IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA
HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.
29 de Julho a 1° de Agosto de 2008.
Vitória da Conquista - BA.
PACTO, CONFLITO E COERÇÃO NO SERTÃO BAIANO
João Reis Novaes
Mestrando em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
E-mail: [email protected]
A presente comunicação, oriunda das pesquisas em andamento, se insere na discussão
acerca do coronelismo, vigente no Brasil durante a chamada Primeira República (1889 -1930),
tendo como eixo par a observância os conflitos travados entre o s grupos dos Rabudos e dos
Mocós, no momento em que estes almejavam o controle político do município de Maracás e
Região.
Torna-se necessário ressaltar que o recorte temporal desta pesquisa abrange o período
compreendido entre os anos de 1916 a 1931. O primeiro marco corresponde à efetivação da
reforma política, idealizada por J. J. Seabra e executada durante o govern o de Antônio Muniz
com a promulgação da Lei Estadual n.º 1.104, de 09 de maio de 1916. Essa reforma pretendia
enfraquecer o poder exercido pelos coronéis do interior da Bahia, que reagiram empreendendo
o chamado “Levante dos Sertões ” ou “Revolta Sertaneja ”. Tal movimento contribuiu
significativamente para a consolidação da influência política do Coronel Marcionillo Antônio
de Souza, nos cenários municipal, estadual e federal. O ano de 1931 foi escolhido em função
da prisão dos líderes do Levante – Horácio de Matos, Anfiófilo Castelo Branco e Marcionillo
Souza – a mando do então interventor , Juraci Magalhães.
Já a delimitação espacial circunscreve a região Sudoeste e as suas fronteiras com a
Chapada Diamantina e com o sul do Estado baiano, que conviviam com a influência direta do
principal chefe político do município de Maracás desse ínterim.
Em Maracás – no período ora em apreço – assim como em boa parte do sertão baiano,
os principais protagonistas do cenário político eram membros da elite local. Es se segmento,
por sua vez, não era monolítico, o que se evidencia quando constatado os diversos conflitos
materializados entre os seus integrantes para galgarem à liderança política desse município.
Desta forma, os embates efetivados entre os Rabudos e Mocós, na te ntativa de efetivarem os
seus projetos de domínio e subordinação, vêem demonstrar as turbulências existentes no
âmago da elite maracaense.
Torna-se necessário destacar que elite aqui é compreendida enquanto um grupo
restrito, capaz de influenciar ou manipu lar as principais decisões políticas que permeavam a
cotidianidade de todos os membros de sua comunidade. Ao partir dessa perspectiva , não há o
objetivo de negar a condição de sujeito histórico aos indivíduos que não faziam parte desse
2
grupo. No entanto, n ão pode ser ignorado o fato de que, em diversos momentos históricos e
nos mais diferentes contextos, as principais decisões políticas vêm sendo manipuladas por
uma minoria. Esta , na maioria das vezes, apresenta as suas ações invariavelmente como fruto
dos interesses de toda a sociedade e no município de Maracás não foi diferente.
Desta forma, para o presente trabalho, a elite constitu i-se enquanto uma das categorias
que compõem a classe dominante. É a parcela desta última especializada na política
institucional. Desta maneira, classe não é uma categoria homogênea, com seus limites
determinados, mas está em constante transformação, assim como apontado por Marx (1990),
que apresenta diversos setores sociais que compõem a classe dominante, como , por exemplo:
aristocracia financeira, burguesia industrial, a pequena burguesia, o exército, os intelectuais de
prestígio, dentre outros.
Muitos autores brasileiros, como José Murilo de Carvalho (1998), empregam o termo
elite política, mesmo não a esclarecem como sinônimo de classe dominante ou como uma de
suas categorias. Ademais, no período estudado , a maioria esmagadora dos membros da elite
maracaense eram os que detinham os meios de produção. Aqueles que provinham de outra
classe, geralmente, ao integrar a elite , passavam a assumir os seus valores e a defender os
interesses de seus novos pares. O exposto evidencia que a renovação dos quadros da elite era
uma constante, pois o indivíduo poderia se inserir nesta categoria por diversas formas, dentre
as principais podemo s destacar: apadrinhamento, nascimento, casamento, riqueza, carisma,
dentre outras.
