FEBRE AFTOSA:
de onde viemos, onde estamos
e para onde vamos
Por:
Dr. Sebastião Costa Guedes - diretor de sanidade animal do Conselho Nacional da Pecuária de
Corte – CNPC e presidente do Grupo Interamericano para Erradicação da Febre Aftosa – GIEFA.
O diretor de sanidade animal do
Conselho Nacional da Pecuária
de Corte – CNPC e presidente
do Grupo Interamericano para
Erradicação da Febre Aftosa
– GIEFA, Dr. Sebastião Costa
Guedes, faz uma retrospectiva
sobre a história da febre aftosa
no Brasil e aponta para qual
caminho estamos seguindo
em relação a esta enfermidade
animal de extraordinária
importância econômica.
como assunto prioritário em matéria de saúde
animal por países que são grandes produtores e
exportadores de carne bovina.
Tema que preocupa
No Brasil não é diferente. Segundo dados do
IBGE, o Brasil conta hoje com um efetivo bovino de 208 milhões de cabeças, sendo o maior
exportador de carne bovina e o segundo maior
produtor, portanto Febre Aftosa é um tema que
preocupa muito os elos da cadeia da pecuária.
EXPORTAÇÕES X FOCOS DE AFTOSA
7000
6000
5000
4000
3000
2000
ocumentada pela primeira vez na história ainda no século 16, na Itália, por Fracastorius, um monge e médico do Papa
no famoso Concílio de Trento, a Febre Aftosa é
sem dúvida a doença animal com maior impacto
econômico, seja pelas perdas diretas em virtude dos sintomas clínicos, levando à diminuição
da produção, mas principalmente por perdas
em decorrência da impossibilidade de atuar no
mercado internacional por conta dos embargos
dos países importadores de nossa carne. Por
esse motivo a febre aftosa é considerada uma
enfermidade de altíssima importância e é tratada
D
0
1990
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2012
2013
1000
Número de focos de febre aftosa
Exportação em US$ milhões
Fonte: ABIEC & OIE
O Brasil iniciou efetivamente o combate à
febre aftosa na década de 1950, com a criação
do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa – PANAFTOSA (um órgão da Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS) pelo então presidente
Getúlio Vargas, neste mesmo período iniciava-se a produção de vacina no Instituto de Biologia
Animal Business-Brasil_9
Animal - IBA (UFRB – Rio de Janeiro), também
no Instituto Biológico em São Paulo, pelo setor
privado as pioneiras foram Leivas Leite e Noli,
ambas no Rio Grande do Sul.
Início da campanha
Na década de 1960, o governo inicia ações
para organizar o controle. Em 1963 inicia a Campanha de Combate à Febre Aftosa e em 1964
institui-se o Grupo Executivo de Combate à Febre Aftosa iniciando as atividades no Rio Grande do Sul. Nesta mesma década, aumentou a
participação do setor privado, principalmente de
empresas internacionais na produção de vacinas, onde podemos destacar a participação de
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A década de 1970 foi de incentivo e expansão, com melhor organização dos programas
existentes e início do pensamento voltado à erradicação da doença, também de trabalho em
sincronia coordenada com a América do Sul. Na
mesma década houve a criação da Comissão
Sul-Americana para Erradicação da Febre Aftosa
– COSALFA, um fórum de discussão e troca de
experiências entre os países da região para melhor compreensão dos programas de erradicação
e discussão de estratégias. Da COSALFA sempre
participaram delegados dos setores público e privado de cada país. Foi criado também o projeto
Bacia do Prata, importante ferramenta no Cone$51%.#!#%*+"+65+78'%*'$%9'&'$%/%+6:/6$+ &#78'%*/%
estudos sorológicos para analisar a circulação viral. Foi nesta mesma década que houve um grande avanço na tecnologia de vacinas, com a descoberta da vacina oleosa pelo PANAFTOSA, que
alongou a imunidade dos animais e o intervalo
entre as vacinações, o que reapresentou também
diminuição nos custos para os produtores.
