15º Congresso Brasileiro de Geologia e Engenharia Ambiental AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL DE LAVRAS DE CALCÁRIO EM CAÇAPAVA DO SUL, RS Anelise Marlene Schmidt1; Cristiane Heredia Gomes2; Guilherme Pacheco Casa Nova3, Juliane Quintanilha4, Lucas Quaiati Vieira5, Ana Paula Oliveira Mathias6 Resumo – Este trabalho apresenta os resultados de um estudo de impacto ambiental de processos de lavras de calcário em recursos hídricos no município de Caçapava do Sul, RS. Estão sendo realizadas análises físico-químicas de águas superficiais em cavas na área de mineradoras de calcário da região, bem como levantamento geológico para avaliar as ocorrências minerais. A área de estudo fica localizada na zona de contato entre o Complexo Metamórfico Vacacaí e a Suíte Granítica Caçapava do Sul. As rochas metamórficas estão espacialmente associadas às apófises graníticas, que proporcionaram um intenso fraturamento no mármore dolomítico, com falhas normais de direção preferencial NW-SE, com planos subverticais e falhas com deslocamento laterais, responsáveis pelo desenvolvimentos de zonas cataclásticas. O contato entre estes litotipos é concordante e marcado pela formação de escarnitos, com espessuras centimétricas a métricas. Intrusões de sills de diorito e diques máficos, bem como intercalações de biotita-mica-xisto são comuns na área de estudo. Observa-se, também, veios milimétricos de epidoto intercalados às sequências de xistos e carbonatos. Estas ocorrências podem interferir no caráter ácido/básico de recursos hídricos da região por dissolução de carbonatos e bicarbonatos provenientes dos processos de lavras de calcário. Valores de pH entre 8 e 10 e de condutividade acima de 300 µS/cm indicam águas com caráter básico proveniente da dissolução de calcários dolomíticos. Em complemento, análises de alcalinidade e dureza mostram resultados compatíveis com os valores altos de pH e condutividade. Amostras destas águas também estão sendo analisadas por espectroscopia de absorção atômica onde foi detectada presença de arsênio e selênio, no entanto os valores obtidos estão dentro dos padrões de emissão exigidos pelos órgãos ambientais. Abstract – This work presents the results of an environmental impact study of processes of mining of limestone in water resources in the municipality of Caçapava do Sul, RS. Physicochemical analyses of surface water are being performed in the area of limestone mining, as well as geological survey to assess mineral occurrences. The study area is located in the contact zone between the complex Metamorphic and Granitic Suite Vacacaí Caçapava do Sul. The metamorphic rocks are spatially involved normal faults of preferred direction NW-SE, with subvertical plans and failures with lateral displacement. Intrusions of diorite sills and dikes of mafic and interleavings of biotite mica-schist are common in the study area. There is, also, veins of millimetre epidote interspersed sequences of shale and carbonates. These occurrences can interfere with acid/basic character of water resources of the region by dissolution of carbonates and bicarbonates from the limestone mining processes. Values of pH above 8 and condutivity above 300 µS/cm indicate waters with basic character from the dissolution of dolomitic limestones. In addition, analyses of alkalinity and hardness show results compatible with the high values of pH and conductivity. Samples of these waters also are being analyzed by atomic absorption spectroscopy where was detected the presence of arsenic and selenium, however the values obtained are within the emission standards required by environmental agencies. Palavras-Chave – calcário, lavras, impacto ambiental, recursos hídricos. 