NOVOS ROTEIROS NA CIDADE MARAVILHOSA: O TURISMO NA FAVELA DA ROCINHA Prof. Dr. Gerônimo Leitão Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense Helena Araujo Bolsista de Iniciação Científica da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense André Sales Batista Geógrafo 103 CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade Resumo: Este trabalho pretende discutir uma nova faceta do turismo na Cidade do Rio de Janeiro, Brasil: a inserção de favelas cariocas nos roteiros turrísticos. Discutimos neste texto diferentes aspectos dessa atividade turística, abordando a favela que constitui o principal exemplo desse novo negócio: a Rocinha, localizada na zona sul da cidade. Analisamos, nesse sentido, os impactos da presença dos turistas na comunidade, no que diz respeito ao mercado imobiliário local, à geração de oportunidades de trabalho e à vida cotidiana dos moradores da Rocinha. Pretendemos contribuir, com este trabalho, para uma maior compreensão desta nova atividade econômica – e cultural – em favelas da cidade do Rio de Janeiro, com a intenção, também, de trazer subsídios para a formulação de ações públicas e privadas. Palavras-chave: Turismo nas Favelas; Rocinha; Turismo Sustentável. Abstract: This work intends to discuss a new facet of tourism in the city of Rio de Janeiro: slums are now being visited by tourists. We discuss in this text several aspects of this touristic activity, picking the slum that represents the main example of this new business: Rocinha, located in the city's south zone. We will analyze the impacts of the tourists' presence in the community, in what it means to the local real estate market, to the opportunities of work and to the daily life of Rocinha's dwellers. We intend to contribute with this work to a bigger understanding of this new economical activity - and also cultural - in Rio de Janeiro's slums, wishing, also, to bring informations to the development of public and private actions. Keywords: Tourism in Slums, Rocinha, Sustainable Tourism 104 Introdução Desde 1992, a favela da Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, vem recebendo um número crescente de turistas – em sua maioria estrangeiros. A presença desses turistas contribuiu para a criação de novas oportunidades de trabalho e de negócios na comunidade. Para muitos moradores, a geração de trabalho e renda não é o único aspecto positivo dessa nova atividade econômica na Rocinha. Esses moradores destacam que a presença dos turistas contribuiria para a construção de uma “representação distinta da favela, uma imagem positiva”, como afirma Freire Medeiros - em entrevista para a Revista Veja, publicada em fevereiro de 2010 -, diversa daquela associada à pobreza e à violência. Outros, contudo, questionam determinados aspectos dos tours realizados na comunidade, por considerarem que expressam visões estereotipadas e preconceituosas da favela. Recentemente, observa-se que essas visitas guiadas não se restringem à Rocinha: após a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em um conjunto de comunidades da cidade do Rio de Janeiro, outras favelas são também visitadas, como Dona Marta, em Botafogo, e o Complexo do Alemão, na Penha. O fim da presença ostensiva do narcotráfico, devido à ação policial, associado à realização de expressivas obras de urbanização – como a implantação de teleféricos e de plano inclinado – contribuíram para atrair ainda mais turistas interessados convencional. em um roteiro pouco A Rocinha – também recentemente “pacificada”, após as operações policiais realizadas em novembro de 2011 – é, pela sua localização privilegiada, junto aos bairros da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, e pela beleza do sítio que ocupa, a principal atração turística, quando se trata de favelas cariocas. Neste trabalho procuramos refletir sobre as características e perspectivas do turismo realizado na Rocinha, enfocando os seguintes aspectos: os impactos na estrutura espacial da comunidade, com o surgimento de empreendimentos – restaurantes, bares e pousadas – voltados para o atendimento dessa nova demanda; as redes de relações entre empresas de turismo e moradores da comunidade, gerando oportunidades de trabalho; e os diferentes percursos realizados na favela, associados aos interesses distintos de 105 CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade turistas. Pretende-se, também, por último, promover uma reflexão sobre as perspectivas