Como ressaltado anteriormente, compartilha -se da concepção de que a elite não era
um grupo homogêneo e estático, pelo contrário , os seus membros encontravam -se em
conflitos permanentes, incentivados pelas ambições, muitas vezes pessoais, de aumentar o seu
poderio. Em Maracás e Região, no bojo des ses conflitos, se deu a formação de duas facções
políticas – a dos Rabudos, liderados pelo Coronel Marcionillo Antônio de Souza, e a dos
Mocós chefiados pelo Coronel José Antônio Miranda. Es sas duas facções alternavam -se na
ocupação dos principais cargos político -administrativos, beneficiando as suas parentelas e
excluindo os aliados do grupo que , fora dos cargos administrativos, ass umiam o papel de
oposição.
A contenda entre os Rabudos e os Mocós teve início em Brejo Grande, hoje município
de Ituaçu, quando este gozava de uma forte prosperidade, lhe permiti ndo influenciar na vida
política das cidades circunvizinhas, como foi o caso d e Maracás. Essa oposição brotou do seio
da peleja entre as famílias Gondim e Silva , pelo controle dos cargos administrativos da cidade
3
supracitada. Com o passar dos tempos , esses grupos começaram, para fortalecer as suas
posições, a captar prosélitos nos m unicípios adjacentes.
Destarte, a origem da denominação de Rabudos e Mocós surgiu a partir dos embates
travados entre as famílias supracitadas, pois, aos membros da família Silva chamavam
“pejorativamente, de “Rabudos” (ratos), pelo fato de viverem na bai xada de Brejo Grande,
enquanto os Gondins, que nos momentos difíceis buscavam refúgio nos morros das Lavras
Diamantinas, ganharam o apelido de “Mocós” (ARAÚJO, 1997, p. 136). Isso posto, com a
adesão de chefes políticos de outros município, a denominação R abudos e Mocós passou a
ganhar nova dimensão, não se limitando mais aos integrantes das famílias Silva e Godim.
Os coronéis que fortaleciam o poderio dos Rabudos, em Maracás e Região, além de
Marcionillo Antônio de Souza , eram seu filho Tranqüilino, Zezinh o dos Laços e seus irmãos
Cassiano do Areão e Lucas Batista Nogueira. Entre os Mocós , figuravam os Mirandas, os
Caraíbas e, mais tarde, os Cauaçus.
Devido ao fato das instâncias administrativas dos municípios, da região em estudo,
não possuírem uma estrut ura capaz de disciplinar e acolher, simultaneamente, os membros
dos grupos supracitados, ocorriam embates violentos entre as duas facções pelo controle
dessas instâncias. O auge des se conflito se dá nos anos de 1915 e 1916. Em 1915, a família
dos Cauaçu passa a engrossar as fileiras dos Mocós, e desencadeia uma série de ações contra
os Rabudos, como a invasão da cidade de Maracás na manhã de 24 de outubro do mesmo ano
– período no qual o Coronel Furtuoso Cirqueira, aliado político do Coronel Marcionillo
Souza, ocupava a intendência do município. Já em 1916, os Rabudos , contando com o apoio
do Governo do Estado, empreendem uma marcha de extermínio contra os Cauaçus.
De acordo com Auad (2001), os antepassados dos Cauaçu viviam nas Lavras
Diamantinas, e de lá, na tentativa de fugir dos conflitos políticos que há anos efetivavam
contra os Godins, acabaram dispersando -se por outras localidades como: Maracás, Jequié,
Brejo Grande, Vitória da Conquista, Amargosa, Boa Nova, dentre outras. Os Cauaçus, logo
após a fixação nesses locais, passaram por um período de relativa tranqüilidade, o que lhes
permitiram dedicarem -se ao comércio e exploração agrícola em suas principais fazendas. Essa
tranqüilidade só foi rompida com o assassinato de Augusto Cauaçu , a mando do Coronel José
Marques da Silva. Este , por possuir uma fazenda denominada de Laços – seu quartel general –
1
recebe a alcunha de Zezinho dos Laços .
1
A Tarde, Salvador, 25 de outubro de 1916.
