training, Physical Therapy, Gait.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................
9
OBJETIVO.............................................................................................................
11
METODOLOGIA....................................................................................................
11
Busca dos artigos.................................................................................
11
Seleção dos artigos..............................................................................
11
Extração de dados................................................................................
12
RESULTADO.........................................................................................................
14
Análise da qualidade das evidências e desfechos segundo os
domínios da CIF………………………………………………………….….
15
DISCUSSÃO..........................................................................................................
25
a) Que evidência existe sobre os efeitos da intervenção nos componentes
da CIF? Em quais foram esperados que teriam resultados positivos?.....
25
b) Que evidências existem sobre os efeitos da intervenção em outros
componentes da CIF?.................................................................................... 28
c) Que outras evidências existem que integram os resultados entre estes
componentes (i.e., quais os efeitos, se existem, se integram
automaticamente)?........................................................................................
28
d) Que tipos de complicações e quais as magnitudes destes foram
documentados?..............................................................................................
28
e) Qual a força da intervenção? (Qualidade da evidência)……………………. 29
CONCLUSÃO........................................................................................................
31
Implicações para a prática..................................................................................
31
Implicações para a pesquisa..............................................................................
31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................
32
ANEXOS................................................................................................................
36
Anexo A: metodologia utilizada para elaboração de revisões sistemáticas
36
segundo a AACPDM............................................................................................
Anexo B: artigos selecionados para esta revisão sistemática.......................
66
LISTA DE TABELAS
Tabela I: Níveis de evidência para os estudos.................................................
13
Tabela II: Definição de termos e critérios segundo a CIF................................
14
Tabela III: Resumo dos estudos – Participantes, Intervenção e Nível de
Evidência……………………………………………………………….........................
17
Tabela IV: Descrição da qualidade do estudo (estudos I, II e III)....................
21
Tabela V: Tabela dos desfechos, medidas e resultados dos estudos
analisados segundo a CIF...................................................................................
22
9 INTRODUÇÃO
Paralisia Cerebral (PC) é o termo usado para definir uma série de
deficiências motoras secundárias a disfunções ou lesões que afetaram o cérebro
imaturo1. As desordens neurológicas geradas são permanentes e não progressivas,
levando a alteração de movimento e postura2,3. Os fatores característicos dessa
condição que contribuem para a disfunção motora apresentada por pacientes com
PC incluem problemas neuromusculares e musculoesqueléticos secundários, tais
como espasticidade, distonia, contraturas musculares, deformidades ósseas,
incoordenação, perda de controle motor seletivo e fraqueza muscular1,4,5. A definição
atual proposta para Paralisia Cerebral acrescenta que essas crianças podem
apresentar limitações de atividades, e que as desordens motoras da paralisia
cerebral são freqüentemente acompanhadas por distúrbios da sensação, percepção,
cognição, de comunicação e comportamento, e por epilepsia4. É considerada a
causa mais comum de debilidade física no início da infância1, sendo a incidência no
Brasil estimada de 7 casos a cada 1000 nascidos vivos6.
Um dos marcos motores mais almejados por famílias de crianças com PC
é a aquisição da marcha independente, o que gera freqüentemente grande
expectativa e questionamentos por parte desses7. A presença de algumas
características clínicas são consideradas potencialmente úteis na predição da
marcha independente8. Entre essas, o tipo tônico de paralisia cerebral, a distribuição
topográfica, a função motora grossa (i.e., aquisição do sentar independente antes
dos dois anos de idade), a forma de comunicação, a capacidade de alimentar-se
independentemente, o histórico de crises convulsivas, e a capacidade visual8,9.
10 Uma intervenção motora, atualmente em foco, que tem como objetivo
promover a aquisição da marcha em crianças com PC é o uso da esteira
ergométrica. Estudos que demonstram o uso deste equipamento no processo de
reabilitação começaram a surgir a partir da década de 80, sendo os primeiros na
área cardiovascular usando a esteira como método diagnóstico, e no tratamento de
indivíduos revascularizados10. Atualmente este recurso vem sendo utilizado no
tratamento de diferentes condições de saúde, como lesão medular11, pós-operatório
de artroplastia de quadril12, doença arterial periférica13, doença de Parkinson14, após
acidentes vasculares cerebrais15, em crianças com Síndrome de Down16 e, mais
recentemente em crianças com PC.
Richards et al (1997)17 foram os pioneiros em descrever o uso da
esteira17,18 ergométrica em crianças com PC. Em seu estudo, eles investigaram a
viabilidade da aplicação do treino de marcha na esteira ergométrica em quatro
crianças com paralisia cerebral espástica, com uma freqüência de quatro vezes por
semana, durante quatro meses17. O principal resultado encontrado nesse estudo foi
melhora nas dimensões D e E do Gross Motor Function Measure (GMFM) dessas
crianças, que representam atividades na postura de pé, andando, correndo e
pulando17.
O uso deste equipamento em crianças com PC pode ser realizado através
de um sistema de suporte para descarregar parcialmente o peso corporal, ou de
forma livre. O sistema de suporte de sustentação parcial do peso corporal,
conhecido como Body weight support – BWS, auxilia o terapeuta no treino de
marcha de pacientes com lesão neurológica19. Esse suporte consiste em um sistema
formado por um tipo de arreio usado pelo paciente, cordas, polias e um conjunto de
fios para controlar o peso a ser suportado pelo paciente19. Atualmente, outros
estudos científicos com o uso da esteira ergométrica em crianças com Paralisia
Cerebral têm sido publicados em periódicos científicos renomados.
