A ESCOLHA ESCOLAR DA (NOVA?) CLASSE MÉDIA BRASILEIRA Ana Rita Siqueira Introdução O tema deste projeto de pesquisa refere-se à “nova classe média” brasileira e suas escolhas escolares no mercado de ensino. O interesse em pesquisar esse tema surge na experiência profissional da proponente deste projeto ao realizar atividades que objetivavam enriquecer os processos pedagógicos escolares e a relação entre a família e a escola. Esta experiência se desenvolveu em dois momentos: no primeiro, como membro de equipes de consultores junto a escolas públicas e privadas; e, no segundo momento, como orientadora escolar em duas instituições educativas voltadas para as classes médias de Belo Horizonte. No primeiro momento, nossa experiência envolveu a proposição e o desenvolvimento de projetos em escolas públicas e privadas de ensino fundamental e médio, que visavam estimular a participação de alunos, professores e famílias em ações destinadas a potencializar a dinâmica escolar e os processos pedagógicos. Destacamos, aqui, as atividades realizadas com alunos e professores em 25 escolas públicas, durante 3 anos, em torno da ideia de empreendedorismo, cujo objetivo último era problematizar a relação entre a educação escolar e o mundo do trabalho. Destacamos, também, o desenvolvimento de um projeto em três escolas privadas, durante um ano, que objetivava estimular o protagonismos dos jovens estudantes em atividades escolares e extraescolares, bem como estimular o envolvimento das famílias nestas ações. Este projeto buscava enfrentar o desinteresse dos alunos e de suas famílias em atividades no interior da escola e em atividades sociais e culturais nas comunidades do seu entorno. Nestas duas experiências pudemos constatar diferenças significativas no perfil socioeconômico e cultural das famílias que se inserem em escolas públicas e privadas. No segundo momento, nossa experiência se deu como orientadora escolar de instituições privadas de ensino fundamental e médio, sendo uma escola voltada para atender segmentos intelectualizados ou mais abastados da classe média e a outra para uma camada de menor poder aquisitivo. Esta última apresenta uma especificidade em relação à anterior no que diz respeito ao perfil socioeconômico: trata-se de uma escola privada que atende famílias menos elitizadas dentro da classe média. A partir desta experiência, observamos que o perfil socioeconômico tinha uma relação com as escolhas escolares, pois enquanto na primeira escola os alunos possuíam uma trajetória escolar unicamente inserida em redes privadas de ensino da região mais nobre da cidade, na 1 segunda, parte dos estudantes vinha de escolas públicas e tinha a rede pública como alternativa de destino no caso de saírem do colégio. Posteriormente, a proponente deste projeto ingressou no mestrado em educação da UFMG tendo se inserido no OSFE – Observatório Sociológico Família-Escola – da mesma instituição e conheceu a pesquisa: A “nova classe média” Brasileira e a escolarização dos filhos: escolha do estabelecimento de ensino e mercado escolar. (NOGUEIRA, 2013) Esta pesquisa, ainda em andamento, tem como objetivo aprofundar o conhecimento sociológico sobre as práticas e estratégias educacionais das classes médias, e suas consequências sobre os sistemas (público e privado) de ensino e tem como principal foco de análise a nova classe média. Tal pesquisa evidencia o surgimento de um aumento nas matrículas das escolas particulares nos últimos anos, tanto no Brasil como em Minas Gerais, a partir de dados do censo INEP/MEC, e relaciona este aumento com o surgimento na “nova classe média”. A pesquisa também aponta que estas famílias possuem: (i) novas práticas e modos de consumo escolar por parte das famílias, em particular a evitação da escola pública e a adoção da escola privada e (ii) uma nova realidade no mercado escolar, com a expansão de um segmento específico da rede privada de ensino que não se confunde com o segmento das escolas de alto padrão acadêmico que tradicionalmente servem às elites culturais e/ou econômicas. (NOGUEIRA, 2013 pag 4) Inspirados nesta pesquisa é que propomos este projeto a fim de conhecer, entre escolas que praticam mensalidades de 150,00 a 500,00 reais, alunos da instituição de ensino, suas trajetórias escolares, nível socioeconômico, práticas culturais, de lazer e