4
O interessante é que Zezinho dos Laços estabeleceu moradia na região de Maracás,
também por tentar fugir dos con flitos que estava envolvido com alguns membros da família
Godim em Ituaçu, onde possuía algumas propriedades. Por ser cunhado do coronel
Marcionillo Souza, e contar com a sua proteção, Zezinho dos Laços, a partir de 1895,
empreende uma onda de saques e apr opriação de terras, estando entre elas as fazendas Bonita
e Salgado que faziam parte do distrito de Jequié. E, na tentativa de aumentar o seu poderio,
acabou por acolher alguns indivíduos fugitivos de lutas entre famílias ou perseguido pela
Justiça das Lavras Diamantinas.
O coronel Marcionillo Souza , ao perceber a ascensão política de algumas figuras que
residiam em Jequié – como Lindolfo Rocha e Silvino do Curral Novo – e por receio de perder
o controle sobre o território que constituía o município de Ma racás em 1889, apoiou
incondicionalmente a onda de saques, assaltos, tomadas de terras e assassinatos efetivados
pelo seu cunhado o rabudo Zezinho dos Laços. Es se, após a demonstração de sua força e
graças às articulações políticas realizadas por seu cunha do, ocupa em 31 de maio de 1896, a
presidência da segunda Junta Distrital de Jequié.
O “senhor do baraço e do cutelo ”,2 como se autodenominava o próprio Zezinho dos
Laços, aproveitando da chamada Questão de Protocolo que envolvia o Brasil e a Itália –
ocorrida durante o governo de Prudente de Morais – e invocando um patriotismo exacerbado,
empreende uma série de investidas contra as propriedades da comunidade italiana que residia
em Jequié. Nesse momento, presencia -se o início das turbulências que irá ating ir o município
de Maracás e Região, tendo como desencadeador des se processo a rivalidade entre os
Rabudos e os Mocós.
Os moradores da região , assustados com a onda de violência que os envolvia , clamam
por uma intervenção do Governo Estadual. Assim, após el eito Governador da Bahia, Luís
Viana, que tinha como uma de suas principais bandeiras o combate ao banditismo, afasta
Zezinho dos Laços do cargo de presidente da segunda Junta Distrital de Jequié. Em 29 de
outubro de 1896, Zezinho foi prezo e responsabiliz ado pelas arbitrariedades que vinha
cometendo na região.
A volante policial vinda de Salvador – composta por setenta praças - enviada pelo
então Secretário de Polícia da Bahia, Felix Gaspar, para efetuar a prisão de Zezinho dos
Laços, logo após concluírem a sua missão, conduziu o réu ao Forte São Marcelo, na capital
2
Segundo o Dicionário Aurélio , baraço significa corda ou laço ut ilizado para estrangular, já cutelo é um
instrumento cortante, semicircular, de ferro, ou utensílio semelhante ao cutelo, especial para cortadores e
correeiros.
5
baiana onde permaneceu até o dia do seu julgamento em Areia, atual Ubaíra. Ao ser julgado ,
foi absorvido graças à interferência de seu cunhado e aliado político, o Coronel Marcionillo
Souza, que, usando do seu prestígio e do seu exército particular , intimidou os jurados a
considerarem Zezinho dos Laços inocente ( ARAÚJO, 1997, p. 146-147).
Em liberdade, “o senhor do baraço e do cutelo” reorganiza o seu exército de jagunços
no povoado de Porto Alegre, termo de Maracás, objetivando uma investida aniquiladora
contra os Mocós, pois via nes ses os responsáveis pela sua prisão. Para tal, entendia
indispensável o apoio dos Cauaçus. Assim, como ressalta Anésia Cauaçu em entrevista
concedida ao Jornal A Tarde, em 25 de outubro de 1916 – momento em que se encontrava
presa em Jequié – Zezinho dos Laços , ao intimar Augusto Cauaçu – um dos líderes des sa
família – a apoiá-lo nesta empreitada, obteve uma resposta negativa. Este último alegou que
[...] era apenas um negociante, e que, detestando a polícia, não queria
envolver-se nella, preocupando -o tanto a vitória de seus parentes, como a
dos rabudos assim denominado o pessoal que acompanhava José e Cassiano
Marques.3
Como a neutralidade era algo difícil de ma nter em um ambiente tão hostil, Zezinho
dos Laços entende a decisão de Augusto Cauaçu enquanto uma declaração de apoio aos
Mocós. Como vindita pela ousadia de Augusto, Zezinho dos Laços encarrega quatro de seus
camaradas para armar emboscada que teve como
desfecho o assassinato daquele.