Os estudos de revisão sistemática possibilitam a síntese das evidências
disponíveis na literatura sobre uma intervenção ou tratamento, mostram a eficácia
dessas e contribuem para guiar a prática clínica e fundamentar pesquisas
científicas20. No Brasil, o uso da esteira ergométrica no tratamento de crianças com
Paralisia Cerebral é recente e pouco difundido. Assim sendo, torna-se importante a
realização de um estudo de revisão sistemática para analisar criteriosamente a
qualidade metodológica dos artigos que utilizaram a esteira nessas crianças e
11 investigar os efeitos dessa intervenção na promoção ou aprimoramento da marcha
independente.
OBJETIVO
O objetivo desse estudo foi realizar uma revisão sistemática da literatura
para: (1) verificar a qualidade dos artigos científicos através da seleção e análise
criteriosa destes; e (2) analisar os efeitos do uso da esteira ergométrica para
promoção ou aprimoramento da marcha em crianças com Paralisia Cerebral.
METODOLOGIA
Busca dos artigos
As bases eletrônicas de dados Medline, Lilacs, The Physiotherapy
Evidence Database (PEDro), Cochrane, Scielo, CINAHL, EMBASE e Database of
Reviews of Effectiveness (DARE) foram pesquisadas, com busca restrita ao período
de janeiro de 2000 a dezembro de 2007. As palavras chaves usadas foram: paralisia
cerebral (cerebral palsy), em combinação com (AND) fisioterapia (physical therapy)
ou (OR) esteira ergométrica (treadmill training) ou (OR) terapia funcional (functional
therapy) e (AND) marcha (gait or locomotion or walking). A busca foi limitada a
artigos publicados em inglês, espanhol ou português, cujas pesquisas foram
realizadas com indivíduos com faixa etária até 18 anos de idade.
Seleção dos artigos
Os artigos foram inicialmente selecionados por dois pesquisadores
independentes, respeitando os seguintes critérios de inclusão: 1. clientela: crianças
e adolescentes com PC; 2. desfecho principal investigado: ênfase na promoção ou
melhora da marcha; e 3. equipamento terapêutico: esteira ergométrica. Esses
critérios de inclusão foram estabelecidos previamente a fim de definir claramente a
12 adequação da literatura encontrada para essa revisão. O artigo cujo título ou resumo
não se enquadrou nesses três critérios foi automaticamente descartado da seleção.
Na leitura dos artigos foi realizada uma segunda seleção, excluindo os artigos
que apresentaram: a) tipo de estudo: estudos de revisão de literatura; b) tipo de
tratamento: estudos com abordagens invasivas e medicamentosas; e c) tipo
transversais ou metodológicos: estudos com objetivo de utilizar a aplicação de
instrumentos de avaliação ou verificar suas propriedades psicométricas.
Extração dos dados
Os dados dos artigos foram extraídos de acordo com a metodologia
adotada pela American Academy of Cerebral Palsy and Development Medicine
(AACPDM)21 (ANEXO A), que desenvolve revisões sistemáticas de diferentes
intervenções na área infantil. Cada artigo foi classificado de acordo com os critérios
de Sackett (2001)22 em níveis de evidência de I a V (tabela I) e os desfechos dos
estudos descritos de acordo com os componentes da Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)23 (tabela II). Primeiramente, a
classificação dos artigos foi realizada independentemente pelos dois autores. Após
discussão, as divergências entre esses foram resolvidas e chegou-se a um senso
comum.
Os níveis de evidência de Sackett são baseados em um sistema de
classificação de acordo com o desenho do estudo22. Esse sistema segue uma
hierarquia de estudos mais fortes para os mais fracos, que são assim classificados
conforme sua capacidade de gerar viés, com o rigor metodológico dos
investigadores e a conduta utilizada no estudo. Os artigos de nível I constituem
evidências fortes e definitivas e bom rigor metodológico; os estudos de nível II são
evidências menos convincentes e um formato de estudo com menor qualidade
metodológica; os estudos nível III e IV caracterizam evidências fracas, às vezes
casuais, na maior parte das vezes sem grupo controle e apresentam baixo rigor
metodológico; e os de nível V não garantem a eficácia da intervenção estudada,
apenas sugestionam a possibilidade de algo. Os estudos de nível III, quando
analisados isoladamente, apresentam provas menos convincentes que os estudos
de nível I e II. No entanto, ao analisar os estudos em conjunto para verificar a
13 evidência de uma determinada intervenção, os estudos de nível III assumem
importante relevância, principalmente no que se refere ao grau de recomendação de
condutas terapêuticas e a tomada de decisão na prática clínica24.
