O CASAMENTO NA FREGUESIA MADRE DE DEUS DE
PORTO ALEGRE: A POPULAÇÃO LIVRE E SUAS
RELAÇÕES MATRIMONIAIS DE 1772-1835 
DENIZE TEREZINHA LEAL FREITAS 
Palavras-chave: Casamento; Porto Alegre; Registros paroquiais; Demografia Histórica
Resumo
A presente comunicação procura investigar as principais características referentes à população
livre que casa na Paróquia Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre entre 17721835. Essa apresentação pretende destacar o papel das escolhas matrimoniais na constituição
populacional porto-alegrense durante o final do século XVIII e meados do século XIX. Por
meio da análise quantitativa dos registros paroquiais de casamentos verificamos aspectos
significativos sobre as relações matrimoniais, tais como: a sazonalidade do evento, índice de
legitimidade dos nubentes, etc. Desta forma, procuramos evidenciar como se deu o processo
de mobilidade através do processo de formação da Freguesia e estabilidade populacional à
medida que a localidade transformava-se em Vila e, posteriormente, na cidade de Porto
Alegre.

Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG –
Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História e bolsista Milton Valente – UNISINOS – São
Leopoldo – RS.
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O CASAMENTO NA FREGUESIA MADRE DE DEUS DE
PORTO ALEGRE: A POPULAÇÃO LIVRE E SUAS
RELAÇÕES MATRIMONIAIS DE 1772-1835 
DENIZE TEREZINHA LEAL FREITAS 
Introdução
O presente estudo pretende analisar as características da população livre que casa em
Porto Alegre entre 1772-1835 compreendendo a importância do casamento, enquanto
sacramento, mas também como um evento civil, sobretudo, devido ao fato dos registros
paroquiais da Igreja Católica até o início do período republicano terem um caráter oficial na
ausência do registro civil, iniciado no final do século XIX. Além disso, as uniões
sacramentadas pelo pároco significavam a partir da institucionalização do casamento, a
criação de uma nova família, e a partir daí, simbolizavam um código de conduta e uma série
de preceitos a serem seguidos antes e depois do ato matrimonial. Segundo VAINFAS (1992)
a sacralização do matrimônio tinha como objetivo ―remediar‖ a incapacidade do celibato e
normatizar as condutas de reprodução.
Neste sentido, procuramos através dos assentos de casamento da localidade responder
como, quando, quem e com quem os noivos e noivas porto-alegrenses contraiam matrimônio.
Sendo assim, a análise realizada tem como base 2.884 assentos de casamentos de casamentos
referentes ao período correspondente à fundação da freguesia (1772) até o ano de 1835
quando teve início a Revolução Farroupilha (1835-1845). Os registros contemplam os atos
matrimoniais celebrados pela Paróquia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre
correspondentes à população livre que opta pelo casamento. Este estudo busca identificar de
que forma o casamento fazia parte do cotidiano da população livre que optava pelo
sacramento, bem como, identificar as diferentes redes sociais traçadas pelos sujeitos a beira
do altar.
1 - O SIGNIDICADO DE CASAR
O casamento tornou-se ao longo do final da Idade Média e durante o período Moderno
um importante veículo encontrado pela Igreja para legitimar as uniões entre homens e
mulheres, conforme revela GUIMARÃES (1999). Para a Igreja Católica o matrimônio se
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Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG –
Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.
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Digite aqui a filiação institucional do(a) primeiro(a) autor(a).
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transformará em um dos mais importantes meios de controle da população cristã. Isto é, ao
transformar-se em sacramento, o matrimônio passou a marcar mais uma etapa na vida dos
fiéis e, sobretudo, permitiu a Igreja influenciar com mais ênfase na vida familiar. Além disso,
conforme BOTELHO (2004) as escolhas matrimoniais variavam-se conforme os tipos de
famílias dos nubentes e do status dos mesmos. Segundo o autor:
O matrimônio é um momento crucial dentro das estratégias de reprodução social. Ao
estabelecer laços entre grupos familiares, ele torna-se o garantidor da perpetuidade de tais
grupos ao mesmo tempo em que amplia as redes sociais dos indivíduos envolvidos. Em razão
dessa sua enorme importância, as decisões em torno da escolha dos nubentes sempre recaíram
sobre o grupo familiar mais amplo. Definir o cônjuge de um filho ou uma filha era uma tarefa
decisiva para a família, e não podia ser deixada sob responsabilidade dos jovens. No cálculo
matrimonial entravam diversas variáveis, ligadas sobretudo às possibilidades de manutenção
do status quo ou de ascensão social do grupo.(BOTELHO, 2004, p. 2)
A partir do Concílio de Trento (1543-1563), a Igreja Católica definiu uma postura
mais firme quanto às normas e regras que regiam o mundo católico. Afirmando-se como uma
reação direta a Reforma Religiosa que se expandia pela Europa, foram renovadas e reforçadas
inúmeras questões referentes à formação e atuação eclesiásticas, dentre elas, destaca-se a
sacramentação do matrimônio. Segundo GUIMARÃES (1999), o casamento passou por
algumas transformações:
A renovação do matrimônio feita pelo Concílio de Trento passou pela instituição deste
acto como um sacramento religioso. E foi esta sacralização do casamento que o tornou acto e
assunto exclusivo da competência eclesiástica. Porque se tratava de um sacramento, foram
definidas as regras de sua ministração (GUIMARÃES, 1999, p. 56)
Com isso, a legislação matrimonial constituída e normatizada pelo Concílio de Trento
estabeleceu uma série de preceitos a serem rigorosamente seguidos pelos párocos, nubentes e
testemunhas do casamento, sob pena de excomunhão (na maioria dos casos, e/ou degredo da
localidade). Segundo GUIMARÃES (1999), dentre as regras indispensáveis para a realização
e validade do casamento, destacam-se: a obrigatoriedade da presença do pároco e, não menos,
que duas ou três testemunhas, as denunciações ou banhos, o reforço do consentimento
paterno, o consentimento mútuo dos contraentes, a disciplina do clero, a obrigatoriedade da
abertura de um livro de registros dos matrimônios e a delimitação dos tipos de impedimentos.
