O Ceará de Curumins e Curuminhas O Ceará de Curumins e Curuminhas >> 1 O Ceará de Curumins e Curuminhas >> 3 Ceará OC 35 105 37 Cruz Jijoca de Jericoacoara Marco 33 Itarema 103 107 Trairi Bela Cruz 47 39 Meruoca AT L ÂNT ICO 11 S. Gonçalo do Amarante 23 9 Paraipaba Eusébio Caucaia 101 Itapajé 43 O 19 Morrinhos 31 Umirim 25 Fortaleza Aquiraz 21 Sobral Pentecoste 29 109 Tejuçuoca 41 Ibiapina 99 Forquilha Apuiarés 51 49 91 13 Maranguape Pacatuba 93 89 Hidrolândia Croatá 17 Paracuru 45 Viçosa do Ceará EAN Pacoti Guaramiranga 111 15 73 Guaiúba Horizonte 87 Nova Russas 53 57 Catunda Ararendá Mulungu 97 85 83 Itatira Aratuba Canindé 95 Itapiúna 55 Tamboril 59 69 ceará Crateús Russas 81 113 Quixeramobim Pedra Branca 125 Alto Santo 79 piauí Dep. Irapuan Pinheiro 61 Tauá 67 63 Jucás Arneiroz 75 Várzea Alegre 123 Lavras da Mangabeira 65 Campos Sales 115 Assaré 117 Farias Brito 119 Missão Velha pernambuco 71 Palhano 77 Porteiras 121 Brejo Santo O Ceará de Curumins e Curuminhas Legenda de 5 a 17/12/2006 - De Caucaia a Guaramiranga de 5 a 6/12/2006 - De Pacatuba a Fortim de 13 a 14/12/2006 - De Russas a Horizonte de 9 a 17/04/2007 - De Maranguape a Itaiçaba No mapa, o número acima do nome do município corresponde à página com o registro da entrega do Selo UNICEF 27 Fortim 127 Itaiçaba >> 5 RIO GRANDE DO NORTE paraíba Título >> O Ceará de Curumins e Curuminhas Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica >> Andrea Araujo Realização >> UNDIME e UNICEF (Escritório do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí) Infográficos >> Cecília Andrade Coordenação Editorial >> Ana Márcia Diógenes (UNICEF) Impressão >> Expressão Gráfica Coordenação de textos >> Oswald Barroso Apoio Editorial >> Emanuelle Lobo (UNICEF) Textos >> Oswald Barroso e Ângela Rodrigues Fotos >> Evilázio Bezerra e Felipe Abud Tiragem >> 1300 Agradecimento >> A todos os municípios que prepararam suas festas para receber o Selo UNICEF com criatividade, afeto e acolhimento às equipes da Caravana do Selo UNICEF 2007 Uma caravana pelos direitos E strada, segundo o dicionário Houaiss, tem dois significados: 1) via de trânsito interligando localidades e 2) caminhos. Se o UNICEF fosse convidado a acrescentar mais um significado, com certeza a sua equipe seria unânime: “estrada são caminhos de acesso que nos permitem desbravar a realidade de cada município, de cada distrito, e que possibilita um descortinar do olhar para como se dá, na realidade, a vida de cada criança e adolescente, em cada lugar”. Foi em nome desse último significado que o UNICEF escolheu a opção de percorrer quase 10 mil quilômetros em estradas de asfalto, de calçamento, de piçarra ou terra batida dos estados do Ceará e Rio Grande do Norte, fazendo o reconhecimento dos municípios que ganharam o Selo UNICEF Município Aprovado – Edição 2006. Esse reconhecimento poderia acontecer numa grande festa nas capitais, mas ir a cada um dos municípios possibilitou à equipe que organiza o Projeto Selo UNICEF conviver, de perto, com o olhar, o rosto, a emoção e a energia das pessoas que se determinaram a trabalhar por uma realidade mais saudável para a infância e adolescência de seu município. Como crianças e adolescentes não são números ou estatísticas, o Selo UNICEF tem a missão de fazer com que os indicadores sociais sejam bem entendidos e transformados em ações práticas que permitam um desenvolvimento mais saudável nos cerca de 1.500 municípios que compõem o SemiÁrido Brasileiro. A concretude da necessidade, urgente, de que se promova uma melhor convivência com as características dessa região, aliada ao fato de que o município é o lugar primeiro onde as transformações devem acontecer, faz do Selo UNICEF um dos principais instrumentos de que se vale o Pacto Nacional Um Mundo para a Criança e do Adolescente do Semi-Árido. Instrumento de capacitação, mobilização e de mudanças nas prioridades das políticas públicas. Essas mudanças podem ser analisadas à luz do resultado que os municípios obtêm nos dois anos de cada edição do Selo. Por isso, ser um dos municípios certificados pelo projeto mexe tanto com a emoção, gera tanta ansiedade. O anúncio, em novembro de 2006, dos municípios ganhadores, mostrou que, no Ceará, 41 municípios haviam melhorado mais os seus indicadores sociais da infância e adolescência do que outros e que, no Rio Grande do Norte, 15 eram os vencedores. A partir desse número, o UNICEF planejou a Caravana – com dois carros customizados em amarelo, com os mamulengos (símbolo do projeto) desenhados neles, e duas equipes de profissionais se revezando em cada uma delas - que percorreu os dois estados, de 5 a 14 de dezembro. Um dos carros percorreu só o Ceará e o outro se dividiu entre Rio Grande do Norte e Ceará. Mas, muitos municípios, inconformados com o resultado e cônscios de que haviam evoluído os seus indicadores, pediram a revisão dos dados. Após verificação e correção dos dados pelas secretarias estaduais de Saúde e Educação, a revisão mostrou que mais 6 municípios no Rio Grande do Norte e 19 do Ceará também haviam atingido a pontuação mínima necessária para a obtenção do Selo UNICEF. Como a Caravana já havia encerrado os dois roteiros, a solução foi montar uma nova etapa da Caravana, desta vez com um só carro, customizado em branco com os mamulengos, para que a entrega do certificado, do troféu e das instruções fosse igual aos dos municípios antes visitados. O calendário de visitas aconteceu de 9 a 19 de abril, nos dois estados. Nas duas etapas da Caravana, a emoção foi a mesma. Em alguns casos, pelo tempo de espera e de ansiedade, a comoção foi até maior na segunda etapa. Tanto em uma como na outra foram visitados de dois a três municípios por dia. Sol, calor, chuva, frio, vento... independente da condição climática, lá estavam eles, as crianças e adolescentes. E eram na maior parte das vezes, a maioria nas platéias. Meninos e meninas ocupavam, com sua beleza e energia, as ruas, praças, árvores e quintais nas cidades para ver a Caravana passar por seus municípios vencedores. Foram momentos ímpares de observação da forma com que cada cidade celebra a alegria. As imagens se revezavam entre Prefeitos, Primeiras Damas, articuladores do Projeto Selo UNICEF, artistas, comunicadores, secretários, técnicos, autoridades, vereadores e comunidades envolvidos com a conquista e O Ceará de Curumins e Curuminhas >> 7 a alegria de terem obtido resultados positivos para a infância e adolescência do lugar. As crianças e adolescentes, juntos, comemoraram o resultado. Para captar essa magia, o UNICEF convidou quatro profissionais da comunicação. Ângela Rodrigues, jornalista potiguar, esteve na maioria dos municípios cearenses; Oswald Barroso, jornalista, teatrólogo e escritor cearense, esteve em todos do Rio Grande do Norte e em alguns do Ceará. Os textos de cada um dos jornalistas estão identificados pelas iniciais AR e OB, respectivamente. Já o fotógrafo Felipe Abud foi à maioria dos municípios do estado do Rio Grande do Norte e alguns do Ceará; Evilázio Bezerra, também fotógrafo, ficou responsável por cobrir quase todo o Ceará e alguns municípios do Rio Grande do Norte. Os textos e as imagens registrados por eles podem ser conferidos nesta publicação. Cada texto tem a data e a hora em que a solenidade aconteceu. Eles foram agrupados seguindo a ordem cronológica. Mas, como na primeira etapa da Caravana estávamos com dois carros saindo para direções diferentes, em alguns dias estivemos em vários municípios ao mesmo tempo, com equipes diferentes. Na empreitada, também nos acompanharam profissionais de filmagem. Daniel Cortez e Anderson Fernan- des, da Cena 7 Produções; e Osvaldo Marinho Junior e Erica Lima, da AFM Stúdio. No Rio Grande do Norte, duas técnicas do Governo do Estado, Edivane Vilar e Ana Xavier, estiveram presentes em vários municípios. As duas vans que singraram as estradas cearenses e potiguares foram pilotadas, com segurança, por José Ferreira Neto e Oswaldo Alves de Mello. Para a ficha técnica ficar completa, segue o nome de todos os que integraram a Caravana, nas suas duas etapas, em ordem alfabética: Aline Andrade, Ana Márcia Diógenes, Boris Diechtiareff, Emanuelle Lobo, José Arimatéia, José Rodrigues Otaviano, Luciana Bayer, Morgana Dantas, Patrício Fuentes ( Coordenador do Escritório do UNICEF para os estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí), Rui Aguiar, Salete Targino e Tati Andrade. Depois de tantos quilômetros rodados e das lembranças de pessoas, festas, sorrisos, discursos, fotos e estradas, a imagem que mais vem às nossas mentes é a da celebração. Celebração pela vida, pela convivência, pela certeza de ser possível colher resultados positivos das políticas públicas já no presente, porque a vida de crianças e adolescentes do SemiÁrido tem pressa. E corre por caminhos que todos sabem quais são: saúde, educação, proteção e renda para as famílias da região. Caucaia O Ceará de Curumins e Curuminhas Vendo o tempo passar >> Em 05 de dezembro de 2006, às 15h aucaia um dia foi conhecida por Nova Soure. O nome atual é uma homenagem aos índios da Nação Potiguar, também conhecidos por Caucaias. Além da tribo Tabeba, há poucos resquícios indígenas no município, a maioria está nos olhos apertados e nos cabelos negros e lisos de alguns habitantes. Do passado, a cidade ainda conserva a arquitetura dos casarões do século XVIII, que são visitados por turistas. Apesar de ser vizinha a Fortaleza, Caucaia possui um ar de cidade interiorana, com os moradores sentados nas calçadas vendo o tempo passar. Nela a correria da cidade grande dá lugar à tranqüilidade e à calmaria presentes, até mesmo, no falar arrastado e manso de seus habitantes. C Passeando pelas ruas, vimos dois locais que atraem turistas e enchem de orgulho a população: a Casa de Câmara e Cadeia, e a igreja da padroeira da cidade, Nossa Senhora dos Prazeres. Em fevereiro, a cidade se rende em homenagens à padroeira, atraindo fiéis de municípios vizinhos, num mês inteiro de festas. Ficamos anônimos por pouco tempo. Olhos curiosos logo reconheceram os mamulengos, pintados em nosso carro. Impossível o amarelo do carro da Caravana do Selo UNICEF não chamar atenção. Os batedores estavam à nossa espera e nos conduziram até o local da festa, no Grêmio de Recreio e Estudos de Caucaia. Em frente ao Grêmio um aglomerado de pessoas nos aguardava, algumas estavam na ponta dos pés, olhando de um lado para outro. Não queriam deixar escapar qualquer detalhe. Decorado por balões coloridos em forma de arco, tapete vermelho e mamulengos gigantes, o salão estava lotado. Ficamos surpresos com a quantidade de crianças e de adolescentes. Cada um tinha uma história para contar sobre sua participação na conquista do Selo. Com receio de se atrasarem, muitos ainda vestiam o uniforme escolar. Explicaram que se fossem em casa trocar de roupa, perderiam o melhor da festa. E o melhor estava nas apresentações culturais. A população jovem da cidade se fez presente não apenas na platéia, mas nos palcos também. A timidez dos artistas mirins foi deixada de lado e eles declamaram poesias. Em seguida, colocaram um boi de brinquedo para dançar e ao som da “Flor do Mamulengo” dançaram, também. Ao final da apresentação, quando o grupo já deixava o palco, uma menina com Síndrome de Down voltou para o centro e chamou a atenção de todos: “Cadê o aplauso pessoal?”. Recebeu aplausos e sorrisos. >> 9 Vestidos de roupa de festa e com a desenvoltura de quem está habituado aos palcos, a prefeita mirim Sílvia Helena, de 15 anos, e o adolescente Lindemberg, de 16, fazendo o papel de cerimonialistas, comandaram a festa. A participação dos adolescentes não parou por aí. Após o discurso de agradecimento, a prefeita Inês Arruda fez questão de que os adolescentes, representando a população jovem do município, recebessem o troféu do Selo, uma casa em miniatura de número 227. Nada mais justo que o Selo fosse recebido por eles. A casa foi erguida por Sílvia e Lindemberg. Orgulhosa, a menina dizia que durante seu “mandato” como prefeita-mirim aprendeu sobre os direitos das crianças e adolescentes e por isso reconhece o significado do Selo. A passagem por Caucaia ainda não havia terminado, porque a prefeita ainda precisaria deixar o nome do município estampado no carro da Caravana. Todos no Grêmio saíram para ver e, lá fora, a ‘festa’, ou melhor, o carro, foi cercado pela população. Como quem puxa uma fita de inauguração, Inês Arruda puxou o adesivo colado ao carro da Caravana e a cada letra que surgia pediam para a prefeita fazer pose para fotos. O nome de Caucaia foi o primeiro a ser colado e marcou o início de uma longa jornada pelos municípios do Ceará. (AR) SÃO GONÇALO DO AMARANTE O Ceará de Curumins e Curuminhas A cidade das águas >> Em 5 de dezembro de 2006, às 19h lua apontava no céu quando chegamos em São Gonçalo do Amarante. Adiantados e perdidos, paramos na entrada da cidade à procura de informações sobre o local da festa. Anderson Lima, de 12 anos, logo se aproximou. Olhos desconfiados para o carro da Caravana do Selo UNICEF, parecia buscar na memória o significado daqueles três mamulengos. Até que perguntou, ou melhor, afirmou que estávamos lá para entregar o Selo UNICEF. O menino de olhos grandes e curiosos fez questão de mostrar que sabia o significado do Selo. Disse ter aprendido nos jornais e na escola. Orgulhoso, tirou fotos ao lado do carro. Despedimos-nos do garoto com a promessa de que ele apareceria na festa. A Seguindo as orientações de Anderson, nos dirigimos para o local da solenidade. Antes, porém, de chegar ao destino, apreciamos um pouco da cidade. Cortada por rios e lagoas, São Gonçalo é famosa por suas igrejas. Duas delas fazem parte do roteiro dos peregrinos e pagadores de promessas: a capela do santo que dá nome à cidade e a Igreja de Nossa Senhora da Soledade, ambas construídas no século XVIII por colonizadores portugueses. Assim como as casas, as igrejas já estavam decoradas para o Natal. Não era apenas a lua que iluminava a cidade, as luzes natalinas estavam em todo lugar, quase transformando a noite em dia, e servindo para mostrar mais detalhes de São Gonçalo. A Praça das Crianças foi o local escolhido para a entrega do Selo UNICEF. Em muitas cidades do interior, a praça, geralmente vizinha à igreja, é testemunha das conversas de comadres, serve como ponto de encontro para casais enamorados e para as festas. São Gonçalo não foge dos costumes. Para aqueles que chegavam sem saber o que estava acontecendo, os brinquedos, o palco e o telão sinalizavam que uma festa estava por acontecer. A faixa celebrando o terceiro Selo de São Gonçalo explicava o motivo de comemoração. A Praça das Crianças fazia jus ao nome e estava repleta delas. Alheias ao que acontecia, as crianças passavam o tempo entretidas com os brinquedos típicos dos parques de diversões: pula-pula com bolas coloridas, escorrega e carrossel. Quando chegamos, a banda ainda ensaiava as últimas notas e o povo se aproximava tímido. Mal descemos do carro da Caravana do Selo, o prefeito, Walter Prado, e a articuladora, Gardênia Farias, vieram em nossa direção. Eufórico, o prefeito acabou revelando que não dormia há dias. O motivo era a organização da festa. Queria que a passagem por São Gonçalo marcasse a Caravana. Como chegamos cedo para a festa, foi uma boa oportunidade para conversar com alguns moradores. Em frente ao carro da Caravana, um grupo de adolescentes tirava fotos. Usavam vários ângulos, mas sempre com o carro como plano de fundo. Darlan Dário, o fotógrafo oficial da turma de adolescentes, queria registrar a passagem da Caravana por São Gonçalo. “Nem toda cidade é tricampeã.” disse. Em frente ao palco, a Banda Municipal, formada por adolescentes, deu o pontapé inicial da solenidade com a execução do Hino do Município. A população, como um coral, acompanhou a banda. Muitos levaram a mão ao coração e fecharam os olhos enquanto cantavam. Quando um grupo de crianças de mãos dadas entrou no palco, fez-se o silêncio. Era o coral “Cantando e Encantando”, já famoso na cidade, se preparando para a apresentação. Os pequenos moradores de São Gonçalo, com suas vozes de crianças, encantaram. “O mundo tem que entender que, pra ser criança, brincar é um direito”, era o refrão da música cantada pelo coral. Mais uma vez as atenções se voltaram para o palco. Era hora da entrega do troféu. O prefeito foi o primeiro a segurar. Ele ergueu no alto, posando para as fotos. Nos agradecimentos citou o empenho de todos para conquistar o Selo. Deixamos São Gonçalo debaixo dos fogos de artifício. (AR) >> 11 PACATUBA O Ceará de Curumins e Curuminhas Festa de praça com retreta >> Em 5 de dezembro de 2006, às 15h acatuba, bicampeã do Selo UNICEF, cuja padroeira é Nossa Senhora da Conceição, foi nossa primeira parada. Cidade bonita, emoldurada por uma serra repleta de flores, conhecida por sua monumental Paixão de Cristo, dirigida por Antony Fernandes e João Antônio Pinto, assim como pelas águas límpidas do Balneário das Andréas. É terra de bordadeiras e do Bloco Carnavalesco Priripau, mas é também berço de poetas e artistas famosos como Juvenal Galeno, Arthur Eduardo Benevides, Eduardo Campos e Carlos Cavalcante. Um dia, um outro poeta, Antônio Girão Barroso, que sempre passava de trem por sua estação, vindo do Iguatu, escreveu versos bem moderninhos, que imitavam o barulho da locomotiva, dizendo: “Pacatu-b-a-bá, banana seca é o pau que rola.” E de fato, banana seca é abundante, até hoje, no município. P Pacatuba fica na Região Metropolitana de Fortaleza, mas tem vida própria, com centro comercial e relações comunitárias de cidade de interior. Em sua zona rural as casas de farinha estão em plena atividade e, nos sopés da serra, ainda aparecem cachorros pretos dos olhos de fogo que somem por encanto, cobras grandes que puxam as pessoas para o fundo das lagoas e Fogos Fátuos que, feito grandes labaredas, flutuam sobre as águas dos açudes. No distrito de Monguba, habitam os índios Pitaguari, do Pajé Barbosa, curandeiro famoso e devotado à sua gente. Índios alegres, que bebem pindoba, jenipança, omi e mocororó, e dançam a Centopéia, o Mocó e o Toré. Entra-se na cidade por uma avenida larga, que desemboca na serra. Chegamos à tarde e, entre carros, motos, bicicletas e grafites, paramos numa calçada para conversar com dois meninos, Pedro, de 13 anos e Carlos Henrique, de nove, sobre o cotidiano deles na cidade. Chegamos ao abrigo, localizado na praça principal da cidade, onde a festa estava para começar, e nos deparamos com o Selo UNICEF na figura de três ‘cabeções’, representando os bonecos, sím- bolos do projeto. Uma banda tocou o hino do município, que diz: “Teus campos, solo e natureza/São pedaços d’alma dos teus/Filhos que quedam/ Diante da beleza dos teus antigos tempos/Diante da beleza dos teus lendários trilhos/do velho trem de ferro de outras eras/Do amor, do calor, de muitos brilhos.” Depois, palmas, fogos e vivas. Parecia festa de praça, com retreta e tudo. >> 13 No palco, o apresentador foi Lauro Jawa, cantor e compositor famoso entre os estudantes de Fortaleza, no final dos anos 60, que então era conhecido por Lauro Benevides. Ele mudou de nome e visual, vindo parar na sua Pacatuba, para coordenar a cultura do Plano Diretor do Município. No palco, virou menino de novo, com seus quase 60 anos de idade, recitando um cordel e declamando poesias. Gritava: “Boca de forno!” E as crianças respondiam: “Forno!” Depois, falou sobre o Dia de Reis e cantou uma canção de abertura de porta, com a qual recebeu a Caravana do UNICEF, para dar início à solenidade. Quando as autoridades citaram os projetos que se destacaram, as crianças se levantaram mostrando que vestiam a camisa deles. Um grupo de percussão, composto de crianças, encerrou a programação artística. O Prefeito, no discurso, comparou seu trabalho ao do maestro de uma banda de música. Citou todos os conselhos que o ajudaram na obtenção do Selo. A festa terminou com samba, carnaval e Lauro Jawa cantando. A vereadora mirim e comunicadora, Joice Kelly Nogueira, que toca o programa A Voz e a Vez da Juventude, na Mega Jovem FM, entrevistou a equipe do UNICEF, com desenvoltura e brilho. (OB) GUAIÚBA O Ceará de Curumins e Curuminhas Como se fosse festa de debutante >> Em 5 de dezembro de 2006, às 18h uaiúba é, como lá se diz, o portal da Serra de Aratanha. Cidade pequena, desmembrada de Pacatuba, onde morou Aldemir Martins e habita Francisco da Costa Silva, Seu Vani, curandeiro e louceiro famoso no distrito de Baú. Lugar de grandes olarias, orgulhoso de sua paisagem e de sua cultura, onde pontificam o Boi Esplendor, conduzido por Maria Zanete Alves de Oliveira e a quadrilha Perseverança. G Chegamos cedo, bem antes da hora marcada, e saímos andando pela cidade. Paramos na praça e as crianças nos cercaram, atrás de tirar retratos. Nunca queriam tirar sós, sempre com os amigos e amigas, numa brincadeira de algazarra e botar chifres nos outros. Depois, voltaram ao que estavam fazendo: brincando com os cachorros. Na hora da festa, chegada triunfal ao Centro de Arte e Cultura, em cuja fachada está escrito: Portal da Serra. Entramos com as honras de duas alas de crianças, banda de percussão, palhaços, bolas coloridas e foguetes. Crianças se ofereceram para entrevistas e Érika, uma repórter da equipe, descobriu sua vocação para trabalhar com elas. Combinaram as respostas para a gravação sobre os direitos da criança. Num jogo de perguntas, ela interrogava: “A criança quer?” E as crianças iam respondendo. Uma delas, com quem foi acertado responder: “Moradia”, trocou as palavras e respondeu: “Democracia”. Errou para mais. Tambores e rodas de capoeira. A coordenadora da culinária mostrou o grupo da 3ª Idade. O articulador aproveitou a presença do Prefeito e arranjou um ônibus para levar seus idosos a um passeio pelas praias de Paracuru e Morro Branco. Encontramos o Secretário de Cultura, Rogério Jales, e o maestro da Banda Municipal, Márcio Mendonça. Encontramos, ainda, Roberto Galvão, um dos ícones das artes plásticas no Ceará, que também trabalha para o município e é o curador da preciosa exposição de Chico da Silva, em cartaz no Centro de Cultura. A solenidade de entrega do Selo aconteceu no teatro, com casa cheia. A cerimônia foi conduzida pelo Prefeito Mirim, Álisson, e pela Vice-Prefeita Mirim, Patrícia. Todos falaram da luta pelos direitos das crianças. Gustavo, um menino de cinco anos, que estava sentado na primeira fila, ensinava a usar o braço da cadeira para escrever, e também sobre como recolher o braço da cadeira, depois de usá-lo. O Selo UNICEF, representado pelos três mamulengos, tornou-se personagem de teatro. A Companhia “Aos Trancos e Barrancos”, formada por gente muito jovem, mostrou em claro e escuro como se dá o desrespeito e a conquista dos direitos das crianças e adolescentes. Trabalho primoroso, com cenas quase mudas, usando sutileza e economia de gestos. Quando as autoridades foram chamadas ao palco, o Prefeito e a Vice-Prefeita mirins, assim como os atores da peça, estavam incluídos. Em seu discurso, Patrício Fuentes ressaltou, na apresentação de teatro, a diferença entre o mundo da sombra e o mundo da luz. Disse que o município de Guaiúba, por seu prefeito ser presidente da Associação dos Prefeitos e Municípios do Ceará e ter ganho o Selo UNICEF, tornou-se exemplo para os demais prefeitos e municípios cearenses. A isto, o Prefeito Fradique Accioly respondeu emocionado, dizendo que o que estava sendo mostrado no palco realmente foi o que aconteceu em Guaiúba. Credenciou as mudanças à comunidade, especialmente às crianças e aos adolescentes. Disse, por fim, que todo gestor público deveria ser avaliado pela forma como trata a infância. A Banda Municipal tocou canções populares na saída do Centro de Cultura. Tudo lembrava as tertúlias de clubes, nos anos 60. Ao término, a banda, como se fosse um conjunto para animar festa de debutantes interpretou uma canção de Roberto Carlos que diz: “Estrelas mudam de lugar”. O público entrou em delírio e começou a dançar em pares. (OB) >> 15 PARACURU O Ceará de Curumins e Curuminhas Bons ventos nos trazem >> Em 6 de dezembro de 2006, às 9h ra noite quando chegamos a Paracuru e pouco vimos da cidade, mas uma brisa fresca nos deu as boas vindas. Bom começo para a festa do dia seguinte. Paracuru em Tupi significa lagarto do mar, mas hoje são os ventos os responsáveis pela fama internacional da cidade. As aldeias praianas ainda conservam ares de pequenas vilas e pudemos observar homens ao vento e ao mar. O kitesurfe, esporte da modernidade, divide espaço com a pescaria artesanal formando assim o cenário do Lagarto do Mar. E Uma carreata pelas ruas da cidade marcou o início da festa. O buzinaço dos carros, aliado aos fogos de artifício e à banda de música, serviu para despertar a população. Nas calçadas as pessoas acenavam e alguns pequeninos se arriscavam a acompanhar a carreata, uns de bicicleta, outros com o pé no chão. A ‘jardineira’ que levava o prefeito e a banda de música parou aqui e acolá dando carona para os pequenos maratonistas. Chegamos na praça e o carro da Caravana do Selo UNICEF foi cercado por meninos e meninas que olhavam curiosos. A praça, com vista para o mar, estava lotada. Crianças e adultos cantavam o refrão que deu o tom da festa “Paracuru só me faz crescer, pois o Selo UNICEF é vitória pra mim e pra você”. Fran, cantora da trilha sonora da festa, tinha à sua frente o coro mais animado. Ela não foi a única a animar a população. A garotada do programa de rádio “Ação Criança” comandou a festa com estilo: eram os maestros dos apitaços. A cada sinal deles a população apitava, era uma maneira de participar da festa, de se fazer ouvir. Larissa Magalhães, de 13 anos, mostrava desembaraço no palco. Acostumada às quatro paredes do estúdio de rádio, aquela era a primeira vez que a menina estava diante de uma multidão. Nem parecia uma estreante. Um pequeno grupo de crianças também chamou nossa atenção, carregando uma faixa parabenizando a cidade pelo Selo. Eram os alunos da Escola Professor Ciríaco de Sousa. Os pequeninos pulavam e as vozes ainda finas gritavam o bicampeonato. Tivemos a impressão que o motivo de tanta co- moção era a responsabilidade, tomada por cada um, com relação ao Selo UNICEF. Nada mais justo que todos participassem da festa. O sol estava a pino, mas não tirou o ânimo do Seu João Barbosa. Do alto de seus 86 anos, ele mostrou com quantas gingas se faz uma dança do coco. Usava uma roupa de festa tão branca que não mostrava o desgaste do tempo, e um chapéu de palha. Foi com este figurino que Seu João mostrou o gingado aprendido com o pai e hoje repassado para as crianças da cidade. Diante da apresentação daquele senhor franzino, que não deixou a alegria ser corroída pelo tempo, era impossível ficar parado. Primeiro, as pessoas mexiam os pés, tentando acompanhar o ritmo. A cabeça ia se mexendo também. Em pouco tempo o corpo todo estava entregue ao ritmo da dança do coco. Ele conta orgulhoso que os meninos do Mapeamento Cultural foram à sua casa querendo saber daquela dança já meio esquecida. A casinha do Selo, amarela como o carro da Caravana, foi entregue ao prefeito José Ribamar Batista. Emocionado, ele contou as dificuldades e os desafios de ser bicampeão. Não esqueceu de agradecer às autoridades e toda a população, dos pequeninos aos idosos que, segundo ele, foram responsáveis pela conquista do Selo, cada um fazendo um pouco e o pouco se tornando muito. Ao final do discurso lançou o tricampeonato como desafio. O apitaço foi a maneira que o povo encontrou para dizer que aceitava o desafio. Já estávamos no carro da Caravana quando Lidiane Ramos, articuladora do Selo, nos entregou um CD da Fran. A voz rouca e contagiante da cantora ainda embalaria a Caravana do Selo por muitas cidades. (AR) >> 17 PARAIPABA O Ceará de Curumins e Curuminhas A cidade das águas correntes >> Em 6 de dezembro de 2006, às 15h hegamos em Paraipaba sabendo a fama que a cidade possui de ter as praias e um dos mais belos pores-do-sol do litoral cearense. Conhecida no idioma indígena como a cidade das “Águas Correntes”, Paraipaba já foi coberta pelas águas do Rio Curu, o mesmo rio que inspira os causos de pescador e as danças folclóricas que compõem a cultura