Terræ
ARTIGO
Didatica
Borba A.W., Teixeira K. M., Ferreira P.F., Ferreira
P.F.
Concepções de professores de ciências naturais de
Caçapava do Sul (RS, Brasil) sobre geologia local:
subsídios à educação geopatrimonial
Conceptions of natural science school teachers from Caçapava do Sul (RS, Brazil) regarding
local geology: clues for Geoheritage Education
André Weissheimer de Borba1, Kathlem de Melo Teixeira2, Pedro Freitas Ferreira1, Patrícia de Freitas Ferreira2
1 – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Depto. Geociências, Santa Maria/RS. - [email protected]
2 – Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Caçapava do Sul/RS.
Manuscrito:
Recebido: 24/06/2014
Corrigido: 06/03/2015
Aceito: 25/04/2015
Citation: Borba A.W., Teixeira K. M., Ferreira P.F.,
Ferreira P.F.. 2015.Concepções de professores de
ciências naturais de Caçapava do Sul (RS, Brasil) sobre
geologia local: subsídios à educação geopatrimonial.
Terræ Didatica, 11(2):117-124. <http://www.ige.
unicamp.br/terraedidatica/>.
Keywords: Geoheritage education, survey, public
schools, Caçapava do Sul.
ABSTRACT: This paper reports the application of a survey for obtaining
the profile and impressions of the natural science teachers of the public
schools of Caçapava do Sul (Rio Grande do Sul, Brazil) about aspects
of local geodiversity and its potential as an educational tool. The survey
was filled in by 22 teachers (from a universe of around 50 professionals)
who are mostly original from the local community, fact that is positive for
community-based geo-educational strategies. Teachers self-evaluated their
knowledge in geosciences (general and specific for Caçapava do Sul) as
regular to restricted. On the other hand, they are optimistic with respect to
the use of local geosites as teaching tools, and they are willing to increase
their knowledge in geological sciences. The reported survey has also identified
errors and misconceptions about the local nature and geology, which will be
important in the development of geo-educational initiatives.
Introdução, base teórica e objetivos da
pesquisa
O termo “geoconservação” (Sharples 2002, Brilha 2005, Henriques et al. 2011) designa o conjunto
de iniciativas e estratégias destinadas a promover o
conhecimento, a proteção, valorização, divulgação
e uso sustentável dos geossítios, definidos como
aquelas ocorrências que melhor representam a geodiversidade e a evolução geológica de uma região,
ou seja, seu geopatrimônio (revisão de conceitos
em Borba 2011). A geoconservação sustenta-se
sobre quatro eixos principais: (1) o conhecimento, inventariação e avaliação dos geossítios; (2) a
proteção legal das ocorrências geológicas, feições
e paisagens de significativo valor, por exemplo,
por meio de unidades de conservação da natureza
(UC); (3) o desenvolvimento sustentável por meio
da promoção do geoturismo/turismo geológico;
e (4) a educação geopatrimonial, desenvolvendo
nas comunidades escolares a consciência sobre a
memória do planeta Terra e sobre a importância
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
de sua preservação. O foco na educação é essencial
uma vez que, segundo Gray (2008), a ignorância é
a principal ameaça à integridade do geopatrimônio.
O município de Caçapava do Sul (3.047 km2,
33 mil habitantes), na chamada “metade sul” do
Rio Grande do Sul, pode ser considerado a “capital
gaúcha da geodiversidade” (Borba et al. 2013b).
Ali afloram os principais grupos de rochas (ígneas
vulcânicas e plutônicas, metamórficas, sedimentares), em exposições pontuais e feições do relevo
acessíveis e dotadas do mais alto valor didático e
científico. Um inventário recente (Borba et al.
2013a) identificou 46 geossítios, reunidos em
quatro contextos geológicos (Fig. 1). O primeiro
contexto contempla um conjunto de unidades
antigas, sobretudo metamórficas, de embasamento
(2,5 a 0,7 bilhões de anos), incluindo alguns dos
zircões detríticos mais antigos do Brasil e rochas
da crosta oceânica (ofiolitos). Fazem parte ainda
desse contexto mármores calcíticos e dolomíticos,
sugestivos de um “paraíso tropical” do passado
geológico, pois derivam do metamorfismo de cal-
ISSN 1679-2300
117
Concepções de professores de ciências naturais de Caçapava do Sul (RS, Brasil) sobre geologia local: subsídios à educação geopatrimonial.
