12345 12345 Informativo12345 12345 12345 do Instituto12345 12345 12345 Camiliano12345 12345 12345 de Pastoral12345 12345 12345 da Saúde12345 12345 12345 e Bioética12345 12345 12345 12345 12345 12345 12345 Junho de 200512345 12345 12345 ANO XXIII – no 23112345 12345 PROVÍNCIA CAMILIANA BRASILEIRA12345 ❒ PASTORAL ❒ BIOÉTICA ❒ HUMANIZAÇÃO JESUS DE NAZARÉ, E O AGENTE DE PASTORAL DA SAÚDE TADEU DOS REIS ÁVILA M ediante sua ação, Jesus re vela a compaixão terna de Deus levantando os caídos, aliviando os que sofrem e curando as relações humanas. A preocupação de Jesus com o homem se manifesta, sobretudo no acolhimento solidário dos pecadores e dos que padecem doenças. Do coração de Jesus transbordava compaixão e misericórdia. “Ele arma sua tenda” no nosso meio (cf. Jo 1,14). Veio para ouvir, escutar e perscrutar a realidade do povo. Teve compaixão da multidão e repartiu o pão (cf. Mc 8,1-10), tornou leve o peso dos fracos e oprimidos (cf. Mt 11,28-30). Identificou-se com os mais pobres, com os “pequeninos” (cf. Mt 25,31-46), amou a todos até o fim (cf. Jo13,1). ATITUDES DE JESUS Ao se defrontar com o homem caído e machucado, Jesus se compadecia e, em sua bondade, curava a todos (cf. Lc 6,17-19). Ao se confrontar com seus opositores que o criticavam por curar em dia de Sábado, Jesus coloca em xeque o legalismo: o que importa é a lei ou a pessoa humana? Ao se encontrar com pessoas excluídas em situação de menos vida, Jesus não fica indi- ICAPS_junho.p65 1 ferente mas define o objetivo de sua missão: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (cf.Jo 10,10). Por isso Jesus sente a dor dos que sofrem e se torna o médico dos doentes. É o servo que carrega sobre si as nossas enfermidades. Diante dos sofrimentos dos outros, se comove, tem compaixão. Ele próprio dizia que o abandono das multidões lhe causava compaixão (cf. Mc 6,34). Jesus não fica passivo diante do sofrimento dos outros. Pelo contrário, reage contra os opressores do povo e atua para resolver os problemas. Diante de uma multidão faminta, ensina o povo a se organizar e partilhar o pouco que cada um possui, mostrando assim que quando existe a partilha é possível saciar a fome de todos e no fim ainda sobrar. Sabemos que a pessoa doente no tempo de Jesus era excluída do convívio social, pois se acreditava que a doença era castigo divino. Jesus reage contra essa mentalidade curando e restituindo a saúde aos doentes, libertando-os para o serviço (cf. Mc 1,29-31). O Evangelho, a Boa Nova, é confirmado pelos sinais realizados por Jesus em favor dos que sofrem (cf. Mt 11,2-6). “Jesus percorria todas as cidades e povoados pregando o Evangelho do Reino, enquanto curava toda a sorte de enfermidades.” Jesus não só curou os enfermos, mas foi também um promotor de saúde por meio da sua presença salvífica, do seu ensinamento e da sua ação. O seu amor pelo homem traduzia-se em relações repletas de humanidade, que o conduziam a compreender, a demonstrar compaixão e a proporcionar alívio, unindo harmonicamente ternura e força. Ele comovia-se diante da beleza da natureza, sensibilizava-se diante do sofrimento dos seres humanos e combatia o mal e a injustiça. 03.05.2005, 08:48 Ano XXIII – no 231 – Junho de 2005 – BOLETIM ICAPS 2 ATITUDES DO AGENTE O agente de Pastoral da Saúde que atua na comunidade junto aos sofredores está vivenciando o coração da mensagem de Jesus, está colocando em prática o Evangelho da misericórdia. Por isso, são bemaventurados, e no dia do encontro com Deus haverá a recompensa da parte de Nosso Senhor que dirá: “Vinde benditos de meu Pai porque eu estava doente e vocês cuidaram de mim”(cf. Mt 25,31-46). “Jesus, tendo chamado a si os discípulos, deu-lhes o poder de expulsar os espíritos malignos e de curar toda sorte de doenças e enfermidades” (cf. Mt 10,7-8). Hoje os agentes de Pastoral da Saúde pelo seu trabalho realizado com os que sofrem estão associados a esta mesma missão que o Senhor confiou a seus discípulos. A mística que deve animar o nosso trabalho encontramos na belíssima parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10,25-37). Nessa parábola somos fortemente interpelados a nos tornar “próximos” dos que sofrem, mediante o respeito, a compreensão, a aceitação, a ternura, a compaixão e a gratuidade. Impelida pela caridade cristã, que encontra a sua máxima expressão na vida