8 Anestesia para Cirurgia Cardiovascular Avaliação Pré-Anestésica Os pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, em geral, têm doença mais avançada, e nunca é demais enfatizar a importância de estabelecer uma reserva cardíaca. Essas informações devem se basear na 1 tolerância ao exercício, 2 medidas de contratilidade miocárdica, 3 severidade e localização das estenoses coronarianas, 4 anormalidades de movimento de parede ventricular, 5 pressões diastólicas finais, 6 débito cardíaco, 7 áreas e gradientes valvares. Deve-se enfocar as funções pulmonar, neurológica e renal, já que o comprometimento dessas funções interferem no prognóstico da cirurgia. Período de Pré-Indução Pré-Medicação Geralmente é desejável uma pré-medicação relativamente potente para pacientes com doença coronariana; já para pacientes debilitados com doença valvar, é mais apropriada uma pré-medicação mais leve, já que estes são, muitas vezes, fisiologicamente dependentes de um tônus simpático aumentado. São utilizados com freqüência sedativohipnóticos benzodiazepínicos (midazolam, diazepam), exclusivamente ou combinados com um opióide (morfina). Alternativamente, escopolamina e morfina intramuscular. Após a pré-medicação, oxigênio suplementar (2 a 3L/min em cânula nasal) ajuda a evitar a hipoxemia. Em pacientes com pouca reserva cardíaca, e naqueles com doença pulmonar subjacente, as doses devem ser menores que as usuais. Deve-se evitar escopolamina em pacientes com mais de 70 anos, nos quais se relaciona a elevada incidência de confusão. Acesso Venoso A cirurgia cardíaca comumente se associa a grande e rápidas alterações hídricas, requerendo múltiplas infusões de drogas. De maneira ideal, são feitos dois acessos venosos, um deles em veia central. Cateteres de artéria pulmonar e cateteres venosos centrais com múltiplos lumens facilitam a infusão de drogas e permitem a medida simultânea de pressões vasculares. O local do acesso venoso central dependerá da preferência da equipe. Cateteres colocados na veia jugular externa e subclávia, principalmente ao lado esquerdo, podem dobrar-se após a retração do esterno. Por esse motivo, pode-se dar preferência a jugular interna. Monitorização 1. Eletrocardiograma A eletrocardiografia, em Anestesiologia, tem duas funções principais: a detecção de arritmias e de isquemia do miocárdio. Para tanto, o ideal seria a utilização de múltiplas derivações. No entanto, no período intra-operatório, normalmente se usa uma única derivação. Esta deve ser preferencialmente bipolar (mede diferenças de voltagem entre dois pontos). Uma modificação da derivação V5, a CM5, tem sido uma das mais sensíveis, em se falando de monitorização eletrocardiográfica com uma derivação, e por isso a mais utilizada. É obtida colocando-se o eletrodo positivo no local da derivação V5 (5º espaço intercostal esquerdo, linha axilar anterior), o negativo na direita do manúbrio esternal, logo abaixo da clavícula, e o neutro logo abaixo da porção média da clavícula esquerda. As cirurgias cardiovasculares se dão normalmente através da parede anterior do tórax. Assim, utiliza-se a derivação CM5 modificada para a localização dorsal. O paciente fica sentado, e então se coloca o eletrodo vermelho (negativo) na região escapular direita; o amarelo (positivo) sobre a loja renal esquerda; o eletrodo preto (neutro) pode ficar na região escapular esquerda; e o verde na loja renal direita. Depois de posicionados, devem ser fixados com tiras largas de esparadrapo ou Micropore. 2. Pressão Arterial A pressão arterial deve ser monitorada diretamente a partir da cateterização da artéria radial da mão não dominante. Alternativamente, pode-se cateterizar a ulnar, braquial, femoral e axilar. Cateteres da artéria radial, especialmente do lado esquerdo, podem dar leituras falsamente baixas após a retração esternal em decorrência da compressão da artéria subclávia esquerda entre a primeira costela e a clavícula. Não se deve cateterizar a artéria radial ipsilateral a uma dissecção prévia de artéria braquial, devido ao maior risco de trombose e distorção das ondas. Faz-se ainda a monitorização não invasiva da pressão arterial, para comparação com as medidas diretas, através de um manguito manual ou automático no lado oposto. 3. Pressão Venosa Central e Pressão Artéria Pulmonar A pressão venosa central deve ser monitorizada em todos os pacientes. O cateter de artéria pulmonar será usado dependendo do procedimento do procedimento e da preferência da equipe; os principais dados fornecidos são (1) pressão da artéria pulmonar, (2) pressão propulsora, e (3) débito cadíaco por termodiluição. Indicações gerais para a cateterização da artéria pulmonar: (1) comprometimento da função ventricular (FE<40-50%); (2) hipertensão pulmonar; e (3) procedimentos de alta complexidade. 