Fig. 1 Mapa esquemático do município de Caçapava do
Sul (“metade sul” gaúcha) ilustrando os quatro
principais contextos geológicos registrados no
território (modif. de Borba et al. 2013a); no
detalhe do canto superior esquerdo, a localização
do município de Caçapava do Sul (em cinza
escuro) dentro do Rio Grande do Sul e em relação
à capital Porto Alegre (POA), e aos países/estados
vizinhos, Uruguai (UY), Argentina (ARG) e Santa
Catarina (SC); no detalhe do canto inferior direito,
o logotipo do projeto “caçapava geo.escola”, em
execução na Universidade Federal de Santa Maria;
os geomonumentos citados no texto e apontados
nesta figura são a Serra do Segredo (SEG), as
Guaritas (GUA), as Caieiras (CAI), as Minas do
Camaquã (MC), a Toca das Carretas (TC) e a Gruta
da Varzinha (VZ).
cários depositados em um mar raso e quente. O
segundo contexto compreende rochas vulcânicas
de diferentes composições e afinidades, formadas
por erupções de diversos estilos, acompanhadas
de rochas sedimentares derivadas de deposição
marinha e lacustre (630 a 550 milhões de anos).
O terceiro contexto está circunscrito a uma intrusão ígnea (~550 milhões de anos) de composição
diversificada, incluindo desde dioritos até granitos
muito evoluídos, ricos em sílica, os quais, por sua
significativa resistência ao intemperismo químico,
formam o alto topográfico onde se localiza a zona
urbana de Caçapava do Sul. Por fim, o quarto contexto engloba rochas sedimentares continentais do
Paleozóico inferior (~500 milhões de anos), de
118
coloração avermelhada, de origem fluvial, lacustre
e eólica, expostas em regiões de relevo ruiniforme
e beleza cênica destacada, como a Serra do Segredo
(Fig. 2A) e as Pedras das Guaritas (Fig. 2B, Borba
et al. 2011, Paim et al. 2010).
Ao levar-se em conta a geodiversidade descrita
acima, percebe-se que Caçapava do Sul constitui
uma incomparável sala de aula ao ar livre para o
ensino de geociências, além de contar com uma
série de atrativos potenciais nos campos do geoturismo, ecoturismo e esportes de aventura na
natureza. Toda essa diversidade e esse potencial, no
entanto, não se refletem nos números do desenvolvimento econômico e humano do município.
Isso é particularmente verdadeiro ao se observarem
os números de exames nacionais como o Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
especialmente aqueles relacionados às ciências da
natureza (INEP 2014a,b). Por exemplo, os números do IDEB para a rede pública de educação básica
de Caçapava do Sul (INEP, 2014a) apontam que as
metas projetadas não foram alcançadas e que, mais
do que isso, para o 9º ano, o desempenho em 2011
caiu em comparação com 2009. No ENEM, do qual
alunos de apenas duas escolas públicas da cidade
participaram em 2011, 64,8% dos concluintes de
uma escola e 77,1% da outra obtiveram notas abaixo
de 500 (dos 1000 pontos possíveis) em ciências da
natureza (INEP, 2014b). Ainda, a partir de observações qualitativas, é notável o fato de que muitos
estudantes caçapavanos deixam a cidade (para estudar em Santa Maria ou Porto Alegre) sem chegarem
a conhecer a maioria (e muitas vezes, sem conhecer
nenhum) dos geossítios de seu município.
Iniciativas de educação geopatrimonial, dentro
de um programa mais abrangente de geoconservação, parecem ser as ferramentas ideais para o
enfrentamento desses problemas. Na Europa, especialmente em Portugal (onde a geologia é uma das
disciplinas do Ensino Médio), e principalmente nos
territórios designados como geoparques (McKeever e Zouros 2005), a utilização dos geossítios e
de outros materiais geológicos na escola é muito
difundida. Constante (2010), por exemplo, chama a
atenção para atividades lúdico-práticas, como jogos
sobre o “ciclo das rochas” e maquetes de papel para
os diferentes limites entre placas tectônicas, citando também o grande potencial de quebra-cabeças
e jogos computacionais sobre a “motivação dos
alunos”. A complexidade do tempo geológico e sua
percepção por parte de alunos portugueses foi o
ISSN 1679-2300
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
Borba A.W., Teixeira K. M., Ferreira P.F., Ferreira P.F.
Fig. 2 Os dois principais geomonumentos do município de Caçapava do Sul, com especial potencial para a educação
geopatrimonial: (a) Serra do Segredo e (b) Pedras das Guaritas; as localizações estão indicadas na Fig. 1.
tema do trabalho de Bonito et al. (2011), que reconheceu dificuldades na compreensão do conceito e
da correta ligação entre os fenômenos geológicos e
sua duração. Henriques et al. (2012) realizou um
trabalho abrangente sobre o papel do Geoparque
Arouca como recurso educacional, porém ainda
identificou vários equívocos, mitos e dificuldades
de compreensão sobre o conteúdo geológico e sua
dimensão patrimonial.