e na obra de Jesus, que “passou fazendo o bem” (cf. At 10,38), a Igreja vai à procura dos doentes e das pessoas que sofrem, levando-lhes conforto e esperança. Não se trata de uma simples prática de benevolência, mas é motivada pela compaixão e pela solicitude que a leva a prestar atenção e a servir com dedicação. O PAPEL DA IGREJA EXPEDIENTE O atendimento pastoral aos enfermos é um direito fundamental e ICAPS_junho.p65 O Boletim ICAPS é uma publicação do Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde e Bioética - Província Camiliana Brasileira. Presidente José Maria dos Santos Conselheiros Antônio Mendes Freitas, Leocir Pessini, Olacir Geraldo Agnolin, Niversindo Antônio Cherubin Diretor Responsável Anísio Baldessin Secretária Cristiana Baldessin Maina 2 um dever da Igreja (cf. Mt 10,8-10). Não garantir esse direito ou negligenciá-lo constitui uma violação e uma infidelidade à sua missão. O primeiro responsável pelo atendimento pastoral dos enfermos na paróquia é o pároco. Lembremse “os párocos do seu dever de visitar pessoalmente os enfermos com toda a solicitude e de ajudá-los com generosa caridade. Compete-lhes sobretudo, ao ministrar-lhes os sacramentos, despertar a esperança no coração dos presentes e reanimar a fé no Cristo padecente e ressuscitado, de modo que, ao trazer o maternal carinho da Igreja e o consolo da fé, confortem aqueles que crêem e levem os outros a voltarem-se para as coisas do alto” (Ritual da Unção dos Enfermos e sua Assistência Pastoral, n.35). Porém, a falta de ministros ordenados acaba dificultando o bom atendimento dos enfermos. Para os párocos “atarefados” pastoralmente, o desempenho dessa missão se torna quase impossível; por isso, é bom e aconselhável incentivar e incrementar a Pastoral da Saúde na paróquia, pois o agente de pastoral bem preparado poderá ser um grande colaborador do pároco na tarefa de assistir e acompanhar os enfermos. Ser agente da Pastoral da Saúde, preocupar-se com o bom atendimento pastoral dos enfermos é uma vocação especial e genuinamente bíblica (cf. Mt 25,31-46). Um dos textos muito significativos sobre a ação do agente de pastoral que se coloca a serviço dos enfermos nós o encontramos no Evangelho de Marcos. No episódio relatado por Marcos transparece simplicidade, mas é de uma criatividade movida pelo amor. Diante de uma multidão que se acotovelava para ouvir Jesus, os Revisora Rita lopes Redação Av. Pompéia, 1214 Tel. (0xx11) 3675-0035 05022-001 - São Paulo - SP e-mail: [email protected] Periodicidade Mensal Produção gráfica Edições Loyola Fone (0xx11) 6914-1922 Tiragem 4.000 exemplares doentes, impossibilitados de disputar espaços, acabavam sendo impedidos de aproximar-se de Jesus. Quatro homens “agentes de pastoral” percebem a aflição de um doente que quer chegar até Jesus, mas a multidão o impedia. Esses quatro voluntários do amor, vendo que era impossível levar o doente pela via normal, “abriram o teto à altura do lugar onde Jesus se encontrava, e, tendo feito um buraco, baixaram o leito em que jazia o paralítico”; tomam uma atitude que parece “ridícula”, mas que desconcerta a multidão que não teve sensibilidade de perceber a presença dos doentes que também desejavam aproximar-se de Jesus. Nesse texto temos um modelo de pastoral participativa e comunitária. Quem ama sabe o que fazer; os quatro “agentes” agiram movidos pelo amor (cf. Mc 2,1-12). Sobre a importância do trabalho desenvolvido pelos visitadores dos enfermos, poder-se-ia desenvolver e fundamentar toda uma teologia da visita — sua importância — com base na Sagrada Escritura. Porém, acho desnecessário fazê-lo. Basta dizer que a Bíblia confere à visita uma importância fundamental. Em primeiríssimo lugar é o próprio Deus que toma a iniciativa de visitar seu povo para libertá-lo (cf. Ex 3,7-20). Visita sua gente e permanece no seu meio (cf. Sf 3, 12-15). Em Jesus se realiza a grande visita: Ele encarna e “arma sua tenda” no meio do seu povo (cf. Jo 1,14). Durante sua vida pública, Jesus valorizava muito estes pequenos gestos de ir a casa, sentar-se à mesa. Jesus passa boa parte de seu tempo escutando o povo, e sua missão inclui inúmeras visitas: para curar (cf. Mc 4,4-38), provocar mudanças (cf. Lc 19,2-10), levar a mi- Assinatura O valor de R$10,00 garante o recebimento, pelo Correio, de 11 edições (janeiro a dezembro). O pagamento deve ser feito através de depósito bancário em nome de Província Camiliana Brasileira, no Banco Bradesco, agência 0422-7, conta corrente 89407-9. A reprodução dos artigos do Boletim ICAPS é livre, solicitando-se que seja citada a fonte. Pede-se o envio de publicações que façam a transcrição. 