4. Diurese É importante a monitorização da diurese horária através de uma sonda de demora. O aparecimento súbito de urina vermelha pode indicar hemólise excessiva causada pela CEC ou uma reação à transfusão. 5. Temperatura Geralmente são colocados múltiplos monitores de temperatura uma vez que o paciente esteja anestesiado, pois o paciente é resfriado e reaquecido e isso deve ser acompanhado. São monitorizadas as temperaturas: (1) vesical ou retal (representando uma temperatura corporal média), (2) esofágica e da artéria pulmonar (representando a temperatura corporal central), e a (3) do miocárdio, diretamente durante a CEC. 6. Parâmetros Laboratoriais É obrigatória a monitorização laboratorial intraoperatória durante a cirurgia cardíaca. Gasometria, hematócrito, potássio sérico, cálcio ionizado e glicose, devem estar à disposição e são solicitados durante a cirurgia para controle. O tempo de coagulação ativada (TCA) é usado para monitorizar a anticoagulação. 7. Campo Cirúrgico Através do próprio campo cirúrgico, pode-se avaliar (1) a expansão dos pulmões através da pleura; (2) ritmo, volume e contratilidade cardíacos; (3) perdas sanguíneas; (4) manobras cirúrgicas e suas relações com alterações hemodinâmicas e do ritmo. 8. Ecocardiografia Transesofágica (ETE) Fornece informações valiosas sobre a anatomia e a função cardíaca. Suas aplicações mais importantes são: - Função Ventricular: avaliada pela (1) função sistólica global, determinada pela fração de ejeção e o volume diastólico final do VE; (2) função diastólica, avaliada pelo relaxamento e velocidade do fluxo mitral; e (3) função sistólica regional, avaliada pela movimento da parede e anormalidades de espessamento. A severidade das anormalidades regionais de movimento da parede pode ser classificada em: (1) hipocinesia, referente a diminuição o movimento da parede, podendo ser leve, moderada ou intensa; (2) acinesia, que é a ausência de movimento da parede; e (3) discinesia, que é o movimento paradoxal da parede. - Função Valvar: a ETE multiplanar pode avaliar a morfologia valvar, e, com Doppler, pode avaliar os gradientes de pressão, a severidade da estenose e/ou insuficiência valvar. Assim, se faz útil na escolha do procedimento a ser realizado na valva, bem como avaliação da valva após o procedimento. Ainda é útil na estimativa do tamanho valvar, na escolha de prótese. - Exame para ar residual: a ETE é útil para detectar ar residual após as manobras cirúrgicas para retirada de ar, indicando mais manobras e evitando embolia cerebral ou coronariana. . 9. Doppler Transcraniano Proporciona medidas não-invasivas da velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias da base do cérebro, através do osso temporal. Parece ser útil para detectar embolia cerebral. 10. Eletroencefalografia É útil para avaliar a profundidade do plano anestésico, e para assegurar o completo silêncio elétrico antes da parada circulatória. No entanto, tem sua utilidade para detectar agressões neurológicas durante a CEC reduzida por sofrer influência dos agentes anestésicos, hipotermia e hemodiluição. A maioria dos AVCs durante a CEC se deve a pequenas embolias que, provavelmente, não são detectados no EEG. Indução da Anestesia As cirurgias cardíacas requerem anestesia geral, intubação endotraqueal e ventilação controlada. A indução deve ser realizada de maneira lenta, homogênea e controlada, a chamada indução cardíaca. A dose deve ser inversamente proporcional à função ventricular. Deve-se certificar de que o paciente está num plano anestésico profundo o suficiente para que, na intubação, não tenha acentuada resposta vasopressora ou hipotensão excessiva. Assim que a consciência é perdida, é dado o relaxante muscular. A pressão arterial e a freqüência cardíaca devem ser continuamente avaliadas. O período após a intubação costuma ser caracterizado por diminuição gradual da pressão arterial, decorrente do estado anestesiado (vasodilatação e diminuição do tônus simpático), e de uma falta de estimulação cirúrgica. Os pacientes costumam ter depleção de volume em razão do (1) jejum pré-operatório e (2) uso prévio de diuréticos. Por isso, respondem bem a bolus de líquidos. Esta medida, no entanto, pode agravar a hemodiluição causada pela CEC. Podem ser necessárias pequenas doses de fenilefrina ou efedrina. Após intubação e ventilação controlada, deve-se repetir as medidas hemodinâmicas – (1) TCA basal, (2) gasometria arterial, (3) hematócrito e (4) concentração sérica de potássio. Escolha dos Anestésicos Freqüentemente se utiliza a combinação das técnicas intravenosa e inalatória. Técnicas intravenosas totais são mais adequadas para pacientes com função ventricular comprometida. Técnicas predominantemente inalatórias são reservadas a pacientes com função ventricular relativamente boa (Fração de Ejeção de 40-50%). Em qualquer dos dois casos, deve ser usado relaxante muscular para facilitar a intubação endotraqueal e a retração da parede torácica. 