A importância da compreensão da ideia de arte na inserção social do cidadão
Carlos Eduardo D. Borges
A importância da compreensão da ideia de arte na inserção social do cidadão
Carlos Eduardo Dias Borges
Mestre em Linguagens Visuais – UFRJ / Prof. da Universidade Estácio de Sá
Palavras-chave: Arte contemporânea. Crescimento. Cultura.
Resumo
A arte, a partir dos anos 60, passou a acontecer também fora dos museus. Esses, por sua vez, passaram a criar
estratégias para atrair o público para suas dependências. Esse texto alerta sobre os possíveis benefícios
individuais e coletivos que essa mudança pode oferecer para as pessoas comuns, que com o crescimento
econômico do país, serão agentes de modificação do contexto sócio cultural do Brasil.
A arte contemporânea tem apresentado inserções nas cidades, chamadas de
Interferências Urbanas. São trabalhos realizados por artistas fora dos museus e galerias, por
vezes financiados por essas instituições. Isso demonstra por parte dos produtores o desejo de
quebrar a distancia entre público e arte. Há um desejo explícito por parte dos galeristas em
ampliar o público consumidor para além dos limites da elite econômica. De modo semelhante
ao que já ocorre com a bolsa de valores, que vem ampliando o público investidor e hoje conta
a classe média e até com trabalhadores aplicando seus fundos em ações.
Essa situação pode ser vista por um outro lado: o do público. Se há uma relação direta
entre cultura e poder, o aumento da compreensão da ideia de arte é um sinal inequívoco da
ascensão intelectual e cultural de um cidadão. Ele pode se beneficiar com essa nova posição
que começa a acontecer com o desenvolvimento desse mercado. Mesmo que a grande maioria
não vá se tornar colecionadora ou um investidor, a proximidade com a arte pode levar as
pessoas através do exercício de sua inteligência e percepção a uma melhor compreensão do
próprio homem e da sociedade. Assim, aumentará seu senso crítico e capacidade de se
integrar melhor, ampliando seu círculo social. E é a própria sociedade que sai ganhando ao
passar a contar com cidadãos melhor preparados.
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Por outro lado, a ascensão econômica de alguém nem sempre se dá na mesma
velocidade que seu crescimento intelectual. Isso por vezes leva a situações de embaraço.
Tanto que, algumas vezes, aqueles que têm recursos suficientes contratam pessoas
especializadas em ensinar regras de etiqueta e dar noções gerais de cultura, principalmente
quanto ao emprego correto da língua.
Acredito que para todos aqueles que desejam aumentar seu poder de inserção social,
mas não dispõem de recursos para contratar um consultor pessoal, podem passar a se sentir
muito mais a vontade em ambientes sofisticados, a adquirir rapidamente noções culturais e até
a se expressar melhor, se simplesmente se habituarem ao mundo da arte. E o melhor é poder
fazer isso gratuitamente.
Esta situação é recente. Em 1939, Clement Greenberg, o mais importante crítico de
arte do século XX, afirmava, em defesa da arte abstrata, de difícil compreensão pelas massas:
“Sempre houve, de um lado, a minoria dos poderosos – e, portanto, os cultos – e, de outro, a
grande massa dos explorados e pobres – os ignorantes. A cultura formal sempre pertenceu aos
primeiros, enquanto os últimos se contentaram com uma cultura popular ou rudimentar. Ou
com o Kitsch”. O Kitsch (uma denominação dada aos produtos populares da revolução
industrial, indo desde pinguins de geladeira a história em quadrinhos e até filmes de
Hollywood. Um conceito associado ao “mau gosto”) é à base da Arte Pop1, surgida na
Inglaterra e nos EUA em meados da década de 50 e batizada nos anos 60.
O surgimento dessa arte acabou com essa distinção nas artes visuais (entre alta e baixa
cultura), pois “reabriu deliberadamente as comportas à cultura de massa e ao gosto da massa,
do qual Greenberg achava ter salvo a arte superior”. Um exemplo conhecido foi quando Andy
Warhol começou a reproduzir em telas, fotos de ícones do cinema como Marilyn Monroe e
Elvis Presley, ou quando Roy Lichtenstein passou a pintar quadros como ampliações de partes
de histórias em quadrinhos. Aliás, o surgimento da arte Pop, marca o início da decadência da
influência desse crítico, que se mostrou incapaz de compreender as mudanças que se
anunciavam e, com ele, dessa corrente de pensamento. Hoje temos uma nova situação, que
permite às pessoas comuns terem acesso a essa arte, de um modo jamais visto antes. Não só
através da intrusão na vida cotidiana da chamada arte pública (a arte feita fora do museu) e do
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“O termo foi usado pela primeira vez pelo crítico britânico Lawrence Alloway, em 1954, como um rótulo
conveniente para a “arte popular” que estava sendo criada pela cultura de massa”. Em: Stangos, Nikos
(organizador); Conceitos da Arte Moderna. Tradução de Álvaro Cabral; Jorge Zahar Edititor, Rio de Janeiro.