Concomitante a tal ato, Miguel Preto, homem de confiança de Zezinho dos Laços, tenta
extirpar a vida de Felix Cauaç u, como pode ser visto no relato de Anésia Cauaç u:
Dahi começou a luta, José dos Laços mandou um camarada de nome
Miguel Preto, matar o Felix Cauassú, primo carnal do menino José,
enquanto o Augusto era morto, no próprio terreiro de sua casa, por quatro
camaradas do mesmo José dos Laços, só me lembrando do nome de dois,
um Tavares o outro Clemente. Augusto ali f icou dois dias sem ser
enterrado, porque o Zezinho (José dos Laços) não consentia nessa última
homenagem prestada pela minha família 4.
José Cauaçu foi informado por um positivo do assassinato de seu primo Augusto,
deslocando-se do Fedegoso para Porto Ale gre, a pedido da mãe da vítima que não consegu e
realizar o sepultamento de seu filho, pois os homens de Zezinho dos Laços ameaçavam de
morte aquele que ousasse efetivar tal ato. A partir de então, os Cauaç us declaram guerra a
3
4
A Tarde, Salvador, 25 de outubro de 1916.
Idem.
6
Zezinho dos Laços e concomitan temente aos Rabudos, posto que, “o senhor do baraço e do
cutelo” contava com a proteção do chefe deste grupo, o Coronel Marcionillo Souza.
A partir de então, José Cauaç u foi eleito pela família para liderá -la. Todos os seus
esforços voltaram -se para vingar a morte de seu primo. Assim, quatro meses após a morte de
Augusto, aproveitando -se que Zezinho dos Laços saiu de seu reduto – Porto Alegre – em
viagem para Boa Nova, tratou de armar emboscada. Desta forma, quando Zezinho dos Laços
regressava para casa aco mpanhado pelo Major Lucas, Gustavo, filho de Antônio Raimundo e
mais três jagunços – aquele foi alvejado por Marcelino, irmão de Augusto Cauaç u, ao passar
pela fazenda Rochedo de propriedade de Cândido Meira, vindo a falecer duas horas depois 5.
Logo após a execução do “senhor do baraço e do cutelo” , os Cauaçus buscaram a
proteção de Brito Gondim em Caraíbas. Porém, inconformado com a morte de Zezinho dos
Laços, o seu irmão Cassiano Marques, também conhecido como Cassiano do Areão,
juntamente com o chefe do s Rabudos, o Coronel Marcionillo Souza, v ai encabeçar uma
empreitada que tinha como principal objetivo eliminar os Cauaç us. Como primeiro resultado
de tal ação, Constantino José Fernandes, pai de Marcelino Cauaç u, foi assassinato por
Vitoriano, a mando de Cassiano do Areão. Quatro meses depois, no momento em que tentava
fugir para São Paulo, Marcelino foi surpreendido por uma emboscada armada pelos jagunços
de Cassiano, sendo alvejado por dois tiros, um atingiu a parte inferior do braço e o outro
varou-lhe os olhos, provocando a sua morte imediata 6.
A perseguição empreendida aos Cauaç us, com o apoio do Coronel Marcion illo Souza,
tinha duplo significado. Por um lado, cintilava a questão de honra, era um membro de sua
família que foi assassinato e os responsáv eis por tal ato dever iam ser punidos, caso contrário,
o poderio do Coronel seria ameaçado, pois, a comunidade poderia entender a não vindita
como sinônimo de fraqueza, o que incentivaria a efetivação de outras ações contra o chefe
político supracitado. Em segundo lugar, talvez o mais importante, est á a questão política. Um
dos partidários dos Rabudos foi assassinado, um elemento estratégico na luta pelo controle da
Região que antes integrava o município de Maracás ; a não punição dos responsáveis abriria
espaço para o fortalecimento político das novas figuras que ingressava m no jogo político de
então.
Com a morte de Zezinho dos Laços, o Coronel Marcionillo Souza passou a
operacionalizar o seu controle político sobre a Região – que antes de 1897 7 pertencia ao
5
A Tarde, Salvador, 26 de outubro de 1916 .
