Trabalho de pesquisa . . . . . . . . Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada Evaluation of the physiological and hemogasometric parameters of pregnant bitches submitted to intravenous anesthesia throughout a monitored elective caesarean section Ana Lucia Crissiuma* Norma V. Labarthe** Carlos J. Juppa Junior.*** Flavya Mendes de Almeida**** Liza C. Gershony***** Crissiuma AL, Labarthe NV, Junior CJJ, Almeida FM, Gershony LC. Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada. MEDVEP - Rev Cientif Vet Pequenos Anim Esti 2008;6(17):44-51. Todos os anestésicos atravessam a barreira placentária e o conhecimento das particularidades fisiológicas e hemogasométricas normais de cadelas gestantes durante o procedimento anestésico/cirúrgico é de fundamental importância para a manutenção da saúde da mãe e seus conceptos. Nove cadelas gestantes foram submetidas a cesarianas eletivas com o uso de propofol e anestesia peridural com cloridrato de lidocaína. Durante todo o procedimento, as cadelas foram monitoradas e registrou-se as pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD), freqüência cardíaca (FC), freqüência respiratória (f) e oximetria (SatO2). Amostras de sangue materno, para análise hemogasométrica (pH, PvCO2, PvO2 e HCO3) foram obtidas em cinco momentos: antes da indução com propofol (AM1), após a indução com propofol (AM2), após a realização da anestesia peridural (AM3), após a retirada do primeiro filhote (AM4) e após a retirada do quinto filhote (AM5). Observou-se variação significativa nas medidas de PvO2 ao longo dos cinco momentos estudados o que não representou mudanças fisiologicamente detectáveis. Houve variação significativa nas medidas PAS e PAD ocorrendo uma redução dessas variáveis ao longo do tempo. A FC e a f variaram ao longo dos cinco momentos avaliados aumentando nos momento AM2 e AM3 e diminuindo a partir desse momento significativamente. A SatO2 diminuiu progressivamente nos momentos AM2, AM3 e aumentou nos momentos AM4 e AM5. Concluímos que o protocolo anestésico acima escolhido, quando utilizado em cadelas gestantes sadias, submetidas a cesarianas eletivas, não acarreta alterações hemogasométricas ou pressóricas capazes de causar danos à mãe ou aos conceptos. Palavras-chave: monitorização em cesariana, anestesia em veterinária, cães. All anesthetic drugs cross the placental barrier and knowledge of the pregnant bitch’s normal physiological and hemogasometric particularities throughout anesthetic/surgical procedures is fundamental to maintain the health of the mother and her conceptuses. Nine pregnant bitches were submitted to elective cesarean sections using propofol and epidural anesthesia with lidocaine chloride. The females were monitored throughout the whole procedure and the systolic arterial pressure (SAP), diastolic arterial pressure (DAP), heart rate (HR), respiratory rate (RR) and oxymetry (SatO2) were recorded. Maternal blood samples were obtained in five moments, for a hemogasometric analysis (pH, PvCO2, PvO2 e HCO3): before propofol induction (AM1), after propofol induction (AM2), after peridural anesthesia with lidocaine hydrochloride (AM3), after removal of the first puppy (AM4) and after removal of the fifth puppy (AM5). Significant variation was observed in PvO2 measurements throughout the five studied moments, which did not cause any detectable physiological change. There was significant variation in SAP and DAP measurements, with reduction of these variables over time. HR and RR varied along the five evaluated moments, increasing in the moments AM2 and AM3 and decreasing significantly from this moment on. SatO2 decreased progressively in moments AM2 and AM3 and increased in moments AM4 and AM5. It was concluded that the chosen anesthetic protocol, when used on healthy pregnant bitches submitted to elective caesarean sections, did not determine hemogasometric or pressure alterations capable of causing damages to the female or her conceptuses. Keywords: cesarean monitoring, veterinarian anesthesia, dogs. *Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), Rio de Janeiro, RJ **Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro, RJ ***Médico Veterinário autônomo, Rio de Janeiro, RJ ****Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro, RJ *****Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro, RJ Correspondência: [email protected] 44 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2008;6(17);44-51. Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada Introdução As causas de acidose respiratória ou metabólica podem ser de origem materna, placentária ou fetal. O conhecimento dos valores hemogasométricos normais de cadelas gestantes, durante o trabalho de parto, é fundamental para a saúde da mãe e seus conceptos. Qualquer situação que cause hipotensão ou hipovolemia na mãe ou impedimento da circulação útero-placentária ou ainda depressão fetal indireta pela anestesia materna, são causas potenciais de acidose aguda nos conceptos (1). Hipotensão arterial durante anestesia é responsável pela redução da perfusão placentária, o que resulta em angústia fetal (2) e acidemia (1). A capacidade de transferência placentária dos anestésicos escolhidos deve ser sempre considerada na anestesia para cesariana, já que todos os anestésicos atravessam a barreira placentária (2,3,4,5). O propofol tem sido utilizado para indução anestésica em cesarianas por causar discreta depressão respiratória e cardiovascular fetal (2), e também por não alterar o equilíbrio ácido-básico da mãe e dos fetos (6,7). Indução e manutenção com propofol em bolus, associadas à anestesia peridural com lidocaína ou bupivacaína em cesarianas eletivas, não acarretam sinais clínicos de depressão neonatal (8). Este estudo teve o objetivo de avaliar os parâmetros fisiológicos e hemogasométricos maternos durante o procedimento anestésico/cirúrgico de cesariana eletiva em nove gestantes sadias e a termo com o uso de propofol como agente indutor e de manutenção, associado à anestesia peridural com lidocaína. Os parâmetros fisiológicos avaliados foram: pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), freqüência cardíaca (FC), oximetria (SatO2) e freqüência respiratória (f); os valores hemogasométricos no sangue venoso foram representados pelo potencial hidrogeniônico (pH), pressão parcial de dióxido de carbono (PvCO2), pressão parcial de oxigênio (PvO2) e bicarbonato (HCO3). As cadelas foram monitoradas e avaliadas desde a indução anestésica até a remoção do quinto filhote, em ordem de nascimento. Os resultados do estudo demonstraram ser possível assegurar o nascimento de filhotes, sem intercorrências de origem materna, com a utilização do propofol associado à anestesia peridural com lidocaína. Revisão da literatura A fisiologia fetal é dependente da placenta e da circulação útero-placentária. O suprimento sanguíneo uterino, as adequadas concentrações de gases no sangue materno, a transferência placentária e o transporte de gases no feto são fatores que influenciam nesta circulação (1,9). Mudanças na fisiologia da mãe alteram a fisiologia fetal, de forma que a hipóxia materna causa diminuição imediata na tensão de oxigênio venoso umbilical (2). Hipotensão materna pode estar associada a sinais de distresse fetal, representada por acidose e bradicardia nos conceptos (10). O sistema respiratório da cadela está afetado durante pela gestação, a elevação prolongada das concentrações de progesterona plasmática, associada à compressão cranial do diafragma pelo útero gravídico, afetam o sistema respiratório durante a gestação, refletindo-se no aumento da ventilação minuto e diminuição da PaCO2 (10). No entanto, apesar de todas as mudanças que ocorrem na fisiologia materna durante a gestação, o pH do sangue da mãe não é afetado; isso pode ser explicado por uma compensação renal eficiente (11,12). Sabe-se que os valores hemogasométricos de cadelas gestantes considerados normais, durante o trabalho de parto, são: pH (7,37±0,05), PaO2 (77±8 mmHg), PaCO2 (21±4 mmHg), HCO3 (12±2 mmol/L)(Luna, 1999*), assim como os valores obtidos do equilíbrio ácido-básico do sangue materno em uma gestação normal de 20 semanas em humanos foram: pH (7,37±0,04); PaO2 (42,3±1,8 mmHg); PaCO2 (38,4±5,8 mmHg) e HCO3 (21,8±1,9 mmol/L) (13). O simples posicionamento em decúbito dorsal da cadela gestante para a realização de um procedimento cirúrgico, causa compressão da veia cava caudal e da aorta pelo útero gravídico, acarretando queda acentuada do débito cardíaco, hipotensão arterial sistêmica, redução do fluxo sanguíneo uterino e angústia fetal (2,9). Embora a compressão aortocava não pareça ser um problema em cadelas, o tempo gasto nesse decúbito deve ser o menor possível (14). Outro fator fundamental que deve ser avaliado é a escolha dos fármacos anestésicos que serão utilizados durante as cesarianas, pois todos atravessam a barreira placentária (2,3). Além disso, o tempo decorrido entre a indução da anestesia e o nascimento dos filhotes deve ser sempre o menor possível, pois quanto menor o período de exposição fetal aos anesté*Comunicação pessoal ao autor em dezembro de 1999, no Curso de Especialização em Cirurgia e Anestesia Veterinária, UNESP - Botucatu. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2008;6(17);44-51. 45 Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada sicos, maior a probabilidade de serem viáveis ao nascimento (15). A anestesia para cesariana deve proporcionar recuperação rápida e não complicada da anestesia, causar estresse mínimo e evitar mortalidade materna e fetal (10). O propofol, 2,6 diisopropilfenol (ICI 35 868), é um agente anestésico intravenoso com propriedades de indução e manutenção anestésica (16). A natureza fortemente lipofílica do fármaco (17) resulta em rápida penetração na barreira hemato-encefálica, com pronta indução da anestesia. O uso de propofol proporciona rápida e tranqüila recuperação anestésica, mesmo após múltiplos bolus ou infusão contínua (18). Tem sido utilizado como fármaco indutor anestésico em cesarianas por causar discreta depressão respiratória e cardiovascular fetal (2), não parecendo provocar qualquer efeito no equilíbrio ácido-básico da mãe e dos fetos (3,19). Várias doses de propofol foram utilizadas em diferentes trabalhos, na indução anestésica sem medicação pré-anestésica em cães: 4 a 6 mg.kg-1 12; 4,8 + 0,6 mg.kg-1 8; 5,03 mg.kg-1 (20). A dose de manutenção em bolus de 0,34 + 0,08 mg.kg-1, em cadelas gestantes, forneceu bons resultados para o procedimento da cesariana, sem resultar em efeitos prejudiciais para cadelas e recémnascidos(8). Indução e manutenção com propofol em bolus, associado à anestesia peridural com lidocaína em cesarianas eletivas, não acarretam sinais clínicos de depressão neonatal (8). A avaliação do pH, PvCO2, PvO2 e HCO3 demonstrou que neonatos nascem em acidose respiratória, mas que através da respiração iniciada iniciam a reversão desse estado nos primeiros 30 minutos após o nascimento. A adaptação fisiológica do recém-nascido à vida extrauterina tende a normalizar aos 90 minutos do nascimento, quando são capazes de equilibrar o pH do sangue. No entanto, ressalta-se que os valores baixos de pH encontrados em momentos anteriores aos 90 minutos, podem não representar acidemia propriamente, mas sim a fisiologia normal da transição do mecanismo respiratório acionado após o nascimento (21). Baixas concentrações de anestésicos locais são capazes de transpor a barreira placentária, podendo causar alterações, ainda que mínimas, no comportamento dos recém-nascidos humanos (22). Além disso, o bloqueio simpático, acarretado pela anestesia epidural, pode causar hipotensão, redução do fluxo sanguíneo uterino e hipóxia fetal (23). Apesar da ocorrência de transferência placentária da lidocaína, os índices de Apgar em recém-nascidos 46 permanecem altos, sendo, portanto, o uso de lidocaína na anestesia peridural de parturientes, seguro e confiável para neonatos humanos ou caninos (8,22,24). Variados graus de hipóxia e interferência transitória nas