1. Técnicas Predominantemente Inalatórias Seguem, normalmente, as seguintes etapas: - Indução intravenosa, em que se usa barbitúricos, benzodiazepínicos, opióides, propofol, cetamina ou etomidato, isoladamente ou combinados. - Relaxante Muscular, aplicado logo após a perda de consciência. - Agente volátil, que vai sendo acrescentado lentamente, monitorando-se sua concentração, e adaptando-a em função da pressão arterial. - Intubação, quando o paciente está adequadamente anestesiado. Sua principal vantagem é a capacidade de mudar a concentração anestésica rapidamente. Sua principal desvantagem é que causa depressão cardíaca direta dose-dependente. O isoflurano é o principal agente utilizado. (a despeito de relatos sugerirem um potencial para induzir roubo coronariano). O óxido nitroso possui uma tendência a expandir bolhas de ar intravascular que possam se formar durante a CEC, sendo evitado. Se for usado, deve ser interrompido 15-20 min antes da CEC. 2. Técnicas Predominantemente Intravenosas - Técnicas com opióides em altas doses São raramente utilizadas devido a suas desvantagens: (1) o paciente tem consciência (lembrança) durante a cirurgia; (2) depressão respiratória prolongada no pós-operatório; (3) não conseguem controlar a resposta hipertensiva à estimulação cirúrgica. Pode-se acrescentar um vasodilatador (nitroglicerina, nitroprussiato), um betabloqueador, ou um agente volátil nos períodos de aumento da estimulação para impedir hipertensão. O uso concomitante de um benzodiazepínico ou baixa dose de um agente volátil diminui a probabilidade de consciência. Altas doses de fentanil e sufentanil são associadas a uma (1) depressão cardíaca mínima e (2) relativa estabilidade hemodinâmica, quando usados isoladamente. Quando usados em combinação com outros agentes intravenosos como os barbitúricos e benzodiazepínicos, contudo, causam hipotensão decorrente de vasodilatação e depressão cardíaca. O sufentanil pode causar mais dano hemodinâmico que o fentanil, especialmente em idosos com má função ventricular, possivelmente por uma redução do tônus simpático. Por outro lado, os pacientes anestesiados com sufentanil recuperam a consciência mais cedo, podendo ser extubados antes dos anestesiados com fentanil. O alfentanil geralmente não é usado em altas doses, devido ao seu custo e a relatos de que proporciona menor estabilidade hemodinâmica. Qualquer destes agentes, após administração rápida, pode causar rigidez muscular e bradicardia induzida por opióides. Para impedir a rigidez deve ser feito relaxante muscular assim que a consciência for perdida. - Cetamina com benzodiazepínicos A associação de cetamina com midazolam para indução e manutenção anestésica, está associada a hemodinâmica relativamente estável, boa amnésia e analgesia, além de mínima depressão respiratória no pós-operatório. Hipertensão significativa após a intubação pode requerer o uso adicional de pequenas doses de propofol, de um opióide, um agente volátil ou de um vasodilatador. Esta técnica é especialmente útil para pacientes com função ventricular insatisfatória. A cetamina associada a diazepam também é associada a estabilidade hemodinâmica. 3. Relaxantes Musculares A intubação geralmente é realizada com um relaxante muscular adespolarizante, cuja escolha baseiase principalmente na resposta hemodinâmica desejada. Há relatos de que o rocurônio e o vecurônio são mais utilizados comumente. O vecurônio pode aumentar acentuadamente a bradicardia induzida por opióides. A succinilcolina deve ser considerada para a intubação se existir um potencial para vias aéreas difíceis. Período Pré-CEC Após a indução e intubação, o curso anestésico é caracterizado por um período de estimulação mínima (colocação de campos, preparação da pele) frequentemente associado à hipotensão; seguido por períodos de estimulação intensa (incisão na pele, esternotomia, retração costal), que podem produzir taquicardia e hipertensão. Respostas vagais intensas, com bradicardia e hipotensão, podem ocorrer durante a retração costal e abertura