Alm. Med. Vet. Zoo. 6
CONTENÇÃO DE GRANDES FELINOS - REVISÃO DE LITERATURA
CONTAINMENT WILD FELIDS - REVIEW
Andréa Silvia Yoneda Rasmussen Chaves * Caio José Xavier Abimussi†
RESUMO
A contenção química dos grandes felídeos é de extrema importância para a manutenção segura
desses animais e da equipe técnica que está envolvida nesse procedimento. Sendo rápida,
eficiente, fácil de aplicar, vem substituindo a contenção física, se tratando principalmente de
sua captura e imobilização. Dentro deste contexto, o objetivo desse estudo foi verificar as
técnicas mais adequadas e seguras para a realização dessas contenções, preservando a
integridade física dos animais. Muitos felídeos, em algum momento de suas vidas, seja em
cativeiro ou em vida livre, precisam ser contidos e anestesiados. Porém, muitas vezes torna-se
um episódio perigoso e difícil se comparado ao manejo das espécies domésticas.
Palavras-Chave: anestesia dissociativa; fármacos; felídeos
ABSTRACT
A chemical restraint of large felines is of utmost importance for the safe maintenance of these
animals and the technical team that is involved in this procedure Being fast , efficient , easy to
apply, has replaced the physical restraint , especially when it comes to his capture and detention.
Within this context, the objective of this study was to determine the most suitable and safe way
for the realization of these contentions techniques, preserving the physical integrity of the
animals. Many felines, at some point in their lives, whether in captivity or in the wild, they need
to be restrained and anesthetized. But often it becomes a dangerous and difficult episode
compared to the management of domestic species.
Keywords: dissociative anesthesia; drugs; felines
INTRODUÇÃO
Os felídeos selvagens pertencem a um dos grupos de mamíferos mais apreciados pelo
homem, seja pela sua beleza majestosa, seja pelo respeito imposto pela imponência dos grandes
felinos como os maiores predadores terrestres (1).
Adicionalmente, quando os fármacos são administrados por meio de um dardo, é
importante que sejam suficientemente potentes e/ou concentrados de modo a serem
administrados em pequenos volumes (idealmente < 3 mL), o que diminui o risco de trauma,
além de aumentar a precisão do vôo do dardo (2).
Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão de literatura atualizada sobre a
contenção química em grandes felinos.
REVISÃO DE LITERATURA
Espécies de Felídeos Selvagens
Para Wozencreft (3) atualmente a família Felidae está dividida em duas subfamílias
(Felinae e Pantherinae) e conta com 14 gêneros e 40 espécies. As 10 espécies neotropicais são
divididas em três linhagens: maracajá, puma e pantera, sendo que destas oito ocorrem
naturalmente em território brasileiro (4), e estão descritas na tabela 1.
*
Discente do Curso de Medicina Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São Paulo,
Brasil. E-mail: [email protected]
†
Docente, Disciplina de Anestesiologia Veterinária. Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO, Ourinhos, São
Paulo, Brasil.
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Tabela 1 - Felinos neotropicias habitantes no Brasil (5)
Gênero
Espécie
Panthera
Panthera onça
Puma
Puma concolor
Puma yagouarondi
Leopardus
Leopardus pardalis
Leopardus wiedii
Leopardus tigrinus
Leopardus geoffroyi
Leopardus colocolo
Nome popular
Onça-pintada
Onça-parda ou suçuarana
Gato-mourisco
Jaguatirica
Gato-maracajá
Gato-do-mato-pequeno
Gato-do-mato-grande
Gato-palheiro
Contenção química
Nos grandes felinos, deve-se ter muito cuidado no momento da contenção, e a equipe
deve ser experiente com a escolha das tarefas de cada membro antes do inicio da operação.
Antes das atividades, todos os equipamentos de contenção devem ser previamente
inspecionados, verificando se estão em perfeita ordem e desinfetados. Esses devem ter sido
estocados em local limpo e de fácil acesso (6).