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interesse dos museus e galerias em ampliar seu público e poder, mas pelo tipo de arte que se
encontra exposta hoje: “No pós-moderno, ursos empalhados, coelhos de plástico, lava lamps e
limpadores de vasos sanitários invadiram o museu, sendo expostos com a mesma proteção e
segurança concedidas à Mona Lisa.” 2
A compreensão dessa nova ideia de arte pode conduzir a uma melhora do nível
cultural e o ganho em cultura, em geral, se reflete na personalidade do indivíduo e pode
facilitar sua ascensão social.
Por exemplo, se um estudante não iniciado em artes vai a uma exposição (por
hipótese) no Paço Imperial, (também por hipótese para cumprir uma tarefa escolar) e lá vê
algo inusitado, que o surpreende e interessa (fascina). Se essa mesma pessoa tem seu acesso à
cultura limitado a TV, internet, baile funk e a escola de samba de sua comunidade, quando ele
comenta no seu ambiente social, sobre “algo meio louco que viu em um local bonito”, ele
pode ganhar destaque no seu grupo de social, pois tem algo diferente a contar, viveu uma
experiência diferente, em um meio diferente, no qual, em geral, só tem acesso artificialmente
através da TV. Também pode perceber um caminho para aprender mais sobre essa sociedade
e mesmo, se realmente se interessar, de se inserir nesse ambiente. Isso continua quando ele
percebe a linguagem diferenciada dos programas educativos dessas instituições (que visam
dar explicações claras e sucintas sobre os trabalhos, visando à capacitação e a ampliação do
público) direcionada a ele. Esse caminho pode, além de informar-lo melhor, ampliar suas
possibilidades no relacionamento eventual com pessoas e ambientes ligados ao poder, caso ele
perceba e aproveite as ofertas de lazer acessível a sua condição social (palestras e visitas
guiadas gratuitas como o ingresso) e crie o hábito de frequentar esse tipo de ambiente,
descobrindo inclusive que, em alguns dias pode comer e beber por conta, além de, em alguns
locais assistir a filmes e peças.
Há ainda a hipótese, que creio, não deve ser desconsiderada por ser estatisticamente
insignificante, de um ou outro aluno da suposta visita escolar ao Paço, se interessar mais,
perceber que ele está tendo acesso hoje a um ambiente no qual sua presença outrora lhe era
vedada. Em alguns casos esse interesse pode persistir e levar-lo a descobrir na internet, por
exemplo, o Louvre e descobrir que esse local já se chamou um dia Museu Napoleão (quando
foi criado com o propósito de exibir os troféus de suas conquistas) e que tinha sido um lugar
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Heartney, Eleanor; Pós-Modernismo. Tradução: Ana Luiza Dantas Borges; São Paulo: Cosac&Naif, 2002
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privilegiado: o Palácio dos Reis. Esse interesse maior (e raro), pode ainda chegar ao ponto de
deixá-lo perceber que o suporte (base) plástico das flores que já viu em um casamento, tem o
mesmo estilo (é igual, porém menor) que viu nas colunas da entrada de um imponente prédio
(a fachada de um antigo prédio do poder judiciário). Esse caminho sem fim pode fazer que
esse aluno venha a buscar mais e mais informações e perceba as ligações de sua vida atual
com a história (ao descobrir, por exemplo, que temos um calendário com 12 meses porque
foram doze imperadores em Roma, e que foi esse povo que inventou o direito, daí a adoção
desse estilo naquela construção). Isso pode fazer que ele passe a observar outros prédios com
referências greco-romanas e até a perceber a conjugação desses com outros estilos como o
romântico ou neo-gótico em alguma Igreja, pela qual sempre passa e para a qual nunca havia
se detido a observar. Enfim pode levar-lo pensar em cultura e arte, como cultura e arte, e
então abrir para si mesmo novas oportunidades antes nem sequer vislumbradas.