do pericárdio, e podem ser mais pronunciadas em pacentes que estavam em uso de betabloqueadores, verapamil e diltiazem. Após a abertura do tórax, a pressão intratorácica, normalmente negativa, torna-se atmosférica. Isso pode ocasionar queda do retorno venoso e débito cardíaco, requerendo infusão de líquidos. Anticoagulação A anticoagulação deve ser estabelecida antes da CEC para impedir coagulação intravascular disseminada aguda e formação de coágulos na bomba da CEC. Para tanto, normalmente utiliza-se heparina, na dose de 300 a 400U/kg, enquanto são feitas as suturas em bolsa para a canulação. A heparina pode ser administrada pelo cirurgião, diretamente no átrio direito, ou pelo anestesiologista, por meio de uma linha central. A anticoagulação deve ser assegurada através da determinação de um TCA acima de 400 a 450s. O TCA é medido após 3 a 5 minutos da infusão de heparina em linha central. Se estiver abaixo de 400, deve-se dar heparina na dose de 100U/kg, e medir o TCA novamente. Profilaxia de Sangramentos A profilaxia de sangramentos é feita com antifibrinolíticos, e pode ser realizada antes ou após a anticoagulação. A aprotinina é um inibidor das proteases da serina, como a plasmina, a calicreína e a tripsina. Sua ação mais importante, contudo pode ser preservar a função plaquetária. É eficaz em reduzir a perda de sangue no perioperatório e a necessidade de transfusão. Também parece reduzir a atividade inflamatória associada a CEC. Alguns pontos negativos são reação anafilática, que eventualmente pode ocorrer, e interferência com um tipo de TCA, o celite-TCA. O caulim-TCA parece ser menos afetado pela aprotinina. O ácido épsilon-aminocapróico e o ácido tranexâmico não afetam o TCA e têm menor possibilidade de induzir reações alérgicas. O ácido épsilon aminocapróico é um antifibrinolítico usado em cirurgia cardiovascular a fim de inibir a fibrinólise e reduzir o sangramento após circulação extracorpórea (CEC). Esse fármaco bloqueia a produção do plasminogênio e do ativador do plasminogênio tecidual. O AEAC combina-se ao plasminogênio e à plasmina livre e impede que as enzimas fibrinolíticas liguem-se aos resíduos de lisina existentes na molécula do fibrinogênio, impedindo, assim,a fibrinólise. Canulação Após a anticoagulação, a canulação da aorta é realizada primeiramente, em virtude de (1) problemas hemodinâmicos associados a canulação venosa e (2) a possibilidade de infusões rápidas de líquido através da cânula aórtica, caso sejam necessárias. A redução da PA sistêmica, com uma sistólica entre 90 e 100 mmHg, facilita a canulação arterial. Neste momento, se houver falhas na remoção das bolhas de ar da cânula e linha arteriais, pode haver embolia coronariana ou cerebral; e, se houver falha na entrada na aorta, dissecção. A canulação venosa, precipita frequentemente arritmias atriais, sendo comuns extrassístoles atriais e períodos transitórios de taquicardia supraventricular. Taquicardia atrial paroxística sustentada ou fibrilação atrial podem facilmente levar a uma deterioração hemodinâmica, o que deve ser tratado farmacologicamente, eletricamente, ou por anticoagulação imediata e início da CEC. A manipulação das cavas, notadamente na canulação bicaval, está associada a hipotensão por comprometimeno do enchimento ventricular. O mau posicionamento de cânulas venosas pode interferir no retorno venoso, ou impedir a drenagem venosa da cabeça e do pescoço. Período da CEC Uma vez colocadas e fixas as cânulas, se o TCA estiver aceitável e o perfusionista pronto, inicia-se a CEC. Neste momento, é crítico estabelecer adequação do retorno venoso para o reservatório da bomba, cujo nível deve aumentar gradualmente. Se o retorno venoso for pequeno, o que seria demonstrado por uma diminuição do nível do reservatório, a carga inicial da bomba se esvaziará rapidamente, permitindo a entrada de ar no circuito. Poderá ser necessário acrescentar volume (sangue ou colóide) ao reservatório. Devemos, então, sempre checar o posicionamento das cânulas, obstrução delas por uma pinça esquecida, dobras ou travas de ar. Com a CEC estabelecida, o coração deve gradualmente esvaziar-se. Se isso não acontecer, ou ocorrer distensão progressiva do mesmo, se faz necessário checar o posicionamento das cânulas, e pesquisar regurgitação aórtica. Fluxo e Pressão A PA sistêmica é monitorizada de perto à medida que o fluxo da bomba aumenta gradualmente até 2 a 2,5L/min/m No início da CEC, com freqüência a PA diminui abruptamente, o que é atribuído pela hemodiluição abrupta, diminuindo a viscosidade do sangue e a RVS. Esse efeito é parcialmente compensado pela hipotermia, que aumenta a viscosidade sanguínea. Diminuições persistentes e excessivas (menos de 30mmHg), devem alertar para dissecção aórtica, pouco retorno venoso, mau funcionamento da bomba, ou erro no transdutor de pressão. 