Alm. Med. Vet. Zoo. 6 CONTENÇÃO DE GRANDES FELINOS - REVISÃO DE LITERATURA CONTAINMENT WILD FELIDS - REVIEW Andréa Silvia Yoneda Rasmussen Chaves * Caio José Xavier Abimussi† RESUMO A contenção química dos grandes felídeos é de extrema importância para a manutenção segura desses animais e da equipe técnica que está envolvida nesse procedimento. Sendo rápida, eficiente, fácil de aplicar, vem substituindo a contenção física, se tratando principalmente de sua captura e imobilização. Dentro deste contexto, o objetivo desse estudo foi verificar as técnicas mais adequadas e seguras para a realização dessas contenções, preservando a integridade física dos animais. Muitos felídeos, em algum momento de suas vidas, seja em cativeiro ou em vida livre, precisam ser contidos e anestesiados. Porém, muitas vezes torna-se um episódio perigoso e difícil se comparado ao manejo das espécies domésticas. Palavras-Chave: anestesia dissociativa; fármacos; felídeos ABSTRACT A chemical restraint of large felines is of utmost importance for the safe maintenance of these animals and the technical team that is involved in this procedure Being fast , efficient , easy to apply, has replaced the physical restraint , especially when it comes to his capture and detention. Within this context, the objective of this study was to determine the most suitable and safe way for the realization of these contentions techniques, preserving the physical integrity of the animals. Many felines, at some point in their lives, whether in captivity or in the wild, they need to be restrained and anesthetized. But often it becomes a dangerous and difficult episode compared to the management of domestic species. Keywords: dissociative anesthesia; drugs; felines INTRODUÇÃO Os felídeos selvagens pertencem a um dos grupos de mamíferos mais apreciados pelo homem, seja pela sua beleza majestosa, seja pelo respeito imposto pela imponência dos grandes felinos como os maiores predadores terrestres (1). Adicionalmente, quando os fármacos são administrados por meio de um dardo, é importante que sejam suficientemente potentes e/ou concentrados de modo a serem administrados em pequenos volumes (idealmente < 3 mL), o que diminui o risco de trauma, além de aumentar a precisão do vôo do dardo (2). Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de literatura atualizada sobre a contenção química em grandes felinos. REVISÃO DE LITERATURA Espécies de Felídeos Selvagens Para Wozencreft (3) atualmente a família Felidae está dividida em duas subfamílias (Felinae e Pantherinae) e conta com 14 gêneros e 40 espécies. As 10 espécies neotropicais são divididas em três linhagens: maracajá, puma e pantera, sendo que destas oito ocorrem naturalmente em território brasileiro (4), e estão descritas na tabela 1. * Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected] † Docente, Disciplina de Anestesiologia Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo, Brasil. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 7 Tabela 1 - Felinos neotropicias habitantes no Brasil (5) Gênero Espécie Panthera Panthera onça Puma Puma concolor Puma yagouarondi Leopardus Leopardus pardalis Leopardus wiedii Leopardus tigrinus Leopardus geoffroyi Leopardus colocolo Nome popular Onça-pintada Onça-parda ou suçuarana Gato-mourisco Jaguatirica Gato-maracajá Gato-do-mato-pequeno Gato-do-mato-grande Gato-palheiro Contenção química Nos grandes felinos, deve-se ter muito cuidado no momento da contenção, e a equipe deve ser experiente com a escolha das tarefas de cada membro antes do inicio da operação. Antes das atividades, todos os equipamentos de contenção devem ser previamente inspecionados, verificando se estão em perfeita ordem e desinfetados. Esses devem ter sido estocados em local limpo e de fácil acesso (6). Os equipamentos de contenção nada mais são do que uma extensão da mão humana, os quais de uma forma ou de outra possibilitam que se alcance o animal. A