Segundo VAINFAS (1992), as questões envolvendo as uniões estáveis e instáveis
estão em debate desde o mundo romano, isto é, desde as origens da cristandade. Conforme o
autor enfatiza, o casamento servirá como uma espécie de ―remediação‖ para todos aqueles
que não conseguissem manter-se no estado entendido como o mais próximo de Deus, ou seja,
a castidade, ou melhor, a incorrupção carnal do corpo. Todavia, para além das demandas
teológicas, o casamento irá adquirir um papel de destaque na atuação da Igreja durante o
período Moderno. Conforme GHIRARDI (2004) o matrimônio tornar-se-á um dos principais
meios da Igreja conhecer e influenciar nas vidas familiares. Para GHIRARDI (2004) os
sistemas implantados na América Espanhola tornam-se bastante equivalentes aos encontrados
na América Portuguesa, pois salienta que o matrimônio e as famílias são elementos ímpares
para a organização e construção da ordem social.
Para FIGUEIREDO (1997) com a valorização dos sacramentos e a expansão do
cristianismo aliados aos interesses do Império luso, constituíram o cenário da atuação do
denominado Padroado na América Portuguesa. À medida que intensificava-se a mão da Igreja
3
na formação das Freguesias e Vilas ao longo do território tupiniquim, concomitantemente,
estendiam-se os interesses de colonização e expansão das áreas meridionais por parte da
Coroa Portuguesa. Além disso, a ordenamento das populações sob a organização eclesiástica
beneficiava o controle da população por parte do Império, pois esses párocos mais do que
representantes religiosos, atuavam como, para e conforme determinações do D’El Rei.
2 - QUANDO CASAVAM OS FREGUESES DA MADRE DE DEUS DE PORTO
ALEGRE?
Para NADALIN (2004) os deslocamentos migratórios impulsionam momentos de
mobilidade geográfica de acordo com as necessidades individuais e/ou coletivas de cada
grupo populacional que visa, em grande medida, deslocarem-se em função de áreas que
apresentem maiores possibilidades de melhores condições econômicas, sociais e/ou políticas
e, posteriormente há o processo inverso, isto é, a estabilidade, no qual à medida que pessoas
vão adaptando-se as novas localidades a conseqüentemente a fixação dos mesmos.
Observando o gráfico abaixo se pode constatar que houve um aumento considerável
no número de casamentos por décadas. Desta forma, podemos constatar que os casamentos
aumentam em função do próprio crescimento e desenvolvimento da localidade, isto é, as
gerações seguintes tendem a multiplicar-se, somando ainda, evidentemente, as novas ondas
migratórias que vem compor o quadro populacional da Província. Com isso, entendemos que
ao longo das primeiras décadas do século XIX a população porto-alegrense tende a
estabilizar-se conforme vão sobrepondo-se as gerações subseqüentes ao período de formação
da localidade.