trocas respiratórias materno-fetais são comuns em qualquer tipo de parto (25). Asfixia, conseqüência da inadequada transição da vida fetal para a neonatal, é a principal causa de mortalidade perinatal em recém-nascidos a termo, sendo caracterizada por hipoxemia, acidose e hipercapnia (26,27). Em cães, a hipóxia nos primeiros minutos de vida é considerada emergencial, devendo ser evitada (28). Procedimento experimental Animais Foram utilizadas nove cadelas gestantes, com idade variando entre um e três anos, clinicamente sadias, sem raça definida, com peso corporal entre 10 e 25 kg, acompanhadas desde a segunda metade da gestação, até idade gestacional de 59 a 62 dias. Cada cadela teve seus dados gerais (nome, cor da pelagem, idade, peso) anotados em fichas individuais. Metodologia As nove cadelas foram submetidas a exames clínico, laboratorial (hemograma, plaquetometria, pesquisa de hemocitozoários, dosagem sérica de proteínas totais, glicose, albumina, uréia, creatinina e alanina aminotransferase) e ultra-sonográfico para confirmação da gestação. Foram submetidas a tratamento anti-helmíntico no 40º dia de gestação (29,30) com fenbendazole (50 mg/kg/dia), por três dias consecutivos, por via oral. Realizou-se o acompanhamento pré-natal, com freqüência semanal, que consistia de exames clínico, radiográfico e ultra-sonográfico. O momento para a realização de cada cesariana baseouse na avaliação dos resultados dos dados clínicos obtidos no acompanhamento semanal. O exame físico consistiu na avaliação dos parâmetros compatíveis com gestação a termo (12), como por exemplo, inspeção do tônus da musculatura abdominal e pélvica, avaliação de mudanças de comportamento (busca de isolamento, inquietude, recusa de alimento), surgimento de contrações uterinas e queda acentuada da temperatura corporal. Ao exame ultra-sonográfico foi considerado a visualização renal fetal, o decréscimo dos batimentos cardíacos, o diâmetro biparietal da Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2008;6(17);44-51. Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada maioria dos fetos e a motilidade intestinal (detectável pelo exame entre 58 e 63 dias de gestação) (31,32,33). Uma vez definido o momento da intervenção, as cadelas foram submetidas a jejum alimentar de 12 horas e hídrico de três horas (34), e encaminhadas para o procedimento cirúrgico. Antes de qualquer intervenção, obteve-se uma amostra de sangue da veia cefálica, com seringa plástica de 1,0 ml e agulhaI, previamente rinsada com solução de heparinaII. A cadela era submetida à ampla tricotomia com máquina de tosaIII e anti-sepsia com solução de polivinil pirrolidona-iodoIV da face dorsal de um dos membros torácicos, face ventral da região cervical, regiões lombo-sacra e abdominal ventral. A veia cefálica foi cateterizada por punção percutânea, com cateterV fixado com esparadrapoVI e conectado a equipoVII com solução fisiológica a 0,9%VIII e mantido em infusão contínua (30 mL.kg-1.h-1). A indução anestesiológica foi realizada com a utilização de propofolIX , na dose de 6,0 mg.kg-1 (35) seguida de punção peridural. Para tanto, a gestante foi colocada em decúbito esternal, com os membros posteriores distendidos cranialmente, a região lombo-sacra foi localizada e o espaço peridural puncionado, com agulha 40 mm X 7 mmX e sua localização confirmada através do teste da seringa (11,35,36,37). Confirmada a localização peridural da agulha administrou-se cloridrato de lidocaína a 2%XI (5,0 mg.kg-1) (8), lentamente (1 ml a cada 15 segundos), com o cuidado de elevar a cabeça do animal para evitar dispersão cefálica. Após a realização e confirmação do bloqueio por relaxamento do esfíncter anal e de cauda e perda do tônus muscular pélvico (31), a gestante foi colocada em calha, decúbito supino, e a veia jugular esquerda puncionada com cateterXII, conectado à válvula de três viasXIII, posteriormente rinsado com solução de heparinaXIV na diluição 10 UI/ml em solução fisiológica 0,9%, com o objetivo de Seringa descartável estéril - Plastipak - 13X3,8 27,5G ½-BD. Liquemine® - frasco-ampola de 5 ml contém 25.000 UI de Heparina sódica -Roche. III Oster - modelo A5 - lâmina n°40, OSTER, USA. IV Povidine tópico - Ceras Johnson. V Cateter intravenoso Jelco 20G - Johnson&Johnson. VI Esparadrapo impermeável - CREMER. VII Aplicador para soluções parenterais esterilizado - MEDPLAST. VIII Cloreto de sódio 0,9% - JP Indústria Farmacêutica S.A. IV Propofol emulsão injetável I.V. - 10 mg/ml - Abbott Laboratórios do Brasil Ltda. X Agulha descartável estéril 40X7 - B.D. XI Cloridrato de Lidocaína 2% - sem vasoconstrictor - solução injetável - Hipolabor. XII Cateter intravenoso Jelco 20G - Johnson&Johnson. XIII Viaplast Luer cód.TE03 - Sondaplast. XIV Liquemine® - frasco-ampola de 5 ml contém 25.000 UI de Heparina sódica -Roche. I II facilitar a obtenção das demais amostras de sangue materno ao longo do procedimento cirúrgico. Aplicações adicionais de propofol em bolus, na dose de 2,0 mg.kg-1 (14), foram administradas quando a cadela apresentava qualquer indício de movimentação de membros torácicos e cabeça. Procedimento cirúrgico e colheita das amostras O tempo de parto foi definido como o tempo decorrido entre o momento da indução anestésica da mãe até a remoção do quinto filhote do útero materno. Após o período de latência da lidocaína (11) o procedimento cirúrgico era iniciado com celiotomia retro-umbilical, exteriorização dos cornos uterinos, incisão no corpo do útero e retirada dos fetos, primeiramente do corno direito e, em seguida, do esquerdo (19). As gestantes foram monitorizadas, com auxílio do Monitor de Sinais VitaisXV, durante o procedimento cirúrgico até a retirada do último feto, onde foram registradas as pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD), freqüência cardíaca (FC), freqüência respiratória (f) e oximetria (SatO2). As amostras de sangue materno foram obtidas em cinco momentos: antes da indução com propofol (AM1), após a indução com propofol (AM2), após a realização da peridural com lidocaína (AM3), após a retirada do primeiro filhote (AM4) e após a retirada do último filhote (AM5). As mesmas foram coletadas em seringas previamente heparinizadas, sendo em seguida homogeneizadas, para que fosse misturada ao anticoagulante (38). Os parâmetros fisiológicos e valores hemogasométricos maternos foram avaliados durante a remoção dos cinco primeiros filhotes. Todas as amostras sanguíneas foram identificadas e armazenadas a 4ºC (38) até a análise laboratorial, que ocorreu em até 30 minutos após sua obtenção. Cada amostra foi analisada isoladamente pelo Analisador de Gases Sanguíneos e pHXVI. O aparelho de hemogasometria foi calibrado para sangue do tipo venoso, temperatura 37ºCXVII, hemoglobina 12 mg/dlXVIII e fração da concentração de oxigênio no gás inspirado de 21%, para as amostras correspondentes às cadelas (3,8). Life Window LW 6.000 - DIGICARE Modelo ABLTM5 - RADIOMETER COPENHAGEN Média das temperaturas da maioria das cadelas no momento da cesariana XVIII Média da hemoglobina da maioria das cadelas no dia da cesariana XV XVI XVII Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2008;6(17);44-51. 47 Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada A análise estatística utilizada foi a de Variância para medidas repetidas, tendo sido aplicado o teste de comparações múltiplas de Bonferroni, para identificar quais os tempos que diferiram entre si. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software estatístico SAS® System. Resultados O período de tempo médio entre a indução da anestesia materna e a remoção do 5º filhote foi de 23 minutos. O tempo médio entre a remoção do 1º e do 5º filhote foi de 10 minutos. Ao se avaliar os parâmetros fisiológicos, observou-se que houve variação significativa nas medidas da Pressão Arterial Sistólica (PAS), (p=0,0001) (Figura 1) e da Pressão Arterial Diastólica (PAD) (p=0,0001) (Figura 2) ao longo dos cinco momentos avaliados, ocorrendo uma redução significativa dessas variáveis ao longo do tempo. Quanto à medida