da expansão das atividades relacionadas ao turismo em favelas cariocas. Com este trabalho pretendemos trazer subsídios que contribuam para a compreensão de uma nova prática presente no cotidiano de algumas das principais favelas cariocas, bem como para a formulação de políticas públicas e de empreendimentos privados, que estimulem uma atividade que poderá representar mais um passo para a integração da favela à cidade dita oficial. Os Turistas Descobrem as Favelas Cariocas Férias na cidade do Rio de Janeiro estão associadas às imagens do Corcovado, de Copacabana, de Ipanema, da Lapa, mas não à das favelas – pelo menos, até dez anos atrás. Seria difícil imaginar turistas – estrangeiros ou nacionais – visitando favelas, por tudo que estava vinculado à essas comunidades: pobreza, violência, precariedade. As cenas de filmes, como Cidade de Deus, Tropa de Elite e o episódio filmado no Rio de Janeiro, da série Velozes e Furiosos, reforçam esta visão. Contudo, observa-se o crescente interesse de turistas – estrangeiros, em sua maioria – por conhecer essa outra parte da cidade. É difícil precisar as motivações desses visitantes, porém, estudos realizados em Mumbai, na Índia, apontam, como razão principal, o desejo de comparar algo que é conhecido, através de informações veiculadas pela mídia com as experiências vivenciadas in loco (Meschkank, J. 2011). Outros trabalhos, por sua vez, destacam o papel desempenhado pela atividade turística em comunidades pobres, no sentido de estimular o desenvolvimento econômico e a implementação de infra-estrutura viária e de saneamento (Blake, A., et al. 2008; Stoddart, H. & Rogerson C.M. 2005). Contudo, não há apenas aspectos positivos, na avaliação dos impactos das atividades turísticas nessas comunidades (Andereck, K.L. 2005): há outros que são objeto de crítica por parte dos moradores locais, sobretudo no que se refere à representações estereotipadas da localidade onde vivem, elaboradas por operadoras de turismo e guias, com o objetivo de comercializar um tour que se diferenciaria dos roteiros convencionais, pelo caráter “exótico” e “excitante” que lhe é atribuído. 106 O relato de William de Oliveira, morador há 37 anos na Rocinha, presidente do Movimento Popular de Favelas e vice-presidente do Fórum de Turismo da comunidade, é revelador sobre um impacto negativo do turismo realizado na favela, identificado por moradores locais. Na Rocinha, a maioria dos turistas estrangeiros chega até a comunidade em tours denominados “safaris”, em que são transportados em jipes ou camionetes adptadas, quando, então, “visitam os mirantes, compram artesanatos e suvenires, apreciam uma roda de samba e tiram muitas fotos, nem sempre interagindo positivamente com os moradores” (Revista Brasil, agosto de 2009). O modelo de turismo na favela, contudo, para William, deveria ser outro: “Quero riscar essa expressão ‘safári’ do meu vocabulário. Muitas vezes o turista chega em tudo quanto é lugar na Rocinha e sai tirando foto. Tem muita gente que não gosta. E nem estou falando do tráfico, e sim dos moradores comuns. Ouço muitos comentários de que o turista quer filmar o miserável, e tem pessoa que não quer aparecer ali como o miserável, entende?” (Revista Brasil, agosto de 2009). Para William – assim como para outras lideranças de outras comunidades faveladas –, o desafio consiste em construir um outro modelo de turismo na favela, centrado na valorização da cultura e dos serviços locais, na integração dos visitantes à realidade da favela e na recusa em transformar a pobreza em um espetáculo. Conhecendo a “Cidade Rocinha” Localizada na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, entre os bairros da Gávea e de São Conrado, a Rocinha possuía, originalmente, características rurais. Os primeiros registros apontam a existência no local, em meados da década de 1920, de uma grande fazenda, parcialmente ocupada, que seria loteada entre 1927 e 1930, para a venda de lotes a particulares. A falência da companhia responsável pelo implantação do loteamento e a melhoria das condições de acesso à área –– e, particularmente, os boatos de que essas seriam “terras do governo” ou “sem dono” – , teriam sido os fatores determinantes para o crescimento da ocupação irregular da Rocinha. Iniciou-se, desse modo, o processo de ocupação da antiga área rural que, partindo do sopé do morro, se estenderia, ao longo 107 CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade dos anos, na direção dos