Tabela 1: Distribuição dos casamentos entre 1772-1835
Distribuição de Casamento por décadas
N°
%
1772-1779
94
3%
1780-1789
162
6%
1790-1799
284
10%
1800-1809
488
17%
1810-1819
498
17%
1820- 1829
772
27%
1830-1835
586
20%
4
Total
2884 100%
Fontes: Registros Paroquiais da Freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre
(1772-1835)
3 - A SAZONALIDADE DOS CASAMENTOS
De acordo com o Capítulo X, Sessão 24 do Concílio Tridentino é proibido a realização
de matrimônio durante os ditos ―tempos proibidos‖, isto é, os períodos correspondentes à
quaresma e ao advento. Segundo as normativas do concílio deveriam ser evitadas as
celebrações de casamento desde a quarta-feira de cinzas até o oitavo domingo de Páscoa e,
durante o período do advento, isto é, correspondente as quatro semanas que antecedem o
natal. Vale salientar que segundo as normativas, o matrimônio é ―cousa santa e se deve tratar
santamente‖ (p.27), portanto podemos constatar que a sacralização do matrimônio buscava
atender ao emprego do que estava previsto nas normativas e, principalmente, da ritualização
do casamento. Todavia, por mais que a Igreja buscasse a plenitude da aplicação das
normativas, as adaptações e remediações a realidade luso-brasileira flexibilizaram muito as
normativas, tornando nem sempre a prática um reflexo da teoria. As exceções praticadas
tornam-se bons exemplos, pois encontramos casamentos nos quais os nubentes contraem
matrimônio, porém não recebem as bênçãos. Segundo ANDREAZZA (2009), outros fatores
interfeririam na escolha da data de casamento, para além da época da Quaresma e do advento
e/ou outros interditos religiosos para a autora:
No que se refere à celebração das núpcias, a legislação matrimonial não interditou
qualquer data. Portanto, a distribuição desigual dos casamentos ao longo do ano não se
associa a questões canônicas que fundamentam o consórcio conjugal, devendo-se, assim,
apenas ao seu calendário litúrgico, para o qual a instituição recomenda respeito. Dentre os
autores que ocupam com essa questão, François Lebrun é um dos poucos que menciona que o
direito matrimonial clássico teria proibido casamentos em tempos feriarum, qual seja, no
Advendo e na Quaresma, considerados períodos de mortificações e, portanto, inadequados aos
festejos que tradicionalmente acompanham as bodas.(ANDREAZZA, 2009, 144 p.)
Gráfico 1: Distribuição dos casamentos por mês
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de
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ou
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l
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n
o
il
m
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v
jan
100%
80%
60%
40%
20%
0%
-20%
-40%
-60%
-80%
-100%
Fontes: Registros Paroquiais da Freguesia N. Sra. Madre de Deus de Porto Alegre (17721835)
Observando o gráfico correspondente à distribuição de casamentos por mês pode-se
identificar que a população livre que contraia matrimônio procura atuar de acordo com os
interditos religiosos. Quanto aos casamentos realizados durante os ditos ―tempos proibidos‖ o
pároco salienta que os contraentes não receberam as bênçãos.
Assim a partir do gráfico acima podemos constatar que os casamentos realizados em
Porto Alegre ascendem consideravelmente de abril até novembro onde observamos a maior
concentração de casamentos. Durante os meses de dezembro e março a um declive no número
de casamentos, voltando apenas a elevar-se sutilmente no mês de fevereiro. É interessante
salientar que a estratégia do pároco e dos contraentes porto-alegrenses é optar pelos
casamentos no período anterior ao advento e/ou retardar as celebrações para o período
posterior a quaresma, isto é, a partir de abril. Além disso, devemos levar em consideração a
própria distribuição das atividades econômicas que ocorrem na localidade, tais como: período
da colheita, atividades comerciais, etc. que possam interferir diretamente no calendário
matrimonial influenciando na decisão do casamento muito mais do que o próprio calendário
de interditos religiosos.
Comparando a distribuição de casamentos por mês para outras regiões percebemos
que este comportamento também é equivalente para outras regiões. Para a Capitania das
Minas Gerais, LOTT (2008) a partir de seus estudos referentes à Freguesia Nossa Senhora do
Pilar de Ouro Preto entre o período de 1804-1839, destaca que a concentração dos casamentos
na localidade ocorre durante o mês de fevereiro, isto é, a estratégia dos fregueses de Ouro
Preto era optar pelos casamentos entre os interditos religiosos, isto é, caso as celebrações não
pudessem ocorrer durante os outros meses do ano, os casamentos tendiam a serem celebrados
no mês de fevereiro.
6
No caso de Sorocaba, importante interposto comercial dos tropeiros na Capitania de
São Paulo, os estudos de BACELLAR (2001) apontam que a predominância dos casamentos
em determinadas épocas do ano podem significar para além da obediência do calendário
religioso uma adaptação às atividades produtivas e/ou comerciais. No caso da Vila paulista, o
autor identificou que o acentuado número de casamentos realizados no mês de fevereiro
correspondia ao período e, que se realizavam as feiras comerciais, isto é, representavam uma
oportunidade importante para fazer negócios no âmbito material e imaterial. Segundo
BACELLAR (2001):
Em outras palavras, este era exatamente o início do período de maior abundância de
gêneros de primeira necessidade, momento em que as famílias renovavam seus fôlegos,
concretizavam eventuais negócios com excedentes, e, portanto, estavam mais preparadas para
lançar seus filhos na vida autônoma e para promover as inevitáveis festas nupciais
(BACELLAR, 2001, p. 77).
No caso da Madre de Deus de Porto Alegre podemos através das observações do
viajante Saint-Hilaire que a regimentos das plantações de trigo podem ter sido um dos fatores
a ter contribuído para que os casamentos ocorrerem entre os interditos religiosos, sobretudo,
durante o mês de fevereiro, pois segundo seu relato:
Depois do dia 21 (julho), o minuano cessou; o tempo está bem calmo, o céu sem
nuvens e o termômetro marca de 74° Farenheit ao meio dia. Nesta época, as chuvas caem
geralmente com abundância, e os mais antigos moradores daqui não recordam de seca igual à
deste ano. Ela força os agricultores a adiarem suas semaduras de trigo e as plantações de
laranjeiras, que se fazem normalmente nesta estação. Colhe-se o trigo em dezembro. (SAINTHILAIRE, 2002, p. 32)
4 - COM QUEM CASA OS FREGUESES DA MADRE DE DEUS DE PORTO
ALEGRE?