03.05.2005, 08:48 Ano XXIII – no 231 – Junho de 2005 – BOLETIM ICAPS sericórdia do Pai ou apenas descansar na casa de amigos (cf. Lc 10,38). O agente de Pastoral da Saúde é enviado pelo Deus da vida para anunciar o Evangelho aos membros sofredores do corpo místico de Cristo. “No Corpo Místico de Cristo que é a Igreja, se um membro sofre, todos os outros sofrem com ele (cf. 1Cor 12,26). Por isso, a Igreja considera como extremamente honrosas a misericórdia em relação aos enfermos e as assim chamadas obras de caridade e ajuda mútua, que visam a socorrer as diferentes necessidades humanas” (Ritual da Unção dos Enfermos e sua Assistência Pastoral, n.32). Por essa razão, cada paróquia deve valorizar o trabalho realizado pelos agentes de Pastoral da Saúde, cuidar da formação de seus membros, despertando neles as qualidades naturais que auxiliam no bom desempenho de sua missão. Uma das qualidades indispensáveis que deve ter o agente de Pastoral da Saúde é saber escutar. A esse propósito a tradição bíblica conferiu à atitude da escuta uma importância singular, muito superior à capacidade de falar. “Quem responde antes de ouvir, passa por tolo e se cobre de confusão” (cf. Pr 18,13). Salienta a primazia do ouvir em relação às possíveis respostas: “Escuta com ternura o que te dizem a fim de compreenderes e darás então uma resposta sábia e apropriada” (Eclo 5,13). Jesus, também, nos seus ensinamentos, mostrava a importância de ter ouvidos para ouvir (cf. Mt 11,15;13,15-16). É, sem dúvida, mais importante ouvir com atenção, com carinho, que se adiantar em dar conselhos e apresentar soluções. O agente de pastoral deve ter acima de tudo um grande amor aos enfermos. São Camilo recomendava a seus religiosos que era preciso amar o doente como uma mãe que cuida de seu único filho enfermo. Amor e afeto para com os doentes é um elemento essencial na espiritualidade camiliana e na Pastoral da Saúde. Evoco no final destas considerações aquela que é considerada a primeira “agente de Pastoral da ICAPS_junho.p65 3 3 Saúde” (cf. Lc 1,39-56). Venerada com o sugestivo título de Salus Infirmorum (Saúde dos Enfermos), “a Virgem Maria, durante a vida, foi modelo daquele amor materno de que devem estar animados todos aqueles que colaboram na missão apostólica da Igreja para a redenção dos homens” (cf . Lumem Gentium, n.65). Que a exemplo de Maria possamos nós também engajar-nos neste setor privilegiado de evangelização vendo na pessoa do irmão enfermo o próprio Cristo. TADEU DOS REIS ÁVILA é padre camiliano, trabalha no seminário de Monte Santo e ministra cursos e palestras para agentes da Pastoral da Saúde. CELEBRANDO 25 ANOS DE HUMANIZAÇÃO E PASTORAL DA SAÚDE Este será o tema do XXV Congresso Brasileiro de Humanização e Pastoral da Saúde, que acontecerá nos dias 10 e 11 de setembro de 2005. 25 ANOS DE HISTÓRIA As conquistas na área da saúde Descobertas científicas e desafios éticos e bioéticos Campanha da fraternidade Relatório da Pastoral da Saúde da CNBB A importância no cuidado de si mesmo OS DIVERSOS ASPECTOS NOS CUIDADOS PALIATIVOS Aspectos clínicos dos cuidados paliativos Aspectos práticos: controle da dor Aspectos psicológicos dos cuidados paliativos Aspectos teológicos pastorais dos cuidados paliativos O luto nos cuidados paliativos SAÚDE: UMA TAREFA DE TODOS Prática saudável de vida Hipertensão arterial Obesidade: um mal evidente OBSERVAÇÃO No próximo boletim ICAPS enviaremos a programação completa com ficha de inscrição. 