"0 SOCIO-eOMUNICATIVO.
NA PRODUCAo DE TEXTO"
Nelyse Apparecida Melro
Saizedas
lLHP-UNESP-Assis
Ainda hoje, poetas e ficcionistas lutam com ~ contra as palavras.
Fil6sofos, Semioticistas, Linguistas e Comunicadores observam-nas
com percuciencia.
Pedagogos,
Soci610gos,
Antrop610gos
correlacionam-nas ao ser humano. Enfim, 0 homem e a palavra e a escola busca domestica-Ia, condicionando-as
existencia e sobrevivencia do pr6prio homem; enquanto ser-e-estar-no-mundo.
E a luta dos poetas, dos cientistas da palavra chega a Escola avolumada, intensificada pelo estarmos-no-mundo. Entram no jogo de xadrez metod os, teorias, projetos e Iivros a mancheias.
As Secretarias de Educa~o, as Universidades funcionalizam-se em
torno dessa problematica. Nascem centros de interesse, grupos de estudos e tambem industrias lucrativas.
E chegamos, agora, ao nosso n6 g6rdio: 0 ensino dessa6 palavras
correlata ao ser e estar-no-mundo.
A nossa proposta e sincronizar quatro Iivms, produtos de tres experiencias: "Picole, Picole, Agua Pura, Ninguem Quer" (1); "A Gata
Vit6ria Caiu na Lixeira e Acabou-se a Est6ria" (2); "Fala Maria Favela" (3); "Palavras de Nossos Jovens Escritores" (4). Dos quatro Iivros, tres deles originam-se de experiencias em favelas cariocas; urn de
Escola de 1. 0 Grau, Bauru, Estado de S10 Paulo, hem centralizada e
com c1ieritelade nivel s6cio-cultural entre A e B.
a
(1)
(2)
(3)
(4)
a
Ezameital, Sandra Maria e outros. Ed. Salamandra.
Idem
Leal, Antonio - Fala Maria Favela, 3".• Ed. RJ.
E.E.P.G. "Silverio S. Jolo" - Polaris S.C. Ltda. Bauru.
Ao privilegiarmos 0 s6cie-cultural, marcamos sua importancia na
estruturacao do texto e da textualidade, pois de tal conceituacao depende todo processo pr9dutivO'-receptivo.
Assim, na esteira de Siegfried J. Schmidt, pretendemos envolver, a
partir da conceituacao, uma producao advinda de paisagem s6cioeconomico-cultural difereilciada e os caminhos metodol6gicos percorridos. A paisagem s6cio-economico-cultural separa radicalmente as
brochuras escolhidas: favela e cidade media, altamente politizada.
Quanto aos caminhos metodol6gicos, passemos a observa-los: os tres
primeiros livros, pelo obstaculo natural ao aprendizado, buscam implicitamente apoio na teoria do texto. Parece-nos terem consciencia de
que 0 "texto nao deve ser abordado como urn fenomeno meramente
lingUistico mas a partir de urn modo de textualidade" (5) e por textualidade, entende-se "uma dupla estrutura, isto e, uma estrutura a ser
abordada tanto sob 0 aspecto lingUistico como sob 0 aspecto social".
Contudo, 0 ultimo livro citado revela a frase, estruturll funcionalmente dependente onde se organizam os constituintes do sistema lingUistico, enquanto que os demais enfatizam as estruturas onde se organizam os constituintes de relevancia s6cio-comunicativa. A diferenca
entre os constituintes do Sistema LingiJistico e do s6cio-comunicativo
sap pontos basicos metodol6gicos de Fala Maria Favela; Picole,
Picole, e A Gata Vit6ria, uma vez que a producao e a recePCao de textos na Favela da Rocinha era praticamente irrealizavel, pela barreira
comunicativa. Os depoimentos das escritoras de Picole e A Gata
Vit6ria dados ao Jomal de Letras, p. 5, em marco de 1984 sao quase
"tapes" de introducao de Ant6nio Leal, em Maria Favela, de 82.
Inicio de ana: A turma de Ant6nio Leal, 111, 26 alunos entre 10 e
11 anos, com mais de tres anos de escolaridade, na mesma serie, ainda
analfabetos e tidos como excepcionais. Fim de ano, 9 nao tiveram freqUencia, tres nao se alfabetizaram completamente e os outros se alfabetizaram. Entre 0 inicio e fim a descoberta do caminho e entao a realizaCao, 0 aprendizado. Transcreveremos alguns passos importantes,
pontos decisivos para 0 aprendizado.