Os equipamentos de contenção nada mais são do que uma extensão da mão humana, os
quais de uma forma ou de outra possibilitam que se alcance o animal. A grande maioria dos
animais selvagens mantidos em cativeiro, em algum momento de sua vida precisa ser contido
e anestesiado. Porém, muitas vezes torna-se um episódio perigoso e difícil se comparado ao
manejo das espécies domésticas, tendo em vista que os animais selvagens são mais suscetíveis
ao estresse e lesões que as espécies domésticas, particularmente durante a captura, manejo,
contenção química e o transporte (3).
A contenção por meios químicos pressupõe o emprego de fármacos tranquilizantes,
hipnóticos ou anestésicos. Este método é especialmente útil quando se precisa capturar espécies
agressivas ou muito estressadas (3).
Até a determinação precisa do peso de um animal é muitas vezes impossível antes da
imobilização, devendo o médico veterinário conhecer a gama de valores padrão do peso da
espécie e sexo do animal a imobilizar (6).
Devido a esta incapacidade de realizar uma avaliação pré-anestésica meticulosa, a
resposta de cada animal aos fármacos, bem como a sua recuperação, pode decorrer de forma
imprevisível ou mesmo resultar em complicações inesperadas (7).
Equipamentos para injeções à distância - Zarabatana
Segundo Spinosa (8), o emprego da imobilização química remonta a certas tribos da
América do Sul que impregnavam suas flechas com curare. Este método tornou-se efetivo, e os
derivados do curare foram utilizados por muitos anos. Os relaxantes musculares de ação
periférica, também denominados bloqueadores neuromusculares ou ainda de agentes
curarizantes, produzem um profundo relaxamento da musculatura, facilitando tanto a anestesia
como a cirurgia.
As zarabatanas eram utilizadas como instrumento de propulsão, o qual disparava o dardo
a certa distância no animal escolhido (9). Essas zarabatanas eram feitas, geralmente, de cana ou
palmeira, mediam até 3 metros de comprimento e podiam alcançar até 40 metros de distância
nas mãos de um caçador experiente (10). As massas musculares cervical, escapular e femoral,
ricas em vasos sanguíneos, são as mais indicadas para a colocação do dardo (2,11) (figuras 1 e
2).
A zarabatana oferece muitas vantagens, como ausência de estampido, ou seja, menor
trauma ao impacto do dardo com o animal, e boa precisão a distâncias de até 10 a 15 metros.
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Porém, quando se deseja precisão a maiores distâncias, ou quando se trabalha com animais de
maior porte, o mais indicado é a utilização de armas (12).
Figura 1 - Onça parda pré dardejamento. Fonte:
Arquivo pessoal, 2014
Figura 2 - Onça parda após dardejamento. Fonte:
Arquivo pessoal, 2014
Treino Comportamental Para Injeções Manuais
A utilização do treino, dessensibilização e/ou condicionamento operante para facilitar
ou realizar um procedimento com a cooperação de um animal, chamada de “contenção
comportamental”, deve ser tida em conta quando do desenvolvimento de um plano de
contenção, de forma a reduzir o estresse e dessensibilizar o animal para o procedimento (13).
Segundo COE (14), o condicionamento animal é normalmente realizado por meio da
administração de recompensas ao animal que apresente uma resposta comportamental
desejável. Desta forma, os animais são treinados a desenvolver atitudes voluntárias, como, por
exemplo, a apresentação dos membros anteriores para a realização de colheita de sangue,
mediante o oferecimento de algo que o animal goste, como, por exemplo, de determinados
alimentos. A cooperação voluntária do animal diminui sensações como o medo e a ansiedade,
que surgem normalmente na realização destes procedimentos, e contribui para a diminuição do
estresse.
Sistemas de Projeção Com Carga e Dardos
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As armas especiais mais utilizadas no Brasil são importadas e pertencentes às marcas
Dan-Inject®, Telinject®, Cap-Chur® e Dist-Inject®. Estes são equipamentos que utilizam CO2,
ar comprimido ou pólvora para o lançamento de dardos plásticos e/ou metálicos. Dessa forma,
é possível atingir maiores distâncias e injetar maiores volumes (15).