03.05.2005, 08:48 Ano XXIII – no 231 – Junho de 2005 – BOLETIM ICAPS 4 QUANDO COMER É UM SOFRIMENTO GRAÇA PORTELA T anto a bulimia quanto a anorexia são distúrbios metabólicos psiquiátricos que atingem principalmente mulheres na faixa de 12 a 25 anos. A anorexia se caracteriza pela recusa da pessoa em se alimentar, podendo levar a um quadro de subnutrição com conseqüências bastante graves. Já a bulimia é uma doença em que a pessoa come compulsivamente e, em seguida, provoca vômitos ou ingere laxantes e diuréticos para eliminar o que foi consumido. No Brasil, a estimativa é que uma em cada 250 jovens sofra com essas doenças. No consultório da psicanalista e psicóloga Thereza Christina Pegado Ribeiro, especialista no tratamento de adolescente com distúrbios alimentares, os relatos das pacientes são muito parecidos. “A puberdade é uma fase turbulenta. O corpo passa por transformações, as emoções são intensas e há muita insegurança”, explica a psicanalista. Em decorrência disso, é comum a menina estranhar seu corpo e questionar-se se está ficando mais “cheinha” . Resultado: quase sempre resolve fazer dieta. “Ela não tem com quem dividir sua ansiedade. Começa, então, a controlar por conta própria sua alimentação e, numa fase mais aguda, passa a ter pavor do alimento”, afirma Thereza Ribeiro. O que leva alguém a se tornar bulímico ou anoréxico? “Temos causas genéticas, psicológicas. Para a psicanálise, estes são transtornos de ansiedade ligados à identidade da pessoa, ao seu processo de formação ou a situações de vida que não fiquem bem resolvidas e que retornam. Mas geralmente são situações de estresse”, afirma a psicanalista. Ela enfatiza, porém, que nossa cultura equipara a magreza à beleza e à aceitação social. “Há um incentivo maior à aparência do que à subjeti- ICAPS_junho.p65 4 vidade da pessoa e isso deflagra muitos problemas”, garante. Para a nutricionista Marina Naegeli, do Instituto de Nutrição da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, a sociedade e a mídia forçam o indivíduo a ser magro. “Caso ele já tenha uma história familiar ligada a algum desequilíbrio emocional, há uma predisposição a essas doenças”, explica. Queda e recuperação, como numa dependência química, a pessoa não percebe que está se tornando anoréxica ou bulímica. A professora Marcela Machado Marchi, 36 anos, sofreu durante sete anos com a doença. “Comecei com a bulimia. Chegava a comer um quilo de macarronada por refeição. Enquanto comia, achava tudo ótimo, mas depois suava frio, nervosa, sentia dores no estomago. Então ia ao banheiro, enfiava o dedo na garganta para vomitar e saia de lá outra mulher, contente, falante... Era uma coisa muito forte”, descreve. A compulsão alimentar levou Marcela à depressão. “Vivia chorando e não conseguia dormir. Procurei ajuda médica e diagnosticaram bulimia. Após um tempo, cansei de vomitar e falei para mim mesma: vou parar. Deixei de comer, só tomava mate e, de madrugada, engolia uma caixa de bombons. Passei um ano fazendo isso. Cheguei a pesar 38 quilos. Não sentia mais fome. Tornei-me anoréxica. Fui me afastando das pessoas, larguei trabalho e amigos. Cheguei ao fundo do poço”, garante. Para Marcela Marchi, o pior momento foi o começo do tratamento. “Decidi batalhar sozinha. Foi muito difícil. Tive de aprender que poderia comer normalmente e ser feliz.” Thereza Ribeiro alerta que é fundamental um diagnóstico preciso para se ter certeza de que o problema é mesmo anorexia ou bulimia, já que outros transtornos, como o hipertireoidismo e o diabetes, têm sintomas similares. Feito o diagnóstico, muitas vezes é necessário acompanhamento multidisciplinar, dependendo da gravidade do quadro. A nutricionista Marina Naegeli lembra que, em alguns casos, há até necessidade de internação. “Quando o paciente está muito desnutrido, com uma astenia (fraqueza) grave e negando-se a se alimentar, muitas vezes não se consegue suprir suas necessidades nutricionais só por via oral, sendo necessária a colocação de um cateter para ministrar a alimentação no organismo”, observa. Segundo Marina Naegeli, os efeitos da anorexia e da bulimia no organismo são os seguintes: dependendo de seu estágio, a anorexia provoca uma séria desnutrição, e essa insuficiência nutricional calórico-protéica pode, em casos extremos, levar o paciente à morte. No caso da bulimia, o indivíduo geralmente não perde tanto peso. Mas o fato de provocar o vômito ou lançar mão de medicamentos que diminuem a absorção dos alimentos ingeridos acarreta no organismo uma carência de nutrientes necessários ao seu bom funcionamento. Detectar se alguém está anoréxico é mais fácil, pois a pessoa passa por uma rápida e visível perda de peso. Já no caso da bulimia, os sinais exteriores são menos evidentes porque a pessoa absorve um pouco do alimento que ingere. “Os pais devem ficar atentos para mudanças de comportamento, pois, em geral, o bulímico se isola na hora das refeições, evitando comer com a família, como se guardasse algum segredo”, adverte a psicóloga Thereza Ribeiro. É preciso carinho e habilidade para convencer o doente a procurar tratamento. Nessa hora, não pressionar nem julgar são mandamentos fundamentais. Há três anos longe dos distúrbios nervosos e com sua vida reestruturada, Marcela Marchi ainda não se sente curada. “A luta é diária... Hoje me sinto feliz, mas tenho medo de passar por tudo novamente”, confessa. 