grande maioria dos animais selvagens mantidos em cativeiro, em algum momento de sua vida precisa ser contido e anestesiado. Porém, muitas vezes torna-se um episódio perigoso e difícil se comparado ao manejo das espécies domésticas, tendo em vista que os animais selvagens são mais suscetíveis ao estresse e lesões que as espécies domésticas, particularmente durante a captura, manejo, contenção química e o transporte (3). A contenção por meios químicos pressupõe o emprego de fármacos tranquilizantes, hipnóticos ou anestésicos. Este método é especialmente útil quando se precisa capturar espécies agressivas ou muito estressadas (3). Até a determinação precisa do peso de um animal é muitas vezes impossível antes da imobilização, devendo o médico veterinário conhecer a gama de valores padrão do peso da espécie e sexo do animal a imobilizar (6). Devido a esta incapacidade de realizar uma avaliação pré-anestésica meticulosa, a resposta de cada animal aos fármacos, bem como a sua recuperação, pode decorrer de forma imprevisível ou mesmo resultar em complicações inesperadas (7). Equipamentos para injeções à distância - Zarabatana Segundo Spinosa (8), o emprego da imobilização química remonta a certas tribos da América do Sul que impregnavam suas flechas com curare. Este método tornou-se efetivo, e os derivados do curare foram utilizados por muitos anos. Os relaxantes musculares de ação periférica, também denominados bloqueadores neuromusculares ou ainda de agentes curarizantes, produzem um profundo relaxamento da musculatura, facilitando tanto a anestesia como a cirurgia. As zarabatanas eram utilizadas como instrumento de propulsão, o qual disparava o dardo a certa distância no animal escolhido (9). Essas zarabatanas eram feitas, geralmente, de cana ou palmeira, mediam até 3 metros de comprimento e podiam alcançar até 40 metros de distância nas mãos de um caçador experiente (10). As massas musculares cervical, escapular e femoral, ricas em vasos sanguíneos, são as mais indicadas para a colocação do dardo (2,11) (figuras 1 e 2). A zarabatana oferece muitas vantagens, como ausência de estampido, ou seja, menor trauma ao impacto do dardo com o animal, e boa precisão a distâncias de até 10 a 15 metros. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 8 Porém, quando se deseja precisão a maiores distâncias, ou quando se trabalha com animais de maior porte, o mais indicado é a utilização de armas (12). Figura 1 - Onça parda pré dardejamento. Fonte: Arquivo pessoal, 2014 Figura 2 - Onça parda após dardejamento. Fonte: Arquivo pessoal, 2014 Treino Comportamental Para Injeções Manuais A utilização do treino, dessensibilização e/ou condicionamento operante para facilitar ou realizar um procedimento com a cooperação de um animal, chamada de “contenção comportamental”, deve ser tida em conta quando do desenvolvimento de um plano de contenção, de forma a reduzir o estresse e dessensibilizar o animal para o procedimento (13). Segundo COE (14), o condicionamento animal é normalmente realizado por meio da administração de recompensas ao animal que apresente uma resposta comportamental desejável. Desta forma, os animais são treinados a desenvolver atitudes voluntárias, como, por exemplo, a apresentação dos membros anteriores para a realização de colheita de sangue, mediante o oferecimento de algo que o animal goste, como, por exemplo, de determinados alimentos. A cooperação voluntária do animal diminui sensações como o medo e a ansiedade, que surgem normalmente na realização destes procedimentos, e contribui para a diminuição do estresse. Sistemas de Projeção Com Carga e Dardos Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 9 As armas especiais mais utilizadas no Brasil são importadas e pertencentes às marcas Dan-Inject®, Telinject®, Cap-Chur® e Dist-Inject®. Estes são equipamentos que utilizam CO2, ar comprimido ou pólvora para o lançamento de dardos plásticos e/ou metálicos. Dessa