2. Pressão arterial média= Fluxo da bomba X RVS A conduta geral para a CEC, deve ser manter a PA e fluxo de sangue adequados pela manipulação do fluxo da bomba e RVS. Embora haja controvérsia, a maioria dos centros se esforça por fluxos sanguíneos de 2 a 2,5L/min/m (50-60 ml/kg/min) e pressões arteriais médias entre 50 e 80 mmHg. Há evidências de que, durante uma hipotermia entre 20 e 25ºC, uma PAM que não passa de 30mmHg ainda pode proporcionar fluxo cerebral adequado. A RVS pode ser aumentada com fenilefrina e metoxamina. Em geral, quando a PAM excede 100mmHg, diz-se que existe hipertensão, a qual é tratada com diminuição do fluxo da bomba ou acrescentando isoflurano ao gás que entra no oxigenador. E se a hipertensão for refratária a essas medida, ou o fluxo da bomba já estiver baixo, pode-se lançar mão de um vasodilatador como o nitroprussiato. 2 Monitorização A monitorização adicional durante a CEC inclui o fluxo na bomba, o nível do reservatório venoso, a pressão na linha de influxo arterial, o sangue (oxigenado e venoso) e a temperatura do miocárdio, além da saturação de oxigênio das linhas venosa e arterial. As tensões dos gases sanguíneos e o PH devem ser confirmados por medidas diretas. Na ausência de hipoxemia, baixa saturação venosa de oxigênio, acidose metabólica progressiva ou baixa diurese são indicativas de fluxos inadequados. Durante a CEC, a pressão na linha de influxo arterial é quase sempre mais alta que a pressão arterial sistêmica medida a partir da artéria radial. Essa diferença de pressão representa a queda de pressão através do filtro arterial, dos tubos arteriais e da estreita abertura da cânula arterial. Ainda assim, é importante monitorizar esta pressão, que deve permanecer abaixo de 300mmHg; pressões mais altas podem indicar um filtro arterial obstruído, obstrução dos tubos ou da cânula arterial ou dissecção aórtica. TCA seqüencial, hematócrito e dosagens de potássio são necessários durante a CEC. O TCA é medido imediatamente após o bypass e depois a cada 20 a 30 minutos. O resfriamento aumenta a meia-vida da heparina e prolonga seu efeito. Costuma ser usada uma curva dose-resposta par heparina, que facilita o cálculo das doses subseqüentes e a reversão com protamina. O hematócrito é mantido geralmente entre 20 e 25%, sendo que podem ser necessárias transfusões de hemácias para o reservatório da bomba. Aumentos acentuados nas concentrações de potássio, que podem decorrer da cardioplegia, geralmente são tratados com furosemida. Hipotermia e Cardioplegia De rotina, é usada hipotermia moderada (2632ºC) ou profunda para a maioria dos procedimentos. Baixas temperaturas permitem fluxos mais baixos na CEC, sendo que a 20ºC, podem ser adequados fluxos que não ultrapassem 1,2L/min/m Quando o coração é resfriado a 28-29ºC, frequentemente ocorre fibrilação ventricular. A cardioplegia deve ser estabelecida imediatamente, pois a fibrilação consome os fosfatos de alta energia e prejudica a preservação do miocárdio. A cardioplegia é obtida com o clampeamento da aorta ascendente proximalmente à cânula aórtica, através de um pequeno cateter proximal ao clampe; se a aorta estiver aberta, pode ser infundida diretamente no óstio das coronárias. 2. Ventilação A ventilação pulmonar deve ser continuada até que a CEC alcance um fluxo adequado e o coração pare de ejetar sangue. Interromper a ventilação prematuramente faz com que qualquer fluxo sanguíneo pulmonar remanescente haja como um shunt da direita para a esquerda, o que pode acarretar hipoxemia. Uma vez cessada a ventilação, o fluxo de oxigênio pode continuar no circuito de anestesia com uma pequena pressão expiratória final positiva para impedir disfunção pulmonar no pós-operatório. Na maioria dos centros cessa-se todo o fluxo de gás ou continua-se um baixo fluxo de oxigênio no circuito de anestesia. A ventilação é reassumida na conclusão da CEC, quando o coração começa a ejetar sangue. Anestesia A hipotermia em si é anestésica, mas a falta de administração de anestésicos durante a CEC resulta em anestesia superficial e contribui para a consciência, sobretudo durante o reaquecimento. É freqüente o desenvolvimento de hipertensão e, caso se permita o desaparecimento da paralisia muscular, o paciente começar a se movimentar. Por isso, durante a CEC, podem ser necessárias doses adicionais de relaxantes musculares e anestésicos. Baixas