da freqüência cardíaca (FC) (p=0,0001) (Figura 3), observou-se que ao longo dos cinco momentos avaliados, a FC variou, aumentando significativamente no momento AM2, comparado a AM1, assim como em AM3 foi maior que em AM2. A partir de AM3, a FC diminuiu significativamente, assim como nos momentos AM4 e AM5. Houve variação significativa na oximetria (SatO2)(p=0,0003) (Figura 4) ao longo do tempo, diminuindo progressivamente nos momentos AM2, AM3 e aumentando nos momentos AM4 e AM5. Em relação à freqüência respiratória (f), observou-se variação significativa (p=0,05) (Figura 5), uma vez que a f aumentou em AM2 e AM3 e a partir de AM3, os valores da f diminuíram progressiva e significativamente (Tabela 1). Figura 1 - variação da pressão arterial sistólica (PAS) de cadelas gestantes submetidas a cesarianas eletivas nos momentos AM1 (antes da indução), AM2 (pós-indução), AM3 (pós-peridural), AM4 (pós-remoção do 1º filhote) e AM5 (pósremoção do último filhote). 48 Figura 2 - variação da pressão arterial diastólica (PAD) de cadelas gestantes submetidas a cesarianas eletivas nos momentos AM1 (antes da indução), AM2 (pós-indução), AM3 (pós-peridural), AM4 (pós-remoção do 1º filhote) e AM5 (pósremoção do último filhote). Figura 3 - variação da freqüência cardíaca (FC) de cadelas gestantes submetidas a cesarianas eletivas nos momentos AM1 (antes da indução), AM2 (pós-indução), AM3 (pósperidural), AM4 (pós-remoção do 1º filhote) e AM5 (pósremoção do último filhote). Figura 4 - variação da oximetria (SatO2) de cadelas gestantes submetidas a cesarianas eletivas nos momentos AM1 (antes da indução), AM2 (pós-indução), AM3 (pós-peridural), AM4 (pós-remoção do 1º filhote) e AM5 (pós-remoção do último filhote). Figura 5 - Variação da freqüência respiratória (f) de cadelas gestantes submetidas a cesarianas eletivas nos momentos AM1 (antes da indução), AM2 (pós-indução), AM3 (pósperidural), AM4 (pós-remoção do 1º filhote) e AM5 (pósremoção do último filhote). Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2008;6(17);44-51. Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada Variável n Média ± DP Variação (mín; máx) Variável n PAS AM1 PAS AM2 PAS AM3 PAS AM4 PAS AM5 9 127,89 ± 18,22 (100; 160) 110,33 ± 16,14 (93; 137)b 94,00 ± 8,25 (86; 114)c 94,56 ± 8,88 (84; 115)c 98,78 ± 12,23 (90; 128)c pH AM1 pH AM2 pH AM3 pH AM4 pH AM5 9 9 9 9 9 9 94,78 ± 17,21 (71; 119)a 66,56 ± 12,63 (44; 90)b 57,20 ± 6,67 (51; 71)b 59,00 ± 10,49 (51; 85)b 61,11 ± 10,47 (51; 80)b PvCO2 AM1 PvCO2 AM2 PvCO2 AM3 PvCO2 AM4 PvCO2 AM5 9 9 9 9 9 39,11 41,67 40,00 40,89 38,67 ± ± ± ± ± 6,31 3,74 3,67 5,82 4,18 (29; (36; (35; (34; (34; 46)a 47)a 46)a 53)a 47)a 9 141,56 147,89 155,11 132,67 120,89 PvO2 AM1 PvO2 AM2 PvO2 AM3 PvO2 AM4 PvO2 AM5 9 9 9 9 9 70,33 61,11 67,33 62,89 62,44 ± ± ± ± ± 4,72 (64; 8,01 (52; 8,80 (56; 6,92 (54; 9,53 (47; 75)a 74)b 81)a 75)b 75)b HCO3 AM1 HCO3 AM2 HCO3 AM3 HCO3 AM4 HCO3 AM5 9 9 9 9 9 19,00 19,33 19,56 19,67 19,11 ± ± ± ± ± 1,00 1,80 2,13 1,41 0,93 PAD AM1 PAD AM2 PAD AM3 PAD AM4 PAD AM5 FC AM1 FC AM2 FC AM3 FC AM4 FC AM5 SatO2 AM1 SatO2 AM2 SatO2 AM3 SatO2 AM4 SatO2 AM5 f AM1 f AM2 f AM3 f AM4 f AM5 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 a ± ± ± ± ± 6,02 5,97 7,15 6,71 5,69 (135; 154)a (140; 160)b (148; 172)c (126; 144)d (115; 132)e 9 97,33 96,22 96,11 96,22 97,44 ± ± ± ± ± 0,71 1,20 1,27 1,39 0,73 9 25,11 27,78 38,33 30,56 23,78 ± ± ± ± ± 8,48 (12; 35)a 20,21 (12; 80)a 15,13 (28; 78)b 11,90 (25; 62)a 2,86 (20; 28)a 9 9 9 9 9 9 9 9 (96; 98)a (94; 98)b (94; 98)b (94; 98)b (96; 98)a Tabela 1 - Pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD), freqüência cardíaca (FC), oximetria (SatO2 ) e freqüência respiratória (f) de gestantes submetidas a cesarianas eletivas com o uso de propofol associado à anestesia peridural com cloridrato de lidocaína nos momentos AM1, AM2, AM3, AM4 e AM5. AM1 = amostra materna antes da indução com propofol; AM2 = amostra materna após indução com propofol; AM3 = amostra materna após peridural cloridrato de lidocaína; AM4 = amostra materna após retirada do primeiro filhote; AM5 = amostra materna após retirada do último filhote; n = número de gestantes; DP = desvio padrão. Letras diferentes na mesma coluna indicam significância em nível de 5%. Em relação aos valores hemogasométricos avaliados, observou-se apenas variação significativa nas medidas Pressão Parcial de Oxigênio no Sangue Venoso (PvO2) (p=0,0005) ao longo dos cinco momentos. Houve uma diminuição significativa de PvO2 no momento AM2, em relação a AM1 e um aumento significativo em AM3 em relação a AM2. Nos momentos AM4 e AM5 as medidas de PvO2 voltaram a diminuir (Tabela 2). Média ± DP Variação (mín.; máx) 7,33 7,30 7,30 7,32 7,30 ± ± ± ± ± 0,06 0,03 0,05 0,05 0,05 (7,21; 7,39)a (7,25; 7,36)a (7,21; 7,36)a (7,24; 7,39)a (7,25; 7,38)a (17; 20)a (17; 22)a (15; 22)a (18; 22)a (18; 20)a Tabela 2 - Potencial Hidrogeniônico (pH), Pressão Parcial de Dióxido de Carbono no Sangue Venoso (PvCO2), Pressão Parcial de Oxigênio no Sangue Venoso (PvO2) e bicarbonato (HCO3) de gestantes submetidas a cesarianas eletivas com o uso de propofol associado à anestesia peridural com cloridrato de lidocaína nos momentos AM1, AM2, AM3, AM4 e AM5 AM1 = amostra materna antes da indução com propofol; AM2 = amostra materna após indução com propofol; AM3 = amostra materna após peridural cloridrato de lidocaína; AM4 = amostra materna após retirada do primeiro filhote; AM5 = amostra materna após retirada do último filhote; n = número de gestantes; DP = desvio padrão. Letras diferentes na mesma coluna indicam significância em nível de 5%. Figura 6 - Variação da Pressão Parcial de Oxigênio no Sangue Venoso (PvO2) de cadelas gestantes submetidas a cesarianas eletivas nos momentos AM1 (antes da indução), AM2 (pósindução), AM3 (pós-peridural), AM4 (pós-remoção do 1º filhote) e AM5 (pós-remoção do último filhote). Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2008;6(17);44-51. 49 Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada Discussão Os resultados desse experimento estão diretamente relacionados ao tempo do procedimento cirúrgico de 23 minutos, desde a indução da anestesia até a remoção do 5º filhote. Não podemos, no entanto, afirmar que tais resultados poderiam ser considerados para procedimentos mais demorados, uma vez que existe a possibilidade do fator tempo de anestesia influenciar nas medidas avaliadas. As principais alterações observadas nos parâmetros fisiológicos das gestantes foram a redução das pressões arteriais sistólica (PAS) e diastólica (PAD) e o aumento da freqüência cardíaca (FC), nos momentos AM2 (pós-indução) e AM3 (pós-peridural). Enquanto a diminuição da PAS pode ser explicada pela hipotensão causada pelo propofol como resposta à vasodilatação (16), o aumento da FC é o meio o qual o sistema fisiológico procura compensar tal hipotensão. Além disso, a anestesia peridural com cloridrato de lidocaína (39,40) comumente provoca a diminuição da PAS e aumento da FC. Esse aumento da FC no momento AM3 é desejado, uma vez que mantém o débito cardíaco. O fato da FC ter aumentado no momento AM3 também pode ser justificado pelo estímulo doloroso ou desconforto do procedimento, já que o único fármaco previamente utilizado à punção peridural com cloridrato de lidocaína foi o propofol, sem características analgésicas (14). Durante as fases subseqüentes ao procedimento cirúrgico, (AM4 e AM5) esses parâmetros apresentaram-se fisiologicamente estabilizados, indicando bem-estar materno. Todas as cadelas apresentaram um aumento da freqüência respiratória (f) no momento AM2 (pós-indução), contradizendo o proposto por (41) que afirma que o propofol diminui a f nessa fase. Esse aumento da f pode ser em parte, conseqüência da velocidade lenta com que foi realizada a indução anestésica que, além de evitar sua diminuição (14), também previne a apnéia transitória sugerida por (41,42), o que também não foi observado nas gestantes avaliadas nesse estudo. Aplicações adicionais de propofol em bolus, na dose de 2,0 mg.kg-1 (14), foram