forma, é possível atingir maiores distâncias e injetar maiores volumes (15). Genericamente, estes sistemas projetam dardos de duas formas: através da expansão de gás resultante do disparo de cargas de pólvora ou através da libertação de ar ou CO2. O primeiro método é o que permite um maior alcance, mas também o menos silencioso. O segundo é relativamente silencioso e preciso, sendo habitualmente usado para projetar dardos de baixo peso a distâncias curtas a médias, como, por exemplo, em animais de zoológico confinados, mas não adestrados. As espingardas podem utilizar ambos os sistemas, enquanto as pistolas estão disponíveis apenas com o segundo (2). Segundo Greene (16) os principais fatores a serem considerados são o tamanho do animal e a distância na qual o fármaco pode ser administrado. Os dardos podem produzir considerável lesão ou morte se não forem usados adequadamente. A energia de impacto é igual à massa do dardo multiplicado pela velocidade ao quadrado. Fármacos tranquilizantes Podem-se utilizar fármacos tranquilizantes associados a outros anestésicos. Uma grande variedade de fármacos pode ser utilizada na contenção de felídeos selvagens, mas é fundamental que cada instituição possua seu protocolo de anestesia para ser utilizado em cada situação. Da mesma forma, os profissionais de cada instituição devem possuir um protocolo de fuga, principalmente para grandes felinos (1). Cetamina e Similares O cloridrato de cetamina é um derivado do cloridrato de fenilciclidina (17). Segundo Swan (18), uma grande vantagem deste fármaco é a sua ampla margem de segurança é geralmente necessária uma dose até dez vezes maior que a dose normal para causar toxicidade. O tempo de indução e a duração da imobilização dependem da dose e da espécie do animal (2). A cetamina é amplamente utilizada para imobilização de animais selvagens, em virtude de sua elevada DL 50 que permite seu uso sem o conhecimento do peso exato do animal, e da boa absorção por IM, o que permite a administração por meio de dardos (19). Entretanto, deve ser usada em associação com outros fármacos, como os benzodiazepínicos, pois pode causar estimulo cardiovascular, catalepsia e recuperação agitada (20). Associação de Cetamina-Medetomidina Segundo Massone (21) o uso desta associação promove mínimos efeitos colaterais, observando-se ótimo moirrelaxamento e arreflexia em altas doses. A medetomidina é um agonista de receptores α-2 adrenérgicos centrais e periféricos, sendo tranquilizante, relaxante muscular de ação central e analgésico. Apresenta rápida absorção e distribuição lipofílica, com pico de concentração entre 10-15 minutos na associação cetamina-medetomidina, as doses desses medicamentos são inferiores aquelas quando empregadas isoladamente. Associação Cetamina-Midazolam O midazolam é utilizado em associação à cetamina visando a promover um adequado miorrelaxamento, reduzindo, assim, a hipertonicidade muscular (5,21). Promove ainda tranquilização, hipnose, além de possuir atividade anticonvulsivante. Por apresentar veículo aquoso, pode ser aplicado pela via intramuscular, apresentando rápida absorção e eliminação e sendo indicado na dose de 0,5 a 1,0 mg/kg (20). Associação Tiletamina-Zolazepam (TZ) Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 10 Segundo Spinosa (8) a tiletamina é um anestésico dissociativo pertencente ao mesmo grupo da ketamina, associado a um benzodiazepinico, o zolazepam é mais potente que a ketamina, e o zolazepam possui ação anticonvulsivante e miorrelaxante, aliviando as ações cataleptóides da tiletamina. A margem de segurança desta associação é grande, estimando-se a DL50 em 200 mg/mL do Zoletil, por IM. Esta via é mais adequada para animais silvestres. Como esse fármaco vem liofilizado, pode-se preparar uma solução com altas concentrações (500 mg/mL). Xilazina A xilazina é uma agonista de α2 - adrenoreceptores. Adquiriu popularidade como prémedicação anestésica, atuando em ampla