local. Na cidade de ruas estreitas e de povo sorridente realizava-se uma etapa do Campeonato Mundial de Surf, durante o qual pessoas de idiomas diferentes falam uma só língua, a das ondas. C A praça principal, palco do carnaval e da festa da padroeira, estava lotada quando chegamos. Famílias inteiras estavam ali para assistir a entrega do terceiro Selo UNICEF de Paraipaba. Seu Ferreira, o motorista, estacionou o carro da Caravana do Selo bem no meio da praça, em frente ao palco, e descemos sob o barulho dos fogos de artifício. Quase não ouvimos o que a articuladora Helena Maia dizia, mas os gestos eufóricos e abraços calorosos dispensavam palavras. Além da articuladora, uma comissão formada pela prefeita Joana Batista e pelos secretários municipais foi até o carro da Caravana do Selo UNICEF nos receber. Todos usavam camiseta e boné com os mamulengos, símbolos do Selo. O Hino do Município, executado pela Banda Municipal, oficializou o início da festa e depois as atenções convergiram para o palco. Era a vez das crianças e adolescentes mostrarem seu talento. Na coxia, os coordenadores de cada apresentação repetiam os passos da dança ou a letra da música, uma segurança para os mais esquecidos. Ao lado do palco, um grupo de adolescentes chamava atenção mesmo antes de se apresentar. Elas apontavam e riam umas das outras. O motivo era a tinta preta que cobria rostos e braços e as tornavam irreconhecíveis. Os vestidos de chita florida completavam o visual das “nêgas do coco”. Uma das mais sorridentes era Jessirlane Souza, 12 anos. A menina explicou que era costume dançar na beira do rio, visto que a dança do coco é uma homenagem aos pescadores da região. Durante a apresentação, elas contiveram as gargalhadas e contagiaram a população com o ritmo. As danças contemporâneas também tiveram vez. O batidão do funk e do rap, que conquistou jovens de norte a sul, empolgou os adolescentes na platéia e até mesmo os mais idosos ou contidos. Encerradas as apresentações culturais era hora do momento mais esperado, segundo as palavras do cerimonialista. Tati Andrade explicou como funciona o Selo UNICEF e entregou o troféu para a prefeita que o segurou, junto com três crianças que estavam no palco. Os pequeninos estavam cansados, mas não pouparam sorrisos na hora das fotos. No agradecimento, Joana citou os esforços dos secretários para atingir as metas estabelecidas e convidou a articuladora para falar. Empolgada, Helena brincou de cerimonialista provocando a população. “Paraipaba é tricampeã ou não é?” A resposta foi imediata. No discurso, a articuladora ressaltou a redução da mortalidade infantil, meta que, segundo ela, foi alcançada com a ajuda de todos, dos médicos aos pais das crianças. Enquanto a prefeita deixava o nome da cidade estampado no carro da Caravana, um senhor observava de longe. Depois, ele logo se aproximou e as mãos calejadas, botas e chapéus denunciavam que Expedito Ferreira era trabalhador da terra. Tinha saído de longe para assistir a entrega do Selo UNICEF. Dizia não saber bem o que significava, mas reconhecia o merecimento da cidade. Via que seus netos e outras crianças estavam sendo bem cuidadas e que para ele isso fazia a cidade merecedora de prêmio. Expedito sumiu no meio da multidão por alguns instantes e voltou de mãos dadas com o neto Gustavo. Tinha um pedido especial, que foi atendido. Abraçado com o neto, tirou uma foto ao lado do carro da Caravana. Mais uma vez o sinal afirmativo e o sorriso largo estavam presentes. Deixamos Paraipaba admirando o pôr-do-sol que faz a fama da cidade. (AR) >> 19 PENTECOSTE O Ceará de Curumins e Curuminhas A terra do peixe >> Em 6 de dezembro de 2006, às 19h tradição religiosa de Pentecoste começa com o nome da cidade, uma referência ao fato de a primeira missa celebrada na região ter sido consagrada ao Espírito Santo. Ainda hoje suas festas religiosas atraem pessoas de municípios vizinhos. Quase todo mês a cidade homenageia um santo, um dia para agradecer as chuvas e outro para homenagear a padroeira da cidade. A terra do peixe, como é conhecida, espalhou faixas pela cidade anunciando o bicampeonato do Selo UNICEF. A Sozinho, em frente a uma platéia composta na maioria por adultos, o adolescente David Castro, de 11 anos, pediu licença para falar, ou melhor, declamar a poesia “Identidade”, de Pedro Bandeira. Havia decorado, na noite anterior, palavra por palavra e não esqueceu nenhuma delas na hora de se apresentar. Mais que declamar os versos, o garoto interpretava e compreendia muito bem do que tratava o poema. “Mas o que importa / O que pensam de mim/ Eu sou eu, sou assim, /sou menino”. Ao final da apresentação David se inclinou para a frente e recebeu aplausos demorados. As ruas de Pentecoste estavam vazias, não havia sinal das pessoas nem mesmo nas calçadas, ponto de bate-papo no início da noite. Certamente porque era hora do jantar quando chegamos. Nosso destino era o clube da AABB local, que recebe alguns dos forrós mais animados da cidade. Na entrada do clube, além do prefeito, duas personagens muito conhecidas dos nordestinos nos aguardavam: Magelo e Karine interpretavam Lampião e Maria Bonita. Mais calmo e sorridente que os verdadeiros reis do cangaço, o casal dava boas vindas com alegria. Muitos dos adolescentes que participaram do Mapeamento Cultural, do Programa de Rádio e do projeto de Meio Ambiente estavam prestigiando a passagem da Caravana pela cidade. Gleyson Soares, de 16 anos, era um dos mais entusiasmados. Dizia que por ter participado do Mapeamento se sentia premiado também. Este também era o sentimento das adolescentes Carolina Teixeira, de 13 anos, e Sandra Sousa, de 17. Nos últimos dois anos elas estiveram envolvidas com o grêmio escolar, promovendo palestras sobre sexualidade, ações relativas ao meio ambiente e maior interação entre pais e alunos. As meninas não esconderam o contentamento ao saberem que as ações das quais participaram tiveram impacto positivo para a cidade. Todos estavam acomodados quando um grupo de crianças ficou diante do palco. Atentos aos movimentos das mãos da professora, os pequeninos cantaram o Hino do Município. Muitos sorriam para as câmeras enquanto os pais tiravam fotografias. As crianças e adolescentes de Pentecoste por diversas vezes roubaram a cena durante a solenidade. A apresentação do grupo de teatro alertou pais e crianças sobre a importância do livro. Os atores mirins travaram uma batalha contra o vilão da estória, o Doutor TV, que tentava atrofiar o cérebro da criançada. Um dos atores, Manoel Mendonça, de 11 anos, parecia muito consciente da mensagem que o grupo tentava passar. Na entrevista, o garoto tinha o discurso na ponta da língua. Para ele, tão importante quanto arrancar risadas é passar uma mensagem que as pessoas possam aplicar no cotidiano. No discurso do prefeito, João Bosco Tabosa, o tom era de alívio por conseguir manter o município com o Selo. Citou os avanços na área de saúde e educação e a importância do reconhecimento do Selo UNICEF para Pentecoste. Não deixou de mencionar os esforços dos secretários e dos adolescentes que, de alguma forma, tinham contribuído para o bicampeonato. (AR) >> 21 caucaia EUSÉBIO O Ceará de Curumins e Curuminhas Domingo no parque de diversões >> Em 6 de dezembro de 2006, às 9h ntramos pelo Litoral Leste do Ceará, região de turismo por excelência. Começamos por Eusébio, cidade bem nova, que tem crescido, assustadoramente, devido a chegada de grandes indústrias e empreendimentos imobiliários. Aos que passam pela estrada que atravessa sua sede, antes de cruzar o Circo Tupiniquim, Eusébio engana. Parece, à primeira vista, um lugar em construção, ou uma cidade feita para atrair turistas, com centros artesanais e culinários, onde os destaques são a tapioca, servida de mil formas, e as pistas de vaquejada. E Quem chega a ultrapassar essa vitrine, porém, consegue conhecer o verdadeiro Eusébio, com seus bairros de nomes exóticos (Urucunema, Havaí etc.), suas comunidades acolhedoras (Pedra, Alto Santo, Guaribas, Tamantanduba etc.) e seus sítios aprazíveis. Lá estão suas bordadeiras, rendeiras, tapeceiras, doceiras e cozinheiras. Em Tamantaduba, se homenageia, durante o mês de outubro, Nossa Senhora Aparecida, numa festa típica de padroeira, com quermesse e disputa entre os partidos azul e vermelho, animada pelo famoso sanfoneiro Raimundo Antônio, morador do bairro de Lagoinha. Em Guaribas, as crianças brincam de peteca de palha de milho, raminho e de mangaba mole, uma brincadeira de roda, na qual se canta: “A mangaba é mole/vem do tabuleiro/pra fazer mangaba/pra vender na feira”. Chegamos, numa manhã de sol, mais adiantados que de costume, ao local da festa. No pólo de lazer da cidade o palco fixo ainda estava sendo preparado. Diante dele, uma grande clareira de sol, rodeada de mangueiras e cajueiros, à sombra dos quais, a criançada e os adultos se protegiam do calor que fazia. Buzinamos para anunciar a chegada do carro da Caravana do Selo UNICEF, mas a meninada estava bem concentrada numa peça em que os personagens, meninos com enormes cabeças de esponja, dublavam uma história de pintos, galos e galinhas, que se passa obviamente num galinheiro. Carrinhos distribuindo churros, pipocas, picolés e algodão doce, as bolas coloridas e o pula-pula inflável, lembravam um parque de diversões, ou uma manhã de sol na Beira-Mar de Fortaleza, com seu trenzinho de brincadeira. Havia uma infinidade de meninos e meninas, com o rosto pintado como de palhaço, usando trajes sem identificação precisa. Supondo que sejam de teatro, talvez de uma peça natalina, perguntamos a um menino, que estava de túnica e turbante, com uma espada na mão, que personagem representava. Ele respondeu ser um soldado egípcio. Já uma menina, ao seu lado, que parecia Nossa Senhora, se disse a Chapeuzinha Azul. Deduzimos que aquelas eram apenas fantasias, como as de carnaval. As crianças é que atribuíam a cada uma delas um personagem, conforme a identificavam. Todos fizeram questão de tirar fotos com a equipe do UNICEF, tanto em um grupo enorme, quanto aos pares. A solenidade começou com uma apresentação da Fanfarra Gloriosa do Eusébio, orgulhosa em sua farda azul e branco. Uma moça, a Andréa, contou-nos que trabalha num centro de assistência a pessoas com distúrbios mentais, existente na cidade. Estava ali com o seu pessoal. Eles recusaram o picolé, mas adoraram os churros. O ritual de entrega do Selo foi conduzido com habilidade, tirando alegria daquela clareira de sol. Para finalizar, um conjunto infantil de flautas se apresentou e o Prefeito foi até o carro colorido da Caravana do Selo UNICEF, para afixar o nome Eusébio, marcando nossa passagem por mais um município. (OB) >> 23 AQUIRAZ O Ceará de Curumins e Curuminhas Vesperal de circo >> Em 6 de dezembro de 2006, às 15h hegamos bem adiantados para aproveitar os encantos do município. Depois de visitarmos seu centro histórico, bem antigo, porque Aquiraz foi a primeira vila do Ceará, fomos à Tapera das Artes, uma ONG, e à casa de cultura, muito ampla, moderna e ativa. Acertamos os últimos detalhes para a solenidade de entrega do Selo UNICEF e caímos em campo. Nosso destino era a Lagoa da Encantada, onde vivem os Jenipapo-Kanindé, da Cacique Pequena. Dizem que a lagoa guarda uma cidade de ouro, protegida por suas águas escuras, contra a cobiça dos brancos. A estrada labiríntica, porém, por veredas de areia solta, nos fez perder o caminho e desistir do destino. C Poderíamos, então, ir à Prainha, visitar seu Centro de Rendeiras e ver suas jangadas de velas pintadas; ao Barro Preto, visitar Elinaldo Miranda da Costa, o Sapinho, Mestre de Caninha Verde, ou à Praia do Presídio, para conversar com o pessoal do Bloco do Boi Pelado, mas preferimos ir ao Iguape, praia onde mora Klévia Cardoso da Silva. Líder do Grupo de Dança do Coco do Iguape, Klévia, junto com a Cacique Pequena e a Prefeita Ritelza, forma a tríade de mulheres mais conhecidas do município. Como a fome apertou, fomos primeiro comer uma peixada no Seu João do Caranguejo. Recebeu-nos o próprio, um senhor muito solícito, que a todo pedido nosso, respondia: “Deixe comigo!”. Tanta era sua solicitude que foi lá dentro e voltou com sua pasta de dentes, para emprestar. Não usamos, mas o peixe estava ótimo! De volta, quando paramos numa fonte natural para nos abastecermos de água, encontramos uma família que fazia piquenique na beira da estrada. A filha do casal, cara de curuminha, brincava com um sagüi, chamado Papito, que ganhou o nome porque, morta a mãe, ficou desmamado, sendo criado comendo papinha na mão dos pais adotivos. Voltamos à Tapera das Artes e conversamos com as meninas que assistiam aula de informática. A adolescente coordenadora falou do seu trabalho e disse, entre outras coisas, que aquela era uma forma de ocupar o tempo ocioso das crianças. Respondemos, ponderando que é preciso deixar um tempinho para o ócio. Prontamente, Ana Amélia Resende, uma das diretoras da Tapera, consertou, assegurando que as crianças também tinham tempo para brincar com jogos eletrônicos. Voltamos à praça e a festa já troava alto. Gente por todo canto, crianças principalmente. Apresentava-se o Circo Respeitável Público, do Conjunto Palmeiras. Como sempre primoroso. Chegamos na apresentação de Ana Karine, a Menina de Borracha. A platéia ocupava a sombra do mangueiral frente ao palco, enquanto a Banda de Pífanos da Tapera das Artes atacava de baião e as crianças cantavam: “Ela só quer, só pensa em namorar”. O UNICEF escolheu sua passagem por Aquiraz para comemorar os seus 60 anos. Por isto a festa foi dupla. Em entrevista para a televisão, a Prefeita fez questão de aparecer cercada de crianças. Os números artísticos foram vários: chorinho, marchas e canções de roda. Todos interpretados por crianças e adolescentes. Elas cantaram o Hino do Município que pede: “Serenai verdes mares de Aquiraz!” Ao ouvir o apelo, um palhaço perna-de-pau suspirou: “Oh, serenata!” Uma mocinha paquerava o palhaço e outra reclamava: “O palhaço está de serviço, menina!” Já um menino ameaçou dar uma rasteira no outro palhaço, chamando a atenção dos organizadores. Nesta hora, umas meninas aproveitaram para subir no palco e, lá de cima, dar adeus às amigas. A Prefeita, esfuziante, mostrou o troféu para a platéia e proclamou que a cultura abre as portas da liberdade. Patrício Fuentes disse tratar-se de um Selo concedido por uma instituição das Nações Unidas. Buquês de flores foram oferecidos às autoridades. A Prefeita distribuiu o seu com a platéia. A Banda tocou “Atirei o Pau no Gato” e o palhaço regeu, fazendo mugango atrás do maestro. Klévia dançou o coco com seu grupo de jangadeiros e uma fanfarra de sons fez a farra. (OB) >> 25 FORTIM O Ceará de Curumins e Curuminhas Festa de natal e cortejo >> Em 6 de dezembro de 2006, às 19h igreja de Nossa Senhora do Amparo, padroeira de Fortim, fica de costas para a cidade. Sua fachada, no entanto, se abre para a paisagem larga do Rio Jaguaribe em sua foz. Ao lado dela foi instalada a “Vila UNICEF – Fortim Me Faz Crescer”, feito um arraial de São Pedro, lembrando a festa que no município se faz com regata de jangadas e procissão de barcos, bandeirinhas coloridas e barracas, com prendas e comidas. Sítio enfeitado de bananeiras, parecido com o de Judas, na Semana Santa. Festa comunitária feita as de Nossa Senhora, que em Pontal de Maceió é das Graças, no distrito de Viçosa é da Conceição e na sede do município é do Amparo. Nas barracas, se podia encontrar os bordados da Fazenda Chapéu, os trançados de palha das mulheres do Pontal de Maceió e do Córrego do Mosquito e os cordéis do poeta e repentista de Guajiru, Geraldo Alencar Santos. A No Pontal de Maceió se conta que há muitos e muitos anos atrás, uma princesa, vítima de um homem malvado, foi encantada em serpente e aprisionada dentro de uma oiticica. Durante a noite, dizem também, o interior da oiticica fica claro como o sol e ouve-se a voz da princesa, oferecendo ouro a quem tome o seu lugar, porque só assim seu encanto será quebrado. A Vila do UNICEF de Fortim é um lugar assim encantado, onde as crianças são como príncipes e princesas, que reinam felizes. Tanto é que, dentre as barracas, a mais visitada era a da Secretaria de Saúde, onde numa cena de brinquedo, uma mãe, representada por um manequim, embalava uma boneca que fazia as vezes de seu filho recém-nascido. Tanto o palco, de cortinas ainda fechadas, com estrelas douradas, luzes piscando, decoração vermelha e branca, quanto do lado, a vela de jangada feito um pinheiro, tudo dizia que a festa era de Natal. Até porque os músicos da banda de forró ostentavam gorros de Papai Noel. O tema ficou mais explícito quando as cortinas se abriram. Sobre a jangada, apareceu o bom velhinho e, no centro do palco, uma lapinha viva. Uma criança entrou vestida de anjo, anunciando a perseguição de Herodes. Maria tomou o Menino nos braços e, junto com José, seguiu a Estrela. O coral infantil cantou uma música de pastoril: “Boa noite a todos na minha chegada...”. A solenidade de entrega do Selo aconteceu em ambiente natalino. Depois do Hino Nacional, um locutor resumiu a história do UNICEF e chamou as autoridades. Sara, uma menina da comunidade de Barra, emocionou a todos, cantando lindamente “Sementes do Amanhã”. Depois o Grupo “Raio de Sol” dançou uma canção que pede: “Eu só queria/ Que você fosse um dia/Ver as praias bonitas/Do meu Ceará”. Em seguida, o mais bonito: meninos e meninas, do Projeto Que História É Essa?, mostraram a arte de contar histórias. Cada criança iniciando uma delas, como a da Dona Baratinha, a do Pai Francisco, ou a que começa assim: “Era uma vez uma bruxa, com uma faca na mão (suspense), passando manteiga no pão.” O troféu saiu em cortejo pela multidão, ao som de música carnavalesca. Fogos de artifício, como uma apoteose, fizeram a festa virar carnaval. Em sua fala, o Prefeito mostrou uma caneta com o nome do UNICEF, com a qual assinou sua posse. Contou que a recebeu naquele mesmo dia, junto com a recomendação de que cuidasse bem das crianças e adolescentes. Isto acontecera há dois anos e seu compromisso com o UNICEF - simbolizado por aquela caneta que, desde então, guarda com todo carinho - se mantinha até aquele dia. A solenidade terminou com a banda marcial tocando parabéns e em forró, ao som da Banda “Mil”. Antes de irmos embora visitamos dois famosos lugares da cidade, a Calçada das Cascavéis, guardada por senhoras simpáticas, e a árvore do saber, onde está escrito: “Aqui você fica sabendo o que aconteceu, o que vai acontecer e o que talvez nunca aconteça”. (OB) >> 27 TEJUÇUOCA O Ceará de Curumins e Curuminhas A morada do lagarto >> Em 7 de dezembro de 2006, às 9h ormimos em Tejuçuoca, também conhecida por morada do lagarto no idioma indígena. Quando chegamos, a escuridão escondeu as belezas do local em que ficamos hospedados, mas a manhã do dia seguinte ficou reservada para as surpresas. Tivemos tempo para tirar fotos e Aline Andrade ficou encantada com uma avestruz. Foi ali que conhecemos um pouco do artesanato local, como os bordados de desenhos singelos e coloridos que estampam roupas e cortinas. D Foi um longo caminho até a cidade, a estrada de barro vermelho formando um contraste belo com o céu azul. Algumas vezes passamos por ônibus que levavam crianças para a escola. Elas acenaram sorridentes, não pareciam saber que estávamos para entregar o Selo, mas certamente os mamulengos chamaram a atenção. Cercada pelas serras da Catirina e do Macaco, Tejuçuoca é uma cidade pequena. Suas ruas estreitas, de pedra, emolduram as casas de estilo neoclássico. O município tem apenas 17 anos de emancipação política, mas apesar da pouca idade estava comemorando o tetracampeonato no Selo UNICEF. Pegamos as ruas do centro da cidade em direção à Escola São Pedro, um prédio colorido no fim de uma rua. Chegamos na hora da merenda dos estudantes, e muitos assistiram a solenidade com um prato na mão. A quadra estava lotada, os uniformes denunciavam que alguns vinham de outras escolas da região. Ninguém quis perder a entrega do Selo. Em frente à quadra um carrinho de madeira pintado em cores fortes era ponto de parada para algumas crianças. Como um baú, a carroça se abria e expunha os livros. No acervo, estórias de fadas, duendes, trabalho infantil e meio ambiente. Cadeiras e mesas estavam à disposição para tornar a leitura mais agradável. Clara Braga, de 11 anos, e Reginaldo Mendes, de 13, eram os responsáveis pela distribuição dos livros. Os dois ainda exerciam o papel de contadores de estórias para os mais pequeninos. Do distrito de Raimundo Sales Neto, apareceu a Ajama Show, Associação dos Jovens Artistas Malaquianos. O grupo reúne a meninada do distrito e ensina teatro, cordel, poesia e dança. Cerca de 50 crianças e adolescentes deixam a ociosidade de lado para participar das atividades do grupo. Durante a solenidade, o Ajama Show preferiu apresentar uma peça teatral. No palco, um pouco da história da cidade e de seu povo trabalhador. Natália Borges, de16 anos, contou que a população revive um pouco de sua história no palco. >> 29 Na mesa das autoridades, o prefeito Eduardo Siqueira dividia espaço com os secretários, a articuladora, os vereadores e a prefeita mirim. Cumprindo ‘mandato’ há quatro anos, a adolescente Julimeire Costa, de 16 anos, não escondia o contentamento em fazer parte da mesa. Tímido, o prefeito falou pouco no discurso, mas não esqueceu de agradecer àqueles que tornaram o tetracampeonato possível, das crianças aos secretários. Num discurso forte, um vereador destacou o projeto “Câmara nas Escolas”, idealizado por ele, que contribuiu para o aumento de adolescentes eleitores. Tejuçuoca tem um dos melhores índices de adolescentes cadastrados no Tribunal Regional Eleitoral. Deixamos a escola sob os aplausos da criançada e o barulho dos fogos de artifício. Encerramos nossa passagem por Tejuçuoca saboreando o animal que faz a fama do município Ceará afora: o bode. Na saída da cidade, uma placa, exibindo o animalsímbolo do município se despedindo dos visitantes, rendeu uma foto. (AR) itapajé O Ceará de Curumins e Curuminhas A pedra do pajé feiticeiro >> Em 7 de dezembro de 2006, às 15h or trás de montanhas cinzentas, emolduradas por um céu azul de nuvens brancas, encontramos Itapajé. As pedras que cercam a cidade se perdem de vista, mas uma delas fica ali, visível, qualquer que seja a localização. É a Pedra do Frade, ou Pajé Feiticeiro no idioma indígena. Reza a lenda que a cidade do poeta Quintino Cunha testemunhou um amor proibido, como o de Romeu e Julieta, mas desta vez as tribos dos Manassés e Tupinambás foram as famílias rivais. Na esperança de viver o amor com tranqüilidade, o casal tentou fugir, mas no caminho encontrou a fúria do Pajé e seu feitiço. O feitiço virou contra o feiticeiro e hoje só resta o Pajé em forma de pedra. P Em frente ao ginásio Saraivão fomos recebidos por batuques ritmados. O município substituiu o barulho dos fogos pela banda de percussão formada por crianças e adolescentes. Estavam vestidos com túnicas cor da pele, bordadas com flores num ponto cheio e colorido. As túnicas eram fruto do trabalho das mulheres bordadeiras que conquistaram para a cidade o título de capital do bordado. Os tambores de alfaia produziam um som que convidava para a dança. Formado apenas por meninos, que tinham o semblante sério e compenetrado em fazer uma boa apresentação, o grupo mudava o ritmo a cada apito e movimentar de mãos do instrutor. Xote, baião, maracatu e axé eram parte do repertório. Dentro do ginásio, mais festa. Apesar do calor, as crianças e adolescentes não desanimaram. A atenção da criançada se dividia entre as apresentações culturais e os pernas-de-pau que andavam de um lado para outro no ginásio. Enquanto contava como aprendeu a se equilibrar em cima do pedaço de madeira, o adolescente Rafael Gomes, de 14 anos, continuava a entreter as crianças que o cercavam. Fazia caras e bocas e até arriscou dançar um pouco. No comando da festa estava um palhaço muito animado que conseguia conter a energia das crianças com brincadeiras. Antônio Julian deixou o papel de coordenador do Mapea- mento Cultural para se transformar em Gil, o animador de circo. Nos festejos de Itapajé houve espaço para todo tipo de manifestação artística. Desde a dança contando a estória do Pajé Feiticeiro, até a exposição dos trabalhos manuais feitos por crianças do projeto “Criando Arte”. Pensando no Natal, crianças do projeto prepararam cartões natalinos, com desenhos delicados e mensagens de paz. De olho no movimento da banca, Joerlane, de 12 anos, disputava com as amigas quem tinha o cartão mais bonito. No camarim improvisado, algumas meninas davam os últimos retoques na maquiagem e no cabelo. Junto com elas, somente um rapaz, Aldemir Pereira, sabia de cor o que representava a dança que estava prestes a apresentar. Mais uma vez a população contava a lenda do amor proibido dos índios. Maria Cláudia, de 13 anos, dizia que nunca é demais contar uma estória bonita, especialmente se é tão presente na cultura de um povo. Antes de entregar o Selo, Tati Andrade brincou com a criançada entusiasmada. Queria saber quem tinha passado de ano e a resposta veio num coro barulhento. A platéia itapajeense marcou a Caravana. No discurso, o prefeito Kelson Gomes dedicou o Selo às crianças e adolescentes. De tão alto não precisou fazer muito esforço para erguer o troféu e posar para a foto do tricampeonato. Enquanto tirava o adesivo que cobria o nome de Itapajé do carro da Caravana do Selo UNICEF, Kelson anunciou que pretende repetir o ato na próxima edição do Selo. Os festejos de Itapajé foram coroados com uma carreata pelas ruas da cidade, com carros, motos e bicicletas. Do alto dos sobrados comerciais, Evilázio Bezerra tirou uma foto. Foi o registro final da nossa passagem pela cidade do Pajé Feiticeiro. (AR) >> 31 itarema O Ceará de Curumins e Curuminhas Forró no fim de noite >> Em 7 de dezembro de 2006, às 20h o longo da Caravana nos perdemos várias vezes nas cidades à procura do local dos festejos e em Itarema não foi diferente. Desta vez antes de abordarmos alguém à cata de informações aconteceu o contrário. Quando paramos o carro da Caravana do Selo UNICEF, pensando como encontrar a direção correta, um homem sorridente se aproximou e tomou a iniciativa para uma conversa. Já tinha visto a Caravana na televisão, mas queria ter certeza que estávamos ali para entregar o Selo. Suas instruções para achar o caminho foram precisas, “quando encontrarem a multidão é sinal que chegaram”. A feitos com canetas nanquim estavam expostos. Mostravam as culturas indígena, européia e negra, lado a lado, compondo o retrato cultural de Itarema. Dois adolescentes, Francisco, de 14 anos, e Shélida, de 15, explicavam a quem chegava um pouco do que aprenderam ao longo de cinco meses de Mapeamento. Apesar da pouca idade, Francisco mostrou sabedoria ao dizer que conhecer a história do município era preservá-la para as gerações futuras. Sob o olhar atento do coordenador do Mapeamento, Alexandre Mulato, os adolescentes mostraram os brinquedos que um dia fizeram a alegria dos pais, avós e até mesmo bisavós. Itarema tem as ruas largas e em alguns pontos a areia fina e branca da praia as invade. Não foi tão difícil como pensávamos encontrar o local da solenidade. Bastou seguir um grupo de pessoas para encontrarmos a multidão da qual havíamos ouvido falar. Quando o carro da Caravana apontou na rua do Ginásio João Damasceno Rios, ouvimos os fogos de artifício. Parecia que tínhamos ensaiado, tão sincronizados foram os fogos. Além do prefeito Robério Monteiro e da Primeira-Dama Flávia, centenas de pessoas aguardavam a chegada da Caravana. Carrinhos de pipoca, espetinho e sorvete completaram o cenário defronte ao ginásio. A solenidade oficial tinha começado e a platéia ouvia concentrada o que as autoridades tinham a dizer. Sentados em frente ao palanque, um menino e uma menina, em trajes de gala, pareciam imersos num universo próprio. Estavam tão compenetrados que não perceberam quando esta jornalista sentou ao lado e espiou um pouco do que liam. Para não atrapalhar a concentração dos dois, limitei-me a perguntar nome e idade. Durante a apresentação, Thiago Tales, de oito anos e Odaíza Pereira, de 