Tabela I: Níveis de evidência para os estudos
Nível
I
Estudos intervenção (grupos)
Revisão sistemática de estudos controlados e aleatorizados (ECAs)
ECAs grandes (com intervalos de confiança estreitos; n>100)
II
ECAs menores (com intervalos de confiança maiores; n<100)
Revisões sistemáticas de estudos de coorte
‘Pesquisas de desfechos’ (estudos ecológicos muito grandes)
III
Estudos de coorte (com grupo controle simultâneo)
Revisões sistemáticas de estudos de caso controle
Estudos experimentais de caso-único (tipo ABA)
IV
Estudos quasi-experimentais ou séries de casos
(antes e depois, sem grupo controle)
Estudo de coorte sem grupo controle simultâneo
(ex. com grupo controle histórico)
Estudo de caso-controle
V
Opinião de especialista
Estudo ou relato de caso
Pesquisas de banco de dados
Opinião de especialistas baseadas em teoria ou pesquisas fisiológicas
Senso comum/ histórias
Uma das funções da Organização Mundial de Saúde (OMS) é a produção
de Classificações Internacionais de Saúde e dentro da “família” das classificações
internacionais está a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde, conhecida como CIF, publicada em 200125. A finalidade dessa classificação
é promover uma linguagem unificada e padronizada e estabelecer uma ferramenta
de trabalho que permita a descrição da saúde e domínios relacionados com a
saúde23. A abordagem da CIF prioriza a funcionalidade como um componente da
14 saúde considerando também o ambiente físico, que pode desempenhar um papel de
facilitador ou barreira para a execução de tarefas e ações26. Os componentes
classificados pela CIF são definidos em domínios de saúde e domínios relacionados
à saúde, sendo descritos de acordo com a perspectiva do corpo, do indivíduo e da
sociedade em três dimensões básicas: (1) Funções e Estruturas do corpo; (2)
Atividades; e (3) Participação, sendo em todas as dimensões considerada a
influência dos fatores contextuais, tanto ambientais como pessoais23 (tabela II).
Tabela II: Definição de termos e critérios segundo a CIF.
Componente da CIF
Definição
Função Corporal
Função Corporal são as funções fisiológicas dos sistemas
do corpo, incluindo funções psicológicas
Estrutura Corporal
Estrutura Corporal são as partes anatômicas do corpo,
assim como os órgãos, membros, e outros componentes
Atividade
Atividade é a execução de uma tarefa ou ação por um
indivíduo
Participação
Participação é o envolvimento em situações de vida
Contexto/Fatores
Fatores ambientais fazem parte do ambiente físico, social e
Ambientais
de atitude em que as pessoas vivem e conduzem suas
vidas
RESULTADOS
A busca sistematizada dos estudos que usaram a esteira ergométrica
como método de intervenção em crianças com PC foi realizada no mês de dezembro
de 2007. Foram encontrados 22 artigos nas bases de dados pesquisadas, destes 11
foram repetidos em quase todas as bases e foram pré-selecionados pelo conteúdo
do título. Após a leitura dos resumos, três foram excluídos pelos seguintes motivos:
um por ter desfecho em fortalecimento muscular, um pelo fato da criança não ter
diagnóstico de PC (i.e., hemorragia intraventricular), e o outro por ter como objetivo
observar mudanças na plasticidade cerebral através da ressonância magnética
15 funcional. No final, oito estudos cumpriram plenamente os critérios de inclusão para
participar desta revisão27-34 (ANEXO B). Destes, um é experimental controlado31,
dois são experimentais de caso único28,29, três são quasi-experimental27,33,34 e dois
são estudos de caso30,32. O estudo de Chan et al (2004)28 apesar de não cumprir
plenamente os critérios de inclusão, foi incluído em nosso estudo pelo fato de utilizar
a neuroestimulação (NMES) associada a esteira ergométrica no grupo experimental
comparando os desfechos com outro grupo que utilizou somente a esteira
ergométrica como intervenção, desta forma investigando os efeitos desta como uma
intervenção para crianças com PC. A Tabela III apresenta resumidamente as
informações disponíveis em cada artigo, em relação à população, tamanho da
amostra, tipo de estudo e tipo de intervenção.
Análise da qualidade das evidências e desfechos segundo os domínios da CIF
A descrição da qualidade da evidência foi realizada para os estudos que
pontuaram I, II ou III no nível de evidência, sendo eles: Chan et al (2004)28, Cherng
et al (2007)29, e Dodd & Foley (2007)31, segundo tabela proposta pela AACPDM21. A
escala proposta pela associação apresenta os seguintes itens: (1) Os critérios de
inclusão foram bem descritos e seguidos?; (2) A intervenção foi bem descrita e os
participantes tiveram adesão ao tratamento? (em caso de dois grupos: a exposição
do grupo controle foi bem descrita?); (3) As medidas foram claramente descritas,
válidas e confiáveis para medir os desfechos de interesse?; (4) O avaliador dos
desfechos foi cegado ao tipo de intervenção?; (5) Os autores conduziram uma
avaliação estatística apropriada incluindo cálculo do poder estatístico (power
calculation)?; (6) As desistências ou perdas no follow-up foram reportados e
menores do que 20%? Em caso de dois grupos, as perdas foram balanceadas?; e
(7) Considerando o potencial deste tipo de desenho de estudo, foram utilizados
métodos apropriados para controlar as variáveis de confusão e limitando os vieses?