gama de espécies domésticas e silvestres. Seu uso em animais silvestres foi reportado por Sagner e Haas (1969), sendo as doses variáveis, conforme a suscetibilidade das diferenças espécies exóticas, podendo ser administrada por via intramuscular ou intravenosa (8). Embora promova relaxamento muscular, sedação, analgesia ou mesmo inconsciência prolongada, os animais silvestres sob ação da xilazina podem reagir a estímulos dolorosos, em particular os grandes felinos, como se constatou em leoas em fase pré-operatória de cesariana. Deve-se por esse motivo, manusear o animal com cuidado, pois movimentos bruscos podem promover reações. Recomenda-se o uso de peia e mordaça no animal sedado, como medidas de segurança para a equipe que trabalha com animais silvestres (8). Opióides Os opioides produzem analgesia e sedação, mas não têm propriedades relaxantes musculares. São previsíveis na sua ação, fornecem uma indução relativamente rápida, e os seus efeitos podem ser revertidos com a administração de antagonistas adequados (2). A indução e a duração de ação dependem do fármaco e da dose (11). A indução ocorre geralmente dentro de dez minutos após a administração e passa tipicamente por várias fases, começando por ligeiras alterações comportamentais, seguidas de ataxia, excitação, hipertonicidade muscular e finalmente, decúbito. A subdosagem pode resultar num período de indução prolongado, o que é indesejável, pois a excitação opioide prolongada resulta inevitavelmente em problemas como hipertermia, taquicardia, acidose, exaustão metabólica, miopatia de captura e morte (22). Carfentanil O citrato de carfentanil é um derivado sintético do fentanil aproximadamente 8000 vezes mais potente que a morfina (23). Produzido e encontrado comercialmente na América do Norte sob a denominação de ® Widnil . É um narcótico moderno, mais potente que a etorfina e cujos efeitos farmacológicos são similares ao da morfina. A literatura especializada já apresenta centenas de citações sobre seu emprego em diversas espécies selvagens, geralmente em combinação a tranquilizantes, inclusive na captura de exemplares de vida livre (12). Apesar de poder ser usado isoladamente, é geralmente combinado com um agonista α2adrenérgico ou tranquilizante (23), de forma a reduzir a excitação durante a indução e a contrariar a rigidez muscular, melhorando, assim, a qualidade da imobilização (2,11). Os principais efeitos adversos das combinações baseadas em carfentanil incluem depressão respiratória, hipoxemia, hipertensão e hipertermia (24,25,26,27,28). Etorfina Segundo Pachaly (12) o cloridrato de etorfina é produzido atualmente na África do Sul, em concentração de 2,8 mg/mL, com o nome de Immobilon®, e na Europa, em duas Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 11 apresentações o Large Animal Immobilon® (1 mL = 2,45 mg de etorfina + 10 mg de acetilpromazina) e, o Small Animal Immobilon® (1mL = 0,07 mg de etorfina + 18 mg de metotrimeprazina). Recentemente deixou de ser fabricada a apresentação mais conhecida da etorfina, denominada M-99®, que era produzida nos EUA. Estes fármacos têm uma margem de segurança muito reduzida em humanos,devem ser manuseados com cuidado extremo para evitar uma exposição acidental, e apenas se estiver prontamente disponível um antagonista apropriado (11,23,29). A exposição humana a estes fármacos pode levar à morte por depressão e parada respiratória (11). Reversão dos Efeitos: Diprenorfina A diprenorfina é um antagonista especifico da etorfina, sendo este agente importante para reverter os efeitos provocados pela etorfina, permitindo que o animal fique em estação após quatro a dez minutos da injeção IV. Caso a diprenorfina não seja administrada, a recuperação do animal é lenta, levando mais de três horas. É comercializada apenas paro uso animal, devido a alucinações descritas no homem. Este antagonista deve ser administrado via IV e a dose para reverter os efeitos da etorfina