No Brasil, podem ser citados, como exemplos
de iniciativas (todas em fase preliminar ou de coleta
de dados) de educação geopatrimonial: (1) o levantamento realizado por Santos e Carvalho (2012)
sobre a percepção e os conhecimentos dos professores com atuação na região do Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, onde ficou constatado
o precário conhecimento dos educadores sobre a
geologia e a arqueologia locais, e que servirá de base
para iniciativas de educação específica na área; e (2)
as oficinas sobre geologia realizadas em Antonina,
durante a programação do “Festival de Inverno”
daquela cidade litorânea paranaense (Mesquita et
al. 2011), onde a principal conclusão foi de que não
basta o envolvimento de graduandos em geologia
nessas atividades, sendo necessária a capacitação dos
professores que já atuam na educação básica em
temas relacionados às geociências; e (3) o programa
“Rocha Amiga” (Ruchkys et al. 2012), idealizado
em Portugal (Cachão et al. 2008) e adotado pelo
território (aspirante à certificação como geoparque)
do “Quadrilátero Ferrífero” (MG), e que integra
roteiros de visita a geomonumentos selecionados
e construção de “kits pedagógicos” com amostras
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
de rocha da referida região.
Dentre os objetivos do projeto “caçapava geo.
escola”, sob responsabilidade do primeiro autor,
encontra-se a difusão mais eficiente da informação geocientífica, em linguagem acessível, aos
professores da educação básica da rede pública de
Caçapava do Sul e a seus estudantes, por meio de
oficinas, palestras e do estímulo ao uso do geopatrimônio local em suas aulas de ciências. Antes de
qualquer ação, no entanto, é necessário conhecer
o público-alvo, seu nível de conhecimento sobre o
assunto e seus anseios com relação ao tema. Isso foi
realizado por intermédio de um levantamento (survey) do perfil e das impressões dos professores de
ciências, ciências da natureza, geografia e biologia
(ensinos fundamental e médio) sobre as características geológicas do município. Esses profissionais
são os responsáveis, em diferentes momentos da
educação básica, por repassar aos alunos noções de
geologia e geomorfologia. Os resultados do perfil
são expostos neste artigo, para servir como base para
futuras iniciativas e estratégias de geoconservação
e educação geopatrimonial.
Metodologia: o instrumento de pesquisa
O levantamento do perfil e das impressões dos
professores da rede pública de Caçapava do Sul foi
realizado com a anuência e a colaboração da Secretaria Municipal de Educação de Caçapava do Sul
(SMEDUC) e, no caso das escolas estaduais, das
diretoras e vice-diretoras daqueles estabelecimentos
de ensino. O número total de professores que atuam
ISSN 1679-2300
119
Concepções de professores de ciências naturais de Caçapava do Sul (RS, Brasil) sobre geologia local: subsídios à educação geopatrimonial.
no ensino de ciências, geografia e biologia na rede
pública (municipal e estadual) de Caçapava do Sul,
à época de distribuição dos questionários (ano de
2013), aproximava-se de 50 licenciados. O número
exato de professores e o número daqueles que realmente estão em atividade docente são difíceis de
obter, uma vez que muitos professores estão tanto na
rede municipal quanto na estadual, e as informações
por vezes são discrepantes. A intermediação da SMEDUC e das direções das escolas estaduais permitiu
a distribuição de tais questionários a praticamente
todos os profissionais, dos quais 22 responderam a
consulta. A taxa de retorno dos questionários fica,
assim, um pouco abaixo de 50%, o que permite um
desenho relativamente fiel do perfil dos professores
em atividade no município.
O questionário distribuído foi montado com
base em diretrizes apontadas por Mattar (1994) e
Günther (2003). Tinha identidade visual própria,
com destaque para o logotipo do projeto, uma
versão estilizada e geométrica do mapa de grandes
contextos geológicos do município (detalhe no canto inferior direito do mapa da Fig. 1). Em primeiro
lugar, contava com um texto inicial de meia página
destinado a explicar aos entrevistados a proposta
do projeto “caçapava geo.escola” e a convidá-los
a contribuir com suas respostas na construção das
ações futuras. Logo após, havia espaço para a identificação pessoal (opcional), idade, sexo, local de
nascimento, o(s) curso(s) de graduação cursado(s)
e a(s) escola(s) onde se graduou, além da data de
admissão na rede pública de Caçapava do Sul como
professor. Seguia-se a esse perfil uma autoavaliação,
com duas questões fechadas, seguindo o padrão da
abordagem mais geral para a mais específica (Günther 2003): (1) “como você classificaria, atualmente, seu
nível de conhecimento sobre aspectos gerais de geologia e
geomorfologia?”; e (2) “como você classificaria seu nível de
conhecimento sobre a geologia e a geomorfologia (ou seja, a
geodiversidade) de Caçapava do Sul?”. As alternativas
para marcação, seguindo o princípio do equilíbrio
entre alternativas consideradas boas e ruins, eram
“excelente”, “muito bom”, “bom”, “regular”, “restrito” e
“insuficiente”. A essas questões fechadas, seguia-se
uma solicitação ao entrevistado para que listasse as
principais razões para sua autoavaliação.