terrenos à montante, segundo normas não escritas, que estabeleciam limites e procedimentos para os que ali chegavam. A partir de 1950, ampliou-se a ocupação da área, ocorrendo, segundo Drummond (1981), um processo de transformação dos abrigos precários em barracos de madeira, localizados nas áreas inicialmente ocupadas. Nesse mesmo período, surgem novas construções, nas partes mais altas da encosta, traduzindo uma nova fase de expansão da favela. O primeiro recenseamento da Rocinha, realizado em 1950, apontava a existência de 4.513 habitantes. Em 1974, um novo levantamento censitário – desta vez realizado pela Secretaria de Segurança Pública – apontava a presença de 33.790 habitantes. Em 1980, por sua vez, os dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Planejamento, indicavam que o número de moradores da Rocinha havia alcançado um total de 97.945. Esses números traduziam o vertiginoso processo de expansão da favela, na segunda metade da década de 1970, associado, em grande parte, ao surgimento, no final dos anos 1960, de uma nova fronteira de expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro, ao longo da orla marítima – a Barra da Tijuca –, que gerou maiores oportunidades de trabalho, principalmente no setor de serviços e na construção civil (Leitão, G. 2009). No começo dos anos 1980, a relação entre o poder público e as comunidades faveladas começa a passar por alterações expressivas, decorrentes, sobretudo, do processo de redemocratização em curso na sociedade brasileira: a análise dos dados relativos a equipamentos comunitários e infra-estrutura disponível, apresentados em relatório pelo IPLANRIO, em 1993, revela que, em dez anos, havia ocorrido um significativo aumento dos investimentos públicos na comunidade. Em 1980, o Relatório da Fundação Estadual de Engenharia e Meio-Ambiente – FEEMA – “Caracterização da Rocinha”, registrava a presença da criminalidade na comunidade, apontando a existência de algumas áreas consideradas “zonas perigosas”. No final da década de 1990, de acordo com autoridades da área de segurança pública, a Rocinha havia se tornado um “entreposto das drogas no Rio” e um “ponto de encontro de chefes do Comando Vermelho” – uma das facções criminosas atuantes nas favelas cariocas (Leitão, G. 2009) Em 2005, o Instituto de Arquitetos do Brasil – Seção Rio de Janeiro – promoveu um concurso nacional de idéias para a urbanização da comunidade, que originou um 108 amplo projeto de urbanização, de autoria da equipe do arquiteto Luiz Carlos Toledo, que promoveu significativas intervenções na favela, com a construção de equipamentos comunitários, unidades habitacionais de reassentamento, obras de infra-estrutura de saneamento e melhorias nas condições de acessibilidade. As intervenções reconhecem a complexidade de uma comunidade com 100.000 habitantes – população maior do que a de muitas cidades brasileiras. A implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora em novembro de 2011 representou, para moradores e lideranças comunitárias, o fim de um período de controle territorial pelo narcotráfico, que comprometia, não só a segurança dos moradores, como, eventualmente, sua liberdade de ir e vir. Moradores e lideranças reconhecem que há um longo caminho de aperfeiçoamento dessa política de segurança pública, com a necessária implantação de programas de promoção social, porém a UPP, de certa forma, reinseriu a Rocinha na cidade do Rio de Janeiro – e, por que não, no roteiro turístico da Cidade Maravilhosa. O que faz um turista na Rocinha? Estudos, artigos e reportagens associam o início das excursões turísticas à Rocinha à realização do evento internacional ECO-92, na cidade do Rio de Janeiro, em 1992. Nessa ocasião, diversas autoridades presentes no evento realizaram visitas à comunidades faveladas, “a fim de conhecer o padrão de vida das comunidades mais carentes” (Serson e Pires; 9, 2008). Desde então, apesar de dificuldades iniciais – devido à imagem de violência associada às favelas –, diferentes empresas operadoras de turismo têm atuado na promoção de visitas à comunidades faveladas, com destaque para a Rocinha, que recebe cerca de 2.000 visitantes por mês (Serson e Pires; 9, 2008). Acompanhados por guias, que “contextualizam o espaço visitado, dando explicações históricas, sociais, políticas e cultural-arquitetônica” (Serson e Pires; 10, 2008), os turistas realizam percursos bem distintos na comunidade. A Rocinha apresenta uma morfologia