1 2 3 Química.,Dr., Universidade Federal do Pampa, UNIPAMPA, campus Caçapava do Sul, RS, [email protected] Geóloga, Dr., UNIPAMPA, [email protected] Químico, Lic., UNIPAMPA, [email protected] 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 1 1. INTRODUÇÃO O município de Caçapava do Sul é conhecido por ser um grande polo industrial na área de exploração e lavra de calcário. Os minerais extraídos na região, essencialmente o calcário dolomítico, são destinados à produção de argamassa e cal, utilizadas em diversas áreas como na construção civil e na agricultura essencialmente para correção de acidez dos solos. No entanto, a extração destes minerais pode afetar diretamente a natureza e a qualidade das águas no entorno das mineradoras. Apesar de existirem normas ambientais para atividades mineiras, as áreas exploradas sofrem modificações irreversíveis, como por exemplo, a abertura de imensas crateras para a extração mineral que altera o relevo e retira a cobertura vegetal, podendo causar grandes erosões, como também o assoreamento de cursos d’água, e lançamento de elementos tóxicos em recursos hídricos (IBM,1992). Depois de exploradas, algumas áreas desativadas consequentemente ficam sujeitas a variações climáticas, atmosféricas e acabam acumulando águas que podem ter suas propriedades modificadas, como pH, dentre outras. Fatores de impacto analisados no âmbito de empresas de mineração incluem a extração de calcário e a produção de cal que podem arrastar partículas para os recursos hídricos através das chuvas, alterando significativamente o pH, aumentando a alcalinidade e a dureza. Durante o processo de infiltração da água, o lençol freático pode ser atingido por esses resíduos. A qualidade das águas subterrâneas é influenciada, a princípio, pela dissolução dos minerais presentes nas rochas que constituem os aquíferos por ela percolados e geralmente são formadas pelas águas de chuvas que lentamente se infiltram pelos poros das rochas (MME, 1985). 2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ESTUDADA A área de estudo deste trabalho fica localizada próxima ao município de Caçapava do Sul, distando 9 km do centro da cidade. A região de Caçapava é reconhecida como uma Província Mineral, e vem sendo estudada ao longo das décadas por sua complexidade e variedade geológica. O município, com cerca de 33.060 habitantes (IBGE, 2009) abrange uma área de 3. 047 km2. Dista 262 km da capital Porto Alegre e se desenvolveu sobre a Suíte Granítica homônima associada ao Complexo Metamórfico Vacacaí. O Complexo Metamórfico Vavacaí é relacionado a um sistema de arco de ilhas representado por rochas vulcânicas e vulcano-sedimentares metamorfizadas, de composição andesítica e dacítica. Anfibolitos, mica-xisto e talco-xisto já foram descritos na região, também (Brasil, 2008). O complexo, ainda é limitado por uma cobertura vulcano-sedimentar não metamórfica. Segundo Bitencourt (1983) dois eventos metamórficos afetaram regionalmente a região. A paragênese representativa do primeiro evento é compatível com a fáceis anfibolito; no segundo evento a mineralogia observada indica um retrometamorfismo em fácies xisto verde, que provavelmente foi a responsável pela deformação que propiciou a xistosidade regional. A Suíte Granítica Caçapava do Sul compreende dois corpos alongados, o maior deles tem cerca de 25 km de extensão e orientação N-S. As rochas que compõem esta suíte são monzo e sienogranitos, principalmente. Granodioritos a tonalitos ocorrem de forma subordinada na área, sendo de ocorrência restrita a borda oeste do corpo principal (Brasil, 2008). 2.1. Caracterização geológica local A área de estudo (Figura 1) está assentada em metassedimentos do Complexo Metamórfico Vacacaí representados por mármores dolomíticos impuros, como os descritos por Bortolotto (1987), bem como intercalações de sílicáticas que formam bandas entre partes de composição carbonática uniforme. Nos pontos estudados, a coloração predominante do mármore é branca, sendo composto essencialmente por dolomita. Contudo, algumas frações subordinadas apresentam calcita. Estes litotipos estão espacialmente associados às apófises graníticas sintranscorrentes, tardi- a pós-tectônicos da Suíte Granítica Caçapava do Sul. Isto, possivelmente, fez com que os fluidos graníticos associados ao aumento de temperatura desequilibrassem o sistema físico-químico. Assim, observam-se em campo variedades de cor branca e cor 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 2 avermelhada em contatos concordante. Os termos avermelhados têm composição de escarnitos e ocorrem com espessuras que variam de centímetros a metros. Variedades de coloração esverdeadas compõem as fases com serpentina, geralmente em veios ou disseminadas no mármore. Intrusões de sills de diorito e diques máficos são observados distribuídos ao longo de todos os pontos estudados. Observam-se, também, veios milimétricos de epidoto intercalados às sequências de xistos e mármore. Os xistos apresentam estágios de alteração avançada que ao menor toque já se fragmentam. Figura 1. Mapa de localização da área de estudo. 