Uma breve explicação era fornecida, então,
sobre o significado dos termos “lugares de interesse
geológico”, “geossítios”, “geomonumentos” ou “geolugares” que, para efeitos desta pesquisa, constituem
sinônimos. É útil salientar que, no âmbito deste
trabalho, o uso do vocábulo “lugar” refere-se a seu
120
significado na linguagem coloquial, do dia-a-dia,
e não como um conceito geográfico elaborado. O
instrumento, então, convidava os professores a listarem geomonumentos que lhes viessem à mente
no Brasil e no Rio Grande do Sul (questão 3), na
região de Caçapava do Sul (questão 4) e, por fim, a
informarem os geomonumentos caçapavanos que
efetivamente conheciam in loco, tentando esboçar o
que tais locais representavam em termos de história
natural e evolução geológica (questão 5). A questão
6 perguntava se o professor utiliza, ou se já utilizara,
em visitas a campo ou em sala de aula (mesmo que
por meio de fotografias), geossítios do município de
Caçapava do Sul como exemplos de feições ou processos geológicos, quais sítios, com que frequência e
o porquê dessa utilização ou não utilização.
A questão 7, “como você classificaria o potencial
didático/educacional da geodiversidade (aspectos de geologia
e geomorfologia) de Caçapava do Sul na área das ciências
da natureza?”, tinha as alternativas “excelente”, “bom”,
“regular”, “restrito”, “nenhum/nulo” e “não sei responder”. A questão 8, “você considera que a utilização de
geomonumentos locais como ferramentas didáticas/educacionais pode aumentar o interesse e/ou melhorar o desempenho de seus alunos de ciências da natureza?”, permitia as
opções “sim, com certeza”, “talvez, é possível”, “não faria
diferença” e “não sei responder”. Nas questões 7 e 8,
conforme exposto acima, optou-se por um número
ímpar de alternativas concretas, balanceadas (Günther 2003), e uma opção adicional no sentido de
manifestar a incapacidade de responder. Por fim, a
questão 9 pretendia averiguar sobre a disposição do
professor em participar de cursos gratuitos na área,
com professores de geociências, e incluía um espaço
para que o professor listasse tópicos sobre os quais
quisesse receber mais informações, especificamente
com relação à temática abordada no questionário.
O entrevistado ainda contava com um espaço para
outras manifestações que desejasse expor sobre o
objeto do levantamento. Seguindo as orientações
de Günther (2003), o questionário era finalizado
com um agradecimento pela participação e com
uma mensagem de “excelente ano letivo!”.
Resultados e discussão
Perfil dos professores
Os professores responsáveis pelo ensino de
ciências da natureza, geografia e biologia da rede
pública de Caçapava do Sul que retornaram o ques-
ISSN 1679-2300
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
Borba A.W., Teixeira K. M., Ferreira P.F., Ferreira P.F.
tionário são gaúchos (100%), nascidos em sua grande maioria na região centro-sul do Estado do Rio
Grande do Sul (91%), sendo que a maior frequência
é de professores caçapavanos (63%). Considerando-se os princípios e objetivos da geoconservação e da
educação geopatrimonial, essa maioria de professores locais é adequada e importante para o comprometimento, a possibilidade de permanência no
local e a identificação com o município e seu patrimônio. Dos que responderam, 86% são mulheres,
sua média de idade é de 43 anos (com idades de 25
a 62 anos), e sua média de tempo de atuação como
professores da rede pública de Caçapava do Sul é
de 14,3 anos.