Dentre as questões que envolvem as uniões matrimoniais destacam-se as escolhas dos
cônjuges, isto é, quais são os arranjos que constituem os laços do casamento entre a população
livre que casa em Porto Alegre. Tendo como objetivo caracterizar os nubentes propomos
analisar quem se casa e com quem se casa na localidade. Portanto, pretendemos identificar
esses sujeitos históricos através da distribuição de matrimônios por estado matrimonial dos
cônjuges, a naturalidade dos contraentes e os tipos de casamentos.
Gráfico 2: Distribuição de Casamentos por Estado Matrimonial dos Nubentes
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Distribuição de Casamentos por Estado Matrimonial dos Nubentes
8% 2%
8%
SOLTEITO + SOLTEIRA
SOLTEIRO + VIÚVA
VIÚVO + SOLTEIRA
VIÚVO + VIÚVA
82%
Fontes: Registros Paroquiais da Freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre
(1772-1835)
Observando o gráfico acima podemos perceber que 82% dos casamentos realizados
eram contraídos por homens e mulheres solteiros e que apenas 18% dos demais matrimônios
davam-se entre viúvos e/ou quando um dos cônjuges já contraíra as primeiras núpcias. Esses
indicadores nos fornecem indícios da importância dada às primeiras núpcias e um baixa
procura na prática das segundas núpcias. Segundo do Concílio de Trento, na sessão XXIV, diz
sobre a Doutrina do Sacramento do Matrimônio a união sacramentada por Cristo ―confirma a
unidade indissolúvel, sanctifica os esposos‖ (D’ALMEIDA, 1900, p.5), isto é, enquanto
sacramento, vale a máxima de que ―o que Deus, pois juntou, não o separa o homem‖
(D’ALMEIDA, 1900, p.5). No entanto assim que o compromisso espiritual fosse terminado
sob pena da morte do primeiro cônjuge e sobre a presença da certidão de óbito do mesmo as
segundas núpcias poderiam ser realizadas, pois conforme as adaptações responsáveis pelas
Constituições Sinodais de D. Sebastião de Matos e Noronha, GUIMARÃES (1999) aponta
que:
As segundas núpcias foram proibidas enquanto um dos cônjuges fosse vivo e aqueles
que o tentassem seriam remetidos para o tribunal da Inquisição por esse comportamento ser
considerado matéria de fé. A ausência prolongada de um dos cônjuges não era motivo válido
e suficiente para a realização de um segundo matrimônio sendo estritamente necessária prova
documental do seu óbito. Considerou-se ser inválido um segundo esponsal sempre que não
tivesse havido a quitação do compromisso assumido com o primeiro. (GUIMARÃES, 1999.
p. 110)
Quanto às segundas núpcias, encontramos nas atas de Porto Alegre a reiteração do
pároco em afirmar o não recebimento das bênçãos, quando a contraente fosse viúva. De
acordo com VAINFAS (1989) o segundo casamento era estigmatizado, seja por questões
econômicas ligadas a distribuição patrimonial entre os filhos, seja por questões direcionadas a
disputa no mercado matrimonial. Embora não seja mencionada a idade dos contraentes, podese constatar que a procura pelo casamento dava-se entre solteiros e solteiros, isto é, o que nos
8
remete a ligação do casamento com a formação de novos núcleos familiares. Por isso,
GHIRARDI (2004) compreende o matrimônio como um importante veículo de controle
familiar, pois:
El matrimonio religioso constituía, tanto para la Iglesia como para el Estado el único
espacio aceptado para la reprodución. Engrendar hijos legítimos, criarlos e educarlos en el
santo temor de Dios constituía el mandato asignado a los cónyuges. De acuerdo a esta
interpretacíon, la sexualidad sólo era posible en le ámbito específico de la relacíon conyugal.
(GHIRARDI, 2004, 63 p.)
Tabela 2: Estado Matrimonial dos nubentes (Porto Alegre - 1772-1835)
Estado Matrimonial
N°
%
Noivas Solteiras
2579
89%
Noivas Viúvas
298
10%
Noivos Solteiros
2586
90%
Noivos Viúvos
305
10%
Total
2884
100%
Fontes: Registros Paroquiais da Freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre
(1772-1835)
Conforme a tabela acima, percebemos que 89% das noivas e 90% dos noivos são
―solteiros, livres e desimpedidos‖ para contrair matrimônio. Sendo assim, podemos constatar
que o matrimônio atua como um importante agente que viabiliza a formação de novos elos
familiares. Para regiões como Porto Alegre, o casamento desde o início da Freguesia tornarse-ia um veículo de povoamento, posteriormente ao longo do século XIX, se transformaria
num vasto e complexo eixo das mais distintas constituições famílias das mais diferentes redes
sociais. Considerando que um dos fundamentos do sacramento matrimonial é a procriação, o
incentivo a formação de novos casais, isto é, casamentos entre nubentes solteiros,
transformar-se-ia ao longo do século XIX numa prática recorrente.