singular que proporciona aos diversos turistas uma gama de percursos distintos. A escolha do roteiro dependerá, basicamente, de dois fatores: da postura do guia que conduzirá a visita e do perfil –- e, também, da capacidade física – do turista. O 109 CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade tour mais rápido e simples é aquele em que o turista percorre toda a extensão da estrada da Gávea, em veículos adaptados (o chamado Jeep Tour) ou vans, não realizando qualquer percurso a pé na favela. Esse trajeto, em geral tem início no bairro da Gávea e é encerrado em São Conrado. Alguns turistas realizam percursos em moto taxi ou em transporte alternativo, partindo do Largo das Flores, na parte baixa da Rocinha, seguindo até o cume do morro, na Rua 1, onde estão localizados alguns dos principais equipamentos da comunidade, como o posto de saúde, a sede da XXVII Região Administrativa e o posto de operações da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (CEDAE). Nas imediações deste local, há um mirante que permite vislumbrar a Lagoa Rodrigo de Freitas, e os bairros de Ipanema e Leblon (fig. 1). Este mirante, onde se observa a presença de alguns vendedores de artesanato (fig. 2), é um ponto de visitação obrigatória para todos os turistas que vão à Rocinha. De acordo com Ferreira Nunes (2006), “o momento da compra e venda de souvenires é um dos únicos durante o qual turistas e moradores da Rocinha interagem face-a-face”, uma interação que é, contudo, parcialmente comprometida pela barreira do idioma. Os produtos comercializados por esses vendedores não são industrializados: trata-se de artesanato feito com materiais reciclados, o que contribui para que muitos dos turistas tenham uma visão de que a favela é o local da “escassez criativa, a penúria colorida, a pobreza sorridente” (Ferreira Nunes, 2006). Figura 1 - Mirante com vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas. 110 Figura 2 - Pinturas que retratam a Rocinha com o Cristo Redentor ao fundo. Outro mirante bastante visitado é aquele localizado na Rampa do Laboriaux – acesso ao bairro do mesmo nome, criado no início da década de 1980, para abrigar famílias que deixaram áreas de risco na comunidade -, de onde é possível descortinar os bairros da Gávea e do Jardim Botânico, de um lado, e de São Conrado, de outro (fig. 3). Figura 3 - Mirante 2, com a visão do bairro de São Conrado e da Pedra da Gávea ao fundo. Por vezes, o percurso envolve uma visita à creche da União Pró-Melhoramentos da Rocinha (UPMR), onde os turistas costumam realizar doações de brinquedos e de material escolar para as crianças matriculadas, podendo ainda obter autorização para fazer fotos. Também é comum a visita à edificações, cuja posição privilegiada faz delas mirantes frequentados por turistas nacionais e estrangeiros – como a “Laje do Carlinhos” (fig. 4) e a “Laje do Sr. Fernando” –, onde, por um módico valor, é possível acessar a cobertura, que possui uma estrutura de bar e sanitários. Figura 4 - Turistas na laje-mirante do Carlinhos. 111 CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade As lajes são hoje os novos pontos turísticos da favela da Rocinha, pois do alto delas é possível descortinar belíssimas paisagens, belas alvoradas e um pôr-do-sol deslumbrante, que mescla a obra do homem e a natureza. É possível também, a partir dessas lajes, capturar preciosas imagens do cotidiano da população da Rocinha, no trabalho, no lazer, circulando de um ponto a outro da comunidade. Com frequência, além das visitas de turistas, as lajes-mirantes são alugadas para realização de churrascos e outros eventos, como festas de comemoração do Ano Novo. Para aqueles que optam por caminhar pelo interior da favela, é possível descer pelo beco da Jaqueira, seguir pela Paula Brito, até chegar a Rua 4, para alcançar o Caminho do Boiadeiro. Outra possibilidade de percurso é descer pelo beco da Rua 1, sentido Macega – Roupa Suja –, onde está localizada outra das creches que atendem à comunidade. Segundo depoimento de moradores entrevistados, antes da implantação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), muitas vezes, usuários de drogas realizavam esse percurso, para adquiri-las junto a traficantes instalados nessa área – uma prática que era, também, adotada por alguns turistas. À semelhança do que ocorre em outros pontos da cidade do Rio de Janeiro, a Rocinha também possui um “Pólo Gastronômico”, localizado na Via Apia, e caracterizado pela