Os 22 professores citaram 24 faculdades/cursos
como as escolas em que obtiveram seus diplomas,
discrepância devida ao fato de que alguns frequentaram e se graduaram em mais de um curso (diferentes
modalidades de licenciatura ou bacharelado): 68%
deles (15 dos 22) foram graduados pela Universidade
da Região da Campanha (URCAMP), em diferentes
cursos/campi. Dos 22 professores, 9 são licenciados
em Biologia ou Ciências Biológicas (sendo 8 pela
URCAMP), 6 são licenciados em Ciências Sociais
(todos pela URCAMP), e 4 são licenciados em Estudos Sociais (todos esses quatro com idade acima de
49 anos). Os demais cursos citados foram Ciências,
Geografia, História, Matemática e Pedagogia (um
professor de cada graduação). Os dados aqui expostos apontam a importância de se incluir a URCAMP,
mesmo diante da recente notícia do fechamento
de seu campus de Caçapava do Sul, em iniciativas e
estratégias de geoconservação, além da necessidade
de se integrar os estudantes daquela universidade
com os estudantes/docentes da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), cujo campus caçapavano
é dedicado às ciências da Terra (especialmente aos
cursos de geologia e geofísica).
Autoavaliação e impressões dos professores
Perguntados sobre como avaliavam seu nível de
conhecimento em aspectos gerais de geologia e geomorfologia (Fig. 3A), os professores responderam:
“regular” (36,4%) e “restrito” (31,8%), “bom” (22,7%)
e “insuficiente” (9,1%). Especificamente com relação
ao seu conhecimento das características de geologia
e geomorfologia de Caçapava do Sul, as respostas de
maior frequência também foram “regular” (40,9%)
e “restrito” (36,4%), enquanto “bom” (13,6%) e
“insuficiente” (9,1%) também foram alternativas
escolhidas (Fig. 3B). Para exemplificar algumas
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
das razões elencadas para essa insatisfação com
seus conhecimentos em geociências, transcrevem-se algumas manifestações de professores da área
de Ciências Biológicas: “não tive conhecimento nessa
área”, “o assunto é tratado sucintamente no curso”, “vi
muito pouco na faculdade” e “não tive nenhuma disciplina voltada à geologia”. Outros citaram “falta de cursos/
eventos na área” e “falta de material didático específico”.
Os mais satisfeitos com seu conhecimento citaram
a realização de cursos de pós-graduação e de formação continuada (inclusive no Departamento de
Geologia da Unisinos, em São Leopoldo).
Entre os geossítios brasileiros e sul-rio-grandenses mais citados, estão os “Aparados da Serra/
Itaimbezinho”, em Cambará do Sul (10 citações), as
“Guaritas” (10), as “Minas do Camaquã” (9), a “Pedra
do Segredo” (9), esses três no próprio município de
Caçapava do Sul, e ainda a “Chapada dos Guimarães”, no Mato Grosso (4), entre muitos outros
geossítios referidos. Especificamente com relação a
lugares de interesse geológico de Caçapava do Sul,
todos os principais geossítios da região (Guaritas,
Pedra do Segredo, Gruta da Varzinha, Toca das Carretas, Caieiras, Minas do Camaquã, entre outros)
foram mencionados pelos professores. No entanto,
poucos os utilizam como ferramentas de ensino ou,
se já utilizaram, deixaram de fazê-lo por falta de
recursos financeiros ou apoio logístico das escolas.
Perguntados sobre como avaliavam o potencial
didático/educacional dos geomonumentos de Caçapava do Sul (Fig. 3C), os professores responderam
que esse potencial era “excelente” (36,4%), “regular”
(22,7%), “bom” (13,6%) e “restrito” (13,6%). Outros
professores não souberam responder (13,6%), tendo
um deles se manifestado da seguinte maneira: “deve
ser bom, mas os professores não recebem formação adequada
para utilizá-lo”. No entanto, os professores se mostraram otimistas, pois 86,4% responderam estar
convencidos de que a utilização dos exemplos locais
poderá melhorar o desempenho de seus estudantes
em ciências da natureza. Além disso, estão dispostos a
incrementar seu conhecimento na área da geologia e
geomorfologia (95,4%), o que confirma a pertinência
e a oportunidade do projeto “caçapava geo.escola” e
da própria inserção de uma ideia de geoconservação
e educação geopatrimonial no município.
Equívocos e mitos como subsídios à educação
geopatrimonial
Um aspecto interessante do questionário aplicado diz respeito à questão que solicitava que os
ISSN 1679-2300
121
Concepções de professores de ciências naturais de Caçapava do Sul (RS, Brasil) sobre geologia local: subsídios à educação geopatrimonial.
Fig. 3. Gráficos ilustrando as respostas fornecidas
pelos professores de Caçapava do Sul a três das
perguntas do questionário: (A) como avaliavam seu
conhecimento geral sobre geologia e geomorfologia;
(B) como avaliavam seu conhecimento sobre a
geodiversidade de Caçapava do Sul; e (C) de que
forma viam o potencial didático dos geossítios
caçapavanos.
professores tentassem esboçar o que cada geomonumento (citado por eles, na questão dos geossítios que eles afirmam conhecer) representava em
termos de história natural e evolução geológica.