Portanto podemos apontar dois fatores que contribuem para que os casamentos em sua
grande maioria sejam realizados entre nubentes solteiros, isto é, o estímulo dado pela Igreja
em sacramentar as uniões e controlar a população cristã e o recebimento das bênçãos.
Segundo LOTT (2008) o casamento entre viúvos e/ou viúvos(as) com solteiras(os) eram
vistos com ―maus olhos‖ pela Igreja, tanto que no caso de casamentos entre viúvas e solteiros
e/ou viúvos, o pároco não concedia as bênçãos.
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5 - QUEM CASA NA FREGUESIA MADRE DE DEUS DE PORTO ALEGRE?
Os registros paroquiais de casamento apresentam uma série de informações, pelas
quais, podemos caracterizar a população livre que casou entre 1772 a 1835. Durante este
período podemos perceber dois grandes movimentos migratórios que irão interferir
diretamente nas características da população livre casadoura e nas suas respectivas escolhas
matrimoniais. O primeiro grande fluxo migratório dá-se com a vinda da população lusobrasileira que corresponde ao momento de formação da freguesia, posteriormente, a partir de
1824, temos a segunda onda migratória relacionada a política de estimulo a migração de
homens e mulheres européias de origem germânica. Sendo assim, pretendemos caracterizar
essas noivas e noivos que casaram em Porto Alegre através do índice de legitimidade dos
nubentes, condição sócio-jurídica, naturalidade e ocupação. Através dessas informações
disponíveis nos assentos de casamento procuraremos apresentar ao leitor quem casa em Porto
Alegre durante o período de transição do século XVIII para o século XIX.
6 - ÍNDICE DE LEGITIMIDADE
O casamento exerce um papel fundamental na tentativa de organização do mundo
cristão e serve, muitas vezes, de extensão do braço eclesiástico na formação e manutenção das
famílias. Entretanto, a ascensão ao matrimônio nem sempre se tornou uma opção unânime
entre a população. Compreendendo o conceito de família como ―célula constitutiva de todo
ente social, como fuente esencial de la socialización de los indivíduos, y como motor
propulsor de las iniciativas individuales‖ (p.13), conforme MORENO (2004) aponta e
seguindo as conclusões de FARIA (1998) referentes a pluralização do conceito de família
para a realidade brasileira, podemos constatar que o matrimônio e a emergência da familiar
nuclear nem sempre tornou-se um padrão correspondente a realidade das populações lusobrasileiras.
Mas como identificar a parcela da população livre que não optou e/ou não conseguira
acender ao altar a partir das atas de registros matrimoniais? A resposta encontra-se no fato do
pároco identificar entre os nubentes a sua filiação e obviamente, indicar aqueles que são frutos
de relações ilícitas, isto é, os ilegítimos – filhos de relações carnais fora dos laços
sacramentais do casamento. Todavia alertamos que o cruzamento com os dados referentes às
atas de batismo torna esse trabalho ainda mais enriquecedor e talvez possibilitem mostrar com
maior clareza a quantidade de ilegítimos, e por conseqüência, a importância das uniões não
sacramentadas pela Igreja.
Com isso, através do índice de legitimidade podemos observar que o caminho até o
altar não fazia parte da realidade de todos. Além disso, temos que levar em consideração a
posição e as influências sociais, políticas e econômicas que colocavam os sujeitos com
intenção de se casar em uma posição favorável e/ou desfavorável para contrair os votos de
casamento. Sendo assim, a disposição dos interessados em casar no mercado matrimonial era
fundamental. Por exemplo, GOLDSCHIMIDT (1986) salienta que no caso de casamento entre
mulheres pobres com escravos poderiam significar uma importante estratégia de
sobrevivência e de ―amparo material‖. Já FARIA (1998) salienta que mulheres mães solteiras
10
adquiriam um status inferior no mercado matrimonial, entretanto, com o passar do tempo,
conforme suas proles iam crescendo a expectativas de casamento ia gradativamente
aumentando, pois para as populações rurais, os filhos simbolizavam um importante veículo de
mão de obra no sustento familiar.
Vale salientar que concomitantemente ao temor contra as pressões eclesiásticas e a
eminência do castigo eterno, pelas quais, poderiam estimular a legitimidade das uniões, outros
obstáculos e dificuldades ao acesso ao casamento também atuaram em favor das relações
ilícitas. Segundo BASSANEZI (1994):
As dificuldades impostas pela burocracia e exigências da Igreja e as altas taxas
cobradas pelos processos de dispensa e realização das cerimônias matrimoniais, a ausência ou
displicência do clero e a situação de grande mobilidade populacional são apontadas como
responsáveis pelo volume de uniões consensuais existentes. (BASSANEZI, 1994, p.383).