Após a pontuação dos itens desta escala, em um escore que varia entre 1 e 7, os
estudos foram classificados como fracos (escore < ou = 3), moderados (escore 4 e
5) ou fortes (escore 6 e 7)21 (tabela IV). Nenhum dos artigos apresentou nível de
evidência I, três estudos27,33,34 apresentaram nível IV e dois estudos30,32
apresentaram nível V.
16 Os três artigos acima citados que foram considerados como sendo de
melhor evidência28,29,31 (i.e., nível de evidência II ou III), tiveram seus desfechos e
resultados apresentados segundo a CIF23, demonstrados na tabela V. Nesses três
estudos foram encontradas mudanças significativas no domínio de estrutura e
função do corpo, demonstrados pelo aumento do comprimento do passo29, aumento
da velocidade da marcha31 e aumento do quociente de potência de tornozelo
(APQ)28 e no domínio de atividade, demonstrados pelo aumento dos escores no
GMFM28,29.
Dos estudos quasi-experimentais estudados27,33,34, os domínios da CIF
mensurados foram estrutura e função do corpo e atividade. Begnoche e Pitetti
(2007)27 verificaram aumento do comprimento do passo. Provost et al (2007)33
observaram melhora na resistência física através do teste de medida de gasto
energético (Energy Expenditure Measurement - EEI) (p=0.029) e aumento da
velocidade da marcha no teste Ten-Metter Walking Velocity (p=0.038). Schindl et al
(2000)34 apresentaram melhora no desempenho da marcha através da utilização do
Functional Ambulation Categories (FAC). Um aspecto relevante e comum a esses
três trabalhos27,33,34 foi à melhora do GMFM na dimensão E, sendo que Schindl et al
(2000)34 observou ainda melhora na dimensão D.
Os trabalhos de Day et al (2004)30 e Mc Nevin et al (2000)32 são estudos de
caso e apresentam baixo nível de evidência. Os dois estudos apresentaram
desfechos positivos nos domínios de estrutura e função do corpo e de atividade,
assim como os estudos experimentais revisados, sugestionando assim a
possibilidade dos benefícios do uso da esteira ergométrica com o suporte de peso
corporal em crianças com PC. Entre os desfechos positivos encontrados estão: (1)
no domínio de estrutura e função do corpo: menores índices fisiológicos (i.e.
freqüência cardíaca e pressão arterial) durante a prática da caminhada na esteira
ergométrica com o uso do suporte quando comparados com a não utilização do
suporte32 e (2) no domínio de atividade: melhora do GMFM e Pediatric Evaluation
Disability Inventory (PEDI) após o programa de tratamento30.
17 Tabela III: Resumo dos estudos – Participantes, Intervenção e Nível de Evidência Estudo
Nível de
evidência/
Desenho do
Estudo
Intervenção Grupo de Tratamento
Intervenção Grupo de
Controle
População
Total
n
Idades
Begnoche &
Pitetti
(2007)27
IV
(Quasiexperimental)
Tratamento: Fisioterapia convencional
associada com PBWTT (esteira
GaitKeeper® 1800L e suporte Standard
WalkAble®)
Quantidade de suporte: suficiente para
manter a extensão completa de joelho no
médio apoio e extensão completa de quadril
no final da fase de apoio.
Duração da sessão: 2 horas
Duração do treino: 15 a 35 minutos
Freqüência: 3 a 4 sessões/ semana,
Velocidade: 0.1 a 4.0 mph.
Duração total: 4 semanas
Não há grupo controle
Quadriplégicos (n=1);
Diplégicos (n=4)
5
2,3 - 9,7
anos
Chan et al
(2004)28
III
(Experimental de
caso-único)
2 Grupos de intervenção: ABA
1º grupo tratamento: duas primeiras
semanas tratamento convencional + quatro
semanas seguintes tratamento experimental
- Treino de marcha com uso de esteira
ergométrica (por 15 minutos e velocidade
variando de 0.45 a 0.80m/s) + NMES (30-35
pulsos/segundo, por 15 minutos) + duas
últimas semanas tratamento convencional.
2º grupo tratamento: diferença nas quatro
semanas de tratamento experimental Treino de marcha com uso de esteira
ergométrica (por 15 minutos e velocidade
variando de 0.45 a 0.80m/s).
Frequência: 3vezes/semana
Duração: 8 semanas (2-4-2)
Não há grupo controle
Diplégicos (n=7);
Hemiplégicos (n=5)
12
4 - 11
anos
18 Estudo
Nível de
evidência/
Desenho do
Estudo
Intervenção Grupo de Tratamento
Intervenção Grupo de
Controle
Cherng et al
(2007)29
III
(Experimental de
caso-único)
Grupos: ABA e AAB
Tratamentos:
ABA = tratamento convencional (baseado
no NDT) + treino de marcha na esteira
ergométrica (Trackmaster® TM210AC) com
o BWS (LiteGait®) + tratamento
convencional (baseado no NDT).
AAB = tratamento convencional (baseado
no NDT) + tratamento convencional
(baseado no NDT) + treino de marcha na
esteira ergométrica com o BWS.
Freqüência: 2 a 3 vezes/semana
Duração: 20 minutos
Velocidade: 0,1 mph + 0,1mph até
velocidade confortável.