Genericamente, estes sistemas projetam dardos de duas formas: através da expansão de
gás resultante do disparo de cargas de pólvora ou através da libertação de ar ou CO2. O primeiro
método é o que permite um maior alcance, mas também o menos silencioso. O segundo é
relativamente silencioso e preciso, sendo habitualmente usado para projetar dardos de baixo
peso a distâncias curtas a médias, como, por exemplo, em animais de zoológico confinados,
mas não adestrados. As espingardas podem utilizar ambos os sistemas, enquanto as pistolas
estão disponíveis apenas com o segundo (2).
Segundo Greene (16) os principais fatores a serem considerados são o tamanho do
animal e a distância na qual o fármaco pode ser administrado. Os dardos podem produzir
considerável lesão ou morte se não forem usados adequadamente. A energia de impacto é igual
à massa do dardo multiplicado pela velocidade ao quadrado.
Fármacos tranquilizantes
Podem-se utilizar fármacos tranquilizantes associados a outros anestésicos. Uma grande
variedade de fármacos pode ser utilizada na contenção de felídeos selvagens, mas é fundamental
que cada instituição possua seu protocolo de anestesia para ser utilizado em cada situação. Da
mesma forma, os profissionais de cada instituição devem possuir um protocolo de fuga,
principalmente para grandes felinos (1).
Cetamina e Similares
O cloridrato de cetamina é um derivado do cloridrato de fenilciclidina (17). Segundo
Swan (18), uma grande vantagem deste fármaco é a sua ampla margem de segurança é
geralmente necessária uma dose até dez vezes maior que a dose normal para causar toxicidade.
O tempo de indução e a duração da imobilização dependem da dose e da espécie do animal (2).
A cetamina é amplamente utilizada para imobilização de animais selvagens, em virtude
de sua elevada DL 50 que permite seu uso sem o conhecimento do peso exato do animal, e da
boa absorção por IM, o que permite a administração por meio de dardos (19). Entretanto, deve
ser usada em associação com outros fármacos, como os benzodiazepínicos, pois pode causar
estimulo cardiovascular, catalepsia e recuperação agitada (20).
Associação de Cetamina-Medetomidina
Segundo Massone (21) o uso desta associação promove mínimos efeitos colaterais,
observando-se ótimo moirrelaxamento e arreflexia em altas doses. A medetomidina é um
agonista de receptores α-2 adrenérgicos centrais e periféricos, sendo tranquilizante, relaxante
muscular de ação central e analgésico. Apresenta rápida absorção e distribuição lipofílica, com
pico de concentração entre 10-15 minutos na associação cetamina-medetomidina, as doses
desses medicamentos são inferiores aquelas quando empregadas isoladamente.
Associação Cetamina-Midazolam
O midazolam é utilizado em associação à cetamina visando a promover um adequado
miorrelaxamento, reduzindo, assim, a hipertonicidade muscular (5,21). Promove ainda
tranquilização, hipnose, além de possuir atividade anticonvulsivante. Por apresentar veículo
aquoso, pode ser aplicado pela via intramuscular, apresentando rápida absorção e eliminação e
sendo indicado na dose de 0,5 a 1,0 mg/kg (20).
Associação Tiletamina-Zolazepam (TZ)
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Segundo Spinosa (8) a tiletamina é um anestésico dissociativo pertencente ao mesmo
grupo da ketamina, associado a um benzodiazepinico, o zolazepam é mais potente que a
ketamina, e o zolazepam possui ação anticonvulsivante e miorrelaxante, aliviando as ações
cataleptóides da tiletamina. A margem de segurança desta associação é grande, estimando-se a
DL50 em 200 mg/mL do Zoletil, por IM. Esta via é mais adequada para animais silvestres.
Como esse fármaco vem liofilizado, pode-se preparar uma solução com altas concentrações
(500 mg/mL).
Xilazina
A xilazina é uma agonista de α2 - adrenoreceptores. Adquiriu popularidade como prémedicação anestésica, atuando em ampla gama de espécies domésticas e silvestres. Seu uso em
animais silvestres foi reportado por Sagner e Haas (1969), sendo as doses variáveis, conforme
a suscetibilidade das diferenças espécies exóticas, podendo ser administrada por via
intramuscular ou intravenosa (8).
Embora promova relaxamento muscular, sedação, analgesia ou mesmo inconsciência
prolongada, os animais silvestres sob ação da xilazina podem reagir a estímulos dolorosos, em
particular os grandes felinos, como se constatou em leoas em fase pré-operatória de cesariana.