Algumas das “explicações geológicas” fornecidas
pelos professores consistem, na verdade, em equívocos, mitos, ou informações imprecisas. Muitos
desses equívocos resultam não apenas da falta de
interesse em buscar a informação correta, ou de
deficiências na formação em graduação, mas da
própria dificuldade que os geólogos e professores
de geologia possuem para transmitir seu conhecimento de forma mais acessível a um público não-especializado (e.g. Brilha 2004).
Alguns desses equívocos relacionam-se com o
próprio conjunto de conhecimentos das diferentes
profissões. Por exemplo, mesmo que os termos
“geologia”, “geomorfologia”, “geossítios” e/ou
“geomonumentos” tenham sido exaustivamente
utilizados na construção do questionário, algumas respostas fazem referência a outras áreas do
122
conhecimento: “(...) a maioria dos sítios arqueológicos
de Caçapava é de formação arenítica”, ou “os lugares
possuem vários potenciais arqueológicos”, em clara confusão entre os objetos de estudo da geologia e da
arqueologia. Longe de ser apenas uma observação,
a ocorrência de tais respostas representa subsídio
importante para oficinas, palestras e minicursos,
os quais devem iniciar por esclarecimentos com
relação ao papel da geologia e sua diferenciação
com relação às demais ciências, sejam naturais ou
humanas/sociais.
Outros mitos identificados relacionam-se aos
ambientes de formação das rochas no mais destacado geomonumento de Caçapava do Sul: as
“Guaritas” ou “Pedras das Guaritas”. O geossítio
(Fig. 2b), inscrito na lista SIGEP do patrimônio
geológico brasileiro (Paim et al. 2010), é composto
por arenitos e conglomerados avermelhados, formados por sistemas fluviais entrelaçados e dunas
eólicas de um deserto do Paleozóico inferior (~500
milhões de anos), expostos em um relevo ruiniforme esculpido pelo vento e pela chuva, em fases de
alternância entre climas mais secos e mais úmidos.
No entanto, algumas manifestações dos professores
entrevistados dão conta de que as Guaritas seriam
“formações rochosas com predomínio do granito”. De
fato, há granitos em Caçapava do Sul, mas não na
região das Guaritas. Outras respostas explicavam
aquela região como possuindo “formações vulcânicas
(...) trabalhadas pela água que as cobria”. Há rochas
vulcânicas em abundância no município mas,
novamente, não nas Guaritas. Ainda com relação
àquele geomonumento, alguns respondentes informaram que essas formações mostravam como seria
o ambiente no passado, “coberto de água do mar, e com
várias formas de vida”, e ainda “com fósseis de várias eras
geológicas”. Vale lembrar que as rochas que formam
o substrato das Guaritas são rochas continentais,
formadas em ambiente desértico, sem qualquer
influência marinha, de um período da evolução
da Terra (Paleozóico inferior) em que ainda não
havia qualquer forma de vida sobre os continentes
e que, portanto, a unidade estratigráfica Guaritas é
desprovida de fósseis (afossilífera).
Considerações finais
O levantamento efetuado por meio de questionário aos professores da rede pública de educação
básica de Caçapava do Sul, com intermediação da
SMEDUC local e das direções dos colégios estaduais, resultou em uma série de informações e sub-
ISSN 1679-2300
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
Borba A.W., Teixeira K. M., Ferreira P.F., Ferreira P.F.
sídios valiosos na formatação de futuras iniciativas
de geoconservação e educação ambiental/geopatrimonial que envolvam as escolas do município:
A - Os professores, em sua maioria, têm origem
no próprio município ou em cidades vizinhas,
o que é positivo para a aplicação de iniciativas
que tratem das características locais; esses
professores muito provavelmente irão
permanecer no município e possuem uma
motivação adicional na tarefa de gerar orgulho
em seus alunos pela geodiversidade local;
B - Os professores pesquisados possuem
conhecimento de regular a restrito com relação
a geociências e às características geológicas de
Caçapava do Sul, o que confirma a pertinência
de projetos de educação geopatrimonial; estão
dispostos a receber informações e qualificação
por meio da interação com profissionais
das geociências em oficinas, palestras ou
minicursos, e consideram que isso poderá
ajudar na solução de alguns problemas
relacionados ao ensino de ciências;
C - O perfil levantado evidencia que qualquer
estratégia mais ampla de geoconservação
no município (ou na região como um
todo) deverá envolver obrigatoriamente a
URCAMP, mesmo com o fechamento do
campus de Caçapava do Sul, pois seus egressos
compõem a maior parte dos professores
responsáveis por prover uma base sólida em
ciências (inclusive em ciências da Terra) aos
estudantes locais;
D - Palestras, oficinas e/ou minicursos deverão
incluir um tópico de esclarecimento com
relação ao papel das geociências, além de sua
interação e diferenciação com relação a outras
ciências naturais (biologia, química, etc.) ou
humanas/sociais (história, arqueologia, etc.);
E - As atividades, além de um conteúdo geral e
direcionado à geodiversidade local, deverão
incluir esclarecimentos com relação a mitos
e informações imprecisas ou incorretas sobre
os diferentes geomonumentos de Caçapava
do Sul.