concentrações de um agente volátil, como o isoflurano, através do oxigenador são usadas frequentemente. Contudo, é necessário interromper o agente volátil imediatamente antes do término da CEC, para evitar depressão miocárdica adicional. Para pacientes com função precária ventrículo esquerdo, é preferível usar um narcótico ou pequenas doses de um benzodiazepínico, pois eles podem ser muito sensíveis aos efeitos adicionais da cardioplegia e de um agente volátil. Muito anestesistas administram de rotina um benzodiazepínico, como o midazolam, ou a escopolamina durante o reaquecimento. Alternativamente, infusão de opióide ou de cetaminamidazolam podem ser mantidas durante a CEC. Sudorese durante o reaquecimento ocorre como uma resposta hipotalâmica à perfusão do sangue aquecido, não significando, portanto, anestesia superficial. Proteção Cerebral As complicações neurológicas após a CEC podem chegar a 40%. Consistem, na maioria dos casos, em disfunção neuropsiquiátrica transitória, variando de sutis alterações cognitivas e intelectuais a delírio e síndromes cerebrais orgânicas. Complicações mais graves como os AVCs, são menos comuns (2-5%). Os fenômenos embólicos parecem ser responsáveis pela maioria dos déficits neurológicos. No entanto, não se conhece a contribuição da hipoperfusão cerebral. Embora controversas, relata-se que a infusão profilática de tiopental (suprimindo a atividade eletroencefalográfica) imediatamente antes e durante procedimentos cardíacos diminuam a incidência e a severidade dos déficits neurológicos. Contudo, podem aumentar a necessidade de suporte inotrópico ao término da CEC. Antes da parada circulatória com hipotermia profunda, também são administrados corticosteróide, manitol e fenitoína. Término da CEC A interrupção do bypass é efetuada por uma série de procedimentos e condições necessários. - O reaquecimento deve estar finalizado É importante a decisão do cirurgião sobre quando reaquecer pois o reaquecimento adequado requer tempo. O reaquecimento rápido demais (1) remove os efeitos protetores da hipotermia; (2) resulta em grandes gradientes de temperatura entre órgãos bem perfundidos e os tecidos periféricos vasoconstrictos, sendo que à retirada da CEC, o equilíbrio subseqüente diminui novamente a temperatura central; (3) precipita a formação de bolhas de ar na corrente sanguínea, à medida que a solubilidade dos gases rapidamente diminuir. A infusão de um vasodilatador, como o nitroprussiato ou a nitroglicerina, acelera o processo de reaquecimento diminuindo os gradientes de temperatura, ao permitir fluxos mais altos na bomba. O coração pode fibrilar durante o reaquecimento. A administração de lidocaína e sulfato de magnésio antes da remoção do clampe aórtico pode diminuir a probabilidade de fibrilação. Para desmame da CEC, a temperatura central deve estar de pelo menos 37ºC - O ar deve ser eliminado do coração O anestesista pode solicitar a posição de cafalodeclive enquanto o ar intracardíaco está sendo eliminado para diminuir a probabilidade de embolia cerebral. A insuflação dos pulmões facilita a expulsão de ar intracardíaco do lado esquerdo, pressionando os vasos pulmonares e fazendo retornar sangue para o coração esquerdo. A ecocardiografia transesofágica é útil para a detecção de ar residual. - O clampe aórtico deve ser removido - A ventilação pulmonar deve ser reassumida Para desmame da CEC, deve ter sido reiniciada ventilação adequada com oxigênio a 100%. A reinsuflação dos pulmões requer uma pressão temporariamente mais alta das vias aéreas. - Ritmo cardíaco Deve estar presente um ritmo estável, preferencialmente sinusal. Pode ser necessário um marca-passo atrioventricular. A freqüência cardíaca deve ser adequada, geralmente entre 80-100bpm. À persistência de bloqueio atrioventricular, deve-se medir prontamente o potássio no sangue. Uma hipercalemia pode ser tratada com cálcio, NaHCO3, furosemida ou glicose e insulina. Frequencias cardíacas lentas são mais problemáticas que as rápidas, sendo melhor tratá-las com estimulação. Agentes inotrópicos são úteis. Taquicardias supraventriculares costumam precisar de cardioversão. - Checar exames laboratoriais Os exames laboratoriais devem ficar dentro dos limites aceitáveis. Acidose significativa (pH < 7,2), hipocalcemia e hipercalemia devem ser tratadas. O hematócrito deve ser de pelo menos 22-25%. Desmame da CEC O desmame da CEC deve ser gradual, pois devem ser avaliados a pressão arterial sistêmica, os volumes ventriculares, as pressões de enchimento, o débito e a contratilidade cardíaca. Após liberar as amarras em torno da veia