Grandes avanços
As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas
por grandes avanços e a expressiva redução dos
focos. Alavancado pelo importante trabalho do
CNPC e com forte participação do setor privado, muitas ações foram tomadas para melhoria
da situação de combate à aftosa no Brasil, como
a criação dos circuitos pecuários. Na década de
1990 destaca-se a implantação da política de erradicação com regionalização das ações e meta
de país livre. Em 1992, iniciou-se no Brasil o processo de erradicação da Febre Aftosa, com a
criação do Programa Nacional de Erradicação e
Prevenção da Febre Aftosa, um importantíssimo
marco e principal ferramenta de orientação para
os estados avançarem em seus programas de
controle e erradicação. Iniciava também a luta
para ter o reconhecimento da OIE para a regionalização das áreas nos grandes países, onde
podemos destacar o trabalho de Santa Catarina
– pioneiro em “livre com vacinação” e depois em
“livre sem vacinação”. Nesta mesma década, o
Chile erradicou a doença e o Uruguai foi o segundo a erradicar, retirando a vacinação na metade
da década. O Uruguai, entretanto, cometeu um
erro ao encerrar toda a atividade de manipulação
do vírus e proibir radicalmente a produção da vacina naquele país, tornando-o dependente de países vizinhos quando a doença foi reintroduzida.
Do ano 2000 em diante, o pensamento de erradicação se consolida, com incremento nos traFernando Dias/ Secom SC
O Brasil produz vacinas contra a Febre Aftosa, da melhor qualidade.
10_Animal Business-Brasil
balhos de levantamento dados e ações de campo para inquéritos sorológicos, com objetivo de
evolução de status, não só no Brasil, mas também
nos outros países da América do Sul. Nesta mesma década, o Rio Grande do Sul acompanhou o
Uruguai e retirou a vacinação em 2001, também
a Argentina retirou a vacinação na mesma época,
porém na Argentina surgiram focos ignorados por
longos meses em 2001, fazendo com que a aftosa
se expandisse com milhares de focos neste país e
também no Uruguai. Este último país teve prejuízos de US$ 720 milhões devido a esta epidemia
que encontrou seu rebanho totalmente suscetível,
pois há cinco anos não vacinava. Pouco tempo
depois, a mesma situação de reaparecimento de
focos no RS, que rapidamente retomou a vacinação. Na ocasião o Brasil, através do SINDAN,
doou um milhão de doses ao governo uruguaio.
A criação do GIEFA
Em 2004, na Conferência de Ministros da
Agricultura e Saúde, organizada pela OPAS e
pelo USDA, em Houston (Texas/USA) foi criado
o GIEFA – Grupo Interamericano para Erradicação da Febre Aftosa, importante ferramenta na
evolução dos trabalhos voltados para a erradicação e fórum importante na discussão e seleção
de prioridades para a erradicação continental,
sempre envolvendo representantes de setores
público e privado das seis regiões das Américas
a saber: NAFTA, Caribe, América Central, Região Amazônica, Região Andina e Cone Sul. O
GIEFA valorizou muito o conceito de solidariedade continental propiciando a aplicação de recursos públicos e privados nos países e regiões
mais carentes da América do Sul. Custeou estudos epidemiológicos e atividades de treinamento e extensão rural para proprietários e mão de
obra no campo. O GIEFA, durante esses anos,
realizou importantes trabalhos de atualização
soro-epidemiológica, principalmente na Bolívia,
Equador, Paraguai, Argentina e Brasil. Promoveu planos cooperativos entre Equador e Peru,
Equador e Colômbia e Colômbia e Venezuela.
Coordenou visita de empresários do agronegócio americano ao Brasil, Paraguai e Bolívia. Viabilizou empréstimos do BID para a Bolívia adquirir veículos para seus veterinários e conseguiu
recursos americanos do PL 4.80 para o laboratório de diagnóstico veterinário boliviano.