9, mostraram que toda concentração valeu a pena. As crianças surpreenderam o público tal a habilidade com que leram os textos. A quadra esportiva transformou-se em um belo salão de festas. O palanque estava enfeitado com balões azuis e amarelos, e com o nome Selo UNICEF em letras garrafais. As cadeiras no meio do ginásio não eram suficientes para o número de pessoas presentes. Muitas ocupavam as arquibancadas, tentando encontrar o melhor lugar para não perder nenhum detalhe da solenidade. O prefeito contou que desde o anúncio dos premiados em Brasília estava em polvorosa. Naquele mesmo dia um carro de som espalhou pela cidade a notícia do bicampeonato de Itarema. A comemoração começou muito antes da chegada da Caravana no município. Para o prefeito, aquela noite significava o encerramento de um ciclo iniciado há dois anos, quando decidiram participar do Selo UNICEF a favor das crianças e adolescentes. No discurso, Robério justificou a grandiosidade da festa. Para ele, o cumprimento das metas estabelecidas merecia uma comemoração que agradasse o principal interessado no Selo: o povo de Itarema. Como brinde à população, foi oferecido um forró no final da solenidade. Não havia maneira melhor de terminar uma sexta-feira. (AR) Uma exposição do Mapeamento Cultural no canto do ginásio atraia quem chegava. Desenhos >> 33 CRUZ O Ceará de Curumins e Curuminhas Um muro de ônibus escolares >> Em 8 de dezembro de 2006, às 9h o caminho para Cruz tomamos conhecimento da origem do município. Em torno da cruz onde jazia o corpo de um retirante nordestino, foram surgindo algumas casas, que logo se tornaram um vilarejo. A área foi crescendo e deu origem a um município de ruas arborizadas e povo alegre. Da história triste resta apenas o nome da cidade, uma forma de não deixar esquecida a realidade que ainda faz parte do cotidiano de muitos nordestinos. N A festa estava prevista para as 9 da manhã e, pouco antes da hora marcada, a estátua de São Francisco de Assis, na entrada do município, nos deu boas vindas. Não foi difícil encontrar o local escolhido para a entrega do Selo. A Praça dos Três Poderes fica em frente à Prefeitura, um prédio de três andares com arquitetura moderna. Quando chegamos só víamos ônibus escolares. Eram tantos que formavam um muro ao redor da praça. O articulador Raí disse que estudantes das zonas rural e urbana estavam ali. Tinha feito questão que os festejos pelo bicampeonato fossem assistidos por eles. O esforço do articulador encorajou os pais que também se deslocaram para a solenidade. O palco estava montado de frente para a Prefeitura, de modo que da sacada do prédio era possível assistir de camarote a solenidade. Decorado com tecido colorido, o palco tinha como pano de fundo uma janela com os mamulengos de braços abertos. “Cruz me faz crescer” eram os dizeres do painel. Na Praça dos Três Poderes quem fez sucesso foram três meninas-bonecas sentadas na beira do palco. Elas usavam vestidos de chita com bolinhas brancas, e cada uma tinha o cabelo de lã de uma cor diferente, preto, vermelho e amarelo. Com o forte calor que fazia, algumas vezes elas apoiavam os rostos nas mãos cansadas . Faixas espalhadas pela praça e camisetas especialmente produzidas para a ocasião não deixavam esquecer que aquele era o segundo Selo de Cruz. As apresentações infantis também não deixavam passar em branco o bicampeonato. Sentados no gramado, embaixo das árvores altas, alguns adolescentes do grêmio escolar e do programa de rádio tentavam ver o que se passava no palco. Apesar da pouca visibilidade, eles estavam livres do sol escaldante de dezembro. Acompanhado do professor, o adolescente José Jocivan, de 16 anos, explicou o funcionamento da rádio e seu papel no programa. Na fala do garoto era possível sentir o orgulho de ter participado do projeto. >> 35 Do mesmo modo, no sorriso aberto de Raí estava estampada a animação. Era impossível não notar que mesmo durante a solenidade o articulador não parava, acertando alguns detalhes para as apresentações e conferindo se estava tudo certo. Ainda arrumou tempo para prestar atenção nas atuações das crianças e adolescentes. De fato, ele estava vivendo intensamente cada minuto daquele dia. No discurso não cansava de repetir que os esforços ao longo dos últimos dois anos valeram a pena, principalmente porque os maiores beneficiados eram os pequeninos do município. Um misto de alegria e alívio deu o tom do discurso do prefeito Jonas Muniz. Depois que a cidade conquistou o primeiro Selo houve a cobrança pelo segundo, por isso a expectativa era inevitável. A multidão não economizava nos aplausos e assovios, um reflexo de aprovação ao gestor. Em frente ao carro da Caravana do Selo UNICEF, prefeito e Primeira Dama ergueram o troféu do Selo. Era o retrato do bicampeonato. (AR) JIJOCA DE JERICOACOARA O Ceará de Curumins e Curuminhas Muito mais que dunas >> Em 8 de dezembro de 2006, às 15h edra furada, dunas douradas que se perdem de vista e praias paradisíacas são as primeiras imagens que vêm à mente quando se pensa sobre Jijoca de Jericoacoara. Durante nossa passagem pelo município, ficou claro que o município é muito mais que um paraíso turístico. Jijoca mais parece uma vila, onde o tempo passa devagar e o povo fala manso, sem pressa. A sensação é de que aproveita melhor a vida. As ruas são estreitas, talvez porque não haja muitos carros na cidade. A bicicleta parece ser o meio de transporte mais usado entre os habitantes. Sempre se via uma em frente às escolas, no mercadinho, na porta das casas. P Chegamos no meio da tarde, quando o sol começava a esconder-se por trás das dunas. Nosso destino era o Núcleo de Arte, Educação e Cultura – Neac. As colunas altas e as escadarias na frente do prédio lembram um palácio. O local fora inaugurado recentemente e ainda cheirava a tinta fresca. A articuladora do Selo, Maria Vera Vasconcelos, nos conduziu num passeio pelo local. Ali as expressões culturais afloravam nas mãos da população jovem. Teatro, música, artes plásticas e artesanato num mesmo espaço e à disposição das crianças e adolescentes. Na sala de artes plásticas cerca de cinco crianças não viam o tempo passar. Alunos do curso de pintura, eles colocavam na tela imagens de Jijoca. A igreja de Santa Luzia, o pôr-do-sol e a lagoa ganhavam novas cores e perspectivas do ponto de vista dos pequenos artistas. Não precisavam de um retrato para o desenho, bastava fechar os olhos para que surgisse na mente o traçado. Valdeci Alves era um dos mais dedicados. Em apenas um mês de curso o garoto já exibia quadros com traços firmes e precisos. Algumas salas adiante, adolescentes ensaiavam passos de dança e na outra tiravam os primeiros sons da flauta. Quando as portas do teatro se fecharam, as cortinas vermelhas do palco se abriram, revelando a Orquestra Sinfônica e o Coral Municipal, am- bos compostos por crianças e adolescentes. Sob a regência de Gildson Carvalho, eles cantaram e tocaram versões de Luiz Gonzaga e Beatles, reis do baião e do rock, numa mesma apresentação. O maestro era exigente, por algumas vezes gritava e nos movimentos rápidos de suas mãos se via que ele passava uma mensagem. A versão clássica para uma composição do rei do baião rendeu pedidos de bis. Deixaram o palco com o público aplaudindo de pé. Nos fundos do teatro, meninos suados, ávidos para se livrarem da gravata e da camisa. No bate-papo com alguns deles, se descobre um pouco de seus sonhos e expectativas. Para tocar na entrega do Selo, Valdécio Pessoa, de 16 anos, teve que percorrer 22 km de bicicleta, um exercício forçado que é cumprido diariamente para participar dos ensaios. Não precisou pensar muito para dizer que estava correndo atrás de um sonho. A adolescente Jackeana Brandão, de 17 anos, era a cerimonialista. Sozinha no palco a menina não teve dificuldades com a função. Depois de receber o certificado e o troféu do Selo, o prefeito Sérgio Jimenez foi convidado para falar. Quase não conseguia ler o discurso. Havia esquecido os óculos em casa, mas não hesitou em pedir emprestado os de Tati Andrade. O momento rendou boas imagens e risadas. A fala do prefeito foi rápida. No papel apenas os nomes das pessoas que precisava agradecer e algumas brincadeiras para descontrair a platéia. De bom humor, Sérgio tirou lentamente o adesivo com o nome da cidade. A cada letra uma pose para as fotografias. Nossa passagem por Jijoca de Jericoacoara foi breve, não sobrou tempo para ver o sol “mergulhar” no mar chamando a noite, mas foi o suficiente para prover de boas lembranças o resto da viagem. Para os que não conheciam o município, o tão aguardado passeio pelas praias do município ficou para a próxima viagem. (AR) >> 37 MORRINHOS O Ceará de Curumins e Curuminhas Festa na praça >> Em 8 de dezembro de 2006, às 20h orrinhos é uma cidade acolhedora e de povo sorridente. Quando chegamos já tinha anoitecido e a população começava a se recolher em casa, mas fomos bem recebidos pelo clima ameno e vento fresco. Durante nosso passeio pela cidade ficou a impressão que em toda esquina tinha uma praça. Todas com um jardim bem cuidado, árvores decoradas com luzes coloridas e casais namorando aqui e acolá. A praça para entrega do primeiro Selo UNICEF do município ficava próxima ao centro comercial. Era a maior de todas, mas naquele dia a quantidade de pessoas era tão grande que até pareceu pequena. M Sexta-feira é dia de festa, talvez por isso a praça estava tão cheia de gente. Na maioria eram adolescentes e jovens que ficavam em volta dos carros assistindo as disputas do som com maior potência. O ritmo não poderia deixar de ser o forró em alto e bom som para quem quisesse, ou não, ouvir. Além dos carros, motoqueiros e pedestres tomavam conta das ruas ao redor da praça, provocando um pequeno congestionamento. O movimento nas ruas era tanto que Ferreira, o motorista, precisou dar várias voltas até encontrar o local ideal para estacionar. Achou uma vaga espaçosa entre o palco e a quadra poliesportiva, ao alcance da vista de qualquer pessoa. O carro da Caravana do Selo UNICEF tomou grande parte do espaço em frente ao palco e, outra vez, foi o centro das atenções na festa. Como a noite já estava avançada, eram poucas as crianças nos festejos de Morrinhos. Aquelas que conseguiram sair de casa passaram a maior parte do tempo se divertindo no parque de diversões montado na praça. O carrossel, o bate-bate e a roda gigante eram os brinquedos mais procurados pelas crianças. Por alguns minutos, Evilázio Bezerra, o fotógrafo, voltou à infância e fez um passeio na roda gigante. O momento rendeu uma foto panorâmica da festa. O parque de diversões não foi o único a fazer sucesso. Aline Andrade conquistou admiradores e recebeu até um bilhete marcando encontro na entrada da roda gigante. Ela não apareceu ao encontro, mas o bilhete ficou guardado como lembrança de nossa passagem por Morrinhos. O tamanho do palco não foi suficiente para abrigar todos os participantes do Grupo de Teatro do Município, mas nada que impedisse os adolescentes de mostrarem seus talentos. O palco era tão pequeno que a escada acabou se transformando em coxia improvisada para os atores que se amontoavam aguardando o momento de entrar em cena. Também era ali que eles davam os últimos retoques na maquiagem e figurino. Gravidez na adolescência foi o tema escolhido pelo grupo. De forma engraçada eles mostraram os desafios da maternidade precoce. Longe do tablado, Mendson Silveira e Iran Nascimento, atores do grupo de teatro, contaram as dificuldades e o prazer de fazer arte. Os dois representavam o pensamento das 35 crianças e adolescentes que formam o Grupo de Teatro do Município, jovens artistas que fazem de qualquer local um espaço para a arte. Franzé da Aurora, homem de voz grave e sorriso fácil, era o mestre de cerimônia dos festejos. Conhecido locutor de rádio na região, Franzé arrancava aplausos e assovios da platéia sempre que ficava no meio do palco. Para chamar as autoridades Franzé fazia uma apresentação cheia de floreios. A primeira a falar foi Tati Andrade. Brincou com a platéia para em seguida destacar os índices do município e lançar o convite para que participem da próxima edição do Selo. Com o troféu e certificado em mãos, o prefeito Airton Júnior lembrou que quando passava pelos municípios que exibiam a placa de Município Aprovado sentia uma pontinha de inveja, o que serviu de incentivo para continuar a se inscrever no Selo. Agora, Morrinhos, também, poderia exibir, orgulhoso, sua conquista. Deixamos a praça quando uma banda de forró começava a chamar o povo para a dança. A noite ainda era uma criança para as pessoas que estavam na praça. (AR) >> 39 forquilha O Ceará de Curumins e Curuminhas Cidade nova e canteiro de sonhos >> Em 9 de dezembro de 2006, às 9h encontro das águas do Rio Madalena com o Riacho Oficina forma o desenho de uma forquilha, originando assim o nome do município. A cidade fica ao lado de Sobral. Por isto, por muitos anos, as duas cidades estavam sob o comando do mesmo gestor. A emancipação política conquistada em 1985 trouxe o progresso para Forquilha e orgulho para os moradores que há tanto queriam autonomia. Conta o prefeito, Edmundo Rodrigues, que a cidade é tão nova que é difícil encontrar entre os moradores um forquilhense. O Não foi difícil identificar a entrada de Forquilha. Um monumento de ferro, no formato do utensílio que dá nome à cidade, fica na entrada do município dando as boas vindas aos visitantes. Ao lado dele, uma faixa que divulgava o bicampeonato no Selo UNICEF dava a certeza que tínhamos chegado ao nosso destino. Naquele sábado de manhã a cidade ainda estava acordando, o comércio abria as portas aos poucos clientes que tinham despertado tão cedo. Chegamos fazendo buzinaço para acordar a cidade. Nossa parada era a Escola Modelo, um prédio novo no alto de uma ladeira de onde se avista boa parte de Forquilha. O dia estava ideal para as crianças dormirem até um pouco mais tarde, porém muitas delas já estavam em frente à escola nos aguardando. O carro da Caravana do Selo UNICEF foi cercado pela criançada que prestava atenção em todos que desciam, cada um era acompanhado por um grupo de crianças escola adentro. A decoração do ginásio era de balões azuis e amarelos, disputados pelas crianças que competiam para ver quem conseguia mais balões. O público parecia estar dividido entre crianças e adultos. No centro da quadra, as cadeiras pequenas e coloridas eram ocupadas pelas crianças, enquanto o público mais velho ficava na arquibancada. Um tablado de madeira fez o papel de palco, ideal para que as crianças tivessem uma visão privilegiada do que acontecia. Muita coisa boa foi apresentada no tablado. Acompanhado pelas palmas da platéia, o repentista Francisco Neto, um seguidor do mestre Patativa do Assaré, improvisou suas rimas, numa cantoria rápida embalada pelo violão. Tão animados quanto Francisco estavam os rapazes do “Penetras do Forró”. Formada por irmãos com deficiência visual, a banda mostrou, além do talento, muita força de vontade. Quando a música fez os mais entusiasmados arriscarem alguns passos, o locutor lembrou a entrega do Selo. O arrasta pé ia ficar para depois. >> 41 O mestre de cerimônias chamou o prefeito ao palco e acabou revelando um apelido inusitado: Edmundo ‘Pitbull’ Rodrigues. Agora estava explicado o porquê de tantos desenhos de ‘pitbulls’ de olhos azuis nos muros da cidade. O prefeito aceitava de bom grado o apelido peculiar. Na fala de Edmundo o tom era de satisfação pelo reconhecimento do trabalho desenvolvido no município. Falou dos projetos realizados pelas secretarias e da vontade de participar das próximas edições do Selo. Encerrou o discurso convidando para a carreata do bicampeonato. As crianças ocuparam as carrocerias das camionetes num instante. Elas pulavam e gritavam a cada estouro dos fogos de artifício, a cada morador que passava na rua. Seguimos os carros pelas ruas de Forquilha. A cidade já estava bem acordada e ao longo da carreata alguns carros e motos se juntaram a nós. Antes de deixar o município, visitamos a horta cultivada por adolescentes dos Canteiros Encantados. Havia um pouco de tudo, alface, couve, agrião e por aí vai. O produto mais importante não estava visível aos olhos, eram os sonhos e anseios de cada adolescente envolvido no projeto. Esperamos que aquela horta renda muitos ‘frutos’. (AR) SOBRAL O Ceará de Curumins e Curuminhas , Onde Didi deu suas primeiras cambalhotas >> Em 9 de dezembro de 2006, às 15h obral tem muitas histórias para contar. Foi nos céus daquela cidade calorosa que o cientista Albert Einstein comprovou a teoria da relatividade. Ali nasceu o Embaixador do UNICEF no Brasil, Renato Aragão, que embora sem nenhuma promessa anterior, era aguardado pelas crianças em várias cidades por onde a Caravana passou. Ferreira, o motorista, que por diversas vezes fez papel de guia turístico, disse que alguns parentes de Didi ainda moram num dos casarões bem conservados do centro. Em Sobral o ‘trapalhão’ deu os primeiros passos na vida artística. Ou seriam cambalhotas? S Vestido com roupas de agricultores e com enxadas na mão, um grupo de meninos e meninas dançou o cotidiano do homem do semi-árido. Na letra da música a espera da chuva, o cultivo da terra e a colheita. Mostrou a bravura do homem nordestino mesmo diante das dificuldades. Cada adolescente ou criança presente na solenidade tinha uma participação no tetracampeonato de Sobral. Eles estavam recebendo o troféu também. Representando os 70 adolescentes que realizaram o Mapeamento Cultural, Thaís, Alex, Karlene e Sávio contavam as descobertas feitas nos últimos meses. Histórias esquecidas, imagens resgatadas nos desenhos e o passado preservado. Chegamos em Sobral no auge do calor que tanto faz a fama do lugar. Nossa passagem pela fidelíssima cidade, como era conhecida antigamente, incluiu um passeio no centro comercial. Naquele dia, a impressão que dava era que Sobral inteira resolveu adiantar as compras de Natal, pois era um mar de gente pelas ruas, todos com sacolas de todos os tipos e cores. Deixamo-nos ‘perder’ nos cem metros do Beco do Cotovelo. Perdidos entre as ruas movimentadas do centro, encontramos um local em que as pessoas pareciam alheias ao que acontecia em volta, imersas no dominó e na conversa sem pressa com os amigos. A vontade era de sentar ali e deixar o tempo passar devagar. Pena que o passeio foi cronometrado por seu Ferreira, que já estava a postos buzinando em alto e bom som. O passeio estava bom, mas era preciso pegar o rumo para o Centro de Convenções. Fora do auditório, uma roda de capoeira se abria. Ouvíamos palmas, som do berimbau e cantoria. No centro da roda, as duplas mostraram seus gingados. Abram alas que a Legião Brasileira de Capoeira vai passar! De tão pequena quase não se via Clarice, que aos três anos era a mais nova do grupo. Mas nem por isso a menina mostrava menos ginga. Clarice tinha a timidez típica das crianças na presença de estranhos. Escondia-se atrás da perna da tia a cada pergunta, mas bastava pedir que mostrasse seu gingado e a menina se punha a dançar capoeira. O adiantar da hora não permitiu que o grupo se apresentasse no auditório. Mas lá fora era possível assistir um show particular, a título de ensaio. Deparamos-nos com um prédio de arquitetura moderna, muito diferente dos casarões históricos que tínhamos visto até então. Em frente ao salão Saturno, local da solenidade, painéis enormes mostravam os projetos nos quais crianças e adolescentes do município estavam envolvidos. Meio ambiente, cultura, educação, esporte, projetos para todos os gostos e idades. Mesmo sendo um sábado à tarde o auditório ficou lotado. Alguns ficaram em pé e outros dividiram as cadeiras com os amigos. O espírito acolhedor do sobralense acomodou todo mundo. Em frente ao carro da Caravana do Selo UNICEF, Francisco Ivanildo, de 13 anos, entrevistou Tati Andrade. Gravador em punho, o adolescente tinha as perguntas prontas num pedaço de papel. Como um jornalista experiente, também fez perguntas ao prefeito e chamou a atenção dos outros ‘colegas’ de profissão. O prefeito Leônidas Menezes afixou o nome de Sobral no carro da Caravana. Passamos por mais uma cidade da nossa jornada pelo Ceará. (AR) >> 43 meruoca O Ceará de Curumins e Curuminhas Recebidos pelos Beatles >> Em 9 de dezembro de 2006, às 19h estrada que nos levou até Meruoca é cheia de surpresas. Subimos a serra no fim de tarde, quando o pôr-do-sol dá ao céu um colorido diferente. A cada curva sinuosa a natureza nos surpreendia com uma paisagem ainda mais bonita. Dizem que lá, do alto de uma pedra, é possível ver as dunas de Jericoacoara. Cada ponto da serra é cenário de uma lenda diferente. Numa gruta vive uma princesa encantada, uma cobra de veado de 18 metros esconde-se numa loca de pedra e uma loura nua aparece sobre uma colina em dias de lua cheia. Por azar não encontramos nenhum desses personagens. A Meruoca é cheia de casas coloridas, coladas umas às outras, e ruas de pedras. A população se divide entre o campo e a cidade, num equilíbrio perfeito. O comércio local se resume a algumas quitandas. Certamente a proximidade de Sobral desencoraja os moradores a incrementar o comércio. Esta combinação de cidade tranqüila com o clima ameno atrai turistas de todo o Ceará. Sentimos na pele o frio que faz o sucesso da cidade. Tínhamos saído de Sobral e naquela noite ninguém estava preparado para o frio serrano. Em frente à praça principal, um palco estava montado e algumas pessoas, na maioria adolescentes, aguardavam o início de uma festa. À espera da banda, o público escutava um funk em volume máximo. Seu Ferreira por pouco não parou o carro da Caravana do Selo UNICEF pensando que tínhamos chegado ao local da festa. Mas nosso destino era o Centro de Treinamento Sobralense, mais conhecido por Cetreso, que fica no meio de uma ladeira colado às outras casas. Quando chegamos, a Banda Municipal já estava a postos, por isso bastou o carro da Caravana apontar no começo da ladeira para que tocasse uma música dos Beatles. Mais uma vez chegamos em grande estilo. A banda tocou mais alguns ritmos antes de entrarmos. O maxixe e o samba animaram quem estava por perto. Olhando a quantidade de pessoas fora do Cetreso, era de se imaginar que não caberiam todas. A fachada do local se resumia a uma porta e janela estreitas. Não fosse o nome em frente poderia se pensar que era apenas mais uma casa. À medida que entrávamos mais salas iam se revelando ao longo dos corredores compridos. No meio, um espaço para plantas e árvores frutíferas. Ninguém perdeu a festa. Todos estavam acomodados no auditório quando se ouviu ao fundo uma loa. Um boi muito colorido e enfeitado, seguido por meninos, invadiu o auditório. Antes mesmo de começarem a se apresentar, arrancaram aplausos da platéia. Sinal que eram conhecidos entre os meruoquenses. O reisado Arco Íris cantou uma loa engraçada e o boi dançou desde o forró até o samba. O grupo existe há apenas três anos, e nasceu a partir da iniciativa de Francisco Eliomar, de 13 anos, que depois de assistir uma apresentação de reisado resolveu montar o próprio grupo. Convidou amigos da vizinhança e desde então o menino passou a ser conhecido por Eliomar do Boi. Alguns pedaços de madeira e um tecido deram origem ao primeiro boi. Na mesma noite em que foi construído dançou até deixar a garotada cansada. O material frágil não resistiu por muito tempo. Nem por isso o grupo desanimou, e confeccionou um segundo, com ferro. A dedicação dos garotos do Arco Íris foi parar no CD e no DVD do Mapeamento Cultural. No final da apresentação recebemos um desses CD´s, para com outros, compor a trilha sonora da Caravana. Nos discursos os secretários tiveram espaço para falar do trabalho desenvolvido. Cada um contou as dificuldades e metas alcançadas. O prefeito João Coutinho preferiu falar pouco e receber logo o troféu, adesivando em seguida o nome do município no carro da Caravana. (AR) >> 45 viçosa do ceará O Ceará de Curumins e Curuminhas Carnaval fora de época >> Em 10 de dezembro de 2006, às 10h içosa é a primeira cidade da serra de Ibiapaba. Vista do alto parece com aquelas cidades que existem apenas na imaginação dos pintores. Passear por suas ruas limpas e repletas de flores é uma viagem ao passado. Casarões e prédios históricos bem conservados passam a sensação de que acabaram de ser construídos. Cada esquina tem uma história para contar, seja a do casarão que hospedou o Conde D’eu, seja as das igrejas construídas pelos jesuítas. Difícil não se encantar pelo município. V Eram tantas atrações na festa que ficava até difícil prestar atenção em só uma. No palco e fora dele só se via a cultura e a alegria que tanto atraem os visitantes a Viçosa. A mata fechada com árvores altas, formando um plano de fundo bonito para o palco, combinava com as danças apresentadas pelas crianças, que pediam mais cuidado com o meio ambiente. As irmãs Edna e Márcia Rodrigues, do programa de rádio Sintonia Jovem, comandaram juntas a solenidade no papel de mestres de cerimônia. Agitaram a platéia, ao lado de adolescentes vestidos de índios. Na entrada de Viçosa a movimentação era grande para um domingo de manhã. De longe avistamos uma fila de carros parada no acostamento e tentamos entender o que acontecia. Daniela, a articuladora do Selo, veio em nossa direção e explicou que estavam à nossa espera para uma carreata pela cidade. Tomamos nosso lugar, logo atrás de um trio elétrico muito enfeitado que tinha o axé e as músicas do Grupo Rebelde como repertório. Em cima do trio, crianças e adolescentes brincavam de palhaços, Emílias e outras personagens do universo infantil. Entre uma música e outra gritavam ‘Uh, é UNICEF! Uh, é UNICEF’, como um grito de guerra. Aline Andrade e Tati Andrade não pensaram duas vezes, subiram no trio e, contagiadas pelo ritmo, não pararam de pular. Longe do público, o prefeito José Firmino tinha um jeito reservado, daqueles que economizam nas palavras. Com um microfone na mão porém não poupou palavras, discursando sobre o bicampeonato. Destacou ações inéditas desenvolvidas em Viçosa, onde as agentes de saúde usam moto. Sentadas debaixo da árvore, as agentes vibraram quando foram citadas. Daniela, a articuladora do Selo, preferiu falar do orgulho pelo bicampeonato e como cada um teve participação na conquista. Os grupos do Mapeamento Cultural, Meio Ambiente e Grêmio Escolar usavam camisetas, como que para marcar presença e mostrar sua participação na conquista de mais um Selo para o município. Os festejos de Viçosa aconteceram no Pólo Turístico e Artesanal Igreja do Céu. Dois caminhos levam até o Pólo: os 334 degraus da escadaria ou as ruas tortuosas passando pelos prédios antigos. Ninguém quis arriscar as escadarias. Então subimos pouco a pouco as ruas de Viçosa até chegar à festa. A brinquedoteca e uma feira de artesanatos e quitutes do município davam à festa um ar de quermesse. Era criança correndo para tudo quanto é lado. Só paravam na hora de ter o rosto pintado. Ao fundo, a igreja de Nossa Senhora das Vitórias, com um Cristo de braços abertos, abençoando Viçosa. O local não podia ter sido mais apropriado para os festejos do bicampeonato. Antes de deixar Viçosa, uma parada na casa dos sabores e cheiros. A Casa dos Licores, comandada por “Seu” Alfredo, o anjo do pife, é um convite à boa música e à comida. As paredes são repletas de licores, doces e geléias de todos os tipos, do chão até o teto. Por sorte tivemos a chance de conversar um pouco com aquele senhor de 92 anos e fala mansa, que contou ter aprendido a tocar com um curumim. Entre um assunto e outro, um sopro vigoroso e dedilhado ágil no pife de taboca entoou o “Xote das meninas”. Enquanto Alfredo tocava, nós nos deliciávamos com as petas molhadas na geléia de pimenta. (AR) >> 47 croatá O Ceará de Curumins e Curuminhas Miniaturas do troféu >> Em 10 de dezembro de 2006, às 15h roatá exibia orgulhosa uma réplica gigante do troféu do Selo UNICEF Edição 2000 na entrada da cidade. Cercada por um jardim com flores coloridas, a casa representava o tetracampeonato do município. Ali, dois carros de polícia estavam a nossa espera. Sob a escolta deles chegaríamos ao local da festa, o Espaço Cultural. Durante o caminho o carro da Caravana do Selo UNICEF