cava, clampear progressivamente a linha do retorno venoso, e ocorrer então o enchimento do coração em atividade, é reassumida a ejeção ventricular. O fluxo da bomba é gradualmente diminuído, a medida que a pressão arterial se eleva. Uma vez que a linha venosa esteja completamente ocluída e a pressão arterial esteja adequada (acima de 89-90mmHg), o fluxo da bomba pára, e o paciente é avaliado. Pacientes com boa função ventricular geralmente desenvolvem boa pressão arterial e débito cardíaco rapidamente, podendo ser separados da CEC imediatamente. Pacientes hiperdinâmicos emergem da CEC com uma RVS muito baixa, de forma que possuem boa contratilidade e volume adequado, mas a PA é baixa; geralmente seu hematócrito está abaixo de 22%. A ultrafiltração ou a transfusão de concentrado de hemácias já é suficiente para aumentar a pressão arterial, de forma que esses pacientes podem ser desmamados rapidamente. Pacientes hipovolêmicos com função ventricular preservada respondem rapidamente a bolus de 100ml de sangue da bomba de CEC infundido diretamente na cânula aórtica. A pressão arterial e o débito cardíaco aumentam a cada bolus, e o aumento se torna cada vez mais sustentado. Pacientes com falência de bomba saem da CEC com o coração preguiçoso, que contrai pouco e se distende progressivamente. Nesses casos, a CEC é reinstituída e se inicia terapia inotrópica. Se a RVS for alta, pode-se tentar vasodilatação com nitroprussiato ou um inodilatador, como a milrinona. Caso essas medidas falharem, deverá ser inicia o suporte com bomba de balão intra-aórtico (BBIA). O uso de bypass parcial, sob a forma de um dispositivo de assistência do ventrículo esquerdo ou direito (DAVE ou DAVD) pode ser necessário para pacientes com falência de bomba refratária. Dispositivos de assistência circulatória podem ser usados como ponte para transplante cardíaco. Drogas inotrópicas devem ser usadas com cautela em pacientes que vieram da CEC, pois aumentam a demanda de oxigênio do miocárdio. O uso de cálcio tem potencial para piorar lesão isquêmica e pode contribuir para o espasmo coronariano, especialmente em pacientes que vinham tomando bloqueadores do canal de cálcio. Dopamina e dobutamina são os agentes mais comumente usados. A dobutamina, diferentemente da dopamina, não aumenta as pressões de enchimento e pode associar-se a menos taquicardia;infelizmente, o débito cardíaco costuma aumentar, sem alterações significativas da pressão arterial. A dopamina, muitas vezes, é mais eficaz em elevar a pressão arterial do que o débito cardíaco. A adrenalina é usada para aumentar o débito cardíaco e a pressão arterial quando outros agentes falharam. Inibidores seletivos da fosfodiesterase tipo III, anrinona e milrinona, são inotrópicos com propriedades vasodilatadoras artérias e venosas significativas. E, diferente de outros inotrópicos, não aumentam apreciavelmente o consumo de oxigênio pelo miocárdio. A noradrenalina é útil para aumentar a resistência vascular sistêmica, mas altas doses podem comprometer o fluxo sanguíneo renal. A arginina vasopressina pode ser útil em pacientes com hipotensão refratária, RVS baixa e resistência à noradrenalina. O óxido nítrico e a prostaglandina E1 inalados podem ser úteis para hipertensão pulmonar refratária e insuficiência do ventrículo direito. Período pós-CEC Durante o período pós-CEC, o sangramento é controlado, as cânulas são removidas, reverte-se a anticoagulação e o tórax é fechado. A pressão arterial sistólica é mantida entre 90110mmHg para minimizar o sangramento. A manipulação do coração em busca de sangramentos pode causar hipotensão severa. A maioria dos pacientes precisa de volume sanguíneo adicional ao término da CEC. É desejável um hematócrito final de 25-30%. O sangue restante no reservatório da CEC pode ser transfundido através da cânula aórtica, se esta ainda estiver colocada, ou processado através de um dispositivo recuperador de células e dado por via intravenosa. Desequilíbrios eletrolíticos e arritmias ventriculares devem ser corrigidas; estas últimas, nesta situação, podem deteriorar rapidamente para taquicardia e fibrilação ventriculares. Reversão da Anticoagulação Uma vez que a hemostasia seja julgada aceitável e que o paciente continue estável, reverte-se a atividade da heparina com a protamina. A protamina é uma proteína com alta carga positiva que se liga efetivamente a heparina, que é um polissacarídeo carregado negativamente. Os complexos heparina-protamina são então removidos pelo sistema reticuloendotelial. Podem ser usadas várias técnicas de posologia da protamina, mas todas são empíricas e a