Deve-se por esse motivo, manusear o animal com cuidado, pois movimentos bruscos podem
promover reações. Recomenda-se o uso de peia e mordaça no animal sedado, como medidas de
segurança para a equipe que trabalha com animais silvestres (8).
Opióides
Os opioides produzem analgesia e sedação, mas não têm propriedades relaxantes
musculares. São previsíveis na sua ação, fornecem uma indução relativamente rápida, e os seus
efeitos podem ser revertidos com a administração de antagonistas adequados (2).
A indução e a duração de ação dependem do fármaco e da dose (11). A indução ocorre
geralmente dentro de dez minutos após a administração e passa tipicamente por várias fases,
começando por ligeiras alterações comportamentais, seguidas de ataxia, excitação,
hipertonicidade muscular e finalmente, decúbito. A subdosagem pode resultar num período de
indução prolongado, o que é indesejável, pois a excitação opioide prolongada resulta
inevitavelmente em problemas como hipertermia, taquicardia, acidose, exaustão metabólica,
miopatia de captura e morte (22).
Carfentanil
O citrato de carfentanil é um derivado sintético do fentanil aproximadamente 8000 vezes
mais potente que a morfina (23).
Produzido e encontrado comercialmente na América do Norte sob a denominação de
®
Widnil . É um narcótico moderno, mais potente que a etorfina e cujos efeitos farmacológicos
são similares ao da morfina. A literatura especializada já apresenta centenas de citações sobre
seu emprego em diversas espécies selvagens, geralmente em combinação a tranquilizantes,
inclusive na captura de exemplares de vida livre (12).
Apesar de poder ser usado isoladamente, é geralmente combinado com um agonista α2adrenérgico ou tranquilizante (23), de forma a reduzir a excitação durante a indução e a
contrariar a rigidez muscular, melhorando, assim, a qualidade da imobilização (2,11). Os
principais efeitos adversos das combinações baseadas em carfentanil incluem depressão
respiratória, hipoxemia, hipertensão e hipertermia (24,25,26,27,28).
Etorfina
Segundo Pachaly (12) o cloridrato de etorfina é produzido atualmente na África do Sul,
em concentração de 2,8 mg/mL, com o nome de Immobilon®, e na Europa, em duas
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apresentações o Large Animal Immobilon® (1 mL = 2,45 mg de etorfina + 10 mg de
acetilpromazina) e, o Small Animal Immobilon® (1mL = 0,07 mg de etorfina + 18 mg de
metotrimeprazina). Recentemente deixou de ser fabricada a apresentação mais conhecida da
etorfina, denominada M-99®, que era produzida nos EUA.
Estes fármacos têm uma margem de segurança muito reduzida em humanos,devem ser
manuseados com cuidado extremo para evitar uma exposição acidental, e apenas se estiver
prontamente disponível um antagonista apropriado (11,23,29). A exposição humana a estes
fármacos pode levar à morte por depressão e parada respiratória (11).
Reversão dos Efeitos: Diprenorfina
A diprenorfina é um antagonista especifico da etorfina, sendo este agente importante
para reverter os efeitos provocados pela etorfina, permitindo que o animal fique em estação
após quatro a dez minutos da injeção IV. Caso a diprenorfina não seja administrada, a
recuperação do animal é lenta, levando mais de três horas. É comercializada apenas paro uso
animal, devido a alucinações descritas no homem. Este antagonista deve ser administrado via
IV e a dose para reverter os efeitos da etorfina em animais silvestres corresponde ao dobro da
comumente aplicada (8).
Anestesia Inalatória
Massone (21) relata que em casos de anestesia prolongada, a melhor opção é a utilização
da anestesia inalatória. Com o uso desta obtém-se um completo controle das vias aéreas e da
profundidade anestésica. A intubação é feita através de visualização direta com o auxilio de
laringoscópio, com exceção do leopardo que possui a laringe mais profunda e, desta forma sua
intubação pode ser realizada com auxilio de endoscópio rígido. Recomenda-se em felinos
grandes utilizar um abridor de boca para segurança profissional. As sondas endotraqueais
utilizadas nos felinos grandes são as mesmas utilizadas em potros (com diâmetro interno de 12
a 18). Os agentes mais utilizados são halotano e o isoflurano.