Gráfico 3: Índice de Legitimidade: noivos e noivas
Índice de Legitimidade: noivos e noivas
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
77%
73%
Noivo
17%18%
6% 9%
ILEGÍTIMOS
LEGÍTIMOS
Noiva
NÃO
DECLARADOS
Fontes: Registros Paroquiais da Freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre
(1772-1835)
De acordo com o gráfico acima podemos observar que aproximadamente 80% dos
nubentes são legítimos, isto é, são frutos de relações lícitas, enquanto cerca de 20% dos
contraentes compõe a parcela dos ilegítimos, o que nos permite constatar que 1/5 dos
casamentos correspondem a noivos e/ou noivas ilegítimas, isto é, que nasceram de uniões não
consagradas pela Igreja. Esses indicadores nos mostram que a prática do casamento dá-se
muito mais na esfera da disponibilidade dos sujeitos perante o mercado matrimonial e que, a
ilegitimidade não se apresenta como um obstáculo para aqueles que pretendem contrair
matrimônio. Além disso, SCOTT (1999) conclui que:
11
Enquanto as instituições dominantes procuravam ―domesticar‖ a família e a vida
familiar, fazendo com que elas transcorressem sob a égide das tradições consagradas a partir
do Concílio de Trento, e cumprissem o seu papel de gerar bons cidadãos através do
matrimônio, como pretendiam os moralistas, as condições efectivas em que viviam algumas
populações tornavam virtualmente impossível que todos alcançassem aqueles ideais de vida
familiar, baseados nos laços do sagrado matrimônio tal como era instituído nas diversas
constituições sinodais que vigoravam no Arcebispado de Braga no período pós-tridentino.
(SCOTT, 1999, p. 399)
Além disso, a ilegitimidade nestes casos vem reafirmar que o casamento não era a
única via de acesso a vida conjugal. No entanto, a busca pelo matrimônio por filhos oriundos
de relações fora do sacramento do matrimônio indicam que a Igreja buscou atuar no sentido
de tornar o matrimônio o principal veículo de acesso a formação de novos núcleos familiares.
Parafraseando PRAXEDES (2004) ―a condição de nascimento, a cor e os privilégios
definiam, posicionavam e distinguiam os indivíduos‖ (PRAXEDES, 2004, p. 2), não obstante,
como o próprio autor enfatiza essas ―marcas‖ serão registradas nos documentos,
principalmente, nas de cunho eclesiástico.
Conforme SOCOLOW (2005) afirma não podemos compreender o casamento como
única via de acesso ao relacionamento das pessoas. Segundo a autora a ilegitimidade é o
principal indicador de o casamento é uma variável social, isto é, opta-se pelo casamento
dependendo as condições sociais, políticas, culturais e econômicas são relativizadas a
viabilidade de casar. No entanto, a autora indica que isso não fornecia impedimento para
outros relacionamentos dentro ou fora dos laços matrimonias. Conforme a autora:
Relativamente poça gente se casaba, pero esto no significaba que muchos adultos se
mantivieran castos. La frecuente manisfestacíon de uniones consensuales, ―matrimonios‖ que
podían durar desde algunos meses hasta varios años, es en parte responsable por los altos
índices de ilegitimidad encontrado a lo largo de la América Latina Colonial (SOCOLOW,
2005, p. 32)
7 - OS CASAMENTOS MISTOS
A dinâmica entre a prática e a teoria no campo da legislação canônica e da Doutrina
Católica já evidenciam que as demandas sociais, políticas, econômicas e temporais
influenciam diretamente os usos e costumes dos sujeitos. De acordo com PRAXEDES (2004)
existe uma ―tensão dinâmica‖, isto é, existe uma ação pendular que move estratégias ora a
favor, ora contra as leis em benefício próprio. Desta forma, os casamentos mistos nos são
reveladores do ponto de vista social, pois nos permitem entender quais os mecanismos, os
caminhos e as estratégias tecidas pelos nubentes ao escolherem seus respectivos cônjuges.
Por tratar-se de livros destinados ao registro da população livre de Porto Alegre,
naturalmente encontramos apenas a denominação da cor para os nubentes que são forros e/ou
escravos que se casam com livres e/ou libertos. Sendo assim, criamos a categoria
―indeterminados‖ para indicar àqueles indivíduos que não são indicadas a ―cor‖. Sendo assim,
podemos perceber que o padre apenas indica a cor quando seguida da condição jurídica dos
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nubentes, por exemplo: ―pardo forro‖, isto é, essas características demarcam um lócus social,
pelo qual, aquele noivo e/ou noiva pertencem. De acordo com MACHADO (2002):
O Brasil escravista pode evidentemente ser caracterizado como um meio social
profundamente hierarquizado — pois que se constituiu, em sua essência, a partir da
diferenciação entre livres e escravos. Por uma combinação de nascimento, raça e
condição socioeconômica, contudo, essa hierarquia comportava, entre o seu topo —
onde predominava a população branca de cabedais, nascida em Portugal — e a sua
base — onde estava à população de escravos africanos —, uma infinidade de
categorias intermediárias historicamente construídas, as quais são o mais contundente
testemunho da complexidade das relações que envolviam livres e escravos, e de que as
categorias "livre" e "escravo" eram (e precisavam ser) a todo momento redefinidas.