presença de restaurantes diversos, que incluem desde a tradicional culinária nordestina aos sushis e sashimis do “Via Japa” (fig. 5). Figura 5 - Restaurante Japonês 'Via Japa' no Pólo Gastronômico da Via Apia. 112 Aos domingos existe a feira do Caminho dos Boiadeiros, que conta com centenas de barracas que vendem frutas, legumes e comidas típicas do Nordeste e é outro ponto de visitação de turistas e moradores de São Conrado, em busca de iguarias daquela região. Complementando a programação no final de semana, é possível, ainda, frequentar um ensaio na quadra da Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha. O Negócio “Turismo Na Favela” A expressão que as atividades turísticas passaram a ter na Rocinha levou grupos de moradores e de lideranças comunitárias à criação do Fórum de Turismo da comunidade, em 2009, com o objetivo de “desenvolver o turismo de forma sustentável, valorizando a cultura local e qualificando produtos e serviços” (Jornal de Turismo). De acordo com os criadores dessa entidade, pretende-se “organizar o turismo interno”, ampliando a participação da comunidade na recepção dos turistas: para o consultor Osvaldo Ramalho, que deu suporte técnico à criação do Fórum, “a Rocinha tem muito o que mostrar e é dado pouco ou nenhum destaque à riqueza de sua história e diversidade cultural (...) é necessário é ampliar a participação da comunidade, implementando um projeto comum, criando parcerias com entidades públicas, comércio local e empresariado externo”. Ramalho destaca, ainda, as três prioridades para o incremento do negócio do turismo na comunidade: “a criação de uma rede institucional autônoma de turismo, de um roteiro turístico e de uma rede de hospedagem, do tipo bed and breakfast”. O narcotráfico na Rocinha cumpria um papel duplo, no que diz respeito à prática do turismo na Rocinha, segundo estudiosos do tema e moradores locais. Por um lado, era parte do “pacote de exotismo” oferecido pelos guias aos turistas estrangeiros, embora fossem, na maioria das vezes, evitados contatos com os narcotraficantes e fotos em determinados locais fossem proibidas. Para Freire Medeiros (2006), a presença do narcotráfico seria um dos “variados produtos” oferecidos pela favela, constituindo um elemento integrante de “um território às margens do pacto civilizatório” – e, por isso mesmo, fascinante. 113 CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade Por outro, era um fator que, reconhecidamente, comprometia a possibilidade de ampliação da atividade turística – sobretudo para as visitas de turistas nacionais -, devido ao quadro de tensão gerado pela presença de narcotraficantes armados, circulando pelas vias da comunidade, como destaca a matéria publicada na Revista do Brasil, em agosto de 2009: “A relação com o tráfico de drogas, naturalmente, é questão problemática quando o assunto é turismo em favelas. A reportagem da Revista do Brasil avistou pelo menos quatro pessoas empunhando armas de grosso calibre, além de dois pontos de venda de drogas. Os traficantes, no entanto, não parecem interferir no turismo. Diluem-se na paisagem repleta de gente, motos, carros e ônibus que sobem e descem o morro. O objetivo dos moradores engajados é não estimular o contato dos turistas com os traficantes nem promover fotos ou qualquer outro tipo de “exibição” remunerada dos soldados do tráfico. “A Rocinha é grande o suficiente para que o turista passe várias horas aqui sem nem mesmo perceber o tráfico”, diz William de Oliveira, vice-presidente do Fórum de Turismo de Rocinha”. A operação policial, realizada em novembro de 2011, com o objetivo de implantar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), encerrou um longo período caracterizado pela presença ostensiva de narcotraficantes na Rocinha, interferindo, diretamente, no cotidiano dos moradores da comunidade. Vários depoimentos de moradores envolvidos com a atividade turística destacam que a instalação da UPP na comunidade pode contribuir para ampliar o número de visitantes – particularmente aqueles oriundos de outros estados brasileiros. Conclusões Uma das questões particularmente instigantes, quando se aborda o impacto provocado pelo incremento do turismo nas favelas cariocas, é o que isto representará para o mercado imobiliário informal existente nessas comunidades. Técnicos e pesquisadores, que atuam no campo da urbanização de assentamentos informais, chamam atenção para um efeito paradoxal dessas intervenções urbanistícas