A Captura do Animal
Os eventos de captura de animais selvagens devem ser planejados e organizados
cuidadosamente, de modo a antecipar e evitar complicações, garantindo a menor mortalidade
possível durante e após a captura (2,22).
Primeiramente, os aspectos biológicos da espécie devem ser conhecidos bem como seu
comportamento, anatomia, fisiologia e suas formas de defesa. E alem disso a compreensão da
patofisiologia do estresse é essencial (1,3,31).
Desta forma antes da contenção propriamente dita deverá ser identificada qual o
comportamento do animal para se reduzir assim o risco de injúrias ao operador, o hábito e o
grau de vulnerabilidade ao estresse do animal. E associado a isso tudo o operador necessitará
de um pleno domínio do uso das técnicas e equipamentos a serem empregado, além do
planejamento criterioso da manobra de contenção, priorizando sua rapidez e eficiência (30,32).
Indução
O intervalo de tempo entre a administração dos fármacos e o momento em que o animal
fica satisfatoriamente imobilizado é chamado tempo de indução (11,33). Idealmente, o animal
deve ficar imobilizado dentro de 1-5 minutos, apesar de, na prática, a maioria das combinações
anestésicas atuais poderem levar mais tempo a induzir a anestesia (2).
A anestesia de animais silvestres é considerada um procedimento de risco. O uso de
doses excessivas ou uma analgesia inadequada são exemplos de situações que ocorrem por falta
de um padrão de referência para a espécie e acabam interferindo na indução e na recuperação
anestésica (34).
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Segundo Atkinson et al. (33) se a colocação de um dardo não for apropriada, deve-se
dardejar o animal novamente de imediato, com uma dose completa ou reduzida, de forma a
alcançar o decúbito rapidamente e evitar que o animal parcialmente sedado continue a
desgastar-se. Se, mesmo após um dardejamento correto, o animal não parecer estar respondendo
aos fármacos dentro de um período de tempo razoável, pode ser dardejado novamente, sendo
recomendável que decorram cerca de 30 minutos entre injeções consecutivas (11).
Monitoração e Recuperação
A monitorização dos animais anestesiados é essencial para detectar alterações
fisiológicas a tempo de corrigir, garantir uma profundidade anestésica adequada e avaliar a
eficácia de tratamentos de suporte. Os princípios e técnicas usados em animais domésticos
podem ser aplicados na maioria das espécies encontradas em medicina zoológica (35).
A recuperação é um ponto crítico no maneio anestésico de espécies selvagens,
especialmente de grande porte, uma vez que, devido a considerações de segurança, é geralmente
impossível qualquer intervenção durante esse período (7). As considerações para a recuperação
anestésica variam, dependendo da escolha dos fármacos e de cada situação, mas na maioria dos
casos é desejável uma técnica anestésica reversível (2).
Complicações
As complicações relacionadas com a anestesia são comuns e podem estar relacionadas
com o uso inapropriado de equipamento, efeitos farmacológicos adversos, suporte
cardiovascular e respiratório e preparação do paciente inadequados, fatores inerentes ao
paciente (como regurgitação) ou processos patológicos multifatoriais complexos (como
miopatia) (36).
Estresse
O animal em estado apreensivo está sob estressor psicológico de nível médio e, se
houver intensificação, pode transformar em ansiedade, medo ou, na sua forma mais aguda, em
terror. Frustração outro estresse psicológico, ocorre no animal sob contenção física, pois ele
não pode escapar e se defender. Se o animal estiver em fase iminente de exaustão, por doenças
ou outro fator, e se for submetido à contenção, poderá ocorrer choque adrenal fatal em função
do consumo das últimas reservas corporais estocadas (8).
A contenção é o momento de maior estresse na vida de um animal silvestre podendo
acarretar reações potencialmente fatais. O óbito decorrente da contenção pode ser dividido em:
superagudo (durante a realização da contenção), agudo ou mediato (até uma hora após a
contenção) e o tardio (de horas a dias após a contenção) (12,32).