(MACHADO, 2002, p.18-19)
Portanto, estudar a dinâmica das escolhas matrimoniais permite-nos verificar quais
foram as possíveis demandas individuais e/ou coletivas, sociais, culturais, econômicas e
sociais que determinaram as circunstâncias das escolhas matrimoniais. Para São Paulo
Colonial, o trabalho clássico de SILVA (1984) mostrou que a sociedade de tipo hierárquica do
Antigo Regime influenciou diretamente as uniões matrimoniais de casamento. O ―princípio da
igualdade‖, segundo a autora foi determinante para definir as posições no mercado
matrimonial segundo o ―cabedal‖ dos noivos e/ou o dote para as noivas, isto é, uma
importante estratégias dos grupos abastados para preservar e/ou aumentar seu patrimônio
material era garantir um ―bom casamento‖ para seus herdeiros o que significava a formação
de uniões intra-grupo. Para MACHADO (2002) as escolhas matrimoniais e o próprio status
dos nubentes pertencentes às camadas populares e/ou escravas serão distintas e múltiplas
atendendo a diferentes períodos da vida dos sujeitos.
De acordo com a autora:
Em primeiro lugar destaque-se que, nesse meio social onde mesmo os indivíduos mais bem
posicionados são senhores de poucos escravos, casar seus cativos com pessoas livres podia
realmente ser uma das muitas estratégias possíveis para arregimentar mão-de-obra. Da mesma
forma, unir-se a um escravo poderia ser uma das opções para o indivíduo livre sem eira nem
beira garantir sua sobrevivência. (MACHADO, 2002, p. 19)
Gráfico 4: Distribuição de Casamentos por denominação da Cor
13
Distribuição de Casamentos por denominação da Cor
Indeterminados (as) &
Não/Declarados (as); 24%
Indeterminados
Negros
Pardos
Não/Declarados
Indeterminados (as) &
Pardos(as); 5%
Indeterminados (as) &
Negros (as); 5%
Indeterminados (as)&
Indeterminados (as); 66%
Fontes: Registros Paroquiais da Freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre
(1772-1835)
Observando o gráfico acima podemos perceber que 66% dos casamentos são entre
nubentes de cor ―indeterminada‖, isto é, possivelmente sujeitos ―brancos‖, pelos quais, o
pároco não determinou a cor. Podemos destacar que esse número elevado de casamentos entre
indeterminados indica que a maior parcela das atas matrimoniais do livro pode vir a
corresponder há uma população branca, na qual, o vigário supôs não ser necessária
denominação, provavelmente devido ao status e aos condicionantes políticos, jurídicos,
sociais, culturais e/ou econômico dos nubentes. Do total, temos 10% desta população livre nas
quais os nubentes são identificados como pardos e/ou negros livres e/ou libertos e 24% não
declarados a cor, tais indicativos nos permitem salientar que as identidades sociais e étnicas
dos indivíduos eram fluidas, ou seja, alternavam-se conforme as suas capacidades de ascender
e/ou declinar socialmente. Isto é, a cor define, muitas vezes, o status social dos nubentes e
não, propriamente, o fenótipo dos mesmos. Por isso, MACHADO (2002) enfatiza a
necessidade de perceber as estratégias matrimoniais para além da prática do ―princípio da
igualdade‖ normalmente adotada pelas elites luso-brasileiras, pois:
Nesse intento, reputo como especialmente estratégica a atenção ao casamento e ao
concubinato entre "desiguais", pois que, no Brasil escravista e tridentino, são atos a partir dos
quais se inscreve nos indivíduos algumas das principais marcas de distinção: de legítimo ou
ilegítimo, de mestiço (em suas diversas e também hierarquizadas combinações) e de livre ou
escravo. (MACHADO, 2002, p. 19)
Tabela 3: Índice de Legitimidade por Arranjos Matrimoniais
Noivo + Noiva
N°
14
%
ILEGÍTIMO + ILEGÍTIMA
49
2%
ILEGÍTIMO + LEGÍTIMA
88
3%
ILEGÍTIMO + NÃO DECLARADA
18
1%
LEGÍTIMO + ILEGÍTIMA
193
7%
LEGÍTIMO + LEGÍTIMA
1802
62%
LEGÍTIMO + NÃO DECLARADA
241
8%
NÃO DECLARADO + ILEGÍTIMA
24
1%
NÃO DECLARADO + LEGÍTIMA
206
7%
NÃO DECLARADO + NÃO DECLARADA
263
9%
TOTAL
2884
100%
Fontes: Registros Paroquiais da Freguesia Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre
(1772-1835)
De acordo com a tabela acima percebemos que mais da metade dos nubentes que
casaram em Porto Alegre são filhos legítimos, ou seja, oriundos de relações lícitas, segundo
as normativas da Igreja. Destes 62% dos arranjos matrimoniais dão-se entre nubentes
legítimos o que nos fornecem indicadores de que há um estímulo a construção de novas
uniões sacramentadas por parte de eixos familiares formadas por casais que sacramentaram
perante a Igreja suas uniões conjugais. Entretanto o acesso ao matrimônio também se estendia
àqueles cujos laços familiares não correspondiam a uma família nuclear.
