Tudo que Sarney não quer é ser esquecido
Teletolo de Ricardo Stuckert
JANDIRA GOUVEIA
BRASILIA — Se tudo correr como
espera o Presidente José Sarney, no
dia 1S de março ele passa a faixa
presidencial para Fernando Collor
de Mello, pega o Boeing da Força Aérea Brasileira que lhe serviu durante cinco anos, e volta para São Luís,
no Maranhão. Ao contrário do seu
antecessor, o General João Figueiredo, que implorou ao deixar o Governo que o esquecessem, Sarney inaugura o Centro de Documentação José
Sarney, que terá várias atribuições,
mas já começará abrigando um museu sobre o atual Presidente da República.
Tudo o que Sarney não quer é ser
esquecido — e antes mesmo de começar o Governo Collor, o Presidente encontra bons motivos para relaxar.
Se o Governador do Maranhão,
Epitácio Cafeteira, não aprontar o
espaço do Convento das Mercês, onde ficará o Centro de Documentação,
até o dia 15, ainda assim, no dia 16
Sarney já estará trabalhando nesse
projeto, garantem os amigos. Descontraído, já achando que os problemas do País estão mais para as mãos
de Fernando Collor de Mello do que
para as suas, o ainda Presidente anda exibindo um ar de tranqüilidade
e satisfação não representado apenas
pelo bronzeado das férias de fim de
ano e os 2,2 quilos que ganhou nesse
descanso.
Em março do ano passado, um senador alagoano, amigo de Sarney,
demonstrou medo de que o Presidente tivesse que deixar o Governo pela
porta dos fundos do Palácio do Planalto. O Presidente ouviu calado —
talvez porque tivesse os mesmo receios, diante da baixa em sua popularidade. Mas depois, valendo-se de
sua religiosidade, resolveu dizer que
tinha "fé em Deus" e esperava que
até 15 de março as coisas melhorassem.
Se as coisas não melhoraram pelo
menos já foram capazes de restabelecer o humor do Presidente. Esta semana, aquele mesmo senador mandou um recado para o Palácio da
Alvorada: acha que o milagre aconteceu e que Sarney conta com a simpatia, inclusive, do funcionalismo
público.
Mas antes mesmo de receber o recado de seu amigo, Sarney já tem
circulado pelos salões mais íntimos
com outro humor. Na semana passada, por exemplo, durante uma festa
na casa de seu Secretário Particular,
Augusto Marzagáo, entre conversas
sobre a inflação e a situação do Panamá, tendo a seu lado Ministros co- O caminhão leva a mudança do Presidente Sarney do Palácio da Alvorada
mo Saulo Ramos e Luís Roberto Pon— Ele pode ter muitas dificulda- ainda paira sobre o Palácio do Plate, Sarney se permitiu mudar de
des. Sua principal assessora econô- nalto, Sarney também já encontrou
tema para tratar de coisas bem mais
mica foi minha funcionária de tercei- um consolo, que lhe garante a desamenas: Passou a lembrar o filósofo
francês Claude Levy-Strauss e sua ro escalão — disse ,referindo-se ao contração : o periódo dos cálculos
fato de a economista ter sido a Sub- para janeiro já terminou, o próximo
tese sobre o surgimento do amor.
secretária do Tesouro, quando Dil- acaba no dia 15 de fevereiro e a exA conversa atingiu comentários
son Funaro era o Ministro da Fazen- pectativa do Governo é de que esses
generalizados sobre as vantagens do
da, e Andréa Calabi Secretário do resultados não se distanciem muito
amor "olho no olho" e foi longe. No Tesouro.
de dezembro. Vai sobrar a inflação
mesmo clima de descontração, ele
medida depois do dia 15 de fevereiro.
fez até previsões para o futuro GoMas esta quem vai ter que anunciar,
Não
é
só
nos
pronunciamentos
púverno.
blicos que tem feito recentemente, logo depois de ter tomado posse, será
como o seu programa semanal "Con- Fernando Collor de Mello.