deu algumas voltas pelas ruas da cidade e vez por outra acionava a buzina. O barulho tirava as pessoas de casa naquele domingo à tarde e encorajava a criançada a correr atrás do carro da Caravana. C Encontramos Croatá vazia. Nas ruas um ou outro morador colocava uma cadeira na calçada para assistir televisão. Assim espantava o calor abafado e observava o movimento. Dizem que em cidades do interior somente missa e festa tiram o povo de casa. Nas ruas do entorno do Espaço Cultural o cenário era outro. Tivemos a impressão que toda população estava concentrada naquele ponto da cidade. Crianças e adultos apertaram o passo quando viram a Caravana chegar para os festejos. Por certo queriam garantir visão privilegiada. Não era horário de missa, mas tiramos os croatenses de casa. Com tantas faixas espalhadas pela cidade ficava difícil não se contagiar pela comemoração do tetracampeonato do município. O Espaço Cultural de Croatá é um galpão aberto, e uma mistura de cores e formas na decoração dava uma cara alegre ao ambiente. Chitas estampadas e balões coloridos estavam espalhados pelo salão. As crianças até arriscavam pegar os balões para iniciar uma nova brincadeira. Na sala atrás do tablado, uma fila se formara. A euforia era muita, mas ninguém ousava furar a fila. Ali uma equipe da prefeitura distribuía as camisetas ‘Croatá me faz crescer’, com a casa 227 estampada. As cadeiras dispostas no salão não foram suficientes para acomodar todo mundo, mas cada um deu seu jeitinho. Ora dividindo a cadeira com amigos, ora sentando no colo deles ou em pé, tentando achar melhor localização para não perder nada. No tablado ficavam as autoridades. O espaço em frente a ele ficou reservado para a cultura de Croatá. Na primeira apresentação, as crianças do “Vamos Fazer Arte” mostraram seu talento. Sopros suaves na flauta davam o tom das canções. Na segunda, ao som de “Flor do Mamulengo”, um rapaz virava uma boneca de pano de um lado para o outro, jogava para cima e sacudia com tal força que dava a impressão de que os braços desgrudariam do corpo. A boneca mantinha a cabeça encostada no ombro do garoto, enquanto o corpo se remexia, ganhando vida ao som da música. Algumas vezes a boneca piscava, mas os movimentos eram tão perfeitos que custava acreditar que era uma menina, não de pano, mas de carne e osso. Somente no final da apresentação a boneca ganhou vida em definitivo e transformou-se em adolescente pedindo aplausos pelo talento. A prefeita Aurineide adiou um pouco a entrega do troféu e certificado por mais uma conquista no Selo. Antes de receber o troféu oficial, ela fez questão de entregar uma réplica aos secretários, vereadores, ao articulador e a tantos outros que participaram da conquista. Foi uma maneira de agradecer e mostrar que cada um teve seu papel no tetracampeonato. Em discurso inflamado, um dos vereadores também agradeceu à prefeita e agitou a platéia. Com o fim da solenidade deu-se início à festa da culinária. Duas barracas eram disputadas pelo público. Nem mesmo a fila extensa tirava o ânimo das pessoas. Picolés, pipocas, cocadas, bolos de banana e macambira estavam tão gostosos que valia a pena a espera. (AR) >> 49 hidrolândia O Ceará de Curumins e Curuminhas Cadê Didi, Didi, Didi >> Em 10 de dezembro de 2006, às 20h idi, Didi, Didi”. Um coro de centenas de crianças gritava pelo nome do personagem de Renato Aragão, Embaixador do UNICEF no Brasil. Enquanto Seu Ferreira estava à procura de um local para estacionar, as crianças seguiram e subiram no carro da Caravana do Selo UNICEF. Tentavam enxergar além do adesivo, alguns até diziam ter visto Renato Aragão, que não acompanhava a Caravana. “D Nada abalou a alegria das crianças pela festa. No minuto seguinte já corriam em direção às outras atrações na praça. Tinha um pouco de tudo, pipoca que saia quentinha do carrinho prateado e música no volume máximo convidando para dançar. Os adolescentes aproveitavam para paquerar. Cada um, à sua maneira, encontrava um jeito de curtir os festejos. Fábia Silva aproveitou para levar o filho João para passear. Mesmo sem entender o que acontecia, o menino de dois anos aplaudia sempre que ouvia as palmas da platéia. Quando o prefeito Afrânio Martins chegou acompanhado da família, um empolgado morador da cidade correu para abraçar seu filho caçula. O menino respondeu ao gesto com um sorriso meio assustado. Mais acostumado com o entusiasmo da população, Afrânio parou algumas vezes para receber o carinho dos fãs. A distância era pequena, mas havia tanta gente que ficou a impressão de que o caminho era bem mais longo. Um coreto decorado por balões fez o papel de palco. De qualquer posição se podia ver o que nele se passava. Ainda assim, alguns se arriscavam subindo nos bancos e nas partes mais altas da praça, em busca de um ângulo melhor. Comandado pela presidente do COMDICA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), Flávia Rachel, um coral de crianças subiu no coreto tomando quase todo o espaço. As autoridades se apertaram num canto para dar lugar a atração do momento. O coral cantou e seduziu o público com vozes disciplinadas e alegria no sorriso. No minuto seguinte as atenções se voltaram para outra apresentação. Desta vez as crianças não subiram no coreto, mas ficaram ali, no espaço que a multidão cedeu. O grupo de Reisado tinha saído de uma fazenda distante, especialmente para se apresentar na entrega do primeiro Selo de Hidrolândia. Aos dez anos, Jonas Alves, hipnotizado pelos movimentos do Boi, decidiu entrar para o grupo. Passados dois anos, o menino ainda se diz seduzido pelo Boi e pelos aplausos que conquista ao final de cada apresentação. Ao ouvir a história do amigo, Benício Santos, de 14 anos, foi logo dizendo que o Reisado vicia. Falou com tanta propriedade que ficou difícil não acreditar no garoto. >> 51 Antes mesmo de começar a falar, o prefeito foi saudado com aplausos. No discurso, Afrânio referiu-se diversas vezes à sensação de dever cumprido e à superação de obstáculos, como a implantação do COMDICA e a redução da mortalidade infantil. Cada meta citada tinha como resposta os gritos e aplausos da população. O discurso foi coroado com um show pirotécnico, que numa profusão de cores e formas deixou o céu de Hidrolândia ainda mais iluminado naquela noite de domingo. Em Hidrolândia não fomos recepcionados pela escolta policial, mas fomos acompanhados por ela até a cidade seguinte. Ao longo dos trinta quilômetros até Santa Quitéria seguimos o azul e vermelho da luz do carro de polícia. Fechamos o domingo com uma pequena aventura. (AR) CATUNDA O Ceará de Curumins e Curuminhas Cidade de curvas femininas >> Em 11 de dezembro de 2006, às 9h atunda é uma cidade pequena, de ruas estreitas. O comércio se resume a uma ou outra quitanda. Há muito tempo a cidade era chamada Madalena e talvez por isso, suas ruas sejam tão sinuosas quanto as curvas femininas. As casas geminadas quase sempre têm uma árvore plantada na calçada, embaixo da qual os moradores gostam de observar o tempo passar, admirando os rostos diferentes dos visitantes e o céu azul de poucas nuvens. O primeiro Selo do município estava estampado nos carros e ônibus escolares. Para onde quer que se olhasse, uma faixa, um adesivo ou uma camiseta contava o feito de Catunda no Selo UNICEF. Daquela maneira nenhum morador esquecia a conquista da cidade. quele dia, mas a mãe de primeira viagem acabou ficando para a festa e foi premiada no sorteio com um kit para seu bebê. Em frente ao posto de gasolina, na entrada do município, uma carreata já estava a postos. Carros, motos, ônibus escolares e até mesmo bicicletas faziam parte da carreata. Um carro soltava fogos abrindo espaço pelas ruas de Catunda, para anunciar que a Caravana do Selo UNICEF estava passando. Embaixo de uma árvore, na calçada, um senhor meio sisudo, que observava todo aquele burburinho em plena segunda-feira, foi clicado pelas lentes do Evilázio Bezerra. A travessura do nosso fotógrafo lhe rendeu uma tapinha de repreensão nas costas. Não foi preciso andar muito, porém, para percorrer as principais ruas de Catunda. Logo chegamos ao nosso destino, a Fábrica de Arte e Cultura - FAC. Os discursos das autoridades mostraram as realizações de cada secretaria. Projetos de educação, saúde e lazer que permitiram que Catunda pudesse celebrar seu primeiro Selo UNICEF. Por trás das palavras, o desejo de manter o reconhecimento e ultrapassar mais desafios. Para o prefeito Francisco Ernani, o bi, o tri e o tetra são agora desafios a serem vencidos pelos moradores e gestores públicos. A fixação do nome de Catunda no carro da Caravana do Selo UNICEF foi, sem dúvida, um dos pontos altos da festa. Bastou anunciar que o prefeito deixaria marcado o nome no carro da Caravana, para que meninos e meninas corressem eufóricos em direção ao veículo. O prefeito fez surgir, letra por letra, o nome do município no carro. Com o troféu na mão, posou para as fotos ali mesmo, cercado pela criançada alegre. C A fachada simples da FAC esconde um interior alegre, com piscinas e muitas salas para as atividades. É ali que muitos moradores do município dão vazão à arte, seja na música, nos trabalhos manuais ou na dança. Numa sala pequena, as mulheres do projeto GestAção trabalham as peças miúdas do “biscuit”. Laços, pirulitos e flores enfeitam os potes e outros objetos que compõem um enxoval de bebê. Mesmo com quase nove meses de gestante, a dona-de-casa Ana Paula foi até lá para mais um dia de aula. Por conta dos festejos do Selo não houve aula na- Um dos únicos salões cobertos do FAC foi escolhido para a entrega do Selo. O sol forte e o calor impediram que a entrega fosse realizada ao ar livre. Assim como as autoridades na mesa, a platéia se espremia para que mais pessoas pudessem assistir a solenidade. As apresentações culturais mostraram, sobretudo, as danças. À primeira vista era difícil encontrar algo em comum entre a capoeira e o hip-hop, mas cada um, à sua maneira, tinha algo que provocava um brilho no olhar de seus participantes. No fim das contas o público também era tomado por aquele encantamento e acabava aderindo ao ritmo. Partimos de Catunda com o mesmo calor humano e climático com que fomos recebidos. Sol a pino e crianças se despedindo como se há muito nos conhecêssemos. (AR) >> 53 TAMBORIL O Ceará de Curumins e Curuminhas Um congresso de escritores mirins .>> Em 11 de dezembro de 2006, às 15h hegamos a Tamboril com tempo suficiente para uma parada de descanso. Um banho gelado seguido de um cochilo na rede ajudou a amenizar o calor da cidade. Houve até pausa para uma partida de jogos de mesa durante o almoço. Luciana Bayer se revelou uma excelente jogadora e derrotou até Seu Ferreira, o motorista. Como pano de fundo, o cenário do sertão cearense. O sol estava tão forte que ficou difícil não fazer careta sem os óculos escuros. A mata ainda estava seca pela falta de chuva, mas o céu era um dos mais belos entre as cidades que passamos. Nuvens tão brancas que mais pareciam bolas de algodão flutuando na imensidão do céu azul. Antes mesmo da festa pela comemoração do tetracampeonato no Selo UNICEF começar, fomos recebidos com uma pequena celebração reservada para as autoridades e nossa equipe. Foi uma ótima oportunidade para conhecer quem faz e como se faz a política do município. A Secretária de Saúde, Adelaide Rodrigues, contou como chegou aos 98% de crianças vacinadas. Entre os secretários, ela era das mais animadas com as metas atingidas. Mas cada um tinha seus números e projetos para serem apresentados, sempre a favor das crianças e adolescentes e de olho na manutenção do Selo UNICEF. Desde a primeira edição do Selo Tamboril vem acumulando o título. E não quer mais ficar sem ele. A cidade, que leva nome de peixe e árvore, estava quieta naquela segunda-feira. Nas ruas o comércio fechara para o almoço, um costume ainda muito comum nas cidades interioranas. Apesar da referência ao peixe, é da terra que se obtém o sustento do município. Diferentes culturas do algodão e pecuária movimentam a economia local desde o século XVIII até os dias atuais. É das fazendas que saí o sustento da maioria das famílias da região. Certamente é de seu histórico rural que tantos meninos de Tamboril tiram a inspiração para se tornarem autênticos vaqueiros sertanejos, desejo tantas vezes expresso pelas crianças e adolescentes do município. Usando roupas de vaqueiro e com um bode a tiracolo, um menino foi para o meio do ginásio declamar uma poesia. O garoto só não contava com a astúcia do bode que conseguiu fugir e depois correr atrás do poeta mirim. Como numa cena de circo, o menino deixou o ginásio perseguido pelo bode furioso. O momento arrancou boas risadas da platéia e rendeu boas imagens aos fotógrafos. O ginásio também foi palco para a boa música. Um grupo de flautistas mostrou que os adolescentes de Tamboril também sabem fazer arte. C Chegamos na escola quando outro evento já estava em andamento. O Projeto Leitura e Escrita reunia crianças e adolescentes em torno da mesma paixão pela literatura. Os livros dos pequenos escritores de Tamboril estavam expostos nos diversos painéis espalhados pela escola. Algumas vezes, um autor de livro estava admirando o próprio trabalho, como se não acreditasse que tinha lançado um livro. Na autobiografia, o pequeno Venilson, de nove anos, contava sua evolução de menino, que gostava de brincar com carrinhos, à “gente grande e responsável” como dizia. Na quadra da escola centenas de crianças e adolescentes e seus professores participavam do congresso de escritores mirins. Nas palavras do prefeito José Jeová, o mesmo discurso dos secretários pela manutenção do Selo UNICEF. Modesto, o prefeito disse que ainda há muito a ser feito e que cada Selo é uma batalha por índices cada vez melhores. No dia do aniversário de 60 anos do UNICEF nossa jornada contemplou um dos municípios que, por mais vezes, foi agraciado pelos cuidados dedicados às crianças e adolescentes. O céu, outrora azul, ganhava os tons vermelhos e laranjas do pôr do sol, quando partimos. Hora de por, mais uma vez, o pé na estrada, rumo a outro município vencedor. (AR) >> 55 ARARENDÁ O Ceará de Curumins e Curuminhas Quadrilha e preocupações sociais >> Em 11 de dezembro de 2006, às 20h placa de boas vindas tinha ficado alguns metros para trás quando tivemos nossa primeira “recepção” em Ararendá. Nada de faixas, escolta policial ou carreata, apenas a cena cotidiana de uma boiada comandada por um vaqueiro solitário que passou à nossa frente. Os bois tomavam conta da estrada vazia no fim de tarde alaranjado e andavam sem pressa de chegar ao seu destino. Como em outras vezes na nossa jornada escutamos os gritos de “Pára, pára seu Ferreira”, do fotógrafo Evilázio Bezerra. Em busca do melhor ângulo para fotografia, ele tentou tanger os bois. Com gritos e indicações de braço parecia um maestro regendo a boiada. Nem hesitou em subir na garupa de uma bicicleta para tirar a foto. Do carro da Caravana do Selo UNICEF observamos, às gargalhadas, as peripécias do nosso fotógrafo. A Ararendá parece perdida no meio do sertão de Crateús. No linguajar Tupi significa pouso dos papagaios e araras, mas no entardecer vimos apenas a revoada de uns pequenos pássaros. O município é jovem, apenas 17 anos. Segundo os moradores, as festas são raras e, por isso, em busca de animação, os mais jovens caem na estrada procurando diversão nas cidades vizinhas. As crianças, no entanto, não precisam ir para longe. Nas ruas de pedra, com pouco movimento, elas encontram o local ideal para brincadeiras com bola e esconde-esconde. O rio Canabrava também atrai as crianças para uma pescaria ou um mergulho nos dias mais quentes. O local da entrega do Selo fica exatamente no centro da cidade, tão bem localizado que as pessoas chegaram aos grupos, caminhando. Como o clube abriga as eventuais festas e forrós, sua estrutura se constitui em um palco e um salão para dança. Na porta do clube, a prefeita Tânia Paiva e seus colaboradores nos aguardavam com sorrisos nos rostos e abraços apertados. Um tapete vermelho se abriu para a Caravana, assim como a multidão abriu caminho para a nossa passagem. A maioria das pessoas estava bem vestida, homens de roupa social e algumas mulheres até exibiam os vestidos de festa, cheios de brilho e fitas. Nas apresentações, Ararendá mostrou a cultura e o talento de sua gente. Os “anarriês” da quadrilha do Grupo Raízes do Sertão contagiaram o público. Enquanto as moças e rapazes do grupo dançavam, a platéia batia palmas ritmadas pela música alegre. Difícil esquecer as saias das meninas rodopiando pelo salão. Ainda ofegante por conta da dança, Diego Paixão, de 17 anos, explicou que a quadrilha é uma das maiores expressões culturais do município. Segundo o adolescente, ganhar prêmios nos concursos de quadrilha é quase uma obrigação para os participantes. >> 57 O Grupo Raízes de Arte e Cultura mostrou o talento dos adolescentes na arte cênica. Escrita por Camila Rodrigues, de 18 anos, a peça retratava a exploração sexual infanto-juvenil, numa tentativa de alertar a todos sobre o problema. A jovem escritora mostrou preocupação com os problemas que afligem a adolescência, como gravidez precoce, drogas e exploração do trabalho. Com algumas passagens cômicas, segundo a autora, para deixar a peça mais leve, o grupo prendeu a atenção da platéia. As atrações foram muitas, mas havia chegado o momento tão esperado da noite. Tati Andrade destacou as ações do município. Convidada para falar, a prefeita elogiou o trabalho de seus colaboradores e o esforço da articuladora Djanaine. Na voz embargada de Tânia, a emoção pelo Selo. Saímos do clube quando a banda de forró convidava a todos para um arrasta-pé. Deixamos a festa para o povo de Ararendá, mas levamos conosco o som animado da quadrilha. (AR) CRATEÚS O Ceará de Curumins e Curuminhas Um lugar cheio de graça >> Em 12 de dezembro de 2006, às 9h egundo a denominação dos índios Tapuios, Crateús significa lugar muito seco. De fato, o sol sempre a pino no céu azul confere à cidade um clima seco, árido. Nada que ofusque a beleza da cidade ou tire o ânimo do povo acolhedor e simpático. As árvores, muito altas nas avenidas, protegem um pouco do sol e deixam Crateús mais bela. O município já viveu muitas histórias. Entre outras, a passagem da Coluna Prestes, que ali travou combates, tendo por marco e testemunho, o chamado Cemitério dos Revoltosos, na Boa Vista. S O carro do Corpo de Bombeiros estava a postos para a carreata, com o prefeito José Almir e sua equipe em local de destaque. Andamos pelas avenidas de Crateús até o Teatro Municipal Rosa Moraes. É um prédio imponente e muito bem conservado, numa rua cheia de casarões antigos. Percebemos a valorização da cultura do município no cuidado com os prédios históricos e nos projetos voltados para a preservação da arte. As crianças e os adolescentes, cada um à sua maneira, cuidam da arte e do patrimônio cultural de sua cidade. O público foi chegando devagar da carreata. Aos poucos ocupou as cadeiras do teatro. No centro do palco, ouvindo atenta às últimas instruções de um professor, estava a menina Joana Souza, de dez anos. Não fazia nem quatro meses que ela tocava violão, mas estava ali, cheia de coragem, para sua primeira apresentação no teatro. Seu rosto sério e sereno mostrava uma menina compenetrada e dedicada à arte. O violão que empunhava era para adultos, mal cabia nos braços pequenos da menina. Ela, porém, deu um jeito para acolhê-lo no colo. Nas primeiras notas que tirou de seu violão ficou a dúvida se ela conseguiria tocar até o final. Bastou sua voz forte ecoar pelo teatro e a dúvida se dissipou. Cantou uma canção de Bruno e Marrone, sua dupla preferida. Cerca de cinco ou seis palhaços que andavam pelo teatro puxavam os aplausos e alegravam as crianças, fazendo um show particular. Tinta colorida no rosto, roupas de cores vibrantes e voz nasalada faziam os palhaços tão parecidos, que mais pareciam gêmeos. Não se reconhecia menino ou menina, salvo pelo estilo do brinco na orelha ou pelo esmalte nas mãos. De vez em quando, os palhaços mostravam novas habilidades: um era malabarista, outro equilibrista. Antônia Bezerra, de 13 anos, era um dos palhaços de múltiplos talentos. No camarim, com a ajuda da tia, ela removeu apressadamente a maquiagem do rosto, passou loção, sabonete e água. Fez tudo muito ligeiro para poder entrar em cena mais uma vez, agora como cantora. Sem a pesada maquiagem, a menina exibiu um rosto cândido, com o sorriso largo, daqueles que conquistam fácil. Cantando, Antônia emocionou. >> 59 Naquela manhã, Paulo e Fernanda estavam anônimos na platéia, mas são adolescentes bem conhecidos no município. No programa de rádio Sintonia Jovem eles deixam de lado a timidez e incorporam locutores que atraem a audiência. Ainda não sabiam da boa nota que o programa conquistou na avaliação e, por is so, vimos em primeira mão, a reação dos adolescentes com o resultado. O mais falante era Paulo, de 16 anos. Com ar de adulto, o garoto contou como os temas abordados no Sintonia Jovem ajudam a conscientizar a população de Crateús. No palco, Tati Andrade cativou a meninada. Explicou a origem do Selo e falou dos destaques do município. Foi uma aula de Selo UNICEF. O prefeito José Almir subiu animado, louco para levantar alto o troféu e deixar o nome do município estampado no carro da Caravana do Selo UNICEF. Falou da felicidade que é receber o prêmio e garantiu que na próxima edição a cidade vai conquistar mais um Selo. Em frente ao carro da Caravana José Almir era todo sorriso e tirou fotos com o troféu em uma mão e o nome Crateús na outra. (AR) TAUÁ O Ceará de Curumins e Curuminhas Vozes delicadas cantam em latim >> Em 12 de dezembro de 2006, às 16h o caminho para Tauá a equipe comentava que viajar para aquela cidade dos Inhamuns era sempre uma festa, principalmente pela mais saborosa carne de carneiro. Chegamos no inicio da tarde e comprovamos que o carneiro assado da cidade faz jus à fama. Conferimos ainda, mais tarde, a receptividade do povo na solenidade de entrega do segundo Selo UNICEF a Tauá. N O bicampeonato do município foi comemorado com uma carreata pelas ruas da cidade, com direito a fogos de artifício, anunciando nossa passagem. Talvez pelo nome curto, sem muitos floreios, um visitante de primeira viagem possa imaginar Tauá como um vilarejo perdido no meio do sertão. Mas encontramos uma cidade organizada, com ruas limpas, praças bem iluminadas e arborizadas. A imaginação nos prega muitas peças. Empolgados pela movimentação diferente, os moradores entravam em ritmo de festa e logo estavam acenando ou tomando lugar na carreata. Paramos a cidade em plena tarde de terça-feira. Em frente ao ginásio a queima de fogos continuou, desta vez anunciando o início da festa. Eufóricas, as crianças corriam de um lado para outro, sempre em busca de uma novidade ou de uma brincadeira diferente. O secretário da cultura, Radi Rocha, deixou de lado o cargo para incorporar o papel de mágico. Ele mesmo comandou as brincadeiras com a criançada. Com muito humor, controlou até mesmo os travessos. Mais parecia um maestro conduzindo a multidão. Numa conversa com Radi, descobrimos que ele era do Rio Grande do Norte. Saído de Natal há mais de trinta anos, ele encontrou em Tauá o local ideal para viver. Sob o seu comando acontecem algumas das mais famosas festas populares da região. Tinha de tudo na festa: mágico, pernas de pau e orquestra. O ginásio acabou se transformando num grande circo, nem parecia dia de semana. Cada um tinha dado um jeitinho de participar da festa do município. Os adolescentes Luiz Inari, 14 anos, e Janiele Rocha, 16 anos, estavam ali por um motivo especial. Ambos participam há três anos do programa de rádio “Tauá no Universo da Arte”, e também se sentiam premiados com o Selo. Famosos até mesmo entre os adultos que assistem ao programa, os adolescentes tinham na ponta da língua o discurso de satisfação pelo Selo. Nem era preciso falar muito, a risada solta dos dois denunciava a alegria. >> 61 Um grupo de meninas tímidas tomou posição no centro do ginásio e não tirava os olhos de uma senhora idosa cujas costas curvaram-se com o tempo. Só quando a mulher de olhar paciente começou a fazer movimentos com as mãos, num balé aéreo, percebeu-se que era a regente do grupo. As vozes delicadas das meninas entoaram as ladainhas que embalam as novenas da cidade há 294 anos. O Coral Sedes Sapientiae tinha percorrido uma boa quantidade de quilômetros do distrito de Marrecas até Tauá, especialmente para cantar na festa do Selo. A regente Maria Albetisa contou que chamou algumas meninas do vilarejo para manter a tradição de seus antepassados. Com orgulho, frisou que comanda o único coral em latim da região. Uma das adolescentes, Adriana Caracas, disse ter tomado gosto por aqueles cantos tão diferentes dos que costumava ouvir. A prefeita Patrícia Costa recebeu das mãos de Tati Andrade o troféu do Selo UNICEF e contou as conquistas e desafios do projeto do UNICEF para o Semi-Árido. Segundo Patrícia, mudar a qualidade de vida das crianças e adolescentes é um trabalho silencioso e lento, mas que renderá muitos frutos no futuro. Deixamos o ginásio com as estrelas apontando no céu e um vento fresco batendo no rosto. (AR) ARNEIROZ O Ceará de Curumins e Curuminhas A ciranda tomou conta >> Em 13 de dezembro de 2006, às 9h ma faixa com os dizeres: “Caravana do Selo seja bem vinda”, foi nossa primeira recepção em Arneiroz, logo na entrada da cidade. A festa pelo primeiro Selo do município prometia muita animação naquela manhã. Quando chegamos ao centro de Arneiroz, o comércio abria devagar as portas e os feirantes arrumavam lentamente suas mercadorias no interior das barracas. Pudemos parar numa praça e observar as pessoas andando pelas ruas de pedra. O sol ainda não tinha dado as caras e o tempo nublado dava um tom nostálgico à paisagem. U Essa impressão logo se dissipou assim que começou o buzinaço da carreata. O barulho dos carros, motos e fogos despertou os sonolentos. Alguns subiram na garupa das motos, outros ficaram espiando na janela. Seguimos até o ginásio de uma escola que fica no alto de uma ladeira, de onde se pode admirar os morros verdes que cercam Arneiroz. Decorado por bandeiras coloridas que lembravam cordéis, o ginásio estava lotado de crianças. Muitas, ainda no colo das mães, chacoalhavam bandeirinhas. O espaço da frente estava reservado às crianças um pouco maiores, que ocupavam cadeiras pequenas, apropriadas aos seus tamanhos. O Hino Municipal, executado pela banda de música, deu o pontapé inicial à solenidade. Apesar da pouca idade, as crianças conheciam muito bem o hino e cantaram juntas. Uma mão pequenina balançando uma bandeirinha, enquanto a outra se punha sobre o coração. Escutamos alguns gritos de “Viva Arneiroz”, após o hino. Nas apresentações artísticas, os pequeninos mostraram surpreendente talento. Com a ajuda de uma professora, elas apresentaram um número, tendo por tema: “Oito Jeitos de Mudar o Mundo”, que incentivava a cuidar melhor do planeta. Durante nossa viagem pelo Ceará encontramos muitos adolescentes engajados em projetos culturais. Em Arneiroz não foi diferente. Conhecemos o Grupo “Arte Jucá”, que reúne adolescentes e jovens em torno das mais diferentes manifestações artísticas: da dança, ao teatro, poesia e música. Lá, há espaço para tudo. Na sua participação, o grupo arrancou risadas da platéia, fazendo a paródia musical do grupo Calypso. A cantora Mazé Cavalcanti também mostrou todo seu talento. Dona de uma voz grave e marcante, comoveu o público com canções românticas. Compositora que é, escreveu uma música especialmente para a ocasião: “Criança e adolescente/Esse é nosso refrão/Lutar por seus direitos/É nossa missão/Parabéns ao prefeito/E ao povão”. Mais uma canção para compor a trilha sonora da Caravana. >> 63 O prefeito José Ney recebeu o troféu, já pensando nas próximas edições do Selo. Para ele, a sensação de conquistar o primeiro foi tão boa que quer repetir a dose. Em frente ao carro da Caravana do Selo UNICEF ganhou os parabéns de algumas crianças e adultos. Era difícil deixar de notar a emoção nos olhos marejados de José Ney. Após a entrega do troféu, o mestre de cerimônias chamou toda a equipe