Duração total: 12 semanas (4-4-4)
Não há grupo controle
Day et al
(2004)30
V
(Estudo de caso)
Tratamento: esteira ergométrica (Biodex®
RTM 400 rehabilition treadmill) com o BWS
(Unweighting System: Neuro II® e Medical
Harness®).
BWS: 40% à 60%.
Velocidade: 0.2mph à 1.3mph.
Tempo de caminhada em cada sessão: 11 a
25 minutos.
Freqüência: 2 a 3 vezes/semana.
Fisioterapia convencional: 2xsemana
Duração total: 44 sessões
Não há grupo controle
População
Total
n
Idades
Diplégicos
8
3-7
anos
Quadriplégica
1
9 anos
19 Estudo
Nível de
evidência/
Desenho do
Estudo
Intervenção Grupo de Tratamento
Intervenção Grupo de
Controle
População
Total
n
Idades
Dodd &
Foley
(2007)31
II
(Experimental
controlado e
randomizado)
Tratamento: PBWSTT (esteira Paragon® CR
e sistema de suporte WalkAble®) associado
com terapia convencional (fisioterapia que
as crianças já recebiam)
Freqüência: 2 vezes/semana.
Duração da sessão: 30 minutos
Velocidade mínima: 0,1 km/h + 0,1 km/h até
velocidade confortável.
Duração total: 6 semanas
Tratamento convencional
(não há detalhes)
Quadriplégicos com
atetose (n=6);
Quadriplégicos
espásticos (n=6);
Diplégicos(n=2).
14
5 - 18
anos
McNevin et
al (2000)32
V
(Estudo de caso)
Tratamento: esteira ergométrica (True® 980)
com o suporte (Vigor® harness).
Intervenção sem o suporte:
Velocidade: 0.8Km/h à 2.4Km/h.
Intervenção com o suporte:
Velocidade: 0.8Km/h à 2.72Km/h.
Suporte: aproximadamente 30%.
Duração total: 2 intervenções (uma sem e
outra com o suporte), separadas por um
intervalo de uma semana.
Não há grupo controle
Espástica com marcha
com muletas
canadenses
1
17 anos
Provost et
al (2007)33
IV
(Quasiexperimental)
Tratamento: BWSTT.
Velocidade: 1.5mph-1.9mph à 2.3mph3.1mph.
BWS: 30% à 0%.
Freqüência: 6 vezes/semana e 2 vezes/dia.
Tempo total de caminhada em cada sessão:
30 minutos.
Duração total: 2 semanas consecutivas.
Não há grupo controle
Hemiplégicos (n=4);
Diplégicos (n=2)
6
6 - 14
anos
20 Estudo
Schindl et al
(2000)34
Nível de
evidência/
Desenho do
Estudo
IV
(Quasiexperimental)
Intervenção Grupo de Tratamento
Tratamento: esteira ergométrica com o
BWS.
Freqüência: 3 vezes/semana.
Tempo de caminhada em cada sessão: 12.8
a 18.8 minutos.
Velocidade:.23m/sec a .34m/sec.
BWS: 0% a 40%.
Fisioterapia convencional: 2 a 3
vezes/semana, com duração de 30 minutos.
Duração total: 36 sessões
Intervenção Grupo de
Controle
Não há grupo controle
População
Diplégicos (n=3);
Quadriplégicos (n=4);
Quadriplégicos com
ataxia (n=3)
Total
n
Idades
10
6 - 18
anos
Legenda: PBWTT= Partial body weight treadmill training, NMES= Neuromuscular electrical stimulation, BWS= Body weight support, NDT=
Neurodevelopmental treatment, PBWSTT= Partial body weight support treadmill training, Km/h = quilômetros por hora, BWSTT= Body weight support
treadmill training, m/sec= metros por segundos; n = número de participantes.