que, pretendendo melhorar a qualidade das condições de vida da população à que se 114 destinam, acabam, por vezes, gerando a saída de muitas das famílias beneficiadas. Essas famílias abandonariam a comunidade recém urbanizada, onde até então viviam, devido à impossibilidade de arcar com a elevação dos valores de aluguéis, o pagamento de tarifas de serviços, ou, simplesmente atraídos pela oferta de compra de suas moradias – um processo descrito como “remoção branca” na literatura sobre o tema. No que diz respeito à perspectiva de ampliação das atividades turísticas na favela, observa-se a possibilidade de um quadro semelhante ao descrito acima: relatos de moradores – proprietários de imóveis, como o Sr. Carlinhos, que entrevistamos em sua laje-mirante – registram o interesse em construir ou adaptar edificações para abrigar pousadas destinadas aos turistas que visitam a comunidade. Acreditam que existe um nicho de mercado correspondente a clientes que privilegiariam, inicialmente, o custo mais baixo da hospedagem na comunidade. Esses clientes valorizariam, ainda, a localização privilegiada da comunidade na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, próxima das praias mais famosas e de bairros com intensa vida cultural e boêmia. Além, é claro, do estilo de vida dos moradores locais, que seria um atrativo adicional e diferenciado, sobretudo, para turistas mais jovens, muitos dos quais, hoje, se hospedam em hostels no Centro e em Santa Tereza. Um dos empreendedores ligados ao turismo na Rocinha revelou, em entrevista, seus planos de converter um imóvel que possui em uma pousada. Para tanto, iniciou, gradualmente, o processo de retomada dos quitinetes alugados, para executar reformas, de modo a adaptá-las ao novo uso. Busca, também, informações sobre como regularizar essa atividade – o que é mais um desafio: como enquadrar o seu futuro estabelecimento nas normas estabelecidas pelas agências governamentais de turismo, elaboradas para empreendimentos na cidade “formal”. As atividades turísticas encontram-se, atualmente, quase que restritas às favelas localizadas na zona sul da cidade do Rio de Janeiro – Tavares Bastos, Dona Marta, PavãoPavãozinho, Cantagalo, Vidigal e a Rocinha –, por estarem localizadas na região por onde a grande maioria dos turistas circula. Contudo, outras comunidades faveladas – como o Complexo do Alemão, a Mangueira, apenas para citar dois exemplos –, ainda que localizadas em áreas periféricas, considerando os locais usuais de visitação turística, poderão ser objeto de atenção de operadoras de turismo, devido a curiosidade gerada por obras de urbanização e pelas atividades culturais, dentre as quais se destaca o samba. William de Oliveira reconhece que cada comunidade terá que construir o seu diferencial, 115 CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade nessa disputa pelo interesse dos turistas: “sem a vista para o mar e para a Mata Atlântica, algumas comunidades têm de estabelecer formas de valorizar outros atrativos, como o cultural e o social”. Ainda é cedo para avaliar a extensão do potencial de geração de oportunidades de trabalho e renda vinculada à atividade turística na favela. Alguns consideram que, em termos quantitativos, o saldo dessa atividade não seria tão expressivo – embora acreditem que, com a realização das Olimpíadas e da Copa do Mundo, nos próximos anos, haverá um crescimento extremamente significativo do número de visitantes na comunidade. Porém, há uma dimensão simbólica a ser reconhecida e valorizada neste quadro de inserção da favela – não apenas da Rocinha – no rol das alternativas de hospedagem e visitação de turistas na cidade do Rio de Janeiro: foi dado mais um passo na integração da favela à cidade. REFERÊNCIAS: ANDERECK, K.: et al., Residents' perceptions of community tourism impacts. Annals of Tourism Research, 2005. 32(4): p. 1056-1076. BLAKE, A., et al.: Tourism and poverty relief. Annals of Tourism Research, 2008. 35(1): p. 107-126. DRUMMOND, D. Architectes des favelas. Bordas, Paris, 1981. LEITÃO, G.: Dos barracos de madeira aos prédios de quitinetes: Uma análise do processo de produção da moradia na favela da Rocinha, ao longo de cinqüenta anos. Niterói: EDUFF, 2009. MAIA, M.: 'Turismo de favela': violência atrai visitantes. Entrevista com Bianca Medeiros Revista Veja. Fev. de 2010. MEDEIROS, B.: A Construção da Favela Carioca como Destino Turístico. 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