em animais silvestres corresponde ao dobro da comumente aplicada (8). Anestesia Inalatória Massone (21) relata que em casos de anestesia prolongada, a melhor opção é a utilização da anestesia inalatória. Com o uso desta obtém-se um completo controle das vias aéreas e da profundidade anestésica. A intubação é feita através de visualização direta com o auxilio de laringoscópio, com exceção do leopardo que possui a laringe mais profunda e, desta forma sua intubação pode ser realizada com auxilio de endoscópio rígido. Recomenda-se em felinos grandes utilizar um abridor de boca para segurança profissional. As sondas endotraqueais utilizadas nos felinos grandes são as mesmas utilizadas em potros (com diâmetro interno de 12 a 18). Os agentes mais utilizados são halotano e o isoflurano. A Captura do Animal Os eventos de captura de animais selvagens devem ser planejados e organizados cuidadosamente, de modo a antecipar e evitar complicações, garantindo a menor mortalidade possível durante e após a captura (2,22). Primeiramente, os aspectos biológicos da espécie devem ser conhecidos bem como seu comportamento, anatomia, fisiologia e suas formas de defesa. E alem disso a compreensão da patofisiologia do estresse é essencial (1,3,31). Desta forma antes da contenção propriamente dita deverá ser identificada qual o comportamento do animal para se reduzir assim o risco de injúrias ao operador, o hábito e o grau de vulnerabilidade ao estresse do animal. E associado a isso tudo o operador necessitará de um pleno domínio do uso das técnicas e equipamentos a serem empregado, além do planejamento criterioso da manobra de contenção, priorizando sua rapidez e eficiência (30,32). Indução O intervalo de tempo entre a administração dos fármacos e o momento em que o animal fica satisfatoriamente imobilizado é chamado tempo de indução (11,33). Idealmente, o animal deve ficar imobilizado dentro de 1-5 minutos, apesar de, na prática, a maioria das combinações anestésicas atuais poderem levar mais tempo a induzir a anestesia (2). A anestesia de animais silvestres é considerada um procedimento de risco. O uso de doses excessivas ou uma analgesia inadequada são exemplos de situações que ocorrem por falta de um padrão de referência para a espécie e acabam interferindo na indução e na recuperação anestésica (34). Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 12 Segundo Atkinson et al. (33) se a colocação de um dardo não for apropriada, deve-se dardejar o animal novamente de imediato, com uma dose completa ou reduzida, de forma a alcançar o decúbito rapidamente e evitar que o animal parcialmente sedado continue a desgastar-se. Se, mesmo após um dardejamento correto, o animal não parecer estar respondendo aos fármacos dentro de um período de tempo razoável, pode ser dardejado novamente, sendo recomendável que decorram cerca de 30 minutos entre injeções consecutivas (11). Monitoração e Recuperação A monitorização dos animais anestesiados é essencial para detectar alterações fisiológicas a tempo de corrigir, garantir uma profundidade anestésica adequada e avaliar a eficácia de tratamentos de suporte. Os princípios e técnicas usados em animais domésticos podem ser aplicados na maioria das espécies encontradas em medicina zoológica (35). A recuperação é um ponto crítico no maneio anestésico de espécies selvagens, especialmente de grande porte, uma vez que, devido a considerações de segurança, é geralmente impossível qualquer intervenção durante esse período (7). As considerações para a recuperação anestésica variam, dependendo da escolha dos fármacos e de cada situação, mas na maioria dos casos é desejável uma técnica anestésica reversível (2). Complicações As complicações relacionadas com a anestesia são comuns e podem estar relacionadas com o uso inapropriado de equipamento, efeitos farmacológicos adversos, suporte cardiovascular e respiratório e preparação do paciente inadequados, fatores inerentes