da Caravana para uma homenagem. Quando pensamos que a festa tinha acabado, mais surpresa. Uma ciranda se abriu no centro da quadra, primeiro com meia dúzia de pessoas, que giraram de um lado para outro, ao som de uma gravação de Lia de Itamaracá. Uma a uma, as pessoas foram se chegando, até que o espaço pareceu pequeno demais e formou-se outra ciranda. Cada uma girava para um lado, numa brincadeira que arrancou sorrisos. Ana Márcia Diógenes, Luciana Bayer e Salete Targino caíram na roda e se deixaram levar pela dança. Foi difícil ir embora e ganhar a estrada novamente. (AR) CAMPOS SALES O Ceará de Curumins e Curuminhas Boneca de carne e osso >> Em 13 de dezembro de 2006, às 15h uitos moradores mais antigos ainda chamam Campos Sales de Várzea das Vacas, seu nome original. Isto porque ali sempre foi terra de fazendas de criação. Hoje, a zona urbana do município é bem desenvolvida, com um comércio movimentado, fato que ficou evidente durante a carreata que nos recebeu. Mais uma vez, um ginásio abrigou a entrega do Selo UNICEF. Em Campos Sales, transformaram o local numa grande arena de festa pelo bicampeonato no Selo. Tinha orquestra de música, cabine de rádio e até show musical. Uma tenda no canto do ginásio se transformou na filial da rádio Espaço Jovem Vez e Voz. Diante do público, os adolescentes fizeram um programa de rádio ao vivo, no papel de cerimonialistas da festa. No estúdio improvisado tanto deram entrevistas, como entrevistaram. Sanchaine Andrade, de 18 anos, se dividiu entre a apresentação de xaxado e a condução da rádio. Corria de um lado para outro, tentando dar conta dos dois. No fim das contas, deu por cumprida a missão. M O pequeno Damião Fialho pediu para cantar, fez o pedido ao prefeito, lançou desafios, dizia que cantava como ninguém e que já tinha cantado em toda região, até mesmo em Juazeiro do Norte. Apesar da pouca idade, oito anos, o menino era despachado, como dizem no interior. Damião não se deixou intimidar pela quantidade de gente e se pôs a cantar. Pequeno e franzino tinha uma voz de adulto. Depois de sua apresentação, o garoto tornou-se o centro das atenções. Foi difícil conseguir a entrevista, mas com respostas rápidas e curtas, ele disse que gosta de Aviões do Forró, ganhou prêmios e adora sair pelo mundo cantando. Olhar para Damião é ver um pequeno grande notável. Nos bastidores, uma caixa de madeira chamava a atenção. Vestida de bailarina, uma menina jogou o corpo dentro da caixa, foi dobrando as pernas até que seu corpo todo estivesse bem acomodado, como se isso fosse possível naquela caixa pequena. Por fim fechou os olhos, bem lentamente, como fazem aquelas bonecas de plástico. Vez por outra, os abria de forma melindrosa, para conferir se tinha chegado o momento de se apresentar. Quando os primeiros acordes da música foram ouvidos, um adolescente vestido de palhaço arrastou até o meio do ginásio a caixa de madeira. Foi puxando as pernas, depois os braços, até que, de uma vez só, puxou para junto de si o corpo da bailarina. Durante a apresentação, a menina-boneca rolava no chão, saltitava, rodopiava, sempre sob os olhares atentos do público. Aos últimos acordes da música, a bailarina foi perdendo a força, até se transformar em boneca e voltar para dentro da caixa. >> 65 Em Campos Sales os moradores parecem ter, na sua maioria, alguma veia artística. Meninos e meninas da Associação Comunitária do Guarani entraram em cena vestidos de cangaceiros, com roupas pesadas, chapéus e sandálias de couro. À frente do grupo ficou uma menina de olhos tímidos. Era Bruna, de doze anos. Abriu a maleta e tirou uma flauta doce. Nela, soprou os primeiros acordes de “Asa Branca”. Em seguida, as outras crianças e adolescentes do projeto continuaram. Algumas fechavam os olhos como que para sentir melhor a música. Orgulhoso, o regente Alex Bezerra acompanhava as canções com o violão. Tocam das músicas clássicas ao xaxado, disse depois da apresentação. O prefeito Paulo Ney não tirava os olhos do troféu. Já com ele em mãos, disse estar recebendo um certificado de reconhecimento pelo seu trabalho, melhor prêmio que um gestor poderia receber. Nos últimos anos, viu a união de organizações governamentais e não governamentais em prol da criança e do adolescente e, naquela tarde quente de dezembro, recebia a recompensa pelo trabalho. (AR) jucás O Ceará de Curumins e Curuminhas Pra tudo terminar em forró >> Em 13 de dezembro de 2006, às 20h inda em Campos Sales, encontramos o articulador de Jucás, José Helder. Foi nos buscar no município vizinho para ter a certeza de que não nos perderíamos no caminho. E foi um longo caminho. A estrada até o município tetracampeão do Selo é cheia de curvas, num sobe e desce que lembra uma montanha russa, mas que no fim da tarde ganha um cenário bonito. Antes mesmo da entrega do Selo, fomos recebidos com festa, pelo acolhedor José Helder e pelo prefeito Gabriel Facundo. A Andando pelas ruas de Jucás, vimos de perto a preparação da festa na praça do centro da cidade. Acertavam os últimos detalhes, passagem de som no palco e checagem da iluminação da praça. A cidade tem fama de saber fazer uma boa festa. Durante dez dias ela pára em torno da festa da padroeira Nossa Senhora do Carmo, atrai pessoas dos municípios vizinhos e, segundo contam os moradores, até estrangeiros. Com tanta fama de festeira, dela só podíamos esperar boa coisa. Articulador desde sua primeira edição, José Helder vestia, literalmente, a camisa do Selo. Em seu carro, estavam estampados os adesivos das edições anteriores. “Agora falta a casa amarela” disse ele. Com esta mesma empolgação vimos o prefeito Gabriel contar a satisfação em ser tetracampeão no Selo. O mais jovem prefeito do Ceará não cansava de repetir que Jucás estava entre os poucos municípios cearenses a receber o Selo em todas as edições. Ele disse que já pensava nos desafios da próxima edição do Selo. As crianças e adolescentes do município tomaram conta do palco. Primeiro as bailarinas, depois um coral de meninas de vozes muito agudas. Graciosas, as bailarinas em movimentos suaves dançaram ao som de músicas muito delicadas. As mães de algumas assistiam da platéia com um sorriso largo no rosto, cheias de orgulho. O coral cantando “Quero ter um milhão de amigos” também emocionou. Teíza Matias, de quinze anos, está no Coral há cinco e já tem todas as músicas decoradas. Nem precisou espiar no livro de cantos. Acostumada a se apresentar em público, Vanessa Cristina, de 15 anos, só falava na alegria que era cantar na festa do tetra. Enquanto cantava, seu corpo balançava timidamente de um lado para outro ao som da música, assim como seus olhos vivos. Ao som do “Tema da Vitória”, aquele tocado nas manhãs de domingo sempre que Ayrton Senna ganhava uma corrida, o Prefeito deixou o palco em direção ao carro da Caravana do Selo UNICEF. Abraçado pela multidão, quase não conseguiu chegar ao seu destino. Deixou estampado o nome do município tetracampeão e, ainda com o “Tema da Vitória”, em alto e bom som, estourou uma garrafa de champanhe. Foi chuva de champanhe no público e no carro. Seu Ferreira, o motorista, levou as mãos à cabeça, olhos que não queriam acreditar no que estava acontecendo. Depois, confessou que estava pensando no trabalho que seria lavar o carro. Era quase fim de festa, o champanhe tinha sido estourado e uma grande cortina vermelha escondia o palco. Ao ser entrevistado, Alan Carlos, um adolescente de quinze anos, demonstrava certa impaciência. O rapaz olhava de um lado para outro, parecia louco para ir embora, mas ainda teve calma para falar sobre o programa de rádio do qual participava. Contou que o programa levava muito mais que música aos ouvintes. Segundo ele, transmitia cidadania, educação e informação. O sorriso no rosto de Alan só apareceu quando foi avisado que a entrevista tinha acabado. Perguntado sobre o porquê de tanta pressa, ele respondeu: “Vou para casa trocar de roupa para vir pro forró”. Pelo visto a festa estava apenas começando. (AR) >> 67 RUSSAS O Ceará de Curumins e Curuminhas Como programa de auditório >> Em 13 de dezembro de 2006, às 18h erra de muita cultura, a vocação de Russas parece ser a do teatro e do repente. Tanto que lá existem a Praça José Carlos Matos, teatrólogo russano que fez história no Brasil, e um sem número de grupos cênicos, como o Oficarte, o Arco Íris, o Novo Reflexo, a Cia. de Mamulengo e o Flor do Mamulengo. No repente, basta citar a dupla de emboladores Beija-Flor e Vem Vem, famosa no Estado, e o cantador José Rodrigues da Silva. Mas sobra lugar, também, para os Bois, pois é de lá o Boi Pai do Campo, do Mestre Ozano, um dos mais antigos do Ceará, que está sendo recuperado para as crianças, por Osmarina Leite dos Santos. Como é de lá o Boi Russano, da comunidade de João de Deus, liderado pelo artista múltiplo, José de Arimatéia Araújo, o Beija Flor. T Existem ainda poetas muitos e não poderia ser diferente, porque em Russas nasceu Francisco Carvalho, o maior poeta vivo do Estado. E escultores em madeira, como o mestre santeiro Zé Régis. A mais notável expressão cultural de Russas na atualidade, porém, talvez seja a orquestra Som das Carnaubeiras, formada por crianças. Sediada no Distrito de Flores, a orquestra foi criada por Talvanes Moura e Andréa Menezes. Toca um repertório finíssimo e tem uma afinação primorosa. Seu bom gosto se estende até aos trajes, inspirados nos Bois tradicionais da região. Por isto, chegamos à Russas cheios de expectativas. O Prefeito e a Primeira Dama foram nos recepcionar no hotel. Na praça, o palco estava armado de lado da Matriz e a festa havia começado. O Grupo Timbaleira comandava uma “swingada de domingo”, como dizem por lá. A performance vocal do locutor, chamando a galera de cada colégio, recordava os programas de auditório das rádios antigas ou, como alguém lembrou, o Domingão do Faustão. Na platéia, as crianças agitavam bandeirinhas enquanto, no palco, um coral delas cantava o Hino de Russas. A valorização do hino municipal foi observada em quase todos os municípios do Ceará. Depois da encenação de um diálogo, uma menina mostrou no telão os feitos da Prefeitura, numa linguagem técnica e de números. Contou que entre os registros do Mapeamento Cultural, foi feito o do Boi Russano Infantil. Ela falava enquanto o Boi entrava para fazer uma demonstração. Na repartição do bicho, a parte do peito ficou para o Prefeito. Depois, um grupo de meninas apresentou o maracatu contemporâneo, Catu Macã. Até que chegou a hora dos discursos e o locutor chamou a Secretária de Educação Lindalva Pereira Carmo. Ela começou dizendo que as verdadeiras autoridades, naquele dia, eram as crianças e adolescentes. Disse que o Selo significa: “Vocês estão no rumo certo, continuem. A vitória é de todos nós. Vestimos a camisa das crianças e dos adolescentes e fizemos um gol”. Afirmou que a criança só será o futuro se for o presente. Citou Gabriela Mistral, dizendo que “nós somos culpados de muitos erros e de muitas faltas, mas nosso principal crime é abandonar as crianças, negligenciando a fonte da vida”. A solenidade de entrega do Selo foi conduzida com habilidade e empolgação. O Prefeito Mirim, Jorge Luís, um garoto de uns onze anos, disse, muito sério, que o que mais lhe preocupava na condução do município era a saúde, “porque era uma área delicada”. O locutor apresentou triunfalmente o Prefeito. “Com vocês o nosso Prefeito, Raimundinho!” Palmas e foguetório. O Prefeito fez silêncio, o rosto no telão. O “Tema da Vitória”, de Ayrton Senna, subiu de volume. O Prefeito falou pausadamente. Agradeceu a Deus e ao povo russano, “que contribuíram para a conquista do Selo”. E disse: “Todos devem colaborar para que eu resolva os problemas da cidade”. Ressaltou a chegada do Tiro de Guerra e de seu comandante Sargento Moura. Chamou ao palco Dezim Bandeira, um poeta da cidade, nascido em Timbaúba e fez questão de tirar fotos com ele. (OB) >> 69 PALHANO O Ceará de Curumins e Curuminhas Parecido com aula espetáculo >> Em 14 de dezembro de 2006, às 10h m Palhano, a festa de entrega do Selo foi uma aula-espetáculo de criatividade e delicadeza. Talvez porque lá seja terra de artesãs de linha e palha, gente de mãos sensíveis e rápidas: labirinteiras, bordadeiras de mão e crochê, rendeiras, tapeceiras e trançadeiras de palha de carnaúba ou de milho. No município há também vaquejadas, curandeiras e cruzeiros muitos, revelando um certo pendor para a valentia e para a religiosidade, mas até aí o povo de lá mostra uma tendência para o lúdico e para a festa. Não bastasse se brincar o carnaval de noite na avenida, se brinca também de dia, nos rios e açudes. E na festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição, os roceiros aproveitam para fazer uma experiência: se a bandeira da santa, no momento do hasteamento, ficar dobrada no mastro, não há inverno, mas se ao contrário, ficar aberta ao vento, haverá bom inverno. E A cidade é bem bonita, cheia de casarões antigos e fachadas bem desenhadas. Mulheres passeiam de sombrinha pelas ruas. Chegamos ao local da festa e fomos recebidos com uma roda de capoeira infantil. Estávamos no Centro Multifuncional de Feiras e Eventos, que parecia um colégio. Entramos no auditório onde se daria a solenidade, e Jesus já estava lá, inocente de tudo, dormindo no colo da mãe. Na platéia, havia crianças espalhadas por todo canto: grupos de flauta, quadrilhas, dançarinos de forró, carnaval, banda de música, uma fada e um Papai Noel inflável. Os apresentadores, muito desinibidos, eram crianças ligadas a projetos de teatro e comunicação. As autoridades chamadas não couberam no palco e se espalharam pela platéia. Foram cantados os hinos do Brasil e do Ceará (que belo hino!). Um coral de crianças subiu ao palco e entoou, lindamente, o Hino de Palhano. Com o auxílio de uma fada e sua varinha mágica, os apresentadores regeram a aula, chamando os grupos de crianças um a um: banda de música tocando Cisne Branco, forró, quadrilha, carnaval. No meio de todo este barulho, impassível, Jesus dormia em sua lapinha de papelão pintado. A Prefeita Mirim, a Lisete, foi chamada para discursar. Falaram também a articuladora do Selo UNICEF no município e a Primeira Dama. Jesus, recém-nascido, dormindo, estava ali. A Primeira-Dama destacou a condição de professor do Prefeito. Lembrou que Lucas, o recém-nascido, que fazia as vezes de Jesus na Lapinha Viva, ao lado do palco, nascera no dia 8 de Novembro. Ela chamou a fada Carolina que, num passe de mágica, faz aparecer o troféu. Tocaram o “Tema da Vitória” e o troféu saiu passeando. Todos gritaram: “Palhano!” O troféu foi mostrado a todos. Ele tem a forma de uma casinha de madeira verde, amarela, azul e branca, com três crianças na janela, O troféu retornou e a Prefeita Mirim o passou às mãos do Prefeito Francisco Lucilane. Ele, que estava meio ansioso, tanto que adiou a entrevista à nossa repórter, se entusiasmou. Mesmo assim, ainda relutou em falar. Pediu ajuda à PrimeiraDama e, com ela, saiu levando o troféu, no meio do povo. Jesus continuava dormindo. Rui Aguiar perguntou pelo significado do troféu e alguém disse: “Toda criança tem direito a um lar”. Jesus dormia e sonhava. No discurso do Oficial do UNICEF foi lembrado à mãe de Jesus, Osaneide, que fazia Nossa Senhora, as obrigações em amamentar e vacinar. São José se chamava Iuri e era bem mais novo que ela. Jesus abriu os olhos. Rui propôs Lucas como criança símbolo do Selo e que, “da próxima vez, ele carregue o troféu”. Crianças mostraram pequenos cartazes que diziam: “Bom dia! Sorria”, “Que Alegria, Sua Presença!”, “Você Faz Parte Desta Vitória!” O Prefeito destacou a importância de Stela Naspolini, já falecida, e que integrava a equipe do Selo UNICEF quando este foi criado. Terminou, dizendo: “O Selo UNICEF para nós vai ter a mesma força que o brasão do município, e o colocaremos em nosso peito”. Ouvindo aquilo, um antigo morador do lugar, Raimundo Veinho, chorou. (OB) >> 71 HORIZONTE O Ceará de Curumins e Curuminhas Aniversário de criança >> Em 14 de dezembro de 2006, às 16h onta-se, na comunidade de Catolé, que certo fazendeiro do lugar apaixonou-se por uma de suas escravas, de nome Joaquina. Sabedora daquilo, a esposa do fazendeiro pagou um de seus empregados para punir a escrava. Joaquina foi amarrada ao rabo de um cavalo e arrastada até morrer. Daí ficou conhecida como Joaquina Arrastada. Por ter sofrido muito e injustamente, virou santa. Os moradores de Catolé passaram a ir, todas as segundas-feiras, ao lugar onde ela morrera, e rezar um terço. Ali, levantaram um marco onde as pessoas depositam suas promessas. Muitas são atendidas. C Esta foi uma das muitas manifestações registradas pelas crianças e adolescentes que fizeram o Mapeamento Cultural do município, e que deram a Horizonte o prêmio de melhor Mapeamento Cultural do seu grupo, além do quarto Selo UNICEF seguido. O Mapeamento indicou que Horizonte é terra de parteiras, curandeiros e curandeiras, além de espaço de tolerância étnica, que abriga comunidades quilombolas e diversos terreiros de religiões afro-brasileiras. Tanto são prestigiados os grupos tradicionais, como os Bois Chicozão de Timbaúba e Dourado, quanto a Cia. de Dança de Horizonte e do Grupo de Teatro Arte Brasil. Apareceram, também, brincadeiras como a do “elástico”, em Alto Alegre, na qual as crianças saltam cantando: “Um homem bateu em minha porta e eu abri/Senhores e senhoras ponham a mão no chão/Senhores e senhoras pulem num pé só/Senhores e senhoras dêem uma rodadinha e vão pro olho da rua”. Ou a do Caí no Poço, de Canavieira dos Pinheiros, na qual um dos brincantes sai da roda dizendo: “Caí no poço”. No que os outros perguntam: “Água aonde?” E ao responder: “No pescoço”, foi indicado para beijar uma menina. Na praça principal da cidade, o cenário estava armado para uma festa de criança, aniversário, parque de diversões, um domingo no parque, talvez, pela presença do pula-pula inflável e da banda de música. Vânia Dutra, a Primeira-Dama, chegou vestida de Mamãe Noel e mostrou um helicóptero que sobrevoava a praça. Vontade ela teve de estar lá, com o Papai Noel, mas não deixaram. A criançada gritava enlouquecida, acenando para o bom velhinho, que botou a cabeça na porta do helicóptero. Uma banda tocou dobrados e depois, no palco, um coral de crianças com gorro de Papai Noel entoou canções natalinas, no alfabeto dos surdos-mudos. Os números artísticos se sucederam. O Grupo de Teatro Horizontal interpretou o poema Diálogo ao Telefone, de Carlos Drummond de Andrade. Apresentou-se o Balé da Academia de Artes Vânia Dutra com o Coral Olho D`Água, interpretando “Canção do Anel”. Entre um e outro número, aparecia o Palhaço Tripinha. De vez em quando o locutor dava o aviso de um menino perdido. Com o gorro do Papai Noel, as autoridades subiram no palco e cantaram o Hino do Município, junto com as crianças. O locutor anunciou que o Papai Noel já estava em terra e as crianças ficaram ouriçadas. Vânia Dutra falou ao microfone, dizendo que o Selo é mérito de toda a população. Patrício Fuentes, por sua vez, afirmou que Horizonte é um prato fundo de cultura. Em seguida, elogiou sua própria equipe e fez votos de que Horizonte seja pentacampeão do Selo UNICEF. Papai Noel chegou, trazendo o Troféu do Selo UNICEF, feito um presente, em seu saco. Choveu papel prateado, do palco, sobre a multidão. Enfim, falou o Prefeito Chico César. Agradeceu a todos e fez um discurso explicativo. Citou a taxa de mortalidade infantil, que em Horizonte é de 10 por mil crianças; em São Paulo é de 12 e em todo o Ceará, de 20. Para terminar, Vânia deu novos avisos de crianças perdidas e de avós procurando netos, feito numa “radiadora” de quesmesse. Terminada a solenidade, a criançada foi para a brincolândia falar com Papai Noel e os adultos ficaram na praça, assistindo um show de David Duarte. (OB) >> 73 VÁRZEA ALEGRE O Ceará de Curumins e Curuminhas Caminhada circense >> Em 14 de dezembro de 2006, às 10h árzea Alegre é um dos poucos municípios cearenses que possui o mesmo nome desde sua fundação. Com nome tão inspirador, ninguém se atreveu a propor mudança. As estórias engraçadas e inusitadas que surgiram em Várzea Alegre renderam o título curioso de terra dos contrastes. Foram causos como o do cego da Boa Vista que morreu afogado na Lagoa Seca ou da luz elétrica que só funcionava durante o dia, que trouxeram essa fama. Zé Felipe, caminhoneiro que percorreu os locais mais longínquos do Nordeste, contribuiu para propagar a fama da cidade por onde passava. E ela foi tão longe que rendeu até mesmo uma reportagem internacional. V Nossa passagem por Várzea Alegre não poderia, então, deixar de apresentar um contraste. Apesar da distância do inverno o dia estava nublado, mas nada que ofuscasse a comemoração pela conquista do primeiro Selo UNICEF do município. A alegria estava presente não apenas no nome da cidade, mas no rosto amistoso dos moradores. Paramos em frente à Prefeitura, um prédio histórico de janelas grandes, onde Pedro Roque, articulador do município, nos recebeu. Os festejos na cidade começaram com uma grande passeata pelas ruas. Pernas-de-pau e palhaços repentistas davam à passeata ares circenses. Apesar do caminho relativamente longo, as crianças mostraram fôlego e não pararam de cantar e dançar. As gêmeas Rafaelle e Danielle, de apenas sete anos, estavam entre as mais animadas. Com vestidos coloridos e rodados, as meninas não deixaram de pular um minuto sequer. O entusiasmo da criançada contagiou até adultos mais contidos e tímidos. Convidada para subir no trio elétrico improvisado, Salete Targino não pensou duas vezes. Em cima do carro ergueu o troféu e animou o grito de comemoração: “Selo UNICEF”. Sob o comando dos palhaços repentistas, os participantes da passeata cantavam: “Dá um orgulho danado ser várzea-alegrense” e “só ganha Selo UNICEF quem dá um passo à frente”. O trânsito e o comércio pararam para ver não apenas a banda, mas a Caravana passar. Fogos de artifício anunciaram nossa chegada no clube. A solenidade tinha o radialista mirim, Ítalo Feitosa, como um dos cerimonialistas. Quando acompanhou a equipe do UNICEF para o anúncio dos vencedores, em Brasília, o garoto de 14 anos soube em primeira mão que o município havia conquistado o Selo. No salão do clube, a platéia ficou no meio, as autoridades ficaram de um lado e o palco na direção oposta. As atenções ainda estavam voltadas para a mesa das autoridades, quando escutamos uns estrondos compassados. Era o grupo de reisado que tinha acabado de subir ao palco e pisava firme no chão. Usava roupas negras, botas pesadas e máscaras. A música tinha percussão firme, mas os movimentos ordenados deram uma delicadeza à apresentação. No camarim é que se podia ver que no grupo só havia mulheres. A exceção estava no pequeno Daniel, de 4 anos, o bendito fruto entre elas. Francisca Alencar contou que o grupo era apenas uma das várias manifestações culturais do Sítio Roçado de Dentro. O ponto alto da solenidade foi a entrega do troféu e do certificado. Depois de ensaiar por algumas vezes o texto, Aline Vieira, de onze anos, leu para todos o que estava escrito no certificado. Em seguida, o salão silenciou. O prefeito José Helder ia começar a falar e todos pareciam aguardar seu discurso. A platéia escutou palavra por palavra do discurso do Prefeito, que viu no Selo um desafio a ser enfrentado com afinco e determinação. O silêncio se desfazia em aplausos a cada agradecimento aos secretários, a cada pausa no discurso emocionado. As salvas de palmas eram intensas e entusiasmadas. Na expressão de cada um se via a convicção e a certeza de que a cidade mereceu o Selo. (AR) >> 75 PORTEIRAS O Ceará de Curumins e Curuminhas Iluminada pelo natal >> Em 14 de dezembro de 2006, às 19h or muito tempo Porteiras se resumia a um grande roçado, tendo como demarcador de terras, duas porteiras, a de dentro e a de fora. Daí a origem deste nome tão incomum. Pensando nesta referência rural é possível imaginar uma cidade pequena, quase uma fazenda de largas porteiras se abrindo para seus visitantes. Mas o que se encontra é uma cidade com avenidas largas e bem desenvolvida. P Logo na entrada, vimos Lúcia acenar freneticamente. A camiseta, com os três mamulengos do Selo, serviu para identificar que ela estava ali para nos recepcionar. Alegria na voz apressada e sorriso para todos. Era noite, mas Porteiras tinha um clarão que não vimos em nenhuma outra cidade. Postes, árvores e todos os pontos altos ostentavam uma decoração natalina. Sinos, botas, bengalas e tantos outros objetos que lembram o Natal estavam espalhados pela cidade. Iluminando não apenas Porteiras, mas o coração de quem tinha esquecido que o Natal estava próximo. Da janela do carro, observamos, boquiabertos, a decoração feita com tanto cuidado e esmero. O município não podia ter nos recebido em hora mais apropriada. Certamente a festa não teria tanta magia se fosse durante o dia. Andamos pela cidade com a sensação de que tínhamos visto tudo, de que não poderia haver mais surpresas. Estávamos enganados. Os festejos pelo tricampeonato começaram com uma pequena caminhada. A distância era curta, mas cheia de encantos. Numa pequena praça, vimos um enorme boneco de neve, centro das atenções no jardim florido e bem cuidado. Ali tiramos fotos. Por instantes, voltando a ser criança, cada um fazia pose com o boneco gigante. Para chegarmos à praça Luis Caldas Santos não demorou muito. No local, pessoas de todas as idades encontravam diversão. Os mais jovens aproveitavam para namorar sob o olhar vigilante dos mais velhos. As crianças se revezavam para tirar fotos no trenó do Papai Noel. Preocupado com a grama, o jardineiro controlava a entrada da criançada. Parecia até fila em parque de diversões pelo brinquedo mais emocionante. A agitação dos festejos estava concentrada numa das quadras poliesportivas. Tinha um pequeno palco montado e o locutor prometia às crianças presentes de Natal. Ferreira, nosso motorista, conseguiu abrir caminho entre a multidão e colocar o carro da Caravana do Selo UNICEF bem no centro da quadra, recebendo toda atenção possível. Foi para ver aquele carro colorido que Jaiane Souza, de cinco anos, pediu para subir nas costas do pai. Pediu com um jeito tão gracioso que José Cipriano não negou o pedido. Do alto, a menina apontava as atrações e acenava para o irmão. Soltava umas gargalhadas tão gostosas que não tinha como não rir junto. Dividindo o palanque com as autoridades locais, Ana Márcia Diógenes elogiou o desempenho do município no Selo. O público aplaudia, entusiasmado pela vitória. Telma, a articuladora do município, falou dos direitos da infância e adolescência. Mostrou que cuidar dos mais jovens assegura o futuro da população. Fábio Pinheiro, prefeito de Porteiras, parecia não gostar de falar muito, culpa da timidez, mas como disse um dos moradores, ele é homem de fazer e não de falar. Estava bastante satisfeito com o tricampeonato, conseqüência de uma política pública voltada para a criança e o adolescente. Os adolescentes do Mapeamento Cultural assistiram atentos às apresentações de flauta e karatê. Viviane, uma garota de 13 anos, contou o que mais tinha aprendido ao longo do Mapeamento: os sabores e as histórias de Porteiras. O mais falante era Thiago, de 16 anos, cujo sotaque destoava dos outros adolescentes. Ainda mantinha aquele modo de falar, quase cantando, dos paulistas. Como foi parar na região do Cariri? Os pais do garoto deixaram a selva de pedra em busca de mais qualidade de vida. Encontraram? “Moro numa cidade reconhecida três vezes pelo Selo UNICEF”, foi a resposta. (AR) >> 77 DEPUTADO IRAPUAN PINHEIRO O Ceará de Curumins e Curuminhas Agitação no centro da cidade >> Em 15 de dezembro de 2006, às 15h estrada que percorremos para chegar até Deputado Irapuan Pinheiro parece ter apenas a cidade como destino. A cada curva fomos apresentados a um cenário bucólico, com as cores muito vivas do interior cearense. Não havia grandes propriedades rurais, apenas pequenos pedaços de chão no qual famílias inteiras depositam suas energias e sonhos. As propriedades quase sempre se resumiam a uma solitária casa de taipa e a alguns jumentos tentando encontrar alimento nas pastagens secas. A Paramos pela estrada, ora à cata de informações, ora