A resposta aguda geralmente está representada pela resposta de luta ou fuga, envolvendo
como fator principal a descarga de catecolaminas, que dentre outros efeitos é responsável pelo
aumento da FC e PA, midríase (dilatação da pupila), broncodilatação, aumento da glicemia e
da taxa de metabolismo e ereção dos pelos (12,15).
Miopatia de Captura (MC)
Segundo Dias (37), quando um animal é capturado, ocorre subitamente a interrupção da
atividade muscular esquelética e, dessa forma, o bloqueio de um processo fisiológico conhecido
como “bomba muscular”. Esse fenômeno é caracterizado pela ação mecânica da contratura
muscular sobre o plexo vascular, com consequente expulsão do sangue dos leitos venocapilares.
Dessa forma, tanto o calor gerado pela atividade muscular é dissipado, como os subprodutos da
glicogenólise, em especial o ácido lático, são retirados do microambiente muscular.
A mioglobina é tóxica e pode conduzir a insuficiência renal, ao passo que o potássio e
o cálcio sensibilizam o sistema de condução elétrica do coração à adrenalina, podendo resultar
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em FV e consequente parada PC. O acúmulo de lactato pode ainda destruir as células
miocárdicas, comprometendo mais a função cardíaca. A destruição muscular liberta também
enzimas intracelulares - AST, LDH e CPK - cujos níveis séricos elevados são um bom indicador
da probabilidade de desenvolvimento de MC (11).
Trauma Físico
Durante a captura, podem ser infligidas no animal lesões físicas como contusões,
abrasões, lacerações e fraturas, acidentalmente ou por mau manejo (22). Em contusões deve-se
aplicar imediatamente compressas frias e/ou gelo. A maioria das abrasões pode ser tratada
simplesmente com a sua limpeza e a aplicação de pomadas (23).
Mortalidade
O risco anestésico em animais selvagens é altamente influenciado pelo protocolo de
captura aplicado, pelo que a equipe de captura deve ser capaz de minimizar o risco de
mortalidade ao usar fármacos imobilizadores e doses com segurança provada, sistemas de
administração de fármacos adequados e métodos e técnicas de captura estabelecidos (2). Uma
taxa de mortalidade associada à captura maior que 2% não é aceitável (pelo menos em
mamíferos de grande porte) e obriga à reavaliação do protocolo de captura. Dados os avanços
recentes nas técnicas, ferramentas e fármacos anestésicos, a aplicação de protocolos adequados,
bem como a sua constante melhoria e adaptação, permitem reduzir as taxas de mortalidade
relacionada com a captura para valores próximos de zero (38).
Segurança Humana
Existem muitos perigos para a segurança humana inerentes à imobilização de animais
selvagens, nunca deve ser realizada por uma única pessoa e a equipe de captura deve ser treinada
em ressuscitação cardiopulmonar e primeiros socorros (2,23,29).
O carregamento do dardo é um momento de alto risco para exposição aos fármacos,
durante o qual deve ser considerado o uso de equipamento de proteção e os antagonistas
indicados para tratar a exposição humana devem estar imediatamente disponíveis (2,29). Os
dardos já carregados devem ser transportados sob uma cobertura de proteção, de forma a
diminuir o risco de exposição acidental. Os fármacos podem entrar na circulação através de
uma injeção acidental ou por absorção através da pele ou membranas mucosas (18).
CONCLUSÃO
Conclui-se que um planejamento correto na captura de animais selvagens e uma
monitoração continua anestésica minuciosa é necessária para minimizar e evitar complicações
e mortalidades desses animais. A captura de animais selvagens pode ser necessária por uma
variedade de razões, tais como: transporte, exames, tratamentos, recaptura de animais ferozes,
animais fugitivos dos recintos dentre outros. A contenção causa muita tensão e pode
desencadear complicações como o estresse, miopatia de captura, morte, além de perigosa para
quem está manejando, sendo necessário conhecer o comportamento de cada espécie e
conhecimento prático das ferramentas a serem utilizadas.
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Artigo recebido dia 29 de janeiro de 2015.
Artigo publicado dia 02 de março de 2015.
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CONTENÇÃO DE GRANDES FELINOS