03.05.2005, 08:48 Ano XXIII – no 231 – Junho de 2005 – BOLETIM ICAPS 5 O PODER TERAPÊUTICO DO CONTATO FÍSICO JOSÉ CARLOS BERMEJO N ão se duvida que haja uma estreita relação entre contato físico e saúde. Com ele se diagnostica (ou talvez se diagnosticava), por meio dele se realizam tratamentos, por ele se contraem enfermidades, alguns transtornos psicológicos são conseqüência de contatos físicos indesejados – os abusos –, com ele se contribui para a reabilitação... Certamente, carícia não é o mesmo que contato físico. As carícias não se reduzem apenas ao toque na pele. Também nos acariciamos psicologicamente. O contato físico e as carícias possuem um significado ambíguo. Em princípio, podem provocar sensações boas e ruim. Ambas têm, em si mesmas, tanto um poder destruidor como um potencial terapêutico. Uma carícia física indesejada pode converter-se em um abuso que deixe marcas para toda a vida. Um contato físico inoportuno ou violento pode gerar males físicos e psicológicos. Em princípio, essa ambigüidade é reconhecida há muito tempo. O juramento hipocrático, próprio dos médicos desde o século IV antes de Cristo, já dizia: “Quando entrares numa casa não leve outro propósito que não o bem e a saúde dos enfermos, tendo o cuidado de não cometer intencionalmente faltas injuriosas ou ações corruptoras e evitando principalmente a sedução de mulheres jovens, livres ou escravas”. Reconhecia-se que o tipo de relação próxima e íntima que acontecia na relação terapêutica podia levar a abusos, que sempre deveria ser evitado. No entanto, sempre no âmbito da relação com as pessoas enfermas, incapacitadas ou sofredoras por qualquer motivo, o poder terapêutico do contato corporal é muito importante. Encontramo-lo expressamente na prática de reabilitação, da ICAPS_junho.p65 5 fisioterapia, das massagens e nas capacidades que alguns terapeutas possuem em detectar certos males mediante o tato e a cirurgia. Também têm poder as carícias psicológicas. E também estas podem ser ambíguas. Como estímulos sociais dirigidos de um indivíduo a outro para satisfazer a necessidade de ser reconhecidos, essas carícias, especialmente estudadas pelas análises transacionais, podem veicular reconhecimento sadio ou mostrar a imaturidade de quem as faz, jogando com elas ou satisfazendo carências afetivas próprias. Por isso também aqui se fala de carícias positivas e negativas, adequadas e inadequadas, proporcionais e desproporcionais. sentem bem ao recebê-las e aquelas que se sentem incomodadas ao fazê-las, as carícias constituem uma demonstração carinhosa de amor e reconhecimento, de apreço e carinho mediante um toque suave no corpo de uma pessoa. Segundo algumas pesquisas, o corpo humano possui uma rede de neurônios especializada em interpretar a carga emocional de uma carícia. Essa rede é independente dos neurônios do tato e se ativa somente quando percebem amor, o que revela a importância que a natureza outorga à ternura nas relações humanas. Essa rede de neurônios permite que um bebê, por exemplo, perceba o amor de seus pais antes de nascer e constitui o fundamento das relações conjugais, familiares e sociais. Em princípio, poderíamo-nos perguntar o que seria de uma pessoa que não acaricie ou não seja acariciada. Sua afetividade, seu equilíbrio emocional, sem dúvida, não irão muito longe. CARÍCIA E SOLIDARIEDADE CARÍCIA E EQUILÍBRIO No entanto, quando o contato físico se converte em carícia sadia em sua motivação e oportuna a seu destinatário, pode constituir um tratamento e um alívio no sofrimento. Com exceção das pessoas que rechaçam as carícias porque não se Se a carícia física pode ser expressão de ternura e de carinho para com as crianças e os adultos, e também expressão de erotismo e prazer carnal, ela pode ser também solidária. A carícia física solidária toca a pele do enfermo, do moribundo e do que sente