para as fotos de Evilázio Bezerra. Depois de alguns dias de andança pelo Ceará, éramos conhecidos antes mesmo de chegar às cidades. Em Irapuan Pinheiro não foi preciso explicações, o carro amarelo era nosso cartão de visitas. Já sabiam de cor a direção que deveríamos tomar para encontrar os festejos do município. Eram tão gentis que, além do sorriso, abriam suas casas, servindo água gelada para aliviar o calor. rádio, um grupo de meninas dançou, inspirado nos versos da canção “Depende de Nós”. Wellio, Marcelo e Cheiliane nada tinham em comum, não participaram do Mapeamento Cultural, programa de rádio ou qualquer outra atividade. Estavam ali apenas para festejar Irapuan Pinheiro, uma vez que, segundo os adolescentes, a cidade estava em polvorosa desde o anúncio dos vencedores do Selo. Eles partilhavam a expectativa de que a premiação iria ajudar as crianças e adolescentes do município ainda mais. A preocupação com o futuro dos mais jovens, naqueles adolescentes, mostrava, de certa forma, uma ansiedade com o próprio futuro. >> 79 No centro da cidade tinha, como se diz no interior, uma agitação. Era criança fazendo barulho com apitos, palhaços, pernas de pau e até queima de fogos esperando a chegada da Caravana. Fora do carro sentíamos aquele calor do sertão, mas também a acolhida do povo de Irapuan Pinheiro. Eram abraços e apertos de mão fortes de um lado, olhares ternos e sorrisos alegres que dispensavam palavras, por outro. Não foi preciso ouvir muito para sabermos que éramos bem vindos. O sol ainda estava a pino, o que desencorajava qualquer caminhada mais longa. Porém, não foi preciso andar muito para chegar ao Centro Social Urbano, local dos festejos. Como em outras cidades, Ana Márcia Diógenes perguntou o significado do número 227, inscrito no troféu. Fez-se silêncio, um olhava para o rosto do outro tentando encontrar resposta. Falando baixo, quase para si mesmo, o Prefeito Claudenilton disse se tratar de um artigo da Constituição. Os ouvidos atentos de Ana Márcia escutaram a resposta, mas ela queria ouvir em alto e bom som. Ainda hesitante, com medo de errar, Claudenilton repetiu sua resposta. A pergunta já tinha sido feita, repetidamente, ao longo da Caravana, mas aquela era a primeira vez que obtivemos resposta do próprio prefeito. Logo o Centro Social ficou lotado. É um espaço aberto, mas fica do lado do sol e a platéia sentia o calor do sertão queimar-lhe as costas. Isso não espantou as pessoas da festa. Sentados em frente ao palco, os pequeninos se esbaldavam com a pipoca que era distribuída. Tinham visão privilegiada do que acontecia no palco. Enquanto alguns adolescentes faziam entrevistas para um programa de No discurso, o Prefeito disse que muitos perguntavam se haveria premiação em dinheiro. Para Claudenilton, o maior prêmio era saber que fazia a política certa para as crianças e adolescentes do município. A partir de então, não olharia as placas de outros municípios aprovados com uma pontinha de inveja. Já tinha a sua, logo na entrada da cidade, ao alcance da vista de todos. (AR) QUIXERAMOBIM O Ceará de Curumins e Curuminhas Forró na praça >> Em 15 de dezembro de 2006, às 19h m é pouco, dois é bom, três é ótimo ser tricampeão na conquista da cidadania de crianças e adolescentes”, dizia uma faixa em frente à praça onde aconteceriam os festejos por mais um Selo UNICEF, para Quixeramobim. Se sexta-feira já é dia de festa, Quixeramobim caprichou naquela noite estrelada. Paramos embaixo do arco de balões coloridos montado na praça. Ao descermos do carro da Caravana, fomos recebidos por bonecos gigantes, como os do carnaval de Olinda, que com suas mãos gigantes fizeram cafuné, apertaram as nossas e dançaram axé. “U A festa tinha começado logo cedo. As pessoas foram chegando à praça, ficando, e quando perceberam, a festa já estava rolando. A cidade estava acostumada a grandes eventos, pois recebera o Festival Internacional de Trovadores e Repentistas. Agora, tinha pressa por mais um. Não era difícil encontrar algo para se divertir na praça. As crianças tinham à disposição todo tipo de passatempo. Do lápis e papel para os desenhos aos brinquedos do parque de diversões, cheios de cores e vida. Já os adolescentes andavam em grupos, observando o que acontecia, dançando diante das caixas de som ou assistindo as atrações do palco. Difícil era ficar parado. Camisa listradas, estilo marinheiro e jeito extrovertido. Esta é a imagem que guardamos de José Álvaro, um menino de nove anos. Metido a artista, como ele mesmo disse, resolveu montar uma banda. Como o dinheiro era curto, transformou latas de tinta, correntes de bicicleta e até tampa de panela em instrumentos musicais. Formou a banda Carimbar e passou a se apresentar no comércio da mãe, cobrando cinqüenta centavos o ingresso. A fama correu longe e naquela noite a banda fez sua primeira apresentação para um grande público, todos em suas camisas de marinheiro. Os meninos correram para montar os instrumentos feitos de pedaços de ferro-velho que ninguém queria. A principio era difícil acreditar que sairia som dos instrumentos improvisados, mas pouco a pouco eles soltaram as notas e as bailarinas foram logo dançando. Juntou um, dois, três casais e pronto, o forró já tinha começado. No palco era uma emoção atrás da outra. As dançarinas e toda equipe da Associação Pestalozzi encantaram pela dedicação, mostrando amor à arte e ao próximo. Delicadas, mostraram talento e do que são capazes. Depois da apresentação, Anne Welles, 9 anos, não largava a professora. Estava agradecida, quase como se o mérito da apresentação não fosse seu. Longe dos palcos, contou como gosta de ir às aulas e da dança, e falou do quanto tinha gostado de se apresentar naquela noite. No vocabulário simples mas objetivo das crianças definiu a noite, a festa e a dança como legais. >> 81 O articulador Antônio Marcos fez um discurso apaixonado, provocou uma verdadeira histeria na população quando mencionou os obstáculos vencidos e bradou a frase da faixa na entrada da festa. Era a comemoração emocionada pelo tricampeonato. Pediu silêncio em memória da idealizadora do Selo UNICEF, Stela Naspolini. Naquele momento Ana Márcia Diógenes, Salete Targino e Luciana Bayer baixaram a cabeça, como se lembrassem a companheira de trabalho de tantos anos. A sensação de prazer pelo dever cumprido era citada repetidamente pelo prefeito Edmilson Júnior. Ao receber o troféu, ergueu acima da cabeça como se nem ele acreditasse que Quixeramobim havia conquistado o terceiro Selo UNICEF. Disse que o Selo é um guia para saber se alguém está no caminho certo da garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Ao lado da prefeita mirim, Iana Lemos, fez surgir, pouco a pouco, o nome do município no carro da Caravana. Deixamos a cidade com a sensação de haver cumprido nossa meta em mais um município da rota do Selo. (AR) canindé O Ceará de Curumins e Curuminhas Sob as vistas de São Francisco >> Em 16 de dezembro de 2006, às 10h o alto de Canindé, a imagem de São Francisco de Assis domina imponente, ao alcance da vista em qualquer um de seus bairros. Parece abençoar e vigiar a cidade, observando tudo lá de cima. É lá que, diariamente, centenas de peregrinos e pagadores de promessas vão rezar ao santo que atendeu suas preces. Muitos usam roupas marrons, como a bata do santo. Ao alcance da vista de todos também está a igreja de São Francisco. O reflexo do Sol faz com que sua abóbada fique ainda mais brilhante. N Partimos rumo ao Pólo de Atendimento e Núcleo de Artes José Freire de Freitas, onde se daria a solenidade. A cidade parece girar em torno da peregrinação a São Francisco. São lojas com o santo em miniatura e tudo quanto é produto que se pode comercializar em torno da devoção, que atrai tanta gente desde o século XVIII. Faixas espalhando a notícia do Selo UNICEF penduradas nos postes, em frente às escolas ou lugares outros que atraíssem movimento. Não tinha como não estar sabendo do bicampeonato de Canindé. Decorado com chita, o pequeno tablado do Pólo de Atendimento ganhou um colorido bonito. As cores fortes do tecido conferiram um ar alegre à decoração. Dois palhaços muito engraçados foram os responsáveis pelo cerimonial e também pelas boas risadas durante a festa. Até inventaram um repente. “Para ganhar o Selo UNICEF, tem que ter política pública sim”, dizia um dos refrãos improvisados. A dupla entrava e saia de cena sempre brincando com a platéia e até mesmo com as autoridades. Sem dúvida eles tinham talento para a arte circense. A banda de música encarregou-se de tocar para a ocasião. Os hinos nacional, estadual e municipal estavam na ponta da língua dos estudantes, que acompanharam o som dos trompetes e tambores. As escolas do município levaram seus estudantes, ostentando seus uniformes, uma forma de mostrar a quais escolas pertenciam. Membro do grêmio estudantil, Francisco, de 14 anos, contou o que aprendeu ao participar ativamente da gestão escolar. Segundo o menino, a experiência ajudou na construção de uma outra imagem do funcionamento da escola e a perceber que seu papel como estudante vai além de freqüentar as aulas. Era o discurso de quem havia sido seduzido pelos movimento estudantil. Ao seu lado, Vitor, de 12 anos, também acreditava que a criação do grêmio ajudou na conquista do Selo. >> 83 Quem também marcou presença foram os estudantes do projeto Agente Jovem, que realizaram o Mapeamento Cultural. Canindé respira cultura, de acordo com Misac Braga. O garoto, de 15 anos, antes pouco conhecia da história do município e naquele dia citava as inúmeras manifestações que encontrou e as impressões que lhe causaram. Já Jucélio confessou pensar que não havia cultura em Canindé, antes do Mapeamento. O que acha agora? Perguntamos. “Tem um bocado de coisa. Posso ficar aqui por horas falando das festas, dos trabalhos dos artesãos e dos cantores da cidade”. A festa em Canindé foi rápida. Parecia que a cidade tinha pressa em receber logo o troféu, mas na verdade é porque sabia que estávamos na estrada há um bom tempo e tínhamos mais municípios a percorrer. Com o troféu em mãos, Glauber Monteiro, prefeito do município, falou de sua alegria e satisfação em receber aquele prêmio tão cobiçado pelos gestores públicos. Dividiu o troféu com as mães que colaboraram, seja levando os filhos para a escola, para o posto de saúde, ou amamentando-os. Ao lado do prefeito, a articuladora Sônia constatou que a participação e dedicação de todos foram primordiais para o bicampeonato. (AR) aratuba O Ceará de Curumins e Curuminhas Notáveis artistas mirins >> Em 16 de dezembro de 2006, às 16h ntes de chegarmos a mais pacata cidade do Maciço de Baturité, percorremos a serra por uma estrada estreita e arriscada. A mata fechada formava um túnel verde, deixando tudo escuro em pleno dia. Algumas vezes, víamos o sol por entre as montanhas. Então, o que era escuro se revelava um cenário de contemplação. Vimos o cultivo das flores nas encostas da serra, tão bem cuidadas que a vontade era que não as tirassem dali. A Aratuba é pequena, todos se conhecem e, em poucos instantes, andando pelas ruas da cidade a gente logo se sente íntimo das pessoas. Não foi difícil encontrar o local da festa: a praça São Francisco fica no pé de uma ladeira. Primeiro apareceu a praça e, atrás dela, ia surgindo a igreja de São Francisco, ladeada por coqueiros muito altos e com uma escadaria branca na frente. Era difícil não se admirar com aquela arquitetura tão bem conservada. Era um sábado à tarde, mais do que calmo e tranqüilo. A praça foi transformada em arena de circo. Havia pernas de pau, brinquedos e balões coloridos por todos os lados. Dava vontade de ser criança novamente. Emocionado, o prefeito José Wolner se envolveu com a festa. Perguntava o que podia fazer, checava se estava tudo pronto. Disse que era uma forma de manter a mente ocupada, não pensar tanto no prêmio que estava prestes a receber. Falava no quanto se sacrificou para tornar o tricampeonato possível. Nas noites mal dormidas em busca das metas a serem cumpridas. No fim das contas, chegou à conclusão que valeu a pena todo o esforço. Uma casa em frente à praça se transformou no ponto de apoio para os organizadores dos festejos. Foi ali que encontramos Lívia, vestida de bailarina e toda contente pelos gracejos que recebia. A menina de cinco anos, portadora de Síndrome de Down, parecia a mais serelepe entre as bailarinas. Entre os beijos e abraços que mandava para todos, dizia que não estava com vergonha e que gosta de dançar. O entusiasmo de Lívia encorajou Vivian a conversar com a equi- pe da Caravana. Também queria dizer que gosta de dançar. A professora foi logo dizendo que elas são assim, basta uma perder a vergonha que as outras logo se colocam a tagarelar também. Na hora da apresentação, a platéia intimidou as meninas. Lívia virou-se de lado, ficou de costas para o público e se pôs a dançar, alheia à festa. Os emboladores mirins deram show nas rimas rápidas embaladas pelo pandeiro. Jefereson e Wander, ambos com 12 anos, tinham apenas seis meses de prática, mas mostraram que conseguiam improvisar, até mesmo de acordo com o pedido do freguês. Em frente à platéia, fizeram rimas sobre o Selo UNICEF. Os garotos disseram ter ficado conhecidos na região, ao mostrar a cultura da serra. Ensaiam três vezes por semana, embolando sobre diferentes temas. Vimos naqueles meninos a vontade de preservar o que aprenderam com os avós. Era a geração do futuro mantendo as tradições do passado. O grupo de dança moderna começou causando estranheza, com rostos pintados de branco e roupas pretas. Bastou a música começar para o público se admirar com os passos e a música arrojados. Francisco arrancou gritos pela maneira como parecia deslocar o braço e o recolocar no lugar. Longe dos palcos, o adolescente nos mostrou um pouco mais de suas habilidades como contorcionista. Em poucos segundos, colocava o pé atrás da nuca, sem que esboçasse sinal de dor. Disse que é o único de toda a cidade com aquelas habilidades. José Wolner recebeu o troféu das mãos de Ana Márcia Diógenes, depois de ouvir elogios sobre o desempenho do município no Selo. Com ajuda da articuladora Velbia, ergueu o troféu num gesto emocionado. Atrás da igreja, surgiram os fogos, o grand finale para a festa do tricampeonato de Aratuba. Foi difícil deixar aquela cidade tranqüila, de povo acolhedor. Mas a noite estava começando e prometia muita coisa na vizinha Mulungu. (AR) >> 85 mulungu O Ceará de Curumins e Curuminhas Dança de meninos e meninas >> Em 16 de dezembro de 2006, às 20h aímos de amores por Mulungu antes mesmo de conhecer a área urbana do município. Paramos num dos pontos de onde se observa toda a beleza da Serra de Baturité e do sertão nordestino. Vimos um anoitecer cinzento, banhado por uma neblina leve, que ocultava o verde e mandava o ar quente para longe. Do alto da serra, muitas paisagens podem ser vislumbradas. De seus mirantes se avista, ao longe, Canindé. Visto à distância, não parece tão grande. Além disso, nos sítios por onde passamos, se pode assistir o beneficiamento da cana-de-açúcar, vê-la transformar-se no mel e no melaço que, quando puxado, perde a cor escura para o branco do alfenim. C A comemoração pelo primeiro Selo do Município foi realizada numa praça, escondida depois de uma curva sinuosa. O cair da noite chegou trazendo um frio cortante. Enquanto sofríamos com a mudança tão brusca de temperatura, os moradores estavam tão habituados ao clima que não se deixaram abalar. Estavam mais preocupados em garantir a pipoca e o algodão doce. A pequena Morgana, de sete anos, era uma das crianças que se divertiam nos brinquedos colocados à disposição dos pequenos. A praça era minúscula, o palco ocupava boa parte de seu espaço. Mas, apesar disso, as apresentações culturais se desenrolaram no chão, bem próximo do público. Um grupo de meninas da escola Maria Amélia Pontes, entrou em cena para dançar o Pastoril. Giravam as saias brancas para os lados e cantavam graciosamente. Era preciso chegar perto para escutar as vozes doces das meninas do Pastoril. Na platéia, Alana imitava os movimentos da dança das meninas, tentando rodar a saia, que puxava levemente de um lado para outro. A imitação acabou em brincadeira para a menina de oito anos. Vestidas com uma longa bata, as crianças do Coral Infantil “Encantar” chegaram devagar, tímidas e intimidadas com a platéia. Soltaram as vozes pouco a pouco, observando primeiro a reação da platéia. Ao final da apresentação, até arriscaram alguns passos de dança, enquanto cantavam. Em pouco mais de dois meses participando do coral, Alex, 11 anos, contabilizava os eventos que tinha participado. Dizia que, sempre que havia festa, o coral estava lá, marcando presença, encantando o público. Do assentamento Souza vieram os adolescentes e jovens do Grupo de Teatro “Gruteaço”. Encenaram uma peça na qual uma matuta tentava entender o que era o “tal” Selo UNICEF. “Alguém conhece o Selo UNICEF aí?”, perguntaram. E pouco a pouco, contando com a atenção do público, eles explicaram o Selo, sua origem, critérios de avaliação e importância. Além da peça, especialmente produzida para a ocasião, o Gruteaço trabalha com temas para conscientizar a platéia. Meio ambiente, gravidez na adolescência e direitos humanos estão entre os assuntos abordados. A preocupação com temas sociais enche de orgulho Veridiane Alves, de 14 anos. Nos palcos, a menina de olhos vivos diz sentir-se realizada. Aos onze anos, Juceline reconheceu ter crescido muito através do teatro. “É ali que aprendo e ensino alguma coisa”, falou. No palanque, Ana Márcia Diógenes citou os números que renderam a Mulungu o primeiro Selo UNICEF. A cada meta alcançada, o povo aplaudia, e mais que isso, balançava a cabeça afirmativamente, como se soubesse de todos aqueles números. Tim Martins, o prefeito, reafirmou seu compromisso com os direitos dos meninos e meninas de Mulungu. Agradeceu o compromisso e dedicação dos secretários para atingir as metas. Enquanto deixava o nome do município no carro da Caravana do Selo UNICEF, uma cortina de fogos de artifício deixou o céu colorido, encerrando nossa passagem pelo município. (AR) >> 87 guaramiranga O Ceará de Curumins e Curuminhas Encontro das duas caravanas >> Em 17 de dezembro de 2006, às 9h té aqui, foram mais de 6 mil quilômetros rodados depois de 14 dias percorrendo os municípios cearenses, na primeira etapa da Caravana. Ao longo da viagem, fizemos um pouco de mapeamento cultural, gastronômico e climático. Em cada cidade, uma surpresa, uma memória. Pôr-do-sol à beira da estrada, escolta policial, se deliciar com o alfenim feito, minutos antes, na nossa frente. Em cada parada, uma coisa nova para aprender e, ao final desta primeira etapa da jornada, muito conhecimento acumulado. No município que está acostumado a grandes festivais de artes, fomos nós que fizemos a festa. Guaramiranga testemunhou o encontro dos dois carros da Caravana que tinham um só objetivo: entregar o Selo UNICEF, município por município, no Ceará e no Rio Grande do Norte, de norte a sul, de leste a oeste. A A cidade é pequena. Nela, a distância se mede na base do tempo de caminhada, cinco minutos até o teatro, sete até a padaria. Talvez por isso tinha tanta gente naquele dia. Tudo é tão perto que valia a pena conferir a festa do tricampeonato. O clima frio de domingo, com a neblina ainda cobrindo a cidade, convidava para um sono prolongado. Mas em frente ao Teatro Raquel de Queiroz a movimentação era grande. Na porta, o tradicional tapete vermelho foi substituído por flores, nada mais apropriado para uma cidade da serra. Três adolescentes, cada um representando um Selo conquistado, recebiam os convidados com flores. Mais uma vez nos deparamos com a hospitalidade cearense, hábito tão arraigado na cultura do povo. O teatro se transformou numa grande arena de festas, com tecidos coloridos decorando as paredes e teto. Para comandar a festa, Janaiane e Antônio, de treze anos, deixaram de ser adolescentes para encarnar o papel de palhaços animadores da festa, provocadores de gargalhadas rasgadas. Janaiane tinha sido convidada na noite anterior, fez tudo de improviso, sem medo de errar. Perguntada se a falta de ensaios não atrapalhou o desempenho, a menina lembrou do famoso jeitinho brasileiro. A criatividade do nosso povo é, com certeza, um dos nossos maiores patrimônios. Antônio contou que gosta dos desafios e, principalmente, de fazer palhaçadas na frente das autoridades sem ser reprimido por isso. Os palhaços contaram piadas, riram de si mesmos e da platéia. Agradaram a todos. O prefeito Francisco Hilton viu na festa a coroação de uma administração pública voltada para crianças e adolescentes. Pediu união em prol dos direitos dos pequenos e agradeceu a responsabilidade com que sua equipe encarou o compromisso de manter o Selo. Lembrou-se de pedir desculpas àqueles que, por falha da memória, não foram mencionados no discurso. Cada um tinha sua parcela de participação e não poderia ficar de fora na hora da comemoração. Jadson, articulador do município, vê o Selo como uma competição saudável entre os municípios, onde todos querem ser reconhecidos, mas para isso precisam cuidar bem das crianças e adolescentes. E quem ganha com isso são os meninos e as meninas beneficiados pelas políticas públicas. O discurso de Ana Márcia Diógenes emocionou ao lembrar que cada edição do Selo traz à tona uma sensação diferente: é o prefeito que chora por conquistar pela primeira vez, ou o que se entristece por não receber o Selo. No palco, ela chamou um a um os participantes da Caravana do Selo UNICEF. A equipe que percorreu os confins do Ceará e do Rio Grande do Norte estava toda reunida. Para encerrar a festa, mais estrondos. Desta vez eram os tambores, num ritmo que acelerava o coração. Invadiram as portas, o som tomando conta do lugar, e foram andando até o palco onde receberam os aplausos da platéia. Fora do teatro mais festa, desta vez com fogos de artifício e os dois carros da Caravana frente a frente, como num beijo. Era o fim da primeira etapa de uma jornada que movimentou os municípios cearenses. Levantamos muita poeira naquelas duas semanas. E mais poeira estava a nos esperar na segunda etapa da Caravana. (AR) >> 89 maranguape O Ceará de Curumins e Curuminhas A cidade verde >> Em 9 de abril de 2007, às 9h hegamos a Maranguape bem cedo, dando início assim à segunda etapa da entrega do Selo UNICEF. Demos uma volta no centro e paramos na praça, porque estávamos adiantados. Neblinava e nuvens carregadas escureciam o tempo. Friinho bom. Impossível não reparar numa marca do município: camionetas rurais, antigas, bem conservadas e alimentadas a gás de cozinha, ainda muito ativas. Ursos grandes de pelúcia, com seus ursinhos, todos muito bonitos e coloridos, contrastavam com a simplicidade sisuda do homem que os carregava. Nem parecia um vendedor de sonhos infantis. Decerto vinha de longe e estava cansado. O verde das serras envolvia a cidade, feito uma moldura. C Fomos para a praça onde se daria a solenidade de entrega do Selo. Um palanque armado frente a um espaço apinhado de gente. Uma fanfarra de adolescentes e um grupo de palhaços nos receberam festivamente. Entre eles estava Davidson, ator e um dos organizadores do evento. Além deles, as crianças do grupo do Mapeamento Cultural do Sítio Cachoeira, onde existe o belo trabalho de um ecomuseu. A banda de música municipal, com um saxofone em destaque, puxou canções que lembraram as tertúlias de anos atrás. O nome de Capistrano de Abreu era a designação de uma escola de ensino fundamental, enquanto um conjunto de flautas tocava um xaxado que se queixava, dizendo que a “saudade amarga que nem jiló”. Estávamos na proximidade da Páscoa e uma das apresentadoras da solenidade, perguntou parodiando conhecida canção: “Coelhinho da Páscoa, que trouxe para nós?’ Ao que ela mesma respondeu: “O Selo UNICEF!”. Enquanto a chefe do gabinete, a primeira dama e o representante dos vereadores falavam, a criançada brincava nas laterais do largo, cheio de gente, que se abria em frente ao palanque. Tati Andrade, em sua fala, destacou que entre os anos de 2003 e 2005, Maranguape reduziu em 50% seu índice de mortalidade infantil. Até por isto, comemorava naquele dia o tricampeonato do Selo UNICEF. Mesmo com a neblina insistente, ninguém retirou o pé da praça. Ficou pela beira, onde há uns abrigos de parada de ônibus. Fotógrafos e cinegrafistas, em grande número, postados frente ao palanque-palco mal deixaram que se visse a dança moderna do Colégio São José que, na verdade, era um carimbó dançado por três adolescentes muito graciosas. Depois de falarem as demais autoridades, inclusive o Prefeito, a equipe do UNICEF comandou a solenidade de entrega do certificado e do troféu, como sempre ao som do “Hino da Vitória”, lembrando Ayrton Senna. Ao final da festa, duas boas surpresas. Dona Graça, a diretora do Ecomuseu de Maranguape, contou dos seus trabalhos e da Festa do Feijão, que haveria em Cachoeira, no dia 21 de Abril. Nilson Santiago, assessor de articulação e mobilização da Secretaria Municipal de Educação, também falou, contando sobre o Projeto Semeando, por ele tocado. Trata-se de um trabalho de resgate da floresta nativa através do lançamento de sementes de Ipê, característicos da Mata Atlântica. A idéia é que, depois, muitas destas mudas sejam transferidas para a zona urbana do município. O projeto, representado na ocasião por muitas crianças vestidas com sua camisa, pretende, ainda, lançar uma cartilha de educação ambiental, que deverá ser adotada no ensino fundamental. Enquanto conversávamos, fanfarras e bandas tocavam, juntas, Parabéns para a cidade. (OB) >> 91 pacoti O Ceará de Curumins e Curuminhas Natureza em festa >> Em 9 de abril de 2007, às 15h o meio dia de nove de abril já estávamos em Pacoti. Procuramos um restaurante para almoçar e, por coincidência, estava lá a articuladora do Selo na cidade. Resultado: ganhamos um descanso na Casa de Apoio, da Secretaria de Educação, antes de sairmos para o cortejo que nos esperava na entrada da cidade. Estudantes, professores e autoridades já estavam a postos para comemorar o tetracampeonato do Selo, com faixas e cartazes ostentando dizeres como “Criança instruída, nação desenvolvida”, “A escola não está no futuro, é o futuro que está na escola”, e “No jardim da vida, a educação é um dos principais nutrientes. Quando cultivado com dedicação, os resultados são as mais belas flores.” A Todos se preparavam para o cortejo, com girassóis enormes, estandartes, bandeiras, bonecos gigantes, pompons e bolas coloridas. A defesa do meio ambiente era uma constante: “Lixo, uma indústria de soluções”, “A Terra é o paraíso do sistema solar”. Até que um grupo de batedores, em motos, puxou a passeata. Depois, vinha um caminhão de bombeiros, com uma bandinha tocando em cima, e o carro da Caravana do Selo UNICEF. Em seguida, as alas representando as escolas e movimentos sociais com faixas: “A escola é o campo; palco onde se estréia o futuro”, “Projeto lixo, um verdadeiro luxo”. A cidade parou para ver o cortejo passar, ao som de marchinhas carnavalescas e foguetes, que deixavam os cachorros muito assustados. Em frente ao ginásio esportivo, crianças já brincavam em um parque de diversões inflável, quando a festa chegou. Fomos recebidos por palhaços, que traziam flores na lapela com a frase: “Pacoti, cultura à flor da pele.” Dentro do ginásio, mais faixas: “Na cidade feliz, as crianças e adolescentes têm seus direitos garantidos – Município Verde!” As crianças gritavam nas arquibancadas, enquanto a bandinha tocava “O teu cabelo não nega”, de Lamartine Babo. Os palhaços perna-de-pau ensaiavam passos desajeitados, enquanto a melodia mudava para: “Eu mato, eu mato, quem roubou minha cueca para fazer pano de pato”. Ao fundo o sol assistia tudo, lançando seus raios sobre a floresta majestosa. Abrindo o show, ou melhor, a solenidade, dois apresentadores, como animadores de auditório, ressaltaram o verde e a felicidade como marcas de Pacoti. Ao anunciarem o nome das autoridades presentes, as crianças aplaudiram cheias de energia. Um a um, desfilaram com sua postura característica, as autoridades do município: o juiz, o padre, o vereador, o prefeito e os