Independente dessas considerações hipotéticas de casos pessoais, o que me parece
fundamental, é a desconstrução de um preconceito arraigado em nossa sociedade, decorrente
das lacunas culturais e sociais de nosso país (passado escravocrata, ditaduras, etc.). Porque, se
em Londres, “o prêmio Turner leva a cerca de 70 mil visitantes a Tate Galery todos os anos ”
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, somente para visitar a exposição dos trabalhos finalistas (cujos artistas, além da publicidade
em suas carreiras, recebem U$$ 60.000,00 cada), isso gera emprego, turismo, renda e cultura,
indo muito além dos simples programas para uma elite cultural como os que ocorrem em
nossa terra. Se o país almeja deixar a sua condição de subdesenvolvido, devemos pensar
também em como participar desse processo em termos de atitudes. Algumas, como por
exemplo, acompanhar as decisões e o desempenho de nossos políticos (e percebendo que
algumas decisões inclusive afetam os valores dos investimentos em ações), são atitudes que
indicam maior maturidade social de nosso povo e que devem ser incentivadas.
Esse preconceito pode ser identificado facilmente em uma simples entrevista de um
conhecido ídolo do esporte, que declarou: “quem gosta de coisa velha é museu”,
demonstrando o seu desconhecimento do que é um museu moderno (como o Oi Futuro, por
exemplo), e mesmo da atual condição do museu tradicional. O Paço Imperial de minha
hipótese, embora tenha alguns objetos antigos (como uma belíssima carruagem, disputando a
atenção do público na entrada com uma gigantesca roda de barro da ceramista Celeida
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Jornal “O Globo” Segundo Caderno, 15 de maio de 2008.
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Tostes), é um espaço sempre tomado por exibições de arte contemporânea, do tipo que podem
oferecer experiências marcantes e inusitadas.
Temos outros casos, como o do jogador que perdeu milhões por não se adaptar a vida
em Florença porque lá não tinha nada para fazer (leia-se poucas boates e funk e nenhum
pagode) que demonstram como a ignorância dessas possibilidades e a aceitação da visão
preconceituosa de que arte é algo difícil (incompreensível) e chato, pode levar ao desperdício
de oportunidades. O problema não é a existência do preconceito em si (que já é por si só um
fato lamentável como a ignorância), mas o desconhecimento das possibilidades que essa
indústria cultural oferece, e que ajuda a manter-la ainda incipiente no nosso país, limitada a
uma elite e limitando as oportunidades de toda a população, inclusive as de crescimento
financeiro e profissional.
O crescimento econômico deve incluir o crescimento e desenvolvimento de uma
indústria cultural (Cultura não se esgota como petróleo). Essa indústria, além de gerar
empregos (desde os mais simples como as tarefas de limpeza e segurança, até as mais
sofisticadas de curadores e artistas) pode trazer divisas, publicidade e orgulho ao país, ao
propiciar o surgimento de outros artistas de fama internacional como Portinari, Hélio Oiticica,
Ligia Clark e Cildo Meireles entre outros.
A simples visita a um espaço como o citado pode resultar que, aquele que foi uma vez
para cumprir uma obrigação, retorne um dia, sem a obrigação e com uma namorada ou esposa
e filhos (é uma opção de lazer das mais baratas, e não tão rara quanto às apresentações
gratuitas de orquestras, realizadas eventualmente com propósitos semelhantes). Mesmo que
vá movido mais pela expectativa de encontrar alguém famoso (na situação hipotética da visita
obrigatória, talvez tenha reconhecido ou esbarrado com alguém da TV, já que atores e
diretores são frequentadores de arte). Nesse casso hipotético há a multiplicação da experiência
(namorada, esposa, filhos) e todas as possibilidades de resposta, mesmo as desprezíveis
(estatisticamente). Talvez esse que cidadão que teve a experiência como lazer retorne
também. Pode ser até que traga um colega do baile, do futebol... E esse talvez ele retorne
novamente ou que quem retorne seja o seu colega... e aí pode trazer mais alguém e, quem
sabe, ajudar a criar esse hábito e a descartar esse preconceito, ajudando assim a construir um
país melhor, onde o cidadão mais crítico e consciente imponha condições melhores na
sociedade como um todo.
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Referências bibliográficas
DANTO, Arthur C. Después del fin del arte. Tradução de Elena Neerman. Barcelona:
Paidos, 1999.
FERREIRA, Glória & MELLO, Cecília Cotrin de; organização, apresentação e notas:
Clement Greenberg e o debate crítico. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor/ Ministério da Cultura/Funarte, 1997.
HEARTNEY, Eleanor. Pós-Modernismo: movimentos da arte moderna. Tradução de Ana
Luiza Dantas Borges. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
MCCARTHY, David. Arte Pop. Título original: Pop Art. Tradução de Otacílio Nunes. São
Paulo: Cosac & Naify, 2002.
STANGOS, Nikos (organizador). Conceitos da arte moderna. Tradução de Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
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Artigo 1 - Carlos Borges - Universidade Estácio de Sá