Sarney é de opinião que a econoNo fundo, segundo acreditam alversa ao Pé do Rádio" que Sarney
mista Zélia Cardoso de Mello deve
anda insistindo em dizer que vai dei- guns de seus amigos, voltar para o
ser mesmo a Ministra da Economia.
xar o País bem. Ele não perde chan- Maranhão não significa, para SarMesmo assim, não deixou escapar
ce de falar no legado das reservas ney, passar ao esquecimento, deixar
uma ironia, a maneira mais freqüente com que vem se referido ao Go- cambiais que deixará para Collor, al- o cenário político. É só uma retirada
go em torno de US$ 12 bilhões. Para estratégica no primeiro ano de seu
verno ainda não iniciado Je Fernana inflação, o grande fantasma que sucessor.
do Collor:
Entre uma conversa e outra, o e.m seu sucessor e inimigo declarado.
Presidente até diz que se conseguisse É que Sarney, segundo argumentam
um bom preço venderia o Sítio de alguns de seus amigos, não quer perSão José do Pericumã, que ele tem a
der a oportunidade de ser o primeiro
30 quilômetros de Brasília, evidenPresidente, depois de Juscelino Kuciando as suas raízes maranhenses. bitschek, a passar a faixa a um suSe, de fato, fosse se desfazer do sítio,
cessor civil e ainda fruto de uma
Sarney poderia conseguir até NCZ$ eleição que ele acha que trabalhou
10 milhões por sua propriedade, onde para garantir.
ele colhe, entre outros produtos, a
, . — O essencial é ter sido. Eu já fui.
semente de soja.
Ótimo — a frase do político mineiro
Antônio Carlos de Andrade já foi inMas, um amigo próximo garante
que não é exatamente isso que ele corporada pelo Presidente em suas
conversas, e ele a cita com gosto.
quer. Tanto que já conseguiu alguém
ligado à família para tomar conta do
Mas existem outros momentos em
que tem por lá — especialmente den- que o Presidente prefere lembrar
tro da casa, porque fora, a proprie- uma frase do ex- Ministro Mário
dade de São José do Pericumã já
Henrique Simonsen que, ao ao deipossui um esquema de gerenciamen- xar traumaticamente o Governo Fito em pleno funcionamento. No mogueiredo respondeu assim a um jormento, Sarney está colhendo milho,
nalista que perguntou como se
com o qual prepara silagem destinasentia:
do ao seu gado leiteiro.
— Como você acha que estou me
Quando o próximo Presidente pas- sentindo? Sou um homem que foi
sar a viver os problemas com a nova dormir com uma dívida de US$ 100
Constituição, e sentir a necessidade bilhões e no dia seguinte acordo não
de apoio do Congressso Nacional, os devendo nada.
defensores de Sarney acham que a
É esta a explicação que os amigos
opinião pública vai entender que ele
do Presidente têm para o seu novo
também sofreu esses problemas.
humor nos últimos meses de Gover— A história me fará justiça — no. Sarney, de acordo com esses
acredita Sarney ".
amigos, já começa a se sentir longe
Enquanto isso não acontece, o Pre- dos ataques. Ele não conseguiu essidente não abre mão de viver e até conder a satisfação quando, na seampliar todos os ritos da História mana passada, abriu os jornais e leu
que está protagonizando. Já existem que a imprensa francesa estava critiamigos no Palácio do Planalto que cando a viagem de Fernando Collor
acreditam que, estando ou não pre- de Mello.
visto no cerimonial, Sarney poderá
Sarney melhor do que ninguém saaté fazer um discurso antes de pas- be o que é isso, em dose muito
sar a faixa a Fernando Collor. Outra maior, pois mereceu até mandado de
idéia em curso é também dispensar o segurança, quando lotou dois
artifício do Chefe do Cerimonial (a Boeings de convidados para assistir
quem caberia fazer a transferência aos festejos do Bicentenário da Revo*. ,
da faixa) e pessoalmente colocá-la lução Francesa.
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