secretários, o presidente do sindicato, além de, é claro, o prefeito mirim. Todos de pé cantaram o Hino Nacional, até mesmo o palhaço perna-de-pau, que pôs, inclusive, a mão no peito, em posição solene, como uma espécie de continência civil. O Hino Nacional foi reproduzido em gravação, já o de Pacoti foi interpretado pelos alunos da Escola de Arte Colméia, vestidos de coroinha de igreja, em coral de vozes, acompanhados por flautas e violões. Em seguida, o corpo de atores e atrizes do mesmo Projeto Colméia, formado por crianças e adolescentes, apresentaram “Flor de Lótus”, um espetáculo de teatro e dança sobre a diversidade étnica e cultural, em que as crianças numa coreografia complexa fazem e desfazem um intrincado de fios, tecendo com eles uma rede multicolorida. Caiu a tarde e o friozinho da serra chegou. Falaram as autoridades. Enfatizaram o fato de Pacoti ter reconquistado o Selo e a dificuldade de melhorar o que já é bom. O Prefeito disse ser um funcionário da Prefeitura que está 24 horas à disposição do povo. Pacoti já é tetra, mas no final da festa todos gritaram pedindo o Pentacampeonato do Selo. (OB) >> 93 itapiúna O Ceará de Curumins e Curuminhas Xote e baião na sanfona >> Em 9 de abril de 2007, às 19h cidade fez uma festa simples, na pracinha. Por motivo de luto familiar, a Primeira Dama e o Prefeito pediram desculpas pelo não comparecimento. Chegamos já escuro. Antes passamos na casa de Mestre Renato, na entrada da cidade. Ele faz os mais belos bichos de brinquedo da região. São Bois, Burras e Pintas, especialmente, em miniatura e em tamanho grande, para brincar no seu Reisado ou nos Reisados dos municípios vizinhos. Ficou contentíssimo e fez este jornalista ler parte de sua história, como está registrada no livro Memória do Caminho, que escrevi depois de percorrer quase todo o Ceará, com a Secretaria de Cultura. A Na pracinha, imperavam as letras e sons de uma campanha contra o trabalho infantil. Em um cartaz estava escrito: “Maria tem apenas 12 anos, é empregada doméstica e de noite vai para a escola, mas não aprende porque está cansada.” Outro cartaz replicava: “Criança, tempo para escola, tempo para brincar.” Os sons eram transmitidos pelas rádios Planalto e Sertão Nordestino e pediam proteção e direitos para as crianças. De resto, a pracinha transformou-se em uma feira educativa-cultural. Uma barraca divulgava a educação ambiental nas escolas, desenvolvendo temas relacionados ao lixo, ao desmatamento, à escassez da água, aos agrotóxicos, à necessidade de reflorestamento, às queimadas, às matas ciliares e à importância das hortaliças. A barraca seguinte mostrava os feitos do Projeto Convivendo com o Semi-Árido, desenvolvido pelo Colégio Demócrito Rocha. Havia ainda as barracas do Projeto Crescer com Arte, a da Saúde e a do Artesanato. No centro da praça, uma roda de capoeira reunia crianças e adolescentes, assistida por um ajuntamento de meninos e meninas, agitando bandeirinhas. Dois adolescentes do Projeto Amigos da Leitura, Heloísa e Washington, fizeram as vezes de apresentadores. O Vice-Prefeito presidiu a solenidade e quando Daniele da Cruz, articuladora local do Selo UNICEF, anunciou que a apresentadora é neta de Maria do Flávio, todos aplaudiram entusiasticamente. Formou-se uma roda, no centro da praça, e um menino dançou forró com uma enorme boneca hu- mana retirada de dentro de um baú. A menina que fazia a boneca foi aplaudida mais freneticamente ainda. Em sua fala, Tati Andrade destacou o fato de Itapiúna ter ganho o Selo pela quarta vez. É tetra! O Secretário Luís Antônio, da Educação, lamentou o fato de Itapiúna não ter ganho logo no primeiro momento. Culpa de os dados da saúde e da educação terem sido fornecidos com erros. De fato, Itapiúna tem 100% de suas escolas com água filtrada. >> 95 Enquanto foi lida a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, os idosos prestavam atenção, os adolescentes namoravam e as crianças brincavam. Elas têm direito. Depois que o troféu foi entregue, estouraram os fogos e todos aplaudiram. A articuladora do Selo UNICEF anunciou uma nova atração “Um Ato pela Paz”, feito pelas alunas da Escola Recanto das Crianças. O Secretário de Cultura, José Aldemir Lima, disse reservadamente para a equipe do UNICEF sobre sua intenção em pedir o tombamento da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, do distrito de Itans, que tem 268 anos de existência. Uma adolescente tocou um xote e um baião na sanfona e a apresentadora, depois de advertir as crianças sobre o perigo de pisar nos fios, agradeceu a participação de todos e deu por encerrada a solenidade. Antes de nos despedirmos da cidade, visitamos o Projeto Programa Tindolêlê, que tem em sua sede um verdadeiro estúdio de televisão, onde já foram gravados, em DVD, duas edições de um programa infantil. Luís Emanuel, o apresentador e criador do programa, é ainda bem jovem e desenvolve uma linguagem que mistura Xuxa, Castelo Ra-tim-bum e cenários de ficção científica. No adeus, todos quiseram tirar fotos com a Caravana do Selo UNICEF. (OB) itatira O Ceará de Curumins e Curuminhas Os quatro elementos do mundo >> Em 10 de abril de 2007, às 9h ormimos em Canindé e no dia seguinte, 10 de abril, partimos para Itatira. O mapeamento indicava que lá era terra de reisados, o que aguçou nossa curiosidade. Os mais conhecidos são o de Lagoa Seca e o de São Gonçalo, no distrito de Cachoeira. Soubemos, também pelo Mapeamento Cultural, da existência do Grupo Teatral Balada, de inúmeras quadrilhas de São João, de um Pastoril na Paróquia do Menino Deus, do Grupo de Capoeira Negaça e da Missa do Vaqueiro na Lagoa do Mato. Quanto à origem da cidade, conta-se que, em 1869, quando Itatira ainda era Serra do Machado, Antônio Alves Guerra, senhor absoluto do lugar, frente a dificuldades imensas, pediu ajuda em oração ao Menino Jesus, para vencer com seu caminhão a subida íngreme da Serra. Prometeu que se sua prece fosse atendida, edificaria no alto da serra uma capela para o Santo Menino. Parece que seu velho Ford ganhou força e, no ano seguinte, a capela começou a ser edificada. D Aos mapeadores da cultura, Dona Antonieta Barbosa, da localidade de Queimada da Onça, também do distrito de Cachoeira, narrou como se brinca de Cobra Cega. Uma criança fica de olhos vendados no meio do círculo. Uma outra pergunta: “Cobra Cega, de onde tu vens?”. Ela responde: “Do castelo”. Pergunta-se de novo: “O que tu trazes pra mim?” Ela responde: “Cravo e Canela”. Então a criança que faz as perguntas coloca a mão na cabeça da Cobra Cega e diz: “ Então, bumba nela!”. Todas as crianças do círculo colocam a mão na cabeça dela e, em seguida se espalham, enquanto a Cobra Cega tenta agarrar uma delas. A que for pegue vai para o centro da roda e a brincadeira se reinicia. Ainda estávamos vencendo a serra que o Ford de Seu Antônio Guerra subiu por milagre, quando encontramos o caminhão que vinha trazendo os representantes do Distrito de Cachoeira para a festa. Em cima do pau-de-arara, no alto da coberta, vinha o Boi de Mestre Zé Dêga. Evilázio Bezerra pediu uma parada para fotografar. Os brincantes do reisado, que traziam o Boi, começaram a se desculpar pela forma extravagante de carregar uma bagagem. Só depois compreenderam que o UNICEF queria fotografar o Boi de brinquedo. Frio de serra e tempo nublado, a festa foi no Centro Comunitário da cidade. Antes houve alvorada, missa e cortejo em comemoração. Entre as autoridades, estavam Cláudia Guerra, a única mulher Secretária municipal de Agricultura no Estado, e Ivaildo, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais. O Hino do Ceará teve uma bela interpretação por coral e banda, o mesmo acontecendo com o Hino do Município, cuja letra a pequena multidão cantou com vibração e entusiasmo, dando um viva final a Itatira. Atrás do palco, um pé de cajá inundava o ambiente com seu perfume, quando professoras e crianças da Escola de Lagoa do Mato encenaram um número sobre a necessidade de preservação do meio-ambiente. Muita gente ficou com os olhos cheios d’água, quando Ênio, 9 anos, um menino com necessidades especiais, fazendo o papel de ar, disse, superando suas limitações: “Eu sou o ar/Ninguém me tira/Sem mim/Nada respira.” Ao final, recebeu um abraço emocionado da mãe. Todos choraram e o Prefeito Antônio Almir pediu que as crianças tratassem com carinho seus colegas de escola necessitados de cuidados especiais. Muitos ressaltam o papel de Luciglauba, a articuladora local, na conquista do Selo. Quando o Prefeito e a Primeira Dama levantaram o troféu, a apresentadora vibrou como quem anuncia um gol. O Prefeito saiu pulando no meio das crianças com o troféu nas mãos. “É o Menino Deus abençoando Itatira!”, gritou a locutora. Todos cantaram a Oração de São Francisco. Em seguida, o Swing Dance, em trajes havaianos e chapéu de palha, proclamou que “Juntos construiremos nossos sonhos” e dançou: “Ceará, um canto de amor e luz.” (OB) >> 97 APUIARÉS O Ceará de Curumins e Curuminhas O maracatu infantil >> Em 10 de abril de 2007, às 15h povo de Apuiarés jura que a verdadeira história da Loura do Banheiro se deu num grupo escolar chamado São Sebastião, existente no município. Acontece que os romeiros de Canindé passavam por Apuiarés, em sua caminhada, para pernoitar. De uma feita, entre o grupo de romeiros havia uma moça, que era loura. Eles pernoitaram na tal Escola São Sebastião e a moça, de noite, teve vontade de ir ao banheiro. Lá, sentiu-se mal e desmaiou, dentro do banheiro mesmo. Como naquela noite ninguém mais foi ao banheiro e o grupo de romeiros, de madrugada, partiu sem a loura, só no outro dia, quando os alunos da escola chegaram e um deles foi ao banheiro, encontraram a loura, já morta. A partir daquele dia todos evitavam entrar no banheiro, para fazer lá seja o que fosse. Até que em 1990, uma aluna desavisada entrou e quando foi tentar sair, a porta não abriu. Pediu socorro, gritando: “A Loura do Banheiro, a Loura do Banheiro!” Foi quando uma alma caridosa destrancou a porta e a menina escapou por um triz. A história se espalhou e foi comentada em todas as escolas do Ceará, assustando as crianças. O Também é do Mapeamento Cultural uma sobre o Jacu, um pássaro da cor preta, semelhante ao Urubu, só que muito mais bonito. Ele era abundante em Apuiarés e conhecido por gostar de guaiúba. Antigamente, quando havia muitos Jacus no município, eles moravam às margens do Rio Curu, que só tinha água no período invernoso, pois não havia ainda o açude General Sampaio. Também se concentravam na Fazenda Sabiaguaba, porque gostam muito da fruta da dita planta que dava nome à fazenda. O menino Felipe Braz, que tinha 14 anos quando participou do Mapeamento, escreveu que os Jacus são importantes porque lembram os índios e os negros, primeiros habitantes do lugar. Felipe lamenta ser hoje raro “ver um Jacu voando por aqui”. Ele mesmo só conhece presos em gaiolas, mesmo assim poucos. Tentamos alcançar Apuiarés por um atalho carroçável, mas atolamos o carro da Caravana do Selo UNICEF e, pela primeira vez, chegamos um pouco atrasados, quando a festa já troava no ginásio coberto da cidade. A atração maior foi um maracatu mirim, organizado por Belisa Guedes. Ainda novo na cidade, o maracatu é conhecido pelas crianças e adolescentes como a dança da boneca da cara preta. Tudo muito lindo, inclusive o nome do Selo UNICEF bordado no estandarte. >> 99 O Hino do Município foi executado por um coral de criancinhas de menos de cinco anos de idade. Depois, uma banda de lata formada por adolescentes, com a ajuda de um grupo de flautas, fez a garotada dançar frevo. Encontramos um grupo de adolescentes com dizeres na camisa, que chamavam a atenção. Estava escrito em letras enormes: “Sou da Turma do Baseado... (e mais embaixo, com letras menores, completando a frase) na educação, no amor à vida...”. Que alivio! A presença dos idosos era muito forte. Eles, assim como crianças e jovens, estavam bem concentrados em cada detalhe da festa. Em sua fala, Tati Andrade agradeceu a Alonso, o morador da cidade que nos ajudou, como batedor, a vencer os atoleiros e desvios da carroçável que vai de Paramoti a Apuiarés. Lá fora, já próximo ao final da festa, quando o Prefeito estava colocando o adesivo com o nome do município no carro da Caravana, chegou um roceiro de 72 anos de idade, Damião Moreira de Sousa, atraído pelo papocar de fogos. “Houve festa, eu estou dentro!”, confessou. (OB) UMIRIM O Ceará de Curumins e Curuminhas Infância de flores e borboletas >> Em 10 de abril de 2007, às 20h lugar, em 1873, ganhou o nome de Riacho da Sela, por motivo de uma sela perdida por um cavaleiro ao atravessar o riacho, que lá existe. Depois, em 1937, passou a se chamar Riachuelo, em homenagem não ao seu riacho, como pode parecer, mas à batalha naval da Guerra do Paraguai. Porém voltou a riacho ou rio pequeno em 1943, agora em língua Tupi, como Umirim, município desmembrado de Uruburetama. É terra da Dança de São Gonçalo de Açudinho e do poeta Luiz Gonzaga Lima, que foi homenageado por Cândida Galeno, faz parte da galeria de honra da casa de Juvenal Galeno e, uma vez, louco de amor, escreveu: “Fujo de ver-te, fujo de avistar-te!/E conservo o teu vulto em minha mente./Fujo de ver-te, dolorosamente!/E te vejo, mulher, em toda parte!” e o adolescente Cristiano. Ela ressaltou as notas altas de Umirim. Foi exibido um quadro feito de raízes e tecidos vegetais representando uma criança remando um barco, de autoria de Vanderlândia Madeira, artista orgulho da cidade, que já ganhou, inclusive, o 1º Prêmio em um concurso de presépios da Cearte. É o berço natal do grupo teatral Trupe Trama Astral Arte, formado por crianças e adolescentes, e onde há uma brincadeira de Boi, no distrito de São Joaquim, cujo mestre é Seu Batista. Cidade dos “Trakinas”, grupo musical de meninos que utiliza materiais reciclados para fazer barulho e graça. Meninos e meninas que gostam de brincar de Grilo, aquela brincadeira em que se pergunta: “Cadê o grilo?” E o outro responde: “Tá lá atrás!” Mas que também gostam de brincar de amarelinha, cavalo de pau, esconde-esconde, pega-pega, cai no poço e outras. Quando da entrega do troféu, ao lado do palco, uma banda de música tocou o “Tema da Vitória” dedicado a Ayrton Senna e, em seguida, um belo repertório de cantigas de roda. O Prefeito Antônio Brito, depois de agradecer a todos, disse que “somente apoiando a família, chega-se à criança e ao adolescente”. Enfim, apresentaram-se as crianças do Centro Educacional Infantil Tia Maria. Ficamos sabendo o que representavam: a primeira, uma flor; a segunda, uma abelha; e a terceira, o profeta da verdade com um livro. A professora conduziu a apresentação fazendo uma espécie de mímica, que as crianças repetiam. As meninas eram lindas e o gestual enternecia a todos. Na seqüência, dois meninos tocaram uma melodia usando, ao mesmo tempo, o mesmo violão. Por fim, apresentou-se o grupo de terapia ocupacional fazendo uma coreografia coletiva, que parecia uma ginástica rítmica. O Na porta de Umirim, duas imagens de Nossa Senhora, coladas de costas uma para a outra, guardam os caminhos: uma voltada para a entrada e outra para a saída da cidade. Quando chegamos, na boca da noite, as crianças já estavam todas na pracinha em frente à Igreja. Algumas se vestiam de flores e borboletas. O palanque das autoridades e a bancada da orquestra estavam enfeitados de bolas coloridas. Da sacada dos sobrados ao redor da praça, o povo esperava pela hora da festa. Umirim só tem 22 anos de existência e já é bicampeã do Selo UNICEF Liberados das aulas, os estudantes não cessavam de chegar para a festa. Tati Andrade decorou o nome dos apresentadores: a menina Natanaele >> 101 Terminada a solenidade, como de costume, meninos e meninas partiram vorazmente para a decoração colorida, brincando de estourar bolas. (OB) TRAIRI O Ceará de Curumins e Curuminhas Crianças dançam coco em Alagadiço >> Em 11 de abril de 2007, às 9h ormimos em uma pousada na maravilhosa praia de Fleicheiras. Chovia, e para o outro dia bem cedo estava marcada a festa do Selo. No Pólo de Atendimento Maria Silva Sales chamava a atenção a pintura mural da fachada, de autoria da menina Vanessa Gadelha de Freitas, no mais autêntico estilo infantil. Trata-se de um prédio novo com um ginásio esportivo recém inaugurado. Entramos e já um coral de jovens, afinadíssimo, se apresentava entoando canções religiosas. O espaço estava decorado com bolas de soprar coloridas que, provavelmente, seriam estouradas no final pela criançada. Por toda a borda do palco, belas flores de plástico. Encontramos Moisés do Coco de Alagadiço preocupado com as crianças do seu grupo cultural, divididas entre o bom comportamento e a vontade de sair para ganhar pipoca. Todos se levantaram para ver melhor o espetáculo, sem que para tal houvesse necessidade de conclamação. As crianças se apresentaram em dupla e, em seguida, fizeram uma grande roda. Moisés elogiou o Prefeito e a Primeira Dama, antes de reivindicar um centro cultural de Dança do Coco, na localidade de Alagadiço. O locutor pediu que todos ficassem de pé para receber o Prefeito Mazim, que passou cumprimentando com um aperto de mão a todos, no percurso até ao palco. Um jogral de crianças disse versos de Tiago de Melo: “Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida”. Em seguida declamaram um texto parodiando conhecida canção de John Lennon: “Imagine uma Escola”. Da lista de mais de uma dezena de autoridades citadas, o Padre foi o mais aplaudido. Gravações reproduziram o Hino Nacional e do Ceará para, no final, a criançada aplaudir com um apitaço. Bonita mesmo foi a apresentação do Hino do Trairi, celebrando a natureza, na interpretação do Coral do Pólo de Atendimento às Crianças e Adolescentes. No número seguinte, quatro minúsculas meninas da Creche Tio Patinhas, vestidas com as cores nacionais, dublaram uma canção falando dos cuidados que as crianças devem ter com seu País. Ao final, mostraram a Bandeira brasileira. A menina Jamile e o menino Marcos, mestres de cerimônia, chamaram o número seguinte. Ao som de um teclado eletrônico, interpretando “Aquarela do Brasil”, um grupo mirim mostrou figuras típicas das diferentes regiões brasileiras: um índio para o Amazonas, rendeiras e jangadeiros para o Nordeste, um boiadeiro para o CentroOeste, um executivo e uma passista de carnaval, para o Sudeste, e gaúchos dançando o Pau de Fitas, para o Sul. No desfecho, mostraram as bandeiras do Brasil e do Trairi, esta última tendo um escudo com desenhos de um caju, um pé de cana, um boi e uma jangada. D Foi anunciada, finalmente, a atração principal: Seu Moisés, com seu Coco de Lagoa, da comunidade de Alagadiço. Brincantes de três gerações e uma grande família. Avô, filho e neto. Seu Moisés puxou a toada, acompanhado da ‘orquestra’ do coco: “É na pancada do caixão/É no retinir do ganzá/É na rima do repente/Que faz o povo dançar.” >> 103 Em seguida, as autoridades destacaram o tricampeonato do Selo UNICEF. Falaram, entre outros, Marília Lídia, representando as crianças; um vereador, o Secretário de Educação, que homenageou Antenor Naspolini, presente à ocasião, louvando o trabalho feito por ele quando esteve à frente do UNICEF. Tati Andrade, como depois o Prefeito, mereceu fogos, ao ter anunciada a sua fala. Ela perguntou se as crianças haviam aceitado o desafio lançado pelo UNICEF. Em coro, elas responderam que sim. O Prefeito saudou a todos e a todas. Falou rapidamente e mereceu estrondosa salva de fogos. (OB) MARCO O Ceará de Curumins e Curuminhas Passeio na praça no sábado à tarde >> Em 11 de abril de 2007, às 16h ma das histórias mais tristes de Marco é a da localidade por nome Solidão. Conta-se que em certo local do distrito de Mocambo, uma pobre moça engravidou e por isto foi expulsa da casa de seus pais. Refugiou-se num lugar distante e abandonado, passando a viver isolada no interior de uma humilde casa de taipa. Ali, teve seu filho, mas os dois, não resistindo à solidão em que passaram a viver, acabaram por morrer, tendo sido comidos pelos urubus. Daí o nome do lugar. Entre as histórias colhidas pelas crianças e adolescentes que fizeram o Mapeamento Cultural, conta-se também um fato passado com um papagaio, animal criado pela família Oliveira. Acontece que, todas as noites, a família tinha o costume de cantar o Ofício de Nossa Senhora. De tanto ouvir, o papagaio aprendeu e passou a cantar o Ofício junto com a família. Só que, certo dia, por esquecimento da família, o papagaio dormiu fora de casa, veio um gavião e o levou. Daí em diante, muitas pessoas contam que passaram a ouvir o cântico do papagaio de noite voando pela cidade. E foi assim até que um dia o canto silenciou e todos concluíram que o papagaio havia morrido. U Céu lavado, tempo bonito para chover. Na entrada da cidade um outdoor enorme ostentava a logomarca do Selo. Na praça, enquanto as autoridades do lugar e alguns políticos dos municípios vizinhos se revezavam ao microfone, no alto de um palanque com serviço de som ultra sofisticado, uma pequena multidão passeava como num sábado à tarde. “Gente Pequena Também Tem Direito”, dizia um cartaz conduzido por um grupo de meninas que iria apresentar uma coreografia dançada sobre os direitos das crianças. Ao lado, outro grupo, nesse caso de professoras, vestia camisas verdes com os dizeres: “Amazônia Para Sempre”. Elas faziam parte da Campanha da Fraternidade pelo meio ambiente. Enquanto foguetes espocavam saudando os oradores, as praças, as pessoas, as bancas e as barracas viviam suas próprias vidas. Uma banca de cachorro quente e pastel, outra de jogo de bozó com escudos de times de futebol, uma do Brechó da Tia Néa, outra da Secretaria de Ação Social, com salgados. Entre as pessoas passeava uma mãe com uma criança de colo vestida de coelhinha (afinal, estávamos perto da Páscoa). Aliás, o que não faltava era mãe com criança pequena. >> 105 De longe, uma voz grave puxou uma toada de capoeira, para a apresentação do grupo da Escola São Francisco. Fomos até lá para ver quem era o dono de voz tão bela e acabamos por verificar tratar-se de uma gravação. Em seguida, apresentou-se um poeta da localidade de Solidão. Um lugar com tal nome só pode dar muito poeta. Depois, apresentaram-se crianças muito pequenas de uma creche, em um musical sobre os direitos da infância. “O primeiro direito da criança é nascer”, grita uma delas ao microfone. Outra proclamou: “Baixinhos unidos jamais serão vencidos”. Ao final, todas gritaram juntas: “Toda criança tem direito de ser criança”. Tati Andrade entrega o Selo ao Prefeito, que sai com a Primeira Dama pelo meio da multidão. Grande espocar de fogos. Um deputado promete para depois da solenidade, forró com a Banda Santana. Quando deixamos a praça fomos visitar o Centro de Convivência de Idosos, um empreendimento de iniciativa da Primeira Dama, que produz um belo artesanato. (OB) BELA CRUZ O Ceará de Curumins e Curuminhas A história do boi calçado >> Em 11 de abril de 2007, às 19h ntre as muitas histórias mapeadas em Bela Cruz, está a do Boi Calçado, que deu nome à localidade de Poços do Calçado, existente naquele município. Conta-se que em um lugar por nome Poços morava um pequeno criador de gado, que entre seu rebanho tinha um boi muito formoso, que chamava a atenção por ter nas patas uma malha na forma de uma bota ou calçado. Certa vez, ao conduzirem a boiada, os vaqueiros tiveram que atravessar o dito poço que dava nome ao lugar e, por infelicidade, o Boi Calçado teve suas patas presas nas pedras e morreu afogado. A partir deste dia, o local ganhou a denominação de Poços do Calçado, lugar bonito e bom para pescaria. E No caderno do Mapeamento Cultural está assentado também existir a Praça dos Amores, num texto que é quase poesia: “Lembranças, saudades, paixões e amores, corações e cores, o primeiro amor, amor colegial, paqueras e um lugar especial para encontro de casais apaixonados”. Quem na cidade de Bela Cruz não passou ou freqüentou por algum tempo a “Praça dos Amores”? Melhor perguntar: Quem nunca marcou encontro lá?” Além de namoros, seus bancos e espaços abrigam senhoras e senhoritas fazendo crochê, crianças brincando, conversas entre jovens e paqueras. E foi beleza o que encontramos ao entrar na cidade: dois arcos como portas, um triangular e outro de Nossa Senhora de Fátima; uma avenida muito bem iluminada, uma bela praça e uma bela igreja. No calçadão atrás da igreja, o cenário armado com o brasão do município, ilustrado por uma cruz, uma carnaubeira e um cajueiro, bancos, balões e um telão, onde as crianças olhavam um vídeo documentário. Outras crianças, muito pequenas, ainda chegavam em cortejo, quando a banda puxou um dobrado saudando nossa entrada. Nos bancos, em frente ao calçadão, muitos idosos, entre eles um grupo de mulheres vestidas de baianas, com trajes tão brancos e rendados que fazia gosto. O repertório da banda também fazia gosto. Entre outros, o Hino da Itália e Ronda, de Paulo Vanzolini. Chegaram as autoridades e ela tocou “A Banda”, de Chico Buarque. Na barraca da bibliote- ca ambulante Prof. Nicácio, criancinhas liam livros infantis, enquanto outras pulavam macaca, num gramado próximo. Bela Cruz se intitula Município Verde e, na praça, há um conjunto de lixeiras, muito novas e coloridas. Meninas com colantes para balé clássico esperavam a hora de suas apresentações. A Banda atacou de Vassourinhas e elas, discretamente, ensaiavam passos de frevo. Mas foi delas o primeiro número após a apresentação das autoridades. Dançaram com arcos de flores. >> 107 O segundo número foi das baianas. Desfilaram com os produtos da terra: caju, mandioca, carnaúba, leite, louça de barro, crochê, bordados, pinturas, rezas, lendas e crenças. Cantaram: “Nosso direito vem/Se não vier nosso direito/O Brasil perde também.” Depois, o Trio Parada Dura, do mesmo Grupo de Convivência da Terceira Idade, formado por Paulo da Silva, no berimbau de lata, Manuel Egídio, no tambor, e Maria, no triângulo, puxou um baião, e as baianas dançaram soltas, feito num maracatu. Depois dos idosos, as meninas e meninos da Creche Criança Feliz disseram umas frases decoradas e cantaram lindamente “Parabéns Pra Você”. Em seguida, os adolescentes do Grupo de Dança do CIACA desenvolveram uma bela e longa coreografia. Só depois teve início a solenidade da entrega do Selo propriamente. Na platéia, um sujeito aproximou-se do carro da Caravana do Selo UNICEF e perguntou se ele ia ficar em Bela Cruz. No palco, Tati Andrade vacilou em chamar o prefeito pelo apelido de Cachimbão, mas ele disse que assumia o apelido sem problemas. Junto com a Primeira Dama, o prefeito levantou o troféu, enquanto um saxofonista executou o “Tema da Vitória”. (OB) IBIAPINA O Ceará de Curumins e Curuminhas Festa no friozinho da serra >> Em 12 de abril de 2007, às 15h s descrições de Ibiapina, feitas por ilustres escritores, foram devidamente registradas pelo Mapeamento Cultural do município. Padre Sadoc de Araújo disse: “A cidade, construída na Zona da Mata, é cercada de vegetação luxuriante, no meio de verdadeiros jardins naturais onde sopra constantemente brisa amena e sadia. O clima se apresenta delicioso e o panorama verde e deslumbrante”. O escritor e poeta Pedro Ferreira descreveu Ibiapina entre cafezais viridentes e olentes e afirmou que nossos olhos se abismam com os painéis lindos e soberbos que não se descrevem. Já Domingos Olímpio, escritor que dispensa comentários, confessou que tinha tido “um grande sentimento de alívio ao receber as primeiras rajadas frescas e puras, já ao início da subida da montanha íngreme e espessa, mataria exuberante, onde ouvia o rumor das cascatas”. A Chegamos, sol a pino, pouco depois do almoço, após atravessar as paisagens da serra, descritas pelos cronistas. Quase meio dia e, ainda assim, dava para sentir o frescor do clima. Estávamos bem adiantados para a festa. A cidade começava a se movimentar, ainda lentamente, retornando ao trabalho depois do almoço. Paramos à sombra da Igreja de São Francisco, onde mulheres, com o uniforme da limpeza pública, varriam tranquilamente a rua. Saímos a passear pelo centro da cidade, mas logo ouvimos foguetes, sinal de que alguém havia nos descoberto. Seguimos em direção ao ginásio esportivo, onde a solenidade ocorreria. No caminho cruzamos com um carro de som propagando a canção feita especialmente para o evento e com grupos de crianças e adolescentes que caminhavam na mesma direção. No ginásio, tudo já estava pronto: o palanque com os balões coloridos e a figura dos três bonecos do Selo UNICEF, um saxofone compondo um fundo musical, o nome das autoridades na mesa, os bonecões do Mosquito da Dengue e do Mickey, e uma comissão de meninas com a camisa do Selo UNICEF para nos receber. Tudo já muito bem organizado, tanto que pela primeira vez a festa começou adiantada. Em seguida, um humorista, de nome Mastrogilda, tentou animar o auditório com seu show de humor. Depois, resolveu chamar as crianças ao palco para dublar cantoras. Colocou-lhes perucas e uma delas, em vez de dublar a canção proposta, gritou chamando as amigas. Já outro menino tomou o microfone e deu os parabéns ao município pela conquista do Selo. Mastrogilda, reagindo, pediu que as crianças se balançassem. Por fim, transformou-se em um palhaço. >> 109 Na solenidade, as autoridades da mesa eram na grande maioria mulheres. O ponto alto da programação artística foi um musical do Projeto de Reciclagem Arte na Lata, no qual belas mocinhas com trajes feitos de lixo reprocessado desfilaram, ao som de um batuque. Em sua fala, a articuladora local do Selo UNICEF, proclamou “Está nos jornais, queiram ou não queiram, Ibiapina ganhou o Selo!”