21 Tabela IV: Descrição da qualidade do estudo (estudos I, II e III)
Estudo
Nível/qualidade
1
2
3
4
5
6
7
Pontuação
Chan et al
(2004)28
III/ Fraco
Ø
9
9
Ø
Ø
9
Ø
3/7
Cherng et al
(2007)29
III/ Moderado
Ø
9
9
9
Ø
9
Ø
4/7
Dodd & Foley
(2007)31
II/ Moderado
9
Ø
9
Ø
9
9
9
5/7
22 Tabela V: Tabela dos desfechos, medidas e resultados dos estudos analisados segundo a CIF.
Componentes
Estudo
Desfecho de
Interesse
Medida
Estrutura e
Função do Corpo
Chan et al (2004)28
Quociente de Momento
de Tornozelo (AMQ)
AMTI® force plataforms
ns
Quociente de Potência
de Tornozelo (APQ)
Atividade e
Participação
Vicon® 370
AMTI® force plataforms
Vicon® 370
↓ p=0,015 (depois da
quarta semana, ≠ entre
grupos);
↓ p=0,037 (depois da
sexta semana, ≠ entre
grupos)
Função Motora Grossa
GMFM
(dimensões D e E)
↑ p=0,045 (nos dois grupos)
Fatores do
contexto
23 Componentes
Estudo
Desfecho de
Interesse
Medida
Estrutura e
Função do Corpo
Cherng et al (2007)29
Velocidade da marcha
GAITRite®
ns
Comprimento do passo
GAITRite®
↑ p=0,0236
Cadência
GAITRite®
ns
Tempo de duplo apoio
(TDA)
GAITRite®
↓p=0,058
Tônus muscular
Escala de Ashworth
modificada
ns
Controle Motor Seletivo
Quantidade de
dorsiflexão ativa
ns
Função Motora Grossa
GMFM
Atividade e
Participação
↑ p<0,05
(dimensão D → p=0,0338)
dimensão E → p=0,0225, e
total → p=0,0008)
Fatores do
contexto
24 Componentes
Estudo
Desfecho de
Interesse
Medida
Estrutura e
Função do Corpo
Dodd & Foley (2007)31
Velocidade da marcha
10-metre walking speed
test
↑ p=0,048
Resistência física
10-minute walk test
ns
Atividade e
Participação
Legenda: AMQ=ankle moment quocient; APQ= ankle power quocient; GMFM = Gross Motor Function Measure; ns = não significativo.
Fatores do
contexto
25 DISCUSSÃO
A discussão será apresentada conforme a metodologia da AACPDM21,
baseando-se em cinco perguntas, que analisam os desfechos segundo os
componentes da CIF, se houve complicações durante o uso da esteira ergométrica
como intervenção e a qual a força das evidências dos estudos revisados, sendo esta
realizada apenas para os três artigos incluídos na tabela IV e V.
a) Que evidência existe sobre os efeitos da intervenção nos componentes da
CIF? Em quais foram esperados que teriam resultados positivos?
Nesta revisão sistemática sobre o uso da esteira ergométrica em crianças
com PC, os três estudos experimentais28,29,31 investigaram os efeitos desta
intervenção nos parâmetros da marcha. A função motora grossa foi pesquisada em
dois dos artigos e apenas um dos estudos investigou os efeitos no tônus muscular e
controle motor seletivo. Considerando os componentes da CIF, tônus muscular,
controle motor seletivo e parâmetros da marcha podem ser representados no
domínio de estrutura e função do corpo, ao passo que a função motora grossa está
no domínio de atividade.
Tônus muscular e Controle Motor Seletivo
O tônus muscular e controle motor seletivo foram desfechos pesquisados
apenas no estudo de Cherng et al (2007)29. Através da escala de Ashworth
modificada foi realizada a avaliação de tônus. O controle motor seletivo foi
pesquisado com a utilização de uma escala que mensura a quantidade de
dorsiflexão. No entanto, os pesquisadores não encontraram alterações significativas
nesses dois quesitos. Muitas técnicas vem sendo estudadas para modificar o tônus
muscular, dentre elas, uma das técnicas que apresenta resultados positivos é o
alongamento muscular, como demonstrado no estudo de Pin et al (2006)35. Já
estudos que usam intervenções que objetivam ganho de força muscular em crianças
com PC não tem demonstrado alterações sob o tônus muscular. Isso pode ser
notado no artigo de Dodd et al (2002)36, uma revisão sistemática sobre os efeitos do
26 fortalecimento muscular nessas crianças. Dessa forma, sendo o uso da esteira
ergométrica uma intervenção que busca primariamente melhorar a marcha de
crianças com PC, não são esperadas alterações na tonicidade muscular.
O controle motor seletivo, através do aumento da amplitude de movimento
de tornozelo, não foi foco de objetivo do estudo de Cherng et al (2007)29, e não
houve técnicas que trabalhassem diretamente sobre ele, tão pouco, instrumentos de
avaliação adequados para a sua análise. Estudos futuros que usem a esteira
ergométrica e objetivem melhora do controle motor seletivo (i.e., grau de
dorsiflexão), podem elucidar se essa intervenção é realmente capaz de promover
tais alterações.
Parâmetros da marcha
Crianças
que
usaram
esteira
ergométrica
mostraram
melhoras
significativas em alguns parâmetros da marcha. No estudo de Dodd e Foley
(2007)31, houve aumento da velocidade da marcha (p=0,048), já no estudo de
Cherng et al (2007)29 houve um incremento significativo no comprimento do passo
(p=0,023) e uma tendência à diminuição no tempo de duplo apoio (p=0,058). Quanto
a outros parâmetros, como cadência (da marcha) e resistência física, nenhum
achado demonstrou diferenças estatísticas significativas. Era esperado encontrar
melhoras nos parâmetros da marcha, como velocidade e comprimento do passo,
uma vez que foram diretamente trabalhados e mensurados nos estudos citados
acima. Quanto aos outros parâmetros da marcha, nos quais não ocorreram
melhoras significativas, pode ser que esses parâmetros possam vir a apresentar
resultados positivos com o uso da esteira ergométrica em estudos mais controlados,
e com um número de participantes maior.
Chan et al (2004)28 analisaram o quociente de momento de tornozelo
(ankle moment quocient - AMQ) e quociente de potência de tornozelo (ankle power
quocient - APQ), e não encontraram resultados significativos ao longo do tratamento.
Na análise do APQ foi verificado diferenças significativas entre os grupos controle e
experimental depois da segunda semana do início do uso da esteira ergométrica
(p=0,015) e no efeito acumulativo, após quatro semanas do início da intervenção
(p=0,037), o que os autores explicaram como diferenças entre os grupos desde o
início do tratamento, já que o grupo NMES + esteira tinha valores de APQ maiores
27 na linha de base do que o grupo que recebeu apenas esteira como intervenção.