CLASSIFICAÇÃO DE RISCO PARA FEBRE
AFTOSA E ZONA LIVRE DA DOENÇA - 2014
Zona livre de febre aftosa
com vacinação reconhecimento OIE
Zona livre de febre aftosa
sem vacinação reconhecimento OIE
Risco Médio (BR-3)
Alto Risco (BR-4)
Fonte: MAPA
A evolução no Brasil
É inegável a evolução do Brasil na luta para
erradicar a febre aftosa, um trabalho muito bem
coordenado, que prosperou principalmente
após engajamento do setor privado. Hoje a atual
situação do Brasil: 77,2% do território nacional
é reconhecido como livre de febre aftosa e envolve 25 estados brasileiros, 99% do rebanho
doméstico susceptível esta vivendo em zonas
livres da doença. A última ocorrência de febre
aftosa no país foi registrada em 2006. O estado
de Santa Catarina está reconhecido pela OIE
como zona livre de febre aftosa sem vacinação
desde 2007. No ano de 2014, 8 estados da região nordeste e parte do Pará receberam status
de livre com vacinação pela OIE. Faltam apenas
incluir os estados do Amapá, Roraima e parte
do Amazonas nas zonas livres e teremos todo o
país sem a doença.
Para permitir a eventual evolução do programa de erradicação, ainda torna-se necessário
encarar nossa realidade continental, com extensas fronteiras secas de difícil controle.
Animal Business-Brasil_11
Preocupação sul-americana
A Febre Aftosa deve continuar sendo uma
preocupação sul-americana em todo o continente. O Brasil já sentiu fortemente os efeitos devastadores que essa enfermidade pode causar. Na
última década o Brasil teve alguns focos com
destaque. Em 2004, ocorreram focos em Monte
Alegre (PA) e no município de Careiro da Várzea
(AM), próximo a Manaus. O surto acarretou o embargo de carnes suína, bovina e de frango pela
Rússia gerando grandes perdas econômicas. Já
em 2005 com os focos do Mato Grosso do Sul
e do Paraná, 52 países limitaram as compras de
carne do Brasil. Alguns países restringiram as
importações apenas do Estado do Mato Grosso
do Sul, como a Rússia, o Chile e a Inglaterra. No
entanto, a União Europeia, Israel e África do Sul
embargaram a carne importada tanto do Mato
Grosso do Sul como dos seus Estados vizinhos:
São Paulo e Paraná. Com isso, a restrição atingiu cerca de 80% do volume exportado de carne
bovina “in natura” e 20% da carne suína.
Para atingir o atual nível de evolução foi necessário muito trabalho dos serviços veterinários
' &+#+$,%#.'+#*'$%;!#6*/"/6:/%./1'%$/:'!%.!+<#do, onde o protagonismo de entidades como o
=>?@A,%-B2-%/%C>BDAB% 3/!#"%#%*+9/!/67#4%?6tidades estas que trabalharam pelo fortalecimento das instituições envolvidas em todas as atividades, lutaram pelo levantamento de recursos
para execução das ações de vigilância ativa e
“
Para atingir o
atual (alto) nível
de evolução (no
controle da Febre
Aftosa) foi necessário
muito trabalho dos
serviços veterinários
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grandemente pelo
setor privado
12_Animal Business-Brasil
passiva junto aos estados brasileiros e também
nos países vizinhos com menos infraestrutura.
Ator importante
O CNPC foi importante ator, tendo voz ativa
nas discussões sobre as ações para erradicação
e controle da febre aftosa nos fóruns da Câmara Setorial da Carne Bovina do MAPA, no Fórum Permanente da Pecuária de Corte da CNA
– FNPPC e na Comissão Sul-Americana para a
luta contra a Febre Aftosa – COSALFA. Financiou
uma atualização da situação epidemiológica e
da infraestrutura da defesa sanitária animal nos
estados das regiões Nordeste e Norte do Brasil. Realizou diversos eventos e reuniões com a
participação dos mais importantes líderes em
sanidade animal dos setores público e privado
nacional e internacional. Promoveu fóruns internacionais junto com a ABCZ em duas EXPOZEBU em Uberaba, onde o BID/IADB também
se fez presente oferecendo linhas de crédito e
efetuando doações aos carentes. Participou de
inúmeras atividades de campo para avaliação
dos trabalhos de combate, controle e vigilância.