dores, enxuga lágrimas e 03.05.2005, 08:48 Ano XXIII – no 231 – Junho de 2005 – BOLETIM ICAPS 6 suores, diminui medos de solidão ou abandono e restaura equilíbrios internos. A carícia solidária alcança não só a pele física, mas também a pele emocional daquele que sofre. Com sua suavidade alivia as pessoas, as vidas e as histórias que sem desejálo estão marcadas pelo sofrimento. A carícia na fragilidade e no sofrimento representa uma alternativa à linguagem verbal, uma vez que pode completá-la, concretizando-se assim numa atitude empática. Bem utilizada, a carícia solidária é um recurso útil também na ausência de outras habilidades, ou, ao experimentar seus limites, evita-se o risco da “palmoterapia” ou tapinha fácil nos ombros que se traduz em ternura suave, mais que uma autêntica ternura. Por isso, a carícia, para não ser exagerada nem superficial, deve ser oportuna e autêntica, respeitosa e livre. Pensemos no mal-estar emocional produzido pelas trocas na imagem física em conseqüência da doença. Ou na luta pela perda da imagem que se tinha do próprio corpo. Ou na mulher que sofreu uma mastectomia. Ou na pessoa maior cuja suavidade da pele se hizo irmã da arruga. Ou no menino que nasce com uma incapacidade. Ou no doente terminal que já não pode tocar-se e está entregue aos cuidados de terceiros. A carícia é um remédio do espírito e restauradora do coração ferido ou que fraqueja. A carícia pode ser também confrontadora: pode fazer com que o enfermo sinta-se que ninguém o quer ou lhe dá atenção, ou ao mesmo tempo, perceba que está sendo reconhecido e que alguém se importa com ele. A carícia solidária exalta a beleza interior, a da dignidade do ser humano, acima da beleza física. Tocar na fragilidade levanta o ânimo, reconstrói a auto-estima e previne o isolamento. Não se pode viver humanamente sem se acariciar. A carícia solidária humaniza porque dá vida e gera saúde. NOTÍCIAS DO ICAPS E CNBB TAUBATÉ – Nos dias 15 e 29 de janeiro, padre Anísio Baldessin esteve na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, para ministrar curso de formação para agentes de Pastoral da Saúde, ministros da Eucaristia e visitadores dos doentes. SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – Nos dias 24 de fevereiro e 3 de março, padre Anísio Baldessin esteve na cidade de São José dos Campos, interior de São Paulo, dando orientações pastorais aos estudantes de filosofia e teologia daquela diocese. SÃO PAULO – No dia 5 de março, em São Paulo, foram iniciados os cursos extensivos de Pastoral da Saúde na Paróquia Nossa Senhora do Rosário, na Pompéia, e no Centro Universitário São Camilo, no Ipiranga. Os cursos terão a duração de um ano. CATANDUVA – Nos dias 12 e 13 de março, Dr. André Luís de Oliveira, coordenador da Pastoral da Saúde da CNBB, juntamente com Sebastião Geraldo Venâncio, agente de Pastoral da Saúde da diocese de São José dos Campos, estiveram na cidade de Catanduva, interior de São Paulo, para ministrar curso de Pastoral da Saúde para os agentes daquela diocese. PONTE NOVA – No dia 18 de março, padre Anísio Baldessin esteve na cidade de Ponte Nova, interior de Minas Gerais, ministrando curso de Pastoral da Saúde para os agentes de Pastoral da Saúde e ministros da Eucaristia. REUNIÃO DA CNBB – No dia 26 de março estiveram reunidos, na cidade de Goiânia – GO, a Coordenação Nacional da Pastoral da Saúde da CNBB. Na oportunidade, foram acertados os últimos detalhes para o encontro de capacitação para agentes de Pastoral da Saúde, que aconteceu nos dias 21, 22 e 23 de abril na cidade de Uberlândia. Foi revista a programação que a Coordenação Nacional se propôs a cumprir durante o ano e assuntos de interesse. BELÉM – Nos dias 16 e 17 de abril, Dr. André Luís de Oliveira, coordenador da Pastoral da Saúde da CNBB, juntamente com a vice coordenadora, estiveram na cidade de Belém – PA, ministrando palestras para os agentes de Pastoral da Saúde. UBERLÂNDIA – Nos dias 21, 22 e 23 de abril foi realizada na cidade de Uberlândia, interior de Minas Gerais, a II Conferência Nacional de Agentes da Pastoral da Saúde. Apesar de ser um encontro de âmbito Nacional, essa conferência foi direcionada aos líderes e coordenadores. Devido ao número limitado de vagas, pouco mais de cem pessoas estiveram presentes. JORGE CARLOS BERMEJO é religioso camiliano da Espanha. ICAPS_junho.p65 