Segundo LOTT (2008) o Catecismo Tridentino previa como premissas para a
concretização do matrimônio dever: ―ser contraído entre pessoas legítimas, ter o
consentimento expresso pelos nubentes, ser consumado com a união física e formar um
vínculo indissolúvel‖ (LOTT, 2008, p. 72); entretanto na prática a Igreja Católica procurou
estimular o acesso ao matrimônio, muitas vezes fazendo concessões a muitos tipos de
impedimentos. Isto se deve ao fato do objetivo central da Igreja ser o de regulamentar a vida
cristã das populações, mas pra alcançar tal missão muitas questões elaboradas pelas Doutrinas
Eclesiásticas, como as próprias denominações das Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia tiveram que ser flexibilizadas e/ou moldadas a partir da realidade encontradas nos mais
distintos recantos dos domínios lusitanos.
Não obstante, dentre as combinações de casamento encontramos 14% das uniões,
pelas quais, pelo menos um dos contraentes é ilegítimo. Esse dado nos permite enfatizar que o
acesso ao casamento apesar de expandido pela flexibilidade das normativas eclesiásticas por
parte dos párocos não correspondiam a totalidade da população. Além disso, em meados do
século XIX são identificados muitos casais que contraem matrimônio e legitimam seus filhos,
isto é, são resultados de uniões pré-nupciais, ou seja, existentes antes do casamento, nas quais,
o pároco enumera os filhos oriundos desta relação conjugal pré-sacramento e legitima os
15
nascidos desta relação. Como por exemplo, o caso de Jerônimo Francisco Vargas, viúvo de
Vicência Maria Conceição que contraiu matrimônio com Maria Francisca Oliveira, viúva de
Antero Jozé Pinto no dia 21 de dezembro de 1825 e ―os quais declararão os contrahentes que
por este matrimônio subseqüente legitimarão; e queirão que legitimados ficasem os seis filhos
de ambos havidos de nomes Tristão, Constança, Maria, Clara, Cândida e Ana‖ (3° Livro de
Casamento, folha 131 v.).
Além disso, não podemos ignorar que o concubinato foi por muito tempo um dos
principais veículos de acesso a reprodução desde a vinda dos primeiros desbravadores das
terras do Novo Mundo. A ausência de mulheres européias e a falta de estrutura eclesiástica
dificultaram por muito tempo a regulamentação das uniões. Com isso, podemos perceber que
o impacto da prática do casamento já desde os primórdios da colonização tornou-se um
desafio, tanto para o Estado, quando para a Igreja, perante a realidade encontrada na América
Portuguesa.
8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do levantamento inicial das fontes, organização das mesmas e, posterior
análise esperamos ter apresentado ao leitor uma demonstração de que estamos aos poucos
redesenhando algumas considerações a respeito da História de Porto Alegre. Diante da análise
realizada até então podemos perceber que Porto Alegre é muito mais do que uma simples
cidade construída a partir da colonização açoriana, mas sim é um local de importante fluxo
populacional das mais diversas regiões da América e do exterior. Além disso, podemos
perceber que é complicado obter uma conclusão a respeito das características rurais e urbanas
da localidade durante a transição do século XVIII e XIX, devido principalmente, ao acentuado
volume de transformações ocorridas em pouco tempo.
Quanto ao casamento podemos perceber que se por um lado seu acesso não era
exclusividade de toda população, o matrimônio significou uma importante via de acesso a
construção e/ou afirmação de laços familiares e sociais. De acordo com os resultados
encontrados nos livros de casamentos podemos constatar que a maioria dos nubentes eram
filhos(as) legítimos(as) (70%), casavam-se com cônjuges solteiros(as) (82%) e eram noivos e
noivas solteiros (90%) e optavam por realizar a cerimônia de casamento entre os interditos
religiosos que coincidiam com o final da colheita de trigo ( Janeiro e fevereiro –
aproximadamente há um aumento de 45% dos casamentos realizados neste período).
De modo geral, salientamos ao leitor que pretendemos aprofundar nossa pesquisa a
respeito do papel do casamento e da família no contexto de Porto Alegre e realizarmos a
análise Autos de Justificações Matrimoniais, observando os tipos de impedimentos
matrimoniais e, destes quais os principais encontrados na localidade. Sendo assim, até a
defesa buscamos compreender melhor as possibilidades de análise qualitativa dos registros
matrimoniais cruzando alguns exemplos de atas de casamentos com os respectivos Autos de
Justificativas matrimoniais.
A partir do levantamento inicial das fontes, organização das mesmas e, posterior
análise esperamos ter apresentado ao leitor uma demonstração de que estamos aos poucos
redesenhando algumas considerações a respeito da História de Porto Alegre.. Além disso,
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podemos perceber que é complicado obter uma conclusão a respeito das características rurais
e urbanas da localidade durante a transição do século XVIII e XIX, devido principalmente, ao
acentuado volume de transformações ocorridas em pouco tempo.
9 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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20
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