. E garantiu enfática: “Enquanto eu estiver viva, vou lutar por Ibiapina!” Em seguida, o Prefeito falou e tudo foi festa, começando pelo leruá do Sítio de Taquara. Na saída, quando todos já abandonavam o ginásio, um menino (aquele mesmo da apresentação de Mastrogilda) pegou o microfone e gritou de novo: “ Parabéns, Ibiapina!” (OB) NOVA RUSSAS O Ceará de Curumins e Curuminhas A força das mãos >> Em 12 de abril de 2007, às 19h e acordo com o Mapeamento Cultural feito por crianças e adolescentes do município, Nova Russas é considerada a capital do crochê, devido à qualidade e quantidade das artesãs dedicadas a este ofício existentes em seu território. Chama-se Nova Russas porque a primeira capela existente no lugar foi construída pelo Padre Joaquim Ferreira de Castro, filho da Vila de São Bernardo de Russas, que em torno dela levantou um povoado em homenagem à sua cidade natal. Eram terras da fazenda Curtume, que, como o nome diz, dedicava-se à criação do gado e à curtição de couro e peles. D Faz parte do Mapeamento uma relação de palavras e expressões usadas no município, como: Aluirse: ficar mais atenta. Apragatar-se: se esborrachar no chão. Aresia: dizer besteira. Arregalado: muito aberto. As oiças: os ouvidos. Atentar cão com reza: perturbar. Atubibada: perturbada. Barriga de soro azedo: barriga grande. Bater a biela: morrer. Batoré: baixinho. Capar o gato: sair rapidamente. Sebite baleado: diz-se de pessoas muito magras. Chorar a morte da bezerra: ficar com o olhar perdido. Curiar: cubar o movimento. Dar um pulinho aí: passar rapidamente por aí. De fora a parte: extra. De meia tigela: produtos sem qualidade. Dia de São Nunca à tarde: nunca vai acontecer. No tempo do bumba: muito antigamente. Dou o maior dez: equivalente a gosto muito. Ficar no caritó: não casar. Estar com a macaca: estar de mau humor. Ficar num pé e noutro: diz-se de alguém que está muito ansioso. A noite da entrega do Selo iniciou-se com um cortejo festivo pela cidade, durante o qual brincamos de dar adeus às pessoas que pararam nas calçadas. Atrás de nós vinha um carro alegre cheio de crianças e gente fantasiada de bichos. Durante o percurso, cruzamos com um rapaz que se imagina dirigindo uma moto invisível em alta velocidade pelas ruas da cidade. A festa foi na sede da Secretaria de Cultura, que funciona numa espécie de centro cultural. Tudo muito novo e bem cuidado. Logo na entrada, uma comissão de recepção formada por jovens perfilados garbosamente, com belos uniformes e ostentando bandeiras, recebia a todos. Após a chegada, uma jovem senhora, elegantemente vestida, abriu a cerimônia, anunciando a execução dos hinos nacional e municipal, pela banda municipal. Em seguida, todos se dirigiram ao anfiteatro, localizado na parte posterior do edifício. Arquibancadas cheias, a seqüência de espetáculos é apresentada pela dupla de locutoras da Estação Jovem, Karine e Karol. As duas estavam nervosas, mas viu-se que elas se juntavam, dando-se às mãos, até as vozes ficarem mais seguras e claras. O primeiro número mostrou um grupo de jovens dançando uma coreografia sobre a defesa do meio ambiente, tendo por trilha sonora Carmina Burana, ópera que tematiza a tragédia dos que buscam a riqueza sem limites. >> 111 Depois, Fernando Mendes, um menino de 9 anos, cantou à capela, o tema da Campanha da Fraternidade, acompanhado pelas palmas da platéia. Também muito aplaudidos foram os estudantes que dublaram uma banda de forró, o menino e a menina que quase perderam o fôlego ao declarar os direitos das crianças, as meninas do Núcleo de Arte Educação e Cultura, que dançaram vários ritmos com muita graça, e o grupo de teatro infantil que imitou bonecos. Aliás, Nova Russas deu mostras que sabe aplaudir seus artistas. Ana Márcia Diógenes, que a tudo observara, antes de entregar o troféu, usou o exemplo das duas meninas apresentadoras, Karine e Karol, para dizer que a luta pelo Selo é um dar as mãos, como elas fizeram, para que a força de cada um seja transmitida a todos, formando uma grande corrente, no caso, em favor das crianças e adolescentes. (OB) PEDRA BRANCA O Ceará de Curumins e Curuminhas Santuário de Santa Rita >> Em 13 de abril de 2007, às 14h inda hoje está lá na praça principal da cidade, ao lado da igreja matriz, a pedra branca que dá nome ao município. Era ponto de encontro de vaqueiros e viajantes que passavam por aquele sítio de árvores de copas enormes e sombra generosa. Acontece que na imaginação dos sitiantes, aquelas copas imensas assemelhavam-se a grandes perucas, daí que puseram no lugar a denominação de Tabuleiro da Peruca, só posteriormente sendo substituído por Pedra Branca. A Consta do Mapeamento Cultural feito pelas crianças e adolescentes, ainda, uma outra história relativa a origem de nomes, no caso à denominação da Serra de Santa Rita, em que Pedra Branca está situada. Conta a história que um rapaz dos sertões de Senador Pompeu era apaixonado por uma linda jovem serrana, de nome Rita, moradora de paragens próximas a tal pedra branca. Como na história de Romeu e Julieta, também na de Tabuleiro da Peruca, as famílias dos dois apaixonados eram inimigas e não aprovavam tal namoro. Certo dia, forçados pela situação e tomados de amor, os jovens combinaram um encontro secreto num certo desvão da serra, onde teria início a fuga para um lugar distante. Chegando ao local combinado, porém, o apaixonado rapaz deparou-se com o corpo de sua amada, jogado ao chão, trazendo as marcas da mordida fatal de uma serpente. Desesperado, o jovem, usando de uma arma branca, colocou-se ao lado do cadáver de sua amada e deu fim à vida. Após dias aflitivos de buscas, os pais dos jovens sacrificados encontraram os corpos dos filhos abandonados sobre uma pedra. Retiraram os dois separadamente, porque nem mesmo após o fato suas famílias se reconciliaram. Ele foi sepultado em Senador Pompeu e ela em Pedra Branca. Daquele dia em diante, contam os mais velhos, quem passasse pelo local do acontecimento, ouvia a voz da jovem pedindo que enterrassem seu amado junto a ela. Tempos depois, naquele lugar, fui construído um cemitério, o mais antigo da cidade, tendo ao seu lado uma capela, dedicada a Santa Rita, onde os enamorados desditosos costumam fazer pro- messas e orar pela alma da santa menina, especialmente no 22 de maio, dia de sua morte. A cidade fica no alto da Serra de Santa Rita e seu clima é um alívio naquele sertão. Por isto, mesmo naquele começo de tarde, os meninos se espalhavam na praça principal da cidade na hora de ir para o ginásio esportivo. Fizemos o mesmo, mas quando chegamos o ginásio já estava entupido de gente. Logo na entrada um cartaz, em nome de Piaget, dizia: “A arte não entra na criança, sai dela.” A principal atração, porém, ficou para depois. A preliminar foi feita pelo Coral Criança Feliz. Depois, a Vice-Prefeita e o Secretário de Cultura anunciaram os vencedores dos prêmios de redação sobre a escola como uma riqueza universal, e de desenho sobre a Páscoa, promovidos pelo poder municipal. Ana Márcia Diógenes procurou explicar de modo que as crianças entendessem o Projeto do Selo UNICEF. Depois, como de costume, das mãos das autoridades o troféu foi entregue às crianças, que o carregaram pelo ginásio, em meio à multidão. Entre encabulado e emocionado, o Prefeito admitiu que não gostava muito de falar e preferia comemorar. Do mesmo jeito os meninos e meninas, quando sorriam pra gente, escondiam o rosto, numa timidez cheia de charme. Os idosos, em grupo, saíram no meio do show, acompanhando o Prefeito que foi pôr o nome da cidade no carro da Caravana do Selo UNICEF. Cercaram-no pedindo ingresso para ir no trenzinho em passeio que ocorreria depois do show. Enquanto dentro do ginásio bonecos dialogavam com o apresentador, no calçamento defronte, o menino José Antônio Gomes da Silva, de 11 anos, conhecido como Zezinho, cantava para a equipe do UNICEF a música “ Desejo de Menina”, um dos hits da canção sertaneja. Ele costuma cantar na Rádio AM Trapiá. (OB) >> 113 ASSARÉ O Ceará de Curumins e Curuminhas Cidade com a poesia no ar >> Em 14 de abril de 2007, às 9h brincadeira de “Caí no Poço” é própria para meninos e meninas que estão querendo namorar, conta Luciana Feitosa, uma das adolescentes que fez o Mapeamento Cultural de Assaré. Começa-se por bem escolher o lugar, uma calçada ou uma praça, onde não haja adultos por perto. Os meninos ficam de um lado e as meninas do outro. Então, alguém, que fica de fora, vai por trás tapando os olhos de quem ela escolhe. Pode-se começar pelo grupo das meninas ou dos meninos. Tapa-se os olhos de um e pede-se que ele escolha uma pessoa do grupo oposto. Se for um menino, ele vai escolher uma menina. Só que antes elas trocam de lugar, para confundir o menino que está com os olhos tapados. Ele vem com os olhos tapados, escolhe uma menina e pergunta: “Caí no poço?” A escolhida responde: “Caiu!” Ele retruca: “Quem tira?”. “Meu bem”, ela responde. E ele: “Dizei com o quê”. Ela responde “Escolhendo ou um beijo, ou um abraço ou um aperto de mão”. A Então, ele abre os olhos e fica sabendo qual a menina que escolheu. Decide, então, se vai pagar ou não a prenda pedida pela menina. Claro que, quando a menina escolhida gosta muito do menino, pede um beijo. Se ele também gostar da menina, escolhe pagar a prenda. Se gosta pouco, a menina pede um abraço. Se não gosta nada, pede um aperto de mão. O menino escolhe pagar a prenda ou não. Esta brincadeira, repara Luciana, serve para os jovens começarem a demonstrar seus sentimentos, quando não têm coragem de os declarar frente a frente. Na estrada encontramos um vaqueiro e Evilázio Bezerra, o fotógrafo, fez parar o carro da Caravana do Selo UNICEF para fotos. O vaqueiro trazia uma bandeira vermelha sinalizando a presença da boiada que ajudava a conduzir. Posou pacientemente para as fotos, mesmo que isto atrasasse seu trabalho. Tratava-nos com reverência, talvez por sermos pessoas da cidade grande. Em seu uniforme de couro, ostentando sua rubra bandeira, sobre seu possante cavalo, não tinha idéia da potência estampada em sua figura. No palanque armado para a festa, a Banda Manoel de Bento nos recebeu tocando “Amigos para Sempre”. Embaixo, o povo espalhava-se pelas sombras das árvores e marquises ou se protegia do sol, embaixo de sombrinhas. Apresentaramse, depois, as meninas do Balé Cantiga de Roda, graciosíssimas em suas roupas de palhaços ou em suas malhas coloridas, desenvolvendo coreografias de xotes e baiões. Um deles dizia: “ela só quer, só pensa em namorar”. De resto, tudo é Patativa, o clima de poesia, a voz do locutor, os versos de “Menino de Rua”, recitados e cantados por Marciana: “Menino de rua/de ti não esqueço/aqui ofereço/meu canto de dor”. Até o nome da rádio FM, que transmitia a festa, leva o nome de Patativa. Só quem se rivaliza com o poeta símbolo da cidade é a canção “Flor do Mamulengo”, que depois de interpretada com muita vibração por Paula Pio vira mote para os discursos das autoridades que estavam no palco. Após enaltecer o trabalho com as gestantes, crianças, idosos e pessoas necessitadas de cuidados especiais, o Prefeito cantou emocionado “Flor do Mamulengo”. Ao lado dele, sua irmã, tirando lições da letra da canção, conclamou todos a se apaixonarem pelo município e se confessou, ela própria, apaixonadíssima por Assaré. Ana Márcia Diógenes, falando pelo UNICEF, também louvou Assaré, “onde se respira poesia”, e convocou ao palanque uma criança que tivesse nascido em 1999, ano de lançamento da primeira edição do Selo UNICEF. Apareceu Aline, que naquele dia estava completando oito anos. Todos cantaram parabéns, e Aline, não sem dificuldades, leu o Certificado do Selo UNICEF, ganho pelo município. Ao final, a banda tocou “Assaré Querido”, uma espécie de hino informal da cidade, em ritmo de frevo, e todos saíram dançando pela rua. Até os pais do Prefeito. (OB) >> 115 FARIAS BRITO O Ceará de Curumins e Curuminhas Rumo ao tetra >> Em 14 de abril de 2007, às 15h lista de brincadeiras infantis levantadas pelas crianças e adolescentes que fizeram o Mapeamento Cultural de Farias Brito é numerosa. Senão, vejamos: brincadeiras de elástico, mata, pião, bila, roda, trancelim, bola, bonecas, bicicleta, esconde-esconde, bicheira, duro, chicote ou cinturão queimado, jogar pedra, casinha, anel, rua colorida, dança das cadeiras, adedonha ou stop, dono da calçada, pular de corda, mamãe eu posso, carrinho de rolimã, lata, telefone sem fio, verdade ou desafio, macaca, carrinhos de madeira e cobra cega. Uma delas, bem interessante, é esta de nome “adedonha”. Naiara Araújo, uma menina de apenas 8 anos de idade, nos contou como se brinca: “Pode ter muitas pessoas. Aí faz uma roda em pé ou sentado. Cada uma bota as mãos para trás e grita “adedonha”, ou “stop” e coloca um número com os dedos. Cada número é uma letra (contando pelo alfabeto). Com a letra que parar, a gente escreve um nome, seja de pessoa, cor, cidade ou fruta. Se os nomes forem iguais, vale cinco pontos, se forem diferentes, vale 10. Se a pessoa não souber, vale zero. No final, se soma. Vence quem fizer mais pontos.” A Já sobre a brincadeira de “rua colorida”, quem falou foi Aline Lacerda, de 17 anos. “De um lado da rua fica uma pessoa de costas que vai dizer uma cor. As pessoas que estão do outro lado vão ver se têm a cor na roupa. Se tiverem, quem tiver passa para o outro lado. Se não, passa de um pé só, sem cair. Se cair vai dizer qual é a cor pros outros”. As crianças também recolheram muitas histórias. Entre elas, conta-se que em Malhada da Pedra, localidade próxima à estrada que vai da Vila Umari ao Distrito de Quincuncá, há uma pedra encantada, proveniente da virada de carro de um casal que ia para um casamento e nela o carro encantou-se. Contam, também, que a noiva, encantada junto com o carro, costuma aparecer sobre a pedra nas noites de lua cheia. Farias Brito, antiga Quixará, tem dois espaços culturais: o Memorial Marieta Pereira Gomes (mãe do atual prefeito) e o Centro de Cultura Rosemberg Cariry, novinhos em folha. A solenidade de entrega do Selo, entretanto, foi no ginásio esportivo da cidade. Chegamos e um palhaço fazia a apresentação, enquanto dois outros, de pernas de pau, passeavam pelo ginásio. A banda de música, de fardamento novo, para início de conversa, tocou o Hino do Município. Em seguida, três adolescentes, que fazem a locução do programa de rádio “Fazendo Zoada”, assumiram a condução da solenidade. Chamaram as autoridades e a menina apresentadora, muito a vontade, perguntou: “Prefeito, o que você tem para nos dizer?”. O Prefeito deitou lá sua prosa, mas João Frutuoso, o Secretário de Agricultura, preferiu dizer sua fala em versos. >> 117 As crianças do distrito de Quiquincá apresentando o que colheram no Mapeamento Cultural, além de peças de artesanato, mostraram danças indígenas, ao som de “Meu Amor é Canibal”. As peças tinham lá seus traços indígenas, mas a dança era axé. Antes do Grupo de Flautas do Distrito de Nova Betânia mostrar seu número, os apresentadores chamaram pelo nome cada um dos participantes. Gesto bonito, como bonita foi a apresentação de “Sabiá”, de Chico Buarque e Antônio Carlos Jobim. Enquanto isto, duas meninas cercaram os palhaços, tentando uma paquera: “Êi, Palhaço!” Ana Márcia Diógenes pediu que Gabriela, uma menina de 9 anos, lesse o certificado do Selo. Ela o fez com a maior competência, inclusive ao ler o nome em francês da representante do UNICEF no Brasil. “Beleza, somos tricampeões do Selo!”, gritou o palhaço, para perguntar, em seguida: “Quem quer lanche, quem quer suco?”. Todos responderam: “Eu”. E o palhaço: “Pois vão comprar!”. Mas saiu lanche sim para a garotada, e o locutor finalizou a solenidade, despedindo-se: “Até 2008. Rumo ao tetra!”. (OB) MISSÃO VELHA O Ceará de Curumins e Curuminhas Cordel de vaqueiro e quadrilha >> Em 14 de abril de 2007, às 19h N o Distrito de Gameleira, houve no passado uma epidemia de doenças venéreas, tão assombrosa, que seus moradores fizeram uma promessa a São Sebastião: se o santo desse fim à peste, ganharia uma festa anual. Como, de fato, a peste acabou, São Sebastião passou a ser comemorado com missa, novena, quermesse, cortejo do pau do santo e tudo o mais que requer uma festa de padroeiro. Seu cortejo, animado por uma banda cabaçal, vai da igreja até uma grande gameleira, árvore que dá nome ao distrito. Já na localidade de Quimani, onde também se comemora o dia de São Sebastião, as crianças se divertem. Juntam-se 30 pessoas e desfilam em cortejo no terreiro ao redor da calçada da capela e, depois, vão brincar nos parques e circos armados na praça. No Mapeamento Cultural do município está assentada a toponímia do Riacho da Pia, um pequeno rio que passa na localidade de Terra Vermelha, dentro do território de Missão Velha. Conta-se que um senhor, por nome Antônio Pia, era um dos homens que sempre ajudava a levar o corpo dos mortos até seu local de destino. Porém, só até certo ponto, pois quando chegava a um riacho, ele sempre voltava, nunca atravessava. Quando ele morreu, como de costume se fazia com os mortos, cinco homens se encarregaram de levar seu corpo ao cemitério. Nem assim, ele atravessou o riacho. Foi só o féretro chegar ao local da travessia e estancou. O corpo pesou tanto que os carregadores não agüentaram. Então colocaram o corpo dele no lombo de uma égua. Ao tentar atravessar o dito riacho, porém, a égua arriou e, dizem, quebrou o espinhaço. Resultado, enterraram Antônio ali mesmo na beira do curso d’água, que passou a se chamar Riacho da Pia. Assim, chegamos à Missão Velha cheios de curiosidades. Era noite e fomos recebidos por foguetes. Seguimos em um cortejo que tinha um pouco de tudo, apitaço, alas de colegiais, grupos de folguedos, crianças fantasiadas (anões da Branca de Neve, vaqueiro, mulher rendeira, até padre), bandas cabaçais e um carro de som reproduzindo a canção tema da festa que dizia: “Minha Missão Velha/sei que tu és bela/resolvi falar de ti/tão pequenina e bonita/parece uma canafita/na porta do Cariri”. Depois, seguimos entre barracas de quitutes e artesanato por ruas embandeiradas, até chegarmos à Praça da Estação, onde o palanque estava armado. Vestido de palhaço, o apresentador do Forrozão “Namoro Novo” comandava o espetáculo agitadíssimo! No meio da movimentação, um cartaz dizia: “Para ir ao país da cultura, pegue o bonde da leitura”. O grupo de flautas da ONG União Popular Pela Vida, acompanhado por um violão, tocou “Amigos Para Sempre” e, pela primeira vez na viagem, ouvimos um número ser aplaudido em cena aberta. Em seguida, veio um cordel apresentado pelos adolescentes do Cento de Apoio Jovem, intitulado “Missão de Ouro, ganhamos um tesouro”, que contava a história do município desde as lavras de ouro até o Selo UNICEF. O texto é ótimo e as crianças interpretavam vestidas a caráter: vaqueiro, noivo, mateus, matuta de quadrilha etc. Com graça e expressão citaram comidas, personagens, belezas naturais e atrações culturais do município. “Graças às missões e ao ouro, ganhamos nosso tesouro”, terminaram. Vieram as crianças do Coral Irmã Luiza Maria e vestidas em cetim azul e amarelo, entoaram o Hino do Município. Eram muito pequenas e foram aplaudidíssimas. Quando Ana Márcia Diógenes chamou uma menina nascida em 1999, ano de lançamento do Selo UNICEF, para entregar o troféu ao Prefeito, apareceu Milena. Parecia combinado, mas não era, pois na hora o Prefeito, que é médico, lembrou-se que fizera o parto dela. Os dois se abraçaram. Foi tão bonito, que o apresentador, imitando locutor de vaquejada, gritou: “Aí, Missão Velha!”. Várias pessoas choravam. (OB) >> 119 BREJO SANTO O Ceará de Curumins e Curuminhas Bonecas e meninos que encantam >> Em 15 de abril de 2007, às 9h o mapeamento do município está registrada a história do batizado da Calunga Naira, narrada pela própria dona da tal boneca. Disse ela, Filomena, que a calunga era uma boneca de porcelana em forma de bebê, olhos azuis, cabelos castanhos, boca rosada, bem rechonchuda e perninha encolhida, como se estivesse esperneando. As meninas gostavam tanto dela que resolveram batizá-la. Na sala de visitas da casa da mãe de Filomena prepararam a festa, mesa enfeitada com papel de seda colorido, doces e refrigerantes. Vestiram a calunga com roupinha de bebê, sapato de lã, touca e camisinha cor-de-rosa, enfeitada com renda e bicos brancos. Depois, foram em cortejo à casa do Padre Pedro. N Chegaram, ele estava sentado em sua cadeira, sereno como sempre, parecendo um santo. Certamente meditava sobre as coisas de Deus. Perguntou: “O que vocês querem, assim tão bonitas, com essa calunga nos braços?”. “Batizá-la, Pe. Pedro”. “Mas eu não posso fazer isso, minhas filhas, pois ela é apenas um brinquedo!”. “Oh, Padre Pedrinho, de faz de conta!”. As meninas tanto imploraram, que o Padre cedeu. Colocou água numa bacia, pediu que as meninas se aproximassem e perguntou o nome da calunga. Fez o batizado, improvisando na hora: “Naira, eu te batizo/Pela tua formosura/Não te dou os santos óleos/Porque tu não és criatura.” As meninas ficaram mortas de satisfeitas. Voltaram pra casa e fizeram a festa. Hoje, a calunga encontra-se no memorial do Padre Pedro, pra todo mundo ver. Foi também uma boneca que nos recebeu naquela manhã, em Brejo Santo. Uma menina pintada com boca miúda, sardas, fita no cabelo e vestido muito colorido, feito uma boneca. Foi ela, Carla Úrsula que puxou o cortejo pelas ruas, depois da carreata. Manhã de domingo, gente sentada na calçada, debulhando milho e feijão, meninos se danando e o povo acenando para a nossa caravana. No ginásio, depois da exibição da Banda Municipal, a menina boneca, feito apresentadora, chamou as autoridades para compor a mesa. Anunciou o Coral AABB, que cantou linda- mente; os lutadores de karatê, a dança do “Pisa o milho peneira o xerém”, e um menino de 10 anos de idade, todo de branco, que comoveu a todos, cantando uma canção de Gonzaguinha. Acompanhado por um teclado e pelo violão do pai, Ébano Henrique virou a principal atração da festa. Cantou até quando quis, porque as palmas sempre pediam mais. Embaixo, no meio da quadra, era palhaço e bola pra todo lado. Palhaço de muleta, de perna-depau, acrobata e andando pelo chão normalmente. E palhaça também. Palhaça brincando com bola e dando bola pra menino ficar alegre. Um menino pôs duas bolas dentro da camisa, como se fossem imensos seios, e saiu correndo pela quadra. Uma menina grande furou a bola de um meninozinho pequeno e ele ficou duro de decepção. Nem reclamou. A professora, comovida, veio em seu socorro e ele ganhou outra bola. De alegria, encheu os olhos d`água. Convidados por Rui Aguiar, as crianças, que estavam indóceis nas arquibancadas, invadiram a quadra, fizeram uma grande roda e tocaram a carregar o troféu do Selo. Um ancião de 100 anos se juntou a uma criança recém-nascida. Uma das mais queridas professoras de Brejo Santo, Marineuza Santana, falou da emoção que lhe acompanhou durante aquele dia. Começou dizendo: “Acordei ao som dos fogos e da banda de música”. Depois disse versos celebrando a alegria da cidade naquela manhã. Na hora da entrega do certificado do Selo, em vez do “Tema da Vitória”, Ébano Henrique cantou Gonzaguinha, na canção que diz: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz...”. A pedidos, cantou temas sacros e outros. Terminou a solenidade e ele continuou cantando. Depois ficamos sabendo que Ébano é filho do cantor e compositor Evaldo Henrique Lima e neto do sanfoneiro Raimundo Henrique Siqueira, o Toso de Mauriti! (OB) >> 121 LAVRAS DA MANGABEIRA O Ceará de Curumins e Curuminhas Quatro festas para o Selo >> Em 15 de abril de 2007, às 16h ontam os mais antigos que, no Sítio Barro Branco, distrito de Iborepi, havia uma menina, muito bonita e inteligente, que era o orgulho de seus pais. Um dia a menina foi acometida de uma doença, por todos desconhecida. Como não existia médico no lugar e com medo de contágio, os vizinhos exigiram que os pais a isolassem. Com muito desgosto, o pai construiu uma casa no alto da serra e lá colocou a menina, trancada à chave. Todos os dias ele subia a serra, levando comida para a filha. Até que uma vez ele chegando na dita casa, não encontrou a menina. Achou esquisito, pois ele era o único a possuir a chave da casa. Procurou a menina por todo canto e não achou. Desceu a serra e ficou intrigado. Depois de algum tempo, o pai da menina teve um sonho. Ela apareceu e pediu que ele a fosse visitar no alto da serra. Dia seguinte, o pai foi. No local da casa encontrou uma grande roseira, nunca vista por ali, que florava em plena seca. Consta no Mapeamento Cultural do município, feito para o Selo UNICEF pelas crianças e adolescentes, que aquela roseira existe até hoje, florindo no inverno e na seca. C No Mapeamento está registrado, ainda, que no Sítio Taquari, distrito de Mangabeira, existe uma umarizeira que, em fevereiro de 2005, passou uma semana chorando. Do fato, os roceiros da localidade concluíram que aquele não seria um ano invernoso. Já no distrito de Quitaús há um riacho por nome Rosário, onde foram construídos três açudes. Diziam que em um deles, o Açude do Dão, morreu uma criança pagã, isto é, que não havia sido batizada e que, por isso, virara bicho, passando a habitar o fundo do açude. O povo do lugar, tanto acreditava nesse fato que, certa vez, funcionários de uma construtora foram sangrar o açude e juntou-se uma multidão na borda, para ver se o tal bicho aparecia. Encantados por essas histórias, chegamos domingo à tarde e, no centro antigo de Lavras da Mangabeira, o povo, banhado e penteado, com suas roupas de passeio, dirigia-se para a praça onde uma das festas já havia começado. Uma das festas, porque foram quatro, naquela tarde e noite, na cidade. A primeira na praça, defronte à Prefeitura, animada pelo grupo de palhaços Tio Bibi, do Crato. De cima do carro de som (tipo trio elétrico) um dos palhaços animava a garotada: “Agite as mãos, seu cara de mamão. Agite o pé, seu cara de chulé. Agite a cabeça, mas não enlouqueça”. Depois, o palhaço provocou uma menina: “Oi, tudo legal, sua cara de mingau!”. E recebeu a resposta que não queria: “Cara de mingau é tu!”. Embaixo, na multidão, dois meninos passaram, cada qual, com um passarinho na mão: um gola e um cabocolino. Então, outro garoto falou: “Solta os bichinhos, porque eles não querem ficar presos não!”. Os dois, que planejaram colocar os passarinhos numa gaiola, desistiram e soltaram os bichinhos. Ainda na praça em frente à Prefeitura, foi colocado o nome da cidade no carro da Caravana do Selo UNICEF, em meio ao entusiasmo dos funcionários e das funcionárias da Prefeitura. Em seguida, enquanto as crianças continuavam na praça, os adultos se dirigiram à sede da Secretaria de Ação Social, onde se deu a solenidade de entrega do Selo. O auditório estava enfeitado, mas era pequeno para a multidão. Apresentou-se o