acesso a informação. Construção do problema Na última década, um conjunto de fatores constituído por políticas de distribuição de renda, aumento do número de vagas no trabalho formal, ampliação da escolaridade e ganhos salariais seria responsável pela ascensão de um novo segmento social no cenário brasileiro. Diversos pesquisadores têm se debruçado sobre essa parcela da 2 população a fim de detalhar sua composição e características, no entanto, os estudos resultaram em perspectivas divergentes em virtude da pluralidade analítica. Utilizando dados do IBGE relativos a seis grandes metrópoles brasileiras, Neri (2008) aponta uma expansão da classe média brasileira gerada pela ascensão de camadas populares do país. Segundo o autor, a classe média se caracteriza por dois aspectos essenciais: o potencial de consumo em curto e longo prazo e a expectativa positiva em relação à vida futura. Sua pesquisa confirma a presença de tais características na fração da população que emergiu nos últimos anos, o que levou o autor a intitular o grupo de “nova classe média” e a situá-lo como “classe C” a partir da análise de sua capacidade de consumo. Essa denominação, no entanto, não é consensual entre os estudiosos. Para Souza (2010) “nova classe trabalhadora” seria uma forma mais apropriada de chamar este grupo, uma vez que a não apropriação de capital cultural em contraponto às aquisições econômicas justificaria seu não pertencimento às classes médias. Yaccoub (2011) também sugere que aspectos imateriais devem ser levados em conta e destaca que o termo “classe” não pode ser ligado unicamente à renda e ao consumo. A autora aponta para a necessidade de observar outros valores na classificação social: (...) para classificar e definir a identidade social de um grupo é necessário analisar sua gênese, suas formas de ser, estilos, modos de consumo, formas de linguagem, comportamento corporal, habitus, capitais culturais, sociais e simbólicos, etc. (Yaccoub, 2011) Mesmo diante das discordâncias apontadas, há consenso em torno da existência de um novo segmento da população que logrou ascender a novos patamares de consumo à custa de esforço e sacrifício pessoal. Dentre os serviços utilizados por essa “nova classe média” há a opção pelo consumo escolar em instituições privadas e é neste aspecto que a proponente deste projeto irá concentrar suas atenções. De acordo com o censo escolar INEP/MEC houve um aumento de matrículas no ensino privado tanto no Brasil como em Minas Gerais. Segundo Nogueira (2013), é possível supor que a origem da ampliação da rede particular de ensino se relacione com a crescente opção de parte da “nova classe média” em passar da escola pública para instituições privadas. Contudo, a autora ressalta que se trata de um consumo recente, instável e cercado de pesados sacrifícios. 3 Tendo como referência a escolha da “nova classe média” por escolas privadas descritas acima e estas indicações da literatura especializada, o problema que anima esta pesquisa pode ser descrito como o desconhecimento do perfil socioeconômico e cultural de alunos de escolas particulares que praticam baixas mensalidades na cidade de Belo Horizonte, escolas que supostamente atendem à “nova classe média”. Para pesquisar este problema definimos como questão central: Qual o perfil socioeconômico e cultural de alunos frequentadores de escolas particulares que praticam baixas mensalidades na cidade de Belo Horizonte? Entendemos a definição destas características a partir da investigação de alguns aspectos tais como: sexo, idade, raça, tamanho da família, posição na fratria, nível de escolaridade dos pais, ocupação dos pais, renda, bens de consumo, trajetória escolar, acesso a internet, teatro, cinema, museus, informação e opções de lazer dentre outras coisas. O objetivo geral é, portanto, analisar as características de alunos de escolas que praticam baixas mensalidades na cidade de Belo horizonte. Os objetivos específicos foram assim delineados: - Conhecer o perfil socioeconômico dos alunos da escola X; - Identificar opções de cultura, lazer e acesso a informação de alunos da escola X; - Conhecer a trajetória escolar de alunos da escola X; Justificativa Este projeto de pesquisa se justifica pelo menos por três razões. Em primeiro lugar, trata-se de ampliar a produção do conhecimento no campo da