ao paciente (como regurgitação) ou processos patológicos multifatoriais complexos (como miopatia) (36). Estresse O animal em estado apreensivo está sob estressor psicológico de nível médio e, se houver intensificação, pode transformar em ansiedade, medo ou, na sua forma mais aguda, em terror. Frustração outro estresse psicológico, ocorre no animal sob contenção física, pois ele não pode escapar e se defender. Se o animal estiver em fase iminente de exaustão, por doenças ou outro fator, e se for submetido à contenção, poderá ocorrer choque adrenal fatal em função do consumo das últimas reservas corporais estocadas (8). A contenção é o momento de maior estresse na vida de um animal silvestre podendo acarretar reações potencialmente fatais. O óbito decorrente da contenção pode ser dividido em: superagudo (durante a realização da contenção), agudo ou mediato (até uma hora após a contenção) e o tardio (de horas a dias após a contenção) (12,32). A resposta aguda geralmente está representada pela resposta de luta ou fuga, envolvendo como fator principal a descarga de catecolaminas, que dentre outros efeitos é responsável pelo aumento da FC e PA, midríase (dilatação da pupila), broncodilatação, aumento da glicemia e da taxa de metabolismo e ereção dos pelos (12,15). Miopatia de Captura (MC) Segundo Dias (37), quando um animal é capturado, ocorre subitamente a interrupção da atividade muscular esquelética e, dessa forma, o bloqueio de um processo fisiológico conhecido como “bomba muscular”. Esse fenômeno é caracterizado pela ação mecânica da contratura muscular sobre o plexo vascular, com consequente expulsão do sangue dos leitos venocapilares. Dessa forma, tanto o calor gerado pela atividade muscular é dissipado, como os subprodutos da glicogenólise, em especial o ácido lático, são retirados do microambiente muscular. A mioglobina é tóxica e pode conduzir a insuficiência renal, ao passo que o potássio e o cálcio sensibilizam o sistema de condução elétrica do coração à adrenalina, podendo resultar Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 13 em FV e consequente parada PC. O acúmulo de lactato pode ainda destruir as células miocárdicas, comprometendo mais a função cardíaca. A destruição muscular liberta também enzimas intracelulares - AST, LDH e CPK - cujos níveis séricos elevados são um bom indicador da probabilidade de desenvolvimento de MC (11). Trauma Físico Durante a captura, podem ser infligidas no animal lesões físicas como contusões, abrasões, lacerações e fraturas, acidentalmente ou por mau manejo (22). Em contusões deve-se aplicar imediatamente compressas frias e/ou gelo. A maioria das abrasões pode ser tratada simplesmente com a sua limpeza e a aplicação de pomadas (23). Mortalidade O risco anestésico em animais selvagens é altamente influenciado pelo protocolo de captura aplicado, pelo que a equipe de captura deve ser capaz de minimizar o risco de mortalidade ao usar fármacos imobilizadores e doses com segurança provada, sistemas de administração de fármacos adequados e métodos e técnicas de captura estabelecidos (2). Uma taxa de mortalidade associada à captura maior que 2% não é aceitável (pelo menos em mamíferos de grande porte) e obriga à reavaliação do protocolo de captura. Dados os avanços recentes nas técnicas, ferramentas e fármacos anestésicos, a aplicação de protocolos adequados, bem como a sua constante melhoria e adaptação, permitem reduzir as taxas de mortalidade relacionada com a captura para valores próximos de zero (38). Segurança Humana Existem muitos perigos para a segurança humana inerentes à imobilização de animais selvagens, nunca deve ser realizada por uma única pessoa e a equipe de captura deve ser treinada em ressuscitação cardiopulmonar e primeiros socorros (2,23,29). O carregamento do dardo é um momento de alto risco para exposição aos fármacos, durante o qual deve ser considerado o uso de equipamento de proteção e os antagonistas