Cabe ainda uma discussão sobre a formação
inicial dos professores, que claramente não é a mais
adequada ao ensino de geociências na educação
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
básica. No universo pesquisado, de 22 professores, não há geólogos, e apenas um é graduado em
geografia, licenciatura que mais se aproxima dos
tópicos de geologia, mas que ainda assim enfatiza
os aspectos humanos e socioeconômicos nos cursos oferecidos pelas escolas gaúchas. Além disso,
conforme demonstrado acima, os licenciados nas
biociências manifestam falta de preparo em tópicos
relacionados à natureza abiótica. A situação ideal
envolveria a participação de professores com formação inicial consistente em geologia na oferta dessas
disciplinas à educação básica. Sabe-se, no entanto,
que a realidade do interior do Brasil, em geral, e da
“metade sul” gaúcha, em particular, é de profunda
carência de professores na educação básica. Portanto, iniciativas de qualificação e aperfeiçoamento dos
professores que já atuam no município constituem,
em curto prazo, a melhor alternativa para o melhor
aproveitamento dessa verdadeira sala de aula ao ar
livre que é o município de Caçapava do Sul.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio institucional da
Secretaria Municipal de Educação de Caçapava do
Sul (SMEDUC/CS), nas pessoas da titular da pasta,
Professora Maureli Lopes de Melo, e da coordenadora da área de ciências, Professora Tamiris Sinnemann. Reconhecem, ainda, a colaboração das diretorias das escolas públicas estaduais e municipais
de Caçapava do Sul na distribuição e recolhimento
do instrumento de pesquisa. Agradecem, por fim,
os 22 professores que gentilmente responderam o
questionário enviado e que, dessa forma, viabilizaram a elaboração deste trabalho.
Referências
Bonito J., Rebelo D., Morgado M., Monteiro G.,
Medina J., Marques L., Martins L. 2011. A complexidade do tempo geológico e a sua aprendizagem com alunos portugueses (12-13 anos). Terrae
Didatica, 7(2):81-92.
Borba A.W. 2011. Geodiversidade e geopatrimônio
como bases para estratégias de geoconservação:
conceitos, abordagens, métodos de avaliação
e aplicabilidade no contexto do Estado do Rio
Grande do Sul. Pesq. Geoc., 38(1):3-13.
Borba A.W., Souza L.F., Porto P.R., Petry A.C. 2011.
A paisagem da Serra do Segredo (Caçapava do
Sul, RS) como patrimônio geológico brasileiro:
características, riscos à integridade e estratégias
de conservação. In: Simp. Bras. Patrim. Geol., 1,
ISSN 1679-2300
123
Concepções de professores de ciências naturais de Caçapava do Sul (RS, Brasil) sobre geologia local: subsídios à educação geopatrimonial.
Rio de Janeiro, 2011. Atas..., Rio de Janeiro, SBG
(Núcleo RJ-ES), p. 9.
Borba A.W., Souza L.F., Mizusaki A.M.P., Almeida
D.P.M., Stumpf P.P. 2013a. Inventário e avaliação
quantitativa de geossítios: exemplo de aplicação ao
patrimônio geológico do Município de Caçapava
do Sul (RS, Brasil). Pesq. Geoc., 40(3):275-294.
Borba A.W., Lusa M., Figueiró A.S., Da Rosa A.A.S.,
Ferreira P.F., Souza L.F. 2013b. Geoconservação
em Caçapava do Sul (RS, Brasil): potencial versus
realidade na “capital gaúcha da geodiversidade”.
In: II Simp. Bras. Patr. Geol., Ouro Preto, Anais
(PDF), p. 29-30.
Brilha J.B.R. 2004. A geologia, os geólogos e o manto
da invisibilidade. Comunicação e Sociedade (Portugal), 6:257-265.
Brilha J.B.R. 2005. Património geológico e geoconservação.
Braga: Palimage Eds, Viseu, 190p.
Cachão M., Brilha J.B.R., Matias L., Sá A., Lopes P.