adequação deve ser verificada medindo o TCA 3-5 minutos após a reversão. A administração de protamina pode resultar em numerosos efeitos hemodinâmicos adversos, que parecem ser secundários a reações imunes ou idiossincráticas não-imunes. Geralmente, a protamina dada lentamente tem efeitos mínimos, mas pode ser vista hipotensão por vasodilatação sistêmica aguda, ou acentuada hipertensão pulmonar. Os diabéticos previamente mantidos com insulina contendo protamina podem ter aumento do risco de reações alérgicas. Quando se dá protamina em excesso, ela tem atividade anticoagulante. Sangramento persistente É mais comum em cirurgias com mais de 2h de CEC, e, na maioria das vezes, se deve a causas multifatoriais: - Controle cirúrgico inadequado dos pontos de sangramento. - Reversão inadequada de heparina. - Re-heparinização – ocorre devido a uma redistribuição de protamina para compartimentos periféricos ou de redistribuição de heparina ligada perifericamente para o compartimento central. - Hipotermia de até 35ºC acentua os defeitos hemostáticos, devendo ser corrigida. - Trombocitopenia e disfunção plaquetária, que são complicações conhecidas da CEC, devem ser investigadas sempre que o sangramento persiste, a despeito de uma hemostasia cirúrgica adequada e o TCA for normal. As plaquetas devem ser mantidas acima de 100.000/mcL, e para isso pode ser necessário transfusão de plaquetas. - TAP e TTPA prolongados levam a suspeita de depleção de fatores de coagulação, especialmente fator V e VIII, que deve ser tratada com plasma fresco congelado. Desmopressina pode aumentar a atividade dos fatores VIII e XII, e do fator de Von Willebrand. - Hipofibrinogenemia deve ser tratada com crioprecipitado. - Fibrinólise acentuada, diagnosticada por elevação dos produtos de degradação da fibrina, pode ser revertida com ácido épsilon-aminocapróico ou ácido tranexâmico, se ainda não estiver sendo dado. Anestesia A menos que seja utilizada técnica de infusão intravenosa contínua, agentes anestésicos adicionais são necessários após a CEC, cuja escolha depende do estado hemodinâmico do paciente. Pacientes instáveis geralmente recebem pequenas doses de opióides, benzodiazepínicos, ou escopolamina. Os pacientes hiperdinâmicos toleram doses anestésicas de um agente volátil. Ainda que seja usado um agente volátil após a CEC, costuma-se usar um opióide para proporcionar sedação durante a transferência para a unidade de terapia intensiva e analgesia durante a recuperação. Transporte A monitorização mínima durante o transporte inclui ECG, pressão arterial e oximetria de pulso. Um canal extra de pressão para pressões centrais também é desejável. Um tubo traqueal, um laringoscópio, succinilcolina e drogas de reanimação devem acompanhar o paciente. Com a chegada a UTI, o paciente deve ser conectado ao ventilador, com verificação do murmúrio vesicular, e deve seguir uma transferência organizada dos monitores e infusões. A equipe da UTI deve receber um resumo da cirurgia, intercorrências e qualquer dificuldade esperada. Período pós-operatório A maioria dos pacientes permanece em ventilação mecânica por 2-12h no pós-operatório. A sedação pode ser efetuada por pequenas doses de morfina ou por uma infusão de propofol. A ênfase nas primeiras horas do pós-operatório deve ser a manutenção da estabilidade hemodinâmica e a monitorização para sangramento excessivo. Débito de 250-300ml/kg pelo dreno de tórax nas primeiras duas horas é excessiva e costuma requerer reexploração cirúrgica. Hipertensão não responsiva a drogas é um problema comum, e deve ser tratado agressivamente para que não exacerbe algum sangramento ou isquemia. Em geral, usa-se nitroprussiato ou nitroglicerina. A reposição de líquidos deve ser orientada pela pressão de enchimento. A maioria dos pacientes costumam requerer volume por várias horas após a cirurgia. Hipocalemia e hipomagnesemia podem ocorrer devido ao uso de diuréticos no intra-operatório. Pensa-se em extubação quando a paralisia muscular está ausente e o paciente estável hemodinamicamente. Deve-se ter cuidado com obesos e idosos. Procedimentos torácicos costumam resultar em diminuições acentuadas da capacidade residual funcional e à disfunção diafragmática. A maioria dos pacientes são extubados na manhã seguinte. Referências 1. Anestesiologia Clínica, 3ª edição, Ed. Revinter, 2006. 2. DelRossi AJ, Cernaianu AC, Botros S, Lemole GM, Moore R. Prophylactic treatment of postperfusion bleeding using EACA. Chest. 1989;96(1):27-30. 3. Temas em Anestesiologia para o curso de graduação em medicina. 2ª Ed. São Paulo. Editora UNESP: Artes Médicas, 2000.