6 03.05.2005, 08:48 Ano XXIII – no 231 – Junho de 2005 – BOLETIM ICAPS 7 O PLACEBO NO BANCO DOS RÉUS H ouve uma época, em meados da década de 1990, que qualquer repórter que se aventurasse a falar sobre ética com cientistas corria o risco de receber uma resposta marota: “Ética é um problema da sociedade; o meu trabalho é pesquisar”. Mas parece que os tempos são outros. Tanto assim que o Rio de Janeiro abrigou durante três dias, na primeira semana de dezembro de 2003, a Terceira Sessão da Comissão Mundial de Ética do Conhecimento Científico e Tecnológico (Comest). Foram discutidos “A ética no uso da água doce”, “A ética e a nanotecnologia” e “O desenvolvimento da ciência e tecnologia e a sustentabilidade”, entre outros temas. Mas o destaque ficou por conta da discussão sobre “Implicações éticas da pesquisa com seres humanos nos países em desenvolvimento”. Vista assim de perto, a boutade dos cientistas sobre a ética, expressa no primeiro parágrafo desta matéria, tem sua razão de ser. Um grande estudioso das conflituosas relações entre ética e ciência na moderna sociedade industrial é o filósofo alemão Karl-Otto Apel, que, com Jurgen Habermas, elaborou as bases da “ética do discurso”. Para Apel, os resultados da ciência representam um desafio moral para a humanidade. E, segundo ele, o que vai complicar um pouco a relação entre ética e ciência é a ênfase desta última na idéia de objetividade neutra, isenta de valores. Ora, onde não há valores, fica difícil fundar uma ética. Mas para ele este é um falso problema. Quando reunidos, os cientistas praticam uma certa ética. O fato é que ainda hoje é comum cientistas acharem que ética significa apenas fazer “boa ciência”, e com integridade. COBAIAS HUMANAS No século 20, um dos campos em que a reflexão sobre ética e ciência vicejou foi na questão da prática da experimentação em seres humanos. As atrozes imagens de cobaias huma- ICAPS_junho.p65 7 nas sendo submetidas a torturantes experimentos na Alemanha nazista inspiraram o Código de Nuremberg e outros que visavam proteger os sujeitos envolvidos na pesquisa, exigindo seu consentimento voluntário para dela participar, limitando as investigações em pessoas vulneráveis (como crianças ou detentos), ou instituindo comitês de ética de pesquisa visando resguardar os direitos dos pacientes. Atualmente, o mais importante documento do gênero é a Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial, que, lançada em 1964, já passou por cinco revisões, sendo a última delas no ano 2000. As mudanças que mais geraram polêmica por parte dos pesquisadores nesta última revisão e que foram consideradas uma vitória para os pacientes pelas associações que lutaram pelas modificações envolvem os parágrafos 29 e 30 da referida declaração. E dizem respeito, em linhas gerais, ao uso de placebos (medicamentos inócuos ministrados a um grupo de pacientes para fins de pesquisa) e ao acesso ao melhor tratamento disponível a todos os sujeitos envolvidos no estudo. Por conta disso, a FDA (organização que controla drogas e alimentos nos EUA) e os organismos reguladores de medicamentos da União Européia desconsideram a última versão do documento, alegando que tais posições afetam a cientificidade dos estudos. OS VILÕES DA SAÚDE Pela nova recomendação, os placebos só poderão ser usados em estudos quando não houver outra terapia disponível para comparação com o procedimento que estiver sendo testado. Na eventualidade de existir uma droga apropriada no mercado, o teste deverá comparar o novo produto com aquele já disponível. Placebos ferem os direitos dos pacientes de várias maneiras. No passado, em testes realizados com bebês africanos e asiáticos, visando avaliar o efeito de curto prazo de um anti-retroviral na prevenção da transmissão do vírus HIV de mãe para filho, alguns deles foram deliberadamente infectados pelos cientistas por conta do uso de placebos. No evento da Comest, que é uma comissão de 18 membros nomeados pelo diretor-geral da Unesco, William Saad-Hossne, representando a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, defendeu a necessidade de os países criarem normas locais para os casos de experimentação em seres humanos. “O problema das implicações éticas na pesquisa assume uma preponderância maior do que na ética em geral porque, na pesquisa, podem ocorrer