Importante ressaltar ainda a respeitável parceria
entre o CNPC e a Organização Pan-Americana
de Saúde – OPAS (entidade da Organização
Mundial de Saúde – OMS) através do PANAFTOSA, por meio de acordos de cooperação técnica.
Nos últimos 5 anos, foram transferidos recursos
da ordem de mais de um milhão de dólares, doados principalmente pelo SINDAN, para execução
de trabalhos com objetivo de erradicar a aftosa
na América do Sul, onde tem merecido destaque
os trabalhos efetuados no Equador, este país
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para nenhuma ocorrência em 4 anos. Com esses mesmos recursos são produzidos também
os kits e sets (3ABC, EITB, CFL) que atestam a
qualidade das vacinas contra aftosa, proporcionando tranquilidade à cadeia da pecuária de corte com relação a este importante tema. Também
são essenciais para levantamentos da circulação
viral e do nível imunitário dos rebanhos.
Conhecendo bem os efeitos negativos da
ocorrência de um foco, a dimensão das tarefas
realizadas, o Brasil tem continuado um intenso
trabalho para manutenção do status e também
para evolução do seu programa de erradicação.
SEAPEC
A vacinação sistemática é a arma principal contra a Febre Aftosa.
Atualmente com 99% do rebanho estando den:!'%*'$%1+"+:/$%;/';!I &'$%&'"%!/&'6)/&+"/6:'%
da OIE como zona livre com vacinação, o Brasil
passa a pensar nos próximos passos.
O Brasil tem hoje capacidade instalada para
640 milhões de doses de 5ml de vacina trivalente/ano. Possui 5 fábricas distribuídas por dois estados e uma na Argentina. Uma recente missão
da OIE passou pelo Brasil e alertou que só teremos tranquilidade quando toda a América do Sul
9'!%&/!:+ &#*#%&'"'%1+<!/%&'"%'5%$/"%<#&+6#78'4
Para tal deve haver em nível nacional e continental um programa detalhado das ações essenciais para estabelecer banco de antígenos,
banco de reserva de vacinas, exportação de vacinas a outros continentes, infraestrutura para vigilância ativa e passiva entre outras prioridades.
Este programa deve ser discutido entre governos e setores privados para que se assegure o
êxito esperado.
Importante fator é aderir e fornecer recursos
ao Fundo Mundial de Combate a doenças que
a OIE e a FAO coordenam para assegurar que
países e regiões carentes tenham recursos para
desempenharem suas atividades e não causarem problemas a si próprios e aos seus vizinhos.
Com isto vamos reforçar o apoio a regiões mais
carentes do nosso continente. A ABIEC já está
contribuindo para este fundo. O SINDAN vem
alocando recursos ao PANAFTOSA e discute
participação neste fundo. O CNPC está buscando envolver federações de produtores com o
mesmo objetivo.
Bill Gates
O Fundo Mundial tem obtido grandes doações
da Fundação Bill Gates e dos governos e entidades da Austrália, Espanha, EUA, Itália e Japão.
Pela sua importância como grande produtor
de proteína animal, o Brasil deve ter presença
mais marcante neste fundo e com isso priorizar
a aplicação dos recursos em áreas carentes da
América do Sul.
O Brasil e os países vizinhos precisam de$/6<'1</!%.!';!#"#$%:!#6$.#!/6:/$%/%&'6 I</+$%
para conseguir fazer das Américas o primeiro
continente livre desta enfermidade de grande repercussão econômica.
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FEBRE AFTOSA: - Conselho Nacional da Pecuária de Corte