Idem.
7
Ano em que se inicia o processo de emancipação do município de Jequié.
6
7
município de Maracás – por meio das ações de seu filho Tranquilino Antonio de Souza. Este ,
para fazer prevalecer os interesses dos Rabudos, lançou mão de métodos violentos, com o
intuito de intimidar ou eliminar os seus adversários. A sua base de operação estava centrada
na Fazenda Gruta, atualmente localizada nos limites do município de Ipiaú.
Como pode ser observado, o Coronel Marcionillo Souza não agia de forma direta na
Região supracitada, ou seja, não participava pessoalmente das lutas ali travadas. F ez a sua
vontade prevalecer, em um primeiro momento, pelas investidas de Zezinho dos Laços, logo
em seguida, com a morte deste, através das ações efetivadas por seu filho Tranquilino
Antonio de Souza. Uma atitude que talvez possa ser entendida como uma for ma de isentar-se
das conseqüências negativas oriundas dos confrontos ali travados. Tal atitude demonstra a
preocupação que o Coronel Marcionillo Souza tinha a respeito das representações construídas
a respeito de sua imagem . Para a população local gostava de se apresentar como um homem
respeitador da “ordem e da moral” que só se lançava ao embate quando es se se tornava a
ultima opção.
Envoltos por uma atmosfera de vindita e como forma de garantirem as suas vidas, os
Cauaçus, por possuírem objetivos assemelhados aos dos Mocós, entendem es se grupo como
aliado importante para derrotarem os seus inimigos. A partir de então , vários acordos são
firmados entre os Cauaç us e os Mocós visando a derrota dos Rabudos, já que os responsáveis
pelos assassina tos dos membros daquela família eram integrantes deste último grupo que
rivalizava com os Mocós pelo controle político de Maracás e Região. Esses acordos tornaram se mais explícitos a partir de 1915, como será exposto mais adiante.
Contudo, antes de explicitar os acor dos acima mencionados, torna -se importante
compreender o cenário político de Maracás em princípios de 1915. Nesse ano por ser período
de eleições para a intendência municipal, os ânimos dos integrantes dos Rabudos e Mocós
estavam à flor da pele. Os dois gr upos lançam mão dos mais violentos métodos para
garantirem o controle do executivo municipal. As ruas de Maracás transformaram -se em palco
de combates constantes entre as duas facções que as povoavam com as sua horda de jagunços.
Chefiando os defensores do s interesses dos Mocós, além do Coronel José Antônio Miranda,
estavam José Miranda Rebouças, que recebia a a lcunha de Juca Rebouças , e o presidente do
Conselho Municipal, o advogado Nestor Sá. Já os Rabudos eram chefiados pelo Coronel
Marcionillo Souza e p or seu correligionário e amigo João Isaías dos Santos.
Neste clima de instabilidade, tendo as ruas de Maracás como palco, os jagunços das
duas facções, volta e meia, entravam em atrito uns com os outros . O resultado era troca de
tiros, espancamentos e ass assinatos, o que deixou a população bastante apreensiva. Es sa
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situação perdurou até a intervenção do Governo do Estado que, atendendo ao apelo de um
grupo de comerciantes italianos residentes na cidade, enviou cinqüenta soldados e cinco
oficiais, liderados pelo então Secretário de Segurança , Álvaro Cova, para pacificar a cidade.
Os chefes dos Rabudos e dos Mocós , ao tomarem conhecimento da vinda do
Secretário de Segurança, trataram de recolher os seus jagunços, evitando o combate com os
oficiais do Estado, o que possivelmente acarretaria prejuízos políticos. Ao chegar a Maracás,
Álvaro Cova empreendeu um movimento no sentido de desarmar as duas facções,
convocando os seus líderes a entregarem as armas. O advogado Nestor Sá não quis atender a
ordem do Secretário de Segurança, o que resultou em sua prisão , sendo libertado no Povoado
de Tamburi, momento no qual Álvaro Cova, juntamente com os seus subordinados,
regressava a Capital por entender que a ordem tinha sido rest abelecida no município .