2008. Rocha Amiga. Projecto Pedagógico integrado ao Ano Internacional do Planeta Terra. Memórias e Notícias (Portugal), 3:293-300.
Constante A. 2010. Actividades lúdico-práticas no
ensino da Geologia: complemento motivacional
para a aprendizagem. Terrae Didatica, 6(2):101-123.
Gray M. 2008. Geodiversity: developing the paradigm.
Proc. Geol. Assoc., 119:287-298.
Günther H. 2003. Como elaborar um questionário. In: Série Planejamento de Pesquisa nas Ciências Sociais,
n.01, Brasília, DF, UnB, Laboratório de Psicologia Ambiental. URL: http://www.psi-ambiental.
net/pdf/01Questionario.pdf. Acesso 14.09.2013.
Henriques M.H., Pena dos Reis R., Brilha J.B.R.,
Mota T. 2011. Geoconservation as an emerging
geoscience. Geoheritage, 3:117-128.
Henriques M.H., Tomaz C., Sá A.A. 2012. The Arouca Geopark (Portugal) as an educational resource:
a case study. Episodes, 35(4):481-488.
INEP. Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 2014a. IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Resultados para
o município de Caçapava do Sul. URL: http://
ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.
seam?cid=9140214. Acesso 13.03.2015.
INEP. Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira. 2014b. ENEM 2011 por Escola.
URL: http://portal.inep.gov.br/web/enem/enempor-escola. Acesso 13.03.2015.
Mattar F.N. 1994. Pesquisa de marketing: metodologia,
planejamento, execução e análise. 2ª ed. São Paulo:
SP, Atlas. v. 2.
McKeever P., Zouros N. 2005. Geoparks: celebrating Earth heritage, sustaining local communities.
Episodes, 28(4):274-278.
Mesquita M.J.M., Picanço J.L., Besser M.L., Ribeiro J.C., Dmeterko H., Silva A.L., Cruz G.M.,
Acordes F.A., Ribeiro P.R., Hamerschmidt T.,
Morais, J.E.F., Berton F., Mattos R.F., Schemiko
D.C.B. 2011. A
��������������������������������
experiência da oficina “Do mito à natureza: educar o olhar para as Ciências da
Terra” no Festival de Inverno de Antonina (PR).
Terrae Didatica, 7(2):75-85.
Paim P.S.G., Fallgater C., Silveira A.S. 2010. Guaritas do Camaquã, RS: exuberante cenário com
formações geológicas de grande interesse didático e turístico. In: Winge, M., Schobbenhaus, C.,
Souza, C.B.G., Fernandes, A.C.S., Berbert-Born,
M., Sallun-Filho, W. & Queiroz, E.T. eds. 2010.
Sítios geológicos e paleontológicos do Brasil (publicado
na internet em 30/8/2010 no sítio www.unb.br/
ig/sigep/sitio076/sitio076.pdf).
Ruchkys U., Machado M.M.M., Cachão M. 2012.
Programa Rocha Amiga, Iniciativas para crianças
do Ensino Fundamental no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais, Brasil. Anuário Inst. Geoc. UFRJ,
35(1):261-270.
Santos W.F.S., Carvalho I.S. 2013. Percepção dos professores do entorno do Parque Paleontológico de
São José de Itaboraí (RJ) sobre aspectos geológicos, paleontológicos e arqueológicos locais. Terrae
Didatica, 9:50-62.
Sharples C. 2002. Concepts and principles of geoconservation. Tasmanian Parks and Wildlife Serv. 81p.
(electronic publ.).
Resumo: O trabalho relata a aplicação de um levantamento (survey) realizado com os professores da área de ciências da rede
pública de educação básica de Caçapava do Sul (RS, Brasil) sobre a geodiversidade local e seu potencial no ensino. O questionário
foi respondido por 22 professores (de um universo próximo a 50 profissionais). Os respondentes são, em sua maioria, cidadãos
oriundos da própria comunidade caçapavana, o que é positivo em termos de identificação com o município e com seus alunos. Os
professores consideram seu conhecimento em geologia (geral e específico sobre Caçapava do Sul) regular a restrito, mostram-se
otimistas com relação ao uso dos geossítios locais como ferramentas de ensino e dispostos a incrementar seu conhecimento e
suas aulas nos aspectos relacionados às ciências da Terra. O levantamento ainda identificou mitos, confusões e equívocos sobre a
geologia local, os quais serão importantes subsídios para atividades de educação geopatrimonial.
PALAVRAS-CHAVE: educação geopatrimonial, levantamento (survey), escolas públicas, Caçapava do Sul.
124
ISSN 1679-2300
TERRÆ DIDATICA 11-2,2015
Download

Versão integral PDF - IGEO