Desta forma, apesar desta diferença ter ocorrido, sugerindo que a houve diferenças
entre os grupos, os autores não deixam claro qual dos dois grupos teve maior
vantagem por conta da redução do APQ, que significa uma melhora na geração e
absorção de potência pelo tornozelo. Nos dois grupos investigados neste estudo
(grupo esteira ergométrica + NMES; grupo esteira ergométrica) foram detectados
resultados semelhantes, não sendo notadas diferenças significativas entre os tipos
de intervenção e nem mudanças significativas nestas variáveis mensuradas.
Demonstrando assim que o grupo controle, que só usou a esteira ergométrica como
intervenção, teve o mesmo efeito do que o grupo experimental, que utilizou esteira
ergométrica associada à neuro-estimulação elétrica (NMES). No entanto, os autores
não relatam de forma adequada se houve melhora significativa no grupo que só
utilizou a esteira do início da intervenção para o fim, ou seja, não se pode afirmar
que houve melhora dos parâmetros cinéticos da marcha mensurados neste estudo
com o uso da esteira. Assim sendo, pode-se concluir apenas, que o uso da esteira
ergométrica é uma intervenção tão eficaz quanto o NMES associado a ela.
Função Motora Grossa
O único desfecho no domínio da atividade da CIF investigado nos estudos
revisados neste estudo foi a Função Motora Grossa. Em dois dos artigos28,29 a
função motora grossa foi avaliada e foram encontrados aumentos significativos nas
dimensões D e E do GMFM, que representam atividades na postura de pé, andando,
correndo e pulando. A melhora nessas duas dimensões era esperada, uma vez que
as duas apresentam atividades de mobilidade semelhantes às da marcha37. Já as
dimensões A, B e C, que representam atividades nas posturas deitado e rolando,
sentado, e engatinhando e ajoelhado não foram mensuradas, pois provavelmente as
crianças dos estudos, por já apresentarem marcha independente ou com apoio, já
possuíam escore máximo em cada uma delas ou por não serem medidas de
desfechos de interesse desses estudos
28 b)
Que evidências existem sobre os efeitos da intervenção em outros
componentes da CIF?
Não foram verificados nos estudos revisados instrumentos de mensuração
que permitissem a avaliação dos efeitos do uso da esteira ergométrica nos domínios
de participação e fatores contextuais da CIF. Os estudos da área de reabilitação, até
os dias de hoje, demonstram uma dificuldade em avaliar os efeitos de uma
determinada intervenção nos domínios de participação e nos fatores do contexto de
acordo com a CIF38. A melhora da marcha de uma criança alcançada com o treino
de caminhada na esteira em ambiente ambulatorial não implica diretamente em
melhoras na participação dessa criança em outro ambiente, como, por exemplo,
ambiente escolar. Ainda são necessários mais estudos que investiguem os efeitos
do treino de marcha com esteira ergométrica nestes domínios da CIF.
c) Que outras evidências existem que integram os resultados entre estes
componentes
(i.e.,
quais
os
efeitos,
se
existem,
se
integram
automaticamente)?
A partir da análise dos estudos observa-se que o acoplamento das
evidências entre todos os componentes da CIF é limitado pelo fato dos estudos não
apresentarem avaliação dos domínios de participação e fatores contextuais. Além
disso, apesar dos estudos de Chan et al (2004)28 e Cherng et al (2007)29 terem
encontrados diferenças significativas tanto nos componentes de estrutura e função
como nos de atividade, há uma limitação na associação desses domínios. A melhora
do GMFM não apresenta uma relação linear com a melhora nos parâmetros de
marcha, porque o bom desempenho nas dimensões do GMFM envolve outros
fatores como, por exemplo, equilíbrio, coordenação motora e força muscular.
d) Que tipos de complicações e quais as magnitudes destes foram
documentados?
Nos artigos revisados, as crianças toleraram bem os programas de
tratamento propostos com o uso da esteira ergométrica, não sendo citado nenhum
29 efeito adverso ou complicações que levassem a descontinuidade do tratamento ou a
danos físicos. Além disso, medidas de segurança foram adotadas para a prática
desses protocolos como: botão de emergência da esteira; número de facilitadores
durante o treino; o uso do próprio suporte; e respeito aos limites de resistência física
da criança.
e) Qual a força da intervenção? (Qualidade da evidência)
Embora tenham sido encontrados oito estudos, apenas três apresentaram
maior validade científica (nível de evidência II e III)28,29,31. Apesar dos estudos serem
melhor planejados, dois dos estudos28,29 são experimentais de caso único, não
possuindo assim grupo controle. O único estudo controlado, randomizado e com
cálculo de poder estatístico foi o de Dodd e Foley (2007)31. Há importantes
limitações nesses estudos28,29,31, como: amostras pequenas e de conveniência,
ausência de randomização dos grupos, programa de intervenção individualizado e
falta de cálculo de tamanho de efeito e de poder estatístico nos dois estudos
experimentais de caso-único28,29. No entanto, mesmo com a presença dessas
limitações, podemos dizer que essa intervenção foi capaz de produzir efeitos
benéficos para crianças com PC, constituindo, assim, uma ferramenta de tratamento
importante com amplo potencial de ação sobre diversos aspectos da marcha dessas
crianças.