indicados para tratar a exposição humana devem estar imediatamente disponíveis (2,29). Os dardos já carregados devem ser transportados sob uma cobertura de proteção, de forma a diminuir o risco de exposição acidental. Os fármacos podem entrar na circulação através de uma injeção acidental ou por absorção através da pele ou membranas mucosas (18). CONCLUSÃO Conclui-se que um planejamento correto na captura de animais selvagens e uma monitoração continua anestésica minuciosa é necessária para minimizar e evitar complicações e mortalidades desses animais. A captura de animais selvagens pode ser necessária por uma variedade de razões, tais como: transporte, exames, tratamentos, recaptura de animais ferozes, animais fugitivos dos recintos dentre outros. A contenção causa muita tensão e pode desencadear complicações como o estresse, miopatia de captura, morte, além de perigosa para quem está manejando, sendo necessário conhecer o comportamento de cada espécie e conhecimento prático das ferramentas a serem utilizadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Cubas ZS, Silva JCR, Dias JLC. Tratado de Animais Selvagens. São Paulo: Roca; 2006. 2. Caulkett NA, Arnemo JM. Chemical immobilization of free-ranging terrestrial mammals. In: Tranquilli WJ, Thurmon JC, Grimm KA. Lum & Jones' Veterinary Anesthesia and Analgesia. 4.ed. Iowa: Blackwell Publishing; 2007. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 14 3. Wozencraft WC. Order Carnivora. In: Wilson DE, Reeder DM. Mammals Species of the World: A Taxonomic and Geographic Reference. 3.ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press; 2005. 4. Guia de campo dos felinos do Brasil. São Paulo. Instituto Pró-carnivoros, Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Sociedade de Zoológicos do Brasil, Pró-Vida Brasil. São Paulo; 2005. 5. Silva JCR, Adania CH. Carnivora-Felidae (Onça, Suçuarana, Jaguatirica, Gato-do-mato). In: Cubas ZS, Silva JCR, Catão-Dias JL (Eds.). Tratado de Animais Selvagens - Medicina Veterinária. São Paulo: Roca. 2006. p.505-48. 6. Turner A, Anton M. The Big Cats and their fossil relatives. New York: Columbia University Press; 1977. 7. Epstein A, White R, Horowitz IH, Kass PH, Ofri R. Effects of propofol as an anaesthetic agent in adult lions (Pantheraleo): a comparison with two established protocols. Res Vet Sci. 2002;72:137-140. 8. Spinosa HS, Gorniak SL, Bernardi MM. Farmacologia aplicada a medicina veterinária. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 9. Hossepian A. Armas anestésicas: pistolas e rifles pneumáticos. Rev Clín Vet. 2000;27. 10. Wenker CJ. Anesthesia for exotic animals. Internet J Anesthesiol. 1998;2(3). 11. Nielsen L. Chemical immobilization of wild and exotic animals. Iowa: Iowa State University Press. 1999. 12. Pachaly JR. Clínica e Manejo de Animais Selvagens. Curitiba: UFPR. 1992. 13. Christman J. Physical Methods of Capture, Handling, and Restraint of Mammals. In: Kleiman DG, Thompson KV, Baer CK (Eds.). Wild Mammals in Captivity: Principles and Techniques for Zoo Management. 2.ed. Chicago: The University of Chicago Press. 2010. 14. Coe JC. Steering the ark toward Eden: design for animal well-being. J Am Vet Med Assoc. 2003;223(7):977-80. 15. Mangini PR. Captura e Contenção de Animais Selvagens. III Curso Nacional de Biologia da Conservação e Manejo da Vida Silvestre, São Paulo. 1998. 16. Greene SA. Segredos em anestesia veterinária e manejo da dor. Porto Alegre: Artmed. 2004. 17. Fowler ME. Restraint. In Fowler ME. (Ed.), Zoo & Wild Animal Medicine. 2.ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company. 1986. 18. Swan GE. Drugs used for the immobilization, capture, and translocation of wild animals. In: Mckenzie AA. (Ed.) The Capture and Care Manual: Capture, care, accommodation and transportation of wild African animals. Pretoria: Wildlife Division Support Services CC & The South African Veterinary Foundation. 1993. 