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Estudo Geológico O levantamento geológico na área de estudo consistiu na descrição de três afloramentos (AF1; AF2; AF3) com vistas ao reconhecimento geológico dos metassedimentos. Os aspectos estruturais foram coletados na região como um todo. O levantamento sistemático e identificação de falhas e fraturas nos afloramentos foram realizados com o objetivo de avaliar a interação entre a água e as rochas. Para tanto, foram aplicados métodos indiretos, em parte baseados nos conhecimentos da influência da tectônica rúptil. Os dados foram registrados em planilhas, de forma individual para cada estrutura, sendo eles: atitudes estruturais de campo. Em laboratório, foi utilizado o Estereograma Estrutural (Stereonet) para a visualização preferencial destes dados. 3.2 Análises Químicas Foram escolhidos quatro pontos para coletas mensais de águas superficiais e análises físico-químicas (Tabela 1). O arroio passa dentro da mineradora e a bacia de decantação recolhe águas residuais do processo de produção de cal pela queima do calcário. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 3 Tabela 1: pontos de coleta de amostras de águas para análises químicas. Ponto Identificação 1 Arroio 2 Cava 1 3 Cava 2 4 Bacia decantação Medidas de pH e condutividade estão sendo efetuadas em aparelhos de bancada logo após a coleta das amostras de águas. Análises de alcalinidade, cloretos e dureza estão sendo realizadas por volumetria de neutralização e complexação (Bacan, 2001;Vogel, 1992) utilizandose reagentes e vidraria disponíveis no laboratório de Química da universidade. Teores de arsênio, cobre, selênio e zinco foram obtidos por espectroscopia de absorção atômica no Laboratório de Análises Químicas, LACHEM, da UFSM. 4. RESULTADOS 4.1 Análises Químicas As figuras a seguir apresentam os resultados de pH, condutividade, cloretos e dureza das águas coletadas nos quatro pontos ao longo do ano de 2014. Os valores de pH acima de 8 indicam águas de caráter básico em decorrência da dissolução de carbonatos provenientes da extração de calcário (Figura 2). A bacia de decantação apresentou valores de pH acima de 10 nos meses de pouca chuva em função do aumento da concentração de carbonatos, o que está acima da faixa estabelecida pela resolução CONSEMA (2006). No entanto, a bacia é a primeira etapa de tratamento do efluente oriundo da produção de cal, não sendo, portanto, descartado diretamente no corpo receptor. Após a bacia de decantação existe um segundo tanque para neutralização e equalização do efluente. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 4 Figura 2: pH de águas coletadas nos quatro pontos em 2014 Na Figura 3 observa-se que a condutividade oscila muito principalmente para o arroio, e os maiores valores foram encontrados para as cavas e bacia em função do alto teor de carbonatos. No entanto, verifica-se que os valores diminuem após a mudança da estação, em função de um período de chuvas observado na região ao final do ano. Figura 3: Condutividade das águas coletadas nos quatro pontos em 2014. O gráfico da Alcalinidade Total da Figura 4 indica aumento significativo a partir do mês de outubro para as cavas e bacia de decantação. Este comportamento também pode estar relacionado com a mudança de estação e consequente aumento das temperaturas. Com isso as reações em equilíbrio podem se deslocar no sentido de favorecer a dissolução de carbonatos e bicarbonatos aumentando a alcalinidade total. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 5 Figura 4: Alcalinidade Total das águas coletadas nos quatro pontos em 2014. Os valores de dureza total da Figura 5 são compatíveis com águas duras essencialmente para a bacia que acumula grande quantidade de carbonatos de cálcio e magnésio. O aumento significativo da dureza para a bacia está relacionado com um aumento na produção de cal na época da coleta da amostra. Figura 5: Dureza Total das águas coletadas nos quatro pontos em 2014. A tabela 2 apresenta as médias dos teores de arsênio e selênio obtidos por absorção atômica nos meses de maio e julho, das águas das cavas e bacia. Não foram detectados cobre, zinco, chumbo e mercúrio. Os valores de arsênio e selênio estão dentro dos padrões de emissão segundo resolução 128/2006 do CONSEMA. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 6 Tabela 2: Resultados obtidos por absorção atômica no LACHEM, UFSM. Amostra Arsênio µg/L Selênio µg/L Cava 1 3,9075 1,437 Cava 2 3,0 0,9825 Bacia 0,4 0,1 Padrões de emissão segundo CONSEMA/2006: arsênio 0,1 mg/L; selênio 0,05 mg/L 4.2 Estudo Geológico Na análise estrutural das rochas estudadas considerou-se a presença de fraturas cuja gênese está relacionada com as apófises graníticas nas rochas carbonáticas. As fraturas são controladas pelo mecanismo de colocação dos granitos, apresentando-se dispostas segundo duas direções principais, NW-SE e NE-SW (Figura 6). A extensão das fraturas varia de centímetros a dezenas de metros e são preenchidas por material muito fino e intemperizado. Os mergulhos são bastante variáveis, predominando, no entanto, as de alto ângulo de mergulho. Nenhuma fratura horizontal foi registrada. N AF1 AF2 N=14 N=16 N N AF3 N=4 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 7 Figura 6. Diagramas de Roseta das fraturas medidas em campo com identificação do afloramento (ex., AF1) seguida do número de fraturas medidas (N). A seta indica a direção preferencial do sistema de fraturas em relação a média da quantidade de fraturas medidas. 5. CONCLUSÕES O estudo geológico tem mostrado que as intrusões graníticas proporcionaram o desenvolvimento de estruturas secundárias disruptivas tectônicas no mármore dolomítico. As falhas normais têm direção preferencial NE-SW, e subordinadamente NW-SE, com planos subverticais e falhas com deslocamento laterais, responsáveis pelo desenvolvimento de zonas cataclásticas. As análises químicas indicam águas com caráter básico compatível com os processos de dissolução-precipitação de carbonatos de cálcio e magnésio. Arsênio e selênio foram encontrados por absorção atômica, mas estão dentro dos padrões de emissão conforme legislação vigente. Estes resultados mostram que o impacto ambiental, neste caso, deve-se principalmente às alterações de pH observadas sobretudo no arroio que passa dentro da mineradora. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA pelo apoio a esta pesquisa e ao Laboratório de Análises Químicas – LACHEM da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, pela realização das análises por espectroscopia de absorção atômica.. BIBLIOGRAFIA BACAN, N., ANDRADE, J., GODINHO, O., BARONE, J. (2001) “Química Analítica Quantitativa Elementar” , Ed. Edgar Blucher, São Paulo, SP, 308 p. BITENCOURT, M. F. (1983), Metamorfitos da Região de Caçapava do Sul, RS –Geologia e Relações com o Corpo Granítico. In: I Simpósio Sul-Brasileiro de Geologia, Porto Alegre, RS. p.37-47 BORTOLOTTO, O. J.; (1987); Petrografia dos Mármores de Caçapava do Sul, Ciência e Natura V. 9 - p. 37-65 BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - CPRM. Programa Levantamentos Geológicos Básicos do Brasil. Mapa geológico do Estado do Rio Grande do Sul. In: WILDNER, W.; RAMGRAB, G. E.; LOPES, R. C.; IGLESIAS, C. M. F. (Org.). Porto Alegre: CPRM, 2008.1 mapa. Escala 1:750.000. CONSEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente, (2006), Secretaria do Meio Ambiente, RS. Resolução 128/2006, “Padrões de Emissão de Efluentes”. IBGE (2009) Estimativas de população para 1º de julho de 2009 IBM,(1992) Mineração e Meio Ambiente, Instituto Brasileiro de Mineração. MME, Ministério das Minas e Energia, (1985) Coletânea de Trabalhos Técnicos sobre Controle Ambiental na Mineração. VOGEL, A., (1992) “Análise Química Quantitativa”, LTC, 5ª edição, Rio de Janeiro. 15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental 8