freqüentemente diversas assimetrias entre inúmeros atores: o sujeito da pesquisa, o pesquisador, a instituição, o patrocinador, a sociedade e os próprios governos.” Ele destacou a especificidade desses problemas no contexto dos países subdesenvolvidos. BRASIL NA VANGUARDA Saad-Hossne detalhou a Resolução 196, de outubro de 1996, que dispõe sobre o assunto no País, destacando seu caráter não só consultivo, mas também operacional. “Essa resolução, quando foi criada, não pretendia deixar vazios operacionais, não apenas recomendar, mas criar um mecanismo de controle efetivo de acompanhamento.” O Brasil atualmente conta com cerca de 400 comitês de ética em pesquisa, congregando cerca de 5 mil pessoas que se reúnem mensalmente para discutir as pesquisas de suas instituições. Saad-Hossne estimou que no ano de 2003 foram realizados no país cerca de 1.500 estudos envolvendo seres humanos. César Jacoby, representando o Ministério da Saúde, apresentou a posição oficial do Brasil sobre os parágrafos 29 e 30, após as inúmeras polêmicas por eles suscitadas e ainda em curso. O Brasil decidiu não promover alterações nos parágrafos em questão, mas prosseguir na discussão. Tudo indica que essa querela será resolvida na próxima Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, que deverá ocorrer em Tóquio, em 2004. 03.05.2005, 08:48 Artigo extraído da revista RADIS, n. 17, janeiro de 2004. Ano XXIII – no 231 – Junho de 2005 – BOLETIM ICAPS 8 TRANSEXUALISMO: UM TRANSTORNO DE IDENTIDADE ALEXANDRE SAADEH P essoas inconformadas com seu gênero de origem — seu sexo anatômico — sempre existiram na história humana. Mas foi a partir do século 20 que esses indivíduos puderam ser vistos pela moral e pela polícia. Desde 1930, existem as chamadas cirurgias de redesignação sexual. Trata-se de cirurgias que possibilitam ao homem virar mulher, ou vice-versa. Em 1949, Cauldwell cria o termo transexualismo, indicando o transtorno desses indivíduos. A partir de 1960, Harry Benjamin desenvolve intenso trabalho clínico com essa população, iniciando com John Money pesquisas profundas sobre o tema. Desde então, muito se fez e pesquisou. No Brasil, contudo, pela ilegalidade cirúrgica, pouco se estudou em relação ao assunto, que está na esfera da medicina legal e muito pouco na psiquiátrica. No Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, o psiquiatra Renato Del Sant iniciou atendimentos e estudos a respeito do tema na década de 1980, mas, com a impossibilidade cirúrgica, houve pouca adesão dos pacientes. Com a Resolução 1.482/97 do Conselho Federal de Medicina (CFM), autorizando a cirurgia em caráter experimental e de pesquisa, o PROSEX — Projeto Sexualidade — deu início, em 1998, ao atendimento dessa população. Atuando em parceria com profissionais de endocrinologia, urologia, ginecologia e cirurgia plástica, é possível hoje, no Hospital das Clínicas da FMUSP, oferecer atendimento diferenciado e de qualidade, gerando conhecimento e estudo na área da identidade sexual. Estamos falando aqui de transexuais e não de homossexuais ou travestis. Essa é uma distinção fundamental. Os transexuais são pessoas que sofrem por pertencer a um gênero com o qual não se identificam. E vão fazer de tudo para se transformar e estar no gênero desejado. Mesmo no IPq, o início do trabalho foi difícil, pois médicos e funcionários tinham muitas restrições e preconceitos com os pacientes. Com o tempo e a convivência, os estereótipos e preconceitos deram lugar ao respeito e conhecimento. Os transexuais, cujo diagnóstico é eminentemente clínico, passam por uma triagem do PROSEX, sendo então encaminhados para avaliação individual e psicoterapia de grupo, que deve durar no mínimo dois anos. Após esse período, o paciente é avaliado na endocrinologia, para adequação hormonal e preparação cirúrgica. É exigência do Conselho Federal de Medicina, com a qual concordamos, que o paciente tenha acompanhamento de equipe multiprofissional. Após a cirurgia, o paciente é acompanhado por toda equipe pelo período mínimo de um ano. Com esse trabalho, muitas dúvidas e conhecimentos surgiram, gerando material de pesquisa e doutorado, concluído em junho de 2004. Instituto Camiliano de Pastoral de Saúde Fone (11) 3675-0035 e-mail: [email protected] Av. Pompéia, 1214 A 05022-001 São Paulo, SP IMPRESSO ICAPS_junho.p65 8 03.05.2005, 08:48