19. Diniz LS. Imobilização química em animais silvestres. In: Spinosa HS, Gorniak L, Bernardi M. (Eds). Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. p.155-63. 20. Haskins SC, Farver TM, Patz JD. Ketamine in dogs. Am J Vet Res 1985;46:1855-60. 21. Massone F. Anestesiologia Veterinária: Farmacologia e Técnicas. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2003. 22. Meltzer D, Kock N. Stress and capture related death. In: Kock MD, Meltzer D, Burroughs R. Chemical and physical restraint of wild animals: a training and field manual for african species. Greyton, South Africa: Zimbabwe Veterinary Association Wildlife Group & International Wildlife Veterinary Services (Africa). 2006. 23. Fowler ME. Restraint and Handling of Wild and Domestic Animals. 3.ed. Iowa: Blackwell Publishing. 2008. 24. Schumacher J, Citino SB, Dawson Jr R. Effects of a carfentanil-xylazine combination on cardiopulmonary function and plasma catecholamine concentrations in female bongo antelopes. Am J Vet Res. 1997;58(2):157-61. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 15 25. Caulkett NA, Cribb PH, Haigh JC. Comparative cardiopulmonary effects of carfentanilxylazine and medetomidine-ketamine used for immobilization of mule deer and mule deer/white-tailed deer hybrids. Can J Vet Res. 2000;64(1):64-8. 26. Moresco A, Larsen RS, Sleeman JM, Wild MA, Gaynor JS. Use of naloxone to reverse carfentanil citrate-induced hypoxemia and cardiopulmonary depression in rocky mountain wapiti (Cervus elaphus nelsoni). J Zoo Wildl Med. 2001;32(1):81-9. 27. Miller BF, Muller LI, Storms TN, Ramsay EC, Osborn DA, Warren RJ, et al. A comparison of carfentanil/xylazine and Telazol®/xylazine for immobilization of white-tailed deer. J Wildl Dis. 2003;39(4):851-8. 28. Paterson J. Capture Myopathy. In: West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia. Iowa: Blackwell Publishing. 2007. 29. Caulkett N, Shury T. Human safety during wildlife capture. In: West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia. Iowa: Blackwell Publishing. 2007. 30. Werther K. Semiologia de Animais Silvestres. In: Feitosa FLF. Semiologia Veterinária. São Paulo: Roca. 2004. p.774-91. 31. Junior JLR. Técnicas de Captura e Contenção Físico-química. In: Cubas ZS, Silva JCR, Catão Dias JL. Tratado de Animais Selvagens. São Paulo: Roca. 2006. p.992-1039. 32. Lange RR. Clínica De Animais Silvestres e de zoológico. Curitiba: Apostila 2004 33. Atkinson M, Kock MD, Meltzer D. Principles of chemical and physical restraint of wild animals. In: Kock MD, Meltzer D, Burroughs R. (Eds.). Chemical and Physical Restraint of Wild Animals: A training and field manual for African species. África do Sul: Zimbabwe Veterinary Association Wildlife Group & International Wildlife Veterinary Services. 2006. 34. Almeida EMP, Nunes N, Fantinatti AP, Santos PSP, Bolzan AA, Rezende ML. Efeitos cardiorrespiratórios da associação de tiletamina/zolazepam em cães (Canis familiaris) prétratados ou não pela acepromazina. Braz J Vet Res Anim Sci. 2000;37:210-5. 35. Heard DJ. Monitoring. In: West G, Heard D, Caulkett N. (Eds.). Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia. Iowa: Blackwell Publishing. 2007. 36. Mosley C, Gunkel C. Cardiovascular and Pulmonary Support. In West G, Heard D, Caulkett N. (Eds.). Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia. Iowa: Blackwell Publishing. 2007. 37. Cubas ZS, Silva JCR, Catão-Dias JL. Tratado de Animais Selvagens. Medicina Veterinária. São Paulo: Roca, 2006. 38. Montané J, Marco I, Lopez-Ouvera J, Perpinan D, Manteca X, Lavin S. Effects of acepromazine on capture stress in roe deer (CapreolusCapreolus). J Wildl Dis. 2006;39:37586. Artigo recebido dia 29 de janeiro de 2015. Artigo publicado dia 02 de março de 2015. Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15. Alm. Med. Vet. Zoo. 16 Chaves ASYR, Abimussi, CJX. Contenção de grandes felinos - revisão de literatura . Alm. Med. Vet. Zoo. 2015 fev; 1 (1): 6-15.