sociologia da educação voltado para o mercado escolar. Dentro desta perspectiva, objetiva-se preencher uma lacuna na produção de saber sobre um segmento desconhecido da rede particular de ensino. Em segundo lugar, esta pesquisa poderá fornecer informações que contribuam para o aprimoramento de políticas públicas em educação destinadas a esta parcela da população, já que poderá desvelar algumas razões para a saída de alunos do ensino público. Justifica-se, ainda, por abrir espaço para reflexões acerca da chamada “nova classe média”, parcela da população que carece de empenho investigativo. Hipóteses Amparados na pesquisa em andamento denominada: A “nova classe média” brasileira e a escolarização dos filhos: escolha do estabelecimento de ensino e mercado escolar, e nos dados dos censos INEP\MEC, acreditamos que o conhecimento das características socioeconômicas e culturais de alunos das escolas investigadas contribuirá para desvelar a parcela da população conhecida como “nova classe média”. Acreditamos também que estes sujeitos, apesar de possuírem práticas de consumo que 4 os aproxima da classe média, tal como o acesso à educação privada, não partilham de outras características deste extrato social no que diz respeito a bens culturais tradicionalmente considerados legítimos e informação. Metodologia A abordagem metodológica mais adequada para desenvolver este projeto de pesquisa é a qualitativa, uma vez que permite conhecer a especificidade do problema descrito. A metodologia qualitativa permite aproximar a pesquisadora de um nível de realidade que não pode ser quantificado. (MINAYO, 2009). A metodologia é composta de uma fase bibliográfica e outra empírica. A pesquisa bibliográfica abarca a literatura da sociologia da educação. A pesquisa empírica é realizada com gestores, professores, funcionários e alunos das escolas X. Procedimentos e instrumentos de pesquisa Cenário da pesquisa Uma pesquisa anterior fez um primeiro levantamento que indicou a existência, na região metropolitana de Belo Horizonte, de diversas escolas particulares com mensalidades entre 150 reais e 500 reais e que se inserem em bairros de maioria pertencente à “nova classe média”. Por meio de uma aproximação com tais escolas foi possível avaliar a mais apropriada para o estudo. As escolas foram escolhidas como cenário da pesquisa por meio dos seguintes critérios: ter mensalidades entre 150 reais e 500 reais; se inserirem em bairros de maioria de moradores com nível socioeconômico pertencente à “nova classe média”. A pesquisadora entrará em contato com as escolas para apresentar o projeto de pesquisa e solicitar a sua participação. Sujeitos da pesquisa: Os sujeitos da pesquisa são gestores, professores, funcionários e alunos pertencentes à comunidade escolar das escolas. Os critérios de escolha destes sujeitos são: o interesse em participar da pesquisa a função exercida na escola. Instrumentos de pesquisa A entrevista semiestruturada é a técnica a utilizada. Este tipo de entrevista se aplica aos propósitos da pesquisa já que valoriza a expressão dos entrevistados. Sua realização é precedida da elaboração de um roteiro que combina perguntas fechadas 5 e abertas, possibilitando que o entrevistado discorra sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada (MINAYO, 2009). As entrevistas são gravadas com o consentimento dos entrevistados e transcritas posteriormente. Análise e interpretação dos dados Os dados empíricos coletados serão organizados, categorizados, interpretados e analisados utilizando-se a análise de conteúdo. Para Bardin, a análise de conteúdo pode ser compreendida como: Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2004, p.41). Referências BARDIN, Laurence (2004). Análise de Conteúdo. 3ª Ed. Lisboa: Edições 70. ÉRNICA, M. BATISTA, A.A.G.; A escola, a metrópole e a vizinhança vulnerável. Cadernos de pesquisa. v.42 n.146 p.640-666 maio/ago. 2012 FIALHO, F.B. Mobilização parental e excelência escolar: um estudo das práticas educativas de famílias das classes médias. UFMG. 2012 Available from <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/BUOS-8TYK2V> KOSLINSKI, M.C.; COSTA, M. Quase-mercado oculto: disputas por escolas “comuns” no Rio de Janeiro. Cadernos de pesquisa. v.41 n.142 jan./abr. 2011 NERI, M.C. 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