A generalização dos resultados de todos os estudos analisados nesse
artigo é limitada devido à diversidade dos mesmos. Há diferenças nas
características dos programas de intervenção adotados, como duração total,
freqüência de tratamento, tempo da sessão, velocidade da esteira e porcentagem de
peso corporal sustentado. Além disso, há também uma grande variedade quanto ao
número de participantes, faixa etária, classificação do tipo de PC, gravidade do
quadro clínico, classificação no Gross Motor Functional Classification System
(GMFCS)39,40 e medidas utilizadas para comparação entre pré e pós-tratamento.
Logo, fica difícil a generalização dos desfechos encontrados e a associação desses
com o uso exclusivamente da esteira ergométrica. Além disso, a falta de grupo
controle, verificada em cinco dos estudos27,30,32-34, e a continuação da fisioterapia
30 convencional durante o treino na esteira em quase todos os estudos revisados neste
artigo27,29-31,34 são fatores que corroboram com essa dificuldade.
Conforme visto anteriormente, apenas três artigos encontrados tiveram um
nível de evidência menor ou igual a três, apresentando assim melhor validade
científica. Dos demais artigos encontrados, três são classificados como quasiexperimental27,33,34. Apesar desses não apresentarem nível de evidência com grande
rigor científico, estes estudos são importantes, pois são os que demonstram maior
proximidade com a prática clínica e são considerados protótipos de estudos
experimentais. Os dois estudos de caso30,32 classificados como nível V não nos
permitem generalizações, no entanto, são estudos louváveis para a prática clínica,
pois retratam fielmente o que foi realizado durante a intervenção de acordo com as
características específicas de cada participante. Além disso, esses trabalhos
apontam caminhos para realização de novas pesquisas.
Após a análise de todos os estudos revisados neste artigo, é possível
afirmar que o uso da esteira ergométrica é uma intervenção promissora para
crianças com PC. No entanto, mais pesquisas são necessárias para determinar
quais crianças são mais aptas e responsivas a esse tipo de intervenção. É
importante também a realização de novos estudos controlados e randomizados que
permitam elucidar a intensidade adequada e a duração mínima necessária para
protocolos de intervenção para que estes sejam realmente eficazes.
Outras
perguntas que ainda devem ser respondidas em pesquisas futuras são: (1) qual a
intensidade ideal de treinamento na esteira?; (2) qual a porcentagem de peso
corporal que deve ser sustentada?; (3) se há necessidade de terapeutas
facilitadores, e quantos são necessários? (4) quais os outros benefícios que podem
ser alcançados com a esteira (i.e, aumento da densidade óssea, melhor autoestima) para essas crianças?. Com as respostas destas perguntas poder-se-á
concluir o que é realmente fundamental para a promoção de mudanças funcionais
significativas na marcha de crianças com PC. Além disso, o ato da prática do andar
na clínica terapêutica parece ter grande influência na adesão dos pais ao tratamento
de fisioterapia, na melhora da auto-estima das crianças e outras possíveis
vantagens secundárias que ainda não foram mensuradas.
31 CONCLUSÃO
Implicações para a prática:
Existem evidências para apoiar o uso de esteira ergométrica em crianças
com paralisia cerebral. Nos estudos revisados neste artigo foram encontradas
melhoras significativas na velocidade da marcha31, no comprimento do passo29 e no
GMFM escores D e E28,29. A esteira ergométrica é um instrumento que vem sendo
usado na prática clínica, porém a decisão quanto à forma para o seu uso torna-se
prejudicada, devido a falta de um protocolo específico. Nenhum dos estudos
revisados sugere parâmetros para a definição de um protocolo de intervenção único,
sendo que apenas um deles é experimental controlado e randomizado31. Porém, é
importante ressaltar que nenhum efeito adverso foi relatado nestes estudos durante
o treinamento na esteira.
Implicações para a pesquisa:
As melhoras significativas encontradas nesses estudos28,29,31 devem ser
consideradas. Porém, o número de estudos que investigaram os efeitos da esteira
ergométrica é limitado, o que dificulta uma conclusão definitiva sobre essa
intervenção em crianças com paralisia cerebral. São necessários novos estudos
controlados, randomizados, e com amostras maiores para melhorar a força das
evidências sobre os efeitos da esteira. Além disso, os estudos futuros nesta área
poderão documentar de forma mais apropriada os efeitos positivos e adversos do
tratamento se o acompanhamento dos participantes for a longo prazo (i.e., followup). Também faz-se necessário que a investigação não seja apenas nos domínio de
estrutura e função do corpo e atividade, mas também nos outros componentes da
CIF.
32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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36 ANEXOS
ANEXO A: METODOLOGIA UTILIZADA PARA ELABORAÇÃO DE REVISÕES
SISTEMÁTICAS SEGUNDO A AACPDM
66
ANEXO B: ARTIGOS SELECIONADOS PARA ESTA REVISÃO SISTEMÁTICA
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Danielle Teles da Cruz Jaqueline Aparecida Ferreira O USO