administradas quando a cadela apresentava qualquer indício de movimentação de membros torácicos e cabeça A f aumentou no momento AM3 (pós-peridural), provavelmente pelo desconforto da anestesia peridural e, a partir desse momento, diminuiu até valores próximos aos basais. Quanto à avaliação dos parâmetros da oximetria (SatO2), houve variação estatisticamente significativa ao longo do procedimento cirúrgico, com diminuição da SatO2 no momento AM2 (pós-indução) e posterior aumento no momento AM5 (pós-remoção do último filhote). Contudo, tais alterações, apesar de estatisticamente significativas, não foram fisiologicamente significantes ou detectáveis. Não foram observadas alterações estatisticamente significativas de pH, PvCO2 ou HCO3 em nenhum dos momentos avaliados. O pH encontrado no momento AM1 (cadelas com 50 gestação a termo, que ainda não haviam entrado em trabalho de parto), não apresentou variação significativa, o que poderia ser resultado da função renal eficiente, como demonstrado pelos valores bioquímicos de uréia e creatinina que apresentaram-se dentro da normalidade (2,12). A PvO2 basal, no entanto, foi a única medida que variou de forma oscilatória: diminuiu no momento AM2 (pós-indução), aumentou no momento AM3 (pós-peridural) e voltou a diminuir nos momentos AM4 e AM5. As variações de PvO2 foram diretamente proporcionais às da f. Entretanto, apesar das alterações da PvO2 terem sido estatisticamente significativas, não representaram mudanças fisiologicamente significantes ou detectáveis, mesmo estando as gestantes em respiração espontânea, sem suprimento adicional de oxigênio, durante todo o procedimento. Os resultados desse experimento incluem aplicações adicionais de propofol em bolus, na dose de 2,0 mg.kg-1 (14), nos momentos em que as cadelas apresentavam qualquer indício de movimentação de membros torácicos e cabeça. Considerandose que todas as cadelas receberam doses adicionais do fármaco durante o procedimento, devemos correlacionar os resultados obtidos com o uso do propofol não só na indução, mas também na manutenção da anestesia. Considerações finais A familiaridade do anestesista veterinário com os parâmetros fisiológicos modificados durante a gestação é fundamental para o sucesso da anestesia na cesariana. O procedimento anestésico deve basear-se na segurança e bem-estar tanto materno, quanto fetal. A avaliação dos efeitos imediatos, mediatos e tardios na mãe, fetos e recém-nascidos, do protocolo anestésico adotado, parece ser ainda um vasto campo de pesquisa, principalmente em medicina veterinária. Concluímos que o uso do propofol como indutor e fármaco de manutenção anestésica em bolus, associado à anestesia peridural com cloridrato de lidocaína, em cadelas gestantes hígidas, submetidas a cesarianas eletivas, não acarreta alterações hemogasométricas capazes de causar danos à mãe ou aos conceptos. A partir desses resultados sugere-se que outros estudos devam ser realizados com o intuito de melhor compreender os eventos fisiológicos envolvidos no nascimento de cães por cesariana eletiva. O conhecimento da influência de diferentes protocolos anestésicos utilizados no procedimento cirúrgico auxilia na instituição de medidas terapêuticas necessárias para aumentar a sobrevida ao nascimento e promover bem-estar materno durante o parto. A análise hemogasométrica materna durante a cesariana eletiva é torna possível a instituição de medidas terapêuticas que objetivem a reversão de desequilíbrios ácido-básicos e suas causas, como já é rotina nas unidades intensivas neonatais de medicina humana. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2008;6(17);44-51. Avaliação dos parâmetros fisiológicos e hemogasométricos de cadelas gestantes submetidas à anestesia injetável durante cesariana eletiva monitorada Referências 1. Bobrow CS, Soothill PW. Causes and consequences of fetal acidosis. Arch. Dis. Child Fetal Neonatal 1999; 80: 246-249. 2. Taylor PM. Anaesthesia for pregnant animal. 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