Bastou o Secretá rio de Segurança do Estado trilhar os caminhos de volta à capital
baiana para os jagunços dos Rabudos e dos Mocós invadirem, novamente, as ruas de Maracás.
Desta vez com mais um agravante : o fato dos Mocós sentirem -se preteridos durante a ação
dos representantes do Governo do Estado, apontava que apenas os integrantes do grupo rival
não foram desarmados, o que deixaram aqueles em desvantagem bélica. Possivelmente es se
tenha sido um dos motivos que os levaram a buscar a ajuda dos Cauaç us.
Em julho de 1915, o Coronel José Antonio Miranda reuniu -se com os irmãos José e
Eduviges Cauaç u no Povoado de Tamburi com o objetivo de materializar ações que viessem
enfraquecer o poderio dos Rabudos. Para tal, contratou os Cauaç us pela quantia de seis contos
de reis, para enfrentarem e derrotarem o exército de jagunços que ocupavam as ruas de
Maracás, comandados por homens da confiança do Coronel Marcionillo Souza. Incentivados
pelo fato de serem os Rabudos um inimigo comum, os Cauaç us invadiram a cidade de
Maracás na manhã de 24 de outubro de 19 15.
A invasão perdurou por quarenta e oito horas de fogo serrado, os moradores tiveram
que abandonar a cidade para fugir do tiroteio estabelecido entre os homens do Coronel
Marcionillo Souza e os membros da família Cauaç us. O comércio foi saqueado, as casas
invadidas, suas paredes foram perfuradas para facilitarem as manobras dos invasores durante
os combates.
Após a invasão de Maracás, os Cauaç us continuaram saqueando as propriedades por
onde passaram, o que provocou um clima de insegurança na Região . Diversas denúncias
foram realizadas por meio dos jornais na capital baiana. Tal fato levou o Governo do Estado a
enviar três expedições, com mais 240 praças, para pacificar a Região. Auxiliados pelos
homens do Coronel Marcionillo Souza , a polícia realizou uma marcha de extermínio aos
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Cauaçus. As perseguições só tiveram fim em 26 de julho de 1916, quando o líder dessa
família, José Cauaç u, foi morto.
A partir de então, nota -se o fortalecimento do poderio do Coronel Marcionillo e,
conseqüentemente, o enfraquecimento das ações empreendidas pelos Rabudos. Mas, o
controle das instituições públicas e da vida política maracaense só vai passar, definitivamente,
para as mãos do Coronel Marcionílio Antônio de Souza (Rabudos) logo após o acordo
firmado entre o Governo Federal e os líderes do Levante dos Sertões ocorrido em 1919/1920.
A partir de então, até a década de 30 8 os Mocós foram privados de ocupar cargos da
administração local.
Referências
ARAÚJO, Émerson Pinto de. Nova história de Jequié. Salvador: EGB Editora, 1997.
AUAD, Márcia do Couto. Anésia Cauaçu: mulher, mãe, guerreira. Um estudo sobre mulher,
memória e representação no banditismo de Jequié -BA. 2000. Dissertação (Mestrado em
Memória Social) – Universidade do Rio de Janeiro/Univ ersidade Estadual do Sudoeste da
Bahia, Rio de Janeiro, 2000 .
BARROS, Francisco Borges de. Memória sobre o município de Maracás. Salvador: Escola
Typographica Salesiana: 1917.
CARVALHO, José Murilo. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão
conceitual. In:
. Pontos e bordados: escritos de história política . Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 1998.
LEAL, Victor Nunes . Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no
Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
MARX, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. São Paulo: Edições Mandacaru, 1990.
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias (1889-1934): a Bahia na primeira república
brasileira. Trad. Vera Teixeira Soares. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1979.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O mandonismo local na vida política brasileira e outros
ensaios. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.
RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996.
8
Depois da Revolução de 30, várias modificações são registradas nas relações sociais, polícas e econômicas.
Este novo cenário concorrerá com uma nova dinâmica política rep resentada pela cidade ao trazer consigo novas
demandas advindas das organizaçoes trabalhistas e de uma nova burguesia urbana industrial, que passa a exigir
uma maior participação no cenário político do Brasil.
10
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos da Bahia na primeira república: uma
acomodação necessária. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1998. ( Coleção
Estudos Baianos).
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João Reis Novaes