"Uma das primeiras coisas que descobri e que embora ja estudassem juntos ha varios anos, nao sabiam os nomes uns dos outros. E isto
era grave. No primeiro dia, brincamos com os sons dos nomes." (p.
7).
"Depois conversamos sobre familia" (p. 7)
... "Fiz urn trabalho grafico com e1es, coloquei linhas no quadro
escrevendo em cada uma das extremidades 0 nome de cada urn e a letra inicial de seu nome." (p. 7)
"Muitos identificaram 0 pr6prio nome, embora nao soubessem
escreve-Io. De qualquer forma, todos os nomes foram identificados."
(5) Schmidt, J. Siegfried - LingiJistJca e Teoria do Texto. Pioneira,
Sao Paulo, 1978, p. 163.
(p.8)
"Resolvi trabalhar algumas das conclusOes bflsicas:
1. Nosso alfabeto e abstrato. nlo tern nada de figurativo;
2. Nlo se deve ligar a palavra ao desenho da coisa;
3.0 alfabeto nlo e formal e separado do homem. Ele e uma manifestaCio profunda e deve ser ritualizado." (p. 9).
Uma outra proposta e 0 jogo, a brincadeira.
A crianca favelada, pela falta de esp~co individual, constr6i tudo
em espaco coletivo, "pois na escola ficavam tolhida sob 0 olhar censuravel do professor". 0 jogo deve ser urn curso, uma racionalizaCio
para unir 0 disperso, 0 flutuante, buscar nexos, relaCOescom outros
jogos e construir 0 seu texto.
Porem, e na letra m, p. 14, que encontramos 0 posicionamento capital de Maria Favela, ao discutir 0 metoda a ser seguido: a palavraCio? a siiabaCio? 0 metodo fonetico? E, ao tecer consideracOes sobre
ele: "0 metodo, mesmo precario e insuficiente, mune os alfabetizadores de fichas, carimbos, quadros, bichinhos e letras, que irio atropelar
toda a capacidade da crianca de criar. 0 metoda e 0 caminho dominante. Sem altemativas. Quando 0 caminho, a meu ver, devia ir sendo
aberto pela turma, pelo grupo. 0 metoda nio deve atropelar ninguem. A simplicidade atroz que guia 0 trabalhodo professor primario, esses metodos sio respons{lVeispor tomar 0 processo de alfabetizacio urn ato meciinico, repetitivo, alienado, estereotipado."
Citamos tal trecho por entendermos essa postura como estruturante das atuacOes sociocomunicativas executadas pelos parceiros do ato
comunicativo. Ora, isto em outros termos e a textualidade. E 0 texto
nio se desvincula dela: urn conjunto de sinais sociocomunicativos, subordinados a estrutura da textualidade, que pertence tanto ao nivel
linguistico (comunicacio) e ao nivel social (s6cio), cujo objeto e 0
quadro das funcoes comunicativas. Por esse motivo, destacamos a experiencia docente de Leal narrada em Fala Maria Favela e 6s outros
dois livros: Picole e a A Gata Vito ria, est6rias escritas pelas criancas
da Rocinha e organizada por sociologa, antropologa, educadora comunitaria na Rocinha; e por outra moradora e educadora comunitaria
dessa mesma favela. A experiencia desse grupo e mais a de Leal part iram da vida. da pratica politica, buscando a redimensio do homem,
trabalhando as suas linguagens. Nio se ignorou a condicio de produCio, a rela~io entre locutores, a situaCio comunicativa. Antes, principiaram a experiencia e os textos escritos, posteriormente usados em
sala de aula, como postulados metodol6gicos para a pratica de produCio e de recepCio.
Registramos duas das perguntas feitas pela entrevistadora do
"Jomal de Letras" e as respostas obtidas.
"P: Como surgiu a ideia dos livrinhos de est6rias feitos pelas
criancas da Rocinha?
R: A ideia surgiu pela carencia de material didatico acessivel a rea-
lidade das criancas que freqiientavam a escola comunitilfia da Rodnha.
P: 0 que contam essas est6rias?
R: Falam de aspectos da vida cotidiana do morro. captados pela
6tica da crian~a: 0 trabalho infantil. as brincadeiras. a violencia. Utilizados em sala de aula. os livrinhos procuram subsidiar uma outra 16gica de apreensio e discussio da realidade local que venha a facilitar 0
prOCessode aprendizado.··
Pelas respostas. 0 analisavel ea busea derecep~o-produ~orec~o
contextuada no homem mesmo e em suas circunstincias. 0
principio coletivo da experiencia humana. sobrep6s-se a posse ao individual. causalizado pelo social. As· reda~3es coletivas. que"aparecem
nas est6rias da Rocinha. tematizam as proposi~Oes em torno da
Familia. Rua, Chuva, Macumba, Samba. Feira. Lixeira etc. Entretanto, e bem diferente a tel1latiz~o de"PalavrasdeNossos
Jovens Escritores": reda~oes individuais. direcionadas para: Natureza.- Minha
Melhor Amiga. Brasil, Cidade x Selva. ,Viagem para 0 Pais Miniatura
etc ... E a partirdessa tematiza~llOq1:liea textualidadese evidehciae se
marca como caraeteristica estrutural das atua~Oes sociocomunicativas
atraves de seusistema-c6digo;e
evidehcia~se. igualmente. a natureza
dupla do texto - a linguistic a e a social. Pois 0 enunciado - realiiado
ou produzido atraves dos interlocutorespelalingua-objeto.
tern neces~
sariamente inten¢io COIllufticativa e.como tal;obedece i modalidade
textual;
cotejamento produtivo doslivroscitadOs denota 0 sociocomunicativo e a integra~o receptiva.pela pragmatica textual. E justifiea seu
aspecto heuristico, uma vez que referentes textuaise alemtextos atuam
pragmatieamente. sembarreiras para a semiose, adicionando novos
elementos Iicompreensio. Ii reprod~40. Ii re-produ~ilo. Ii interpreta~ contextual.
19ualmente as marcas da estrutura superficial-nivel da expressilo eas-mareas daestrutura profunda - nivel16gico - semintico assinalam
o texto pelo dominio gramatico/semintico do ato de fala. uma vez
que nlo bastaa6 'p,oduzirreceber apenas· 0 conhecimento dos sinais
textuais utilizado'S'e agilizadOs peio\intta-texto.
Os quakolivrosaqw
arrdladosrevelamposieionamento
lingwstico e tex:tualdiferenciados. Um; denfrode parimetros lingfiisticos.
parte para oensino darfrase. decOlistituintes do sistematinSUistieo.
ignorando os elementos-dO' atO de fala.'ap'Oia~e
em;modeios, em
estruturas impostas pelopadrlosocial;os
o\ltn1s firmam'-'SeDa-linhado texto, da textualidade~ buseando no sociocomtmicativo oseriterios
epistemoiOgicos.
As Cria~
da Rocinha - Red. Coletiva (9,11 e 7 anos-·cincocrian-
o
- cas);
As- cria~
da 'Rocinha trabalhatn muit'0. ElaS carregamtijOlo •.
areia.J)Ildra, trabalftam na Ceira, na loj~no·j6queiide'b01eiro.
'no
Peg-Pag, nas Sendas, carr.egando bolsa e carrinho. Bota bolsa no carro, bota bolsa na cabe~ e leva ate na casa da madame. As crian~s
tambem carregam iigua, lavam roupa, varrem a casa, dobram a roupa, lavam a louea, fogio, arrumam a casa. Mas a gente tambem brinca de bola, de brinquedo, brinca de bicicleta, de casinha, de boneca,
de policia e ladrio, de bangue-bangue e de pique.
Agora a gente quer brincar
"Picole, Picole, Agua Pura, Ninguem Quer." Ed. Salamandra.
Na Rocinha s6 existe urn Porem nlo se pode conversar Perto de ninguem.
Ficam de longe a espiar corre Iii no Posto
Vai caguetar
Corujlo morreu
De pescoco torto
de tanto corujar
a vida dos outros
Luci, Lucinha minha
n6s vamos casar
e sair desta Rocinha (Bis)
Sentado na cadeira
contarei para voce
nlo me deixe tlo
sozinha
porque se nlo eu vou
morrer
letra para a Musica
Fala Maria Favela
p. 91-3.8 ed.
E 0 Despertador Interrompeu
3.0 B - 8 anos
Era uma noite chuvosa, Iii fora s6 se ouvia 0 barulho da chuva.
Mamie tinha comprado urn despertador novo, eu estava superpreocupadl1 se ele ia funcionar.
Logo peguei no sono e adivinhem 0 que eu sonhei? Sonhei que 0
despertador me dizia:
- Durma logo. Amanhl voce terii que levantar cedo.
Para voce dormir mais depressa vou tocar no piano uma linda musica. Ah, mas primeiro voce vai rezar e se cobrir certinho.
E assim fiz e ele comecou a tocar uma linda canc40 e logo dormi
no sonho mesmo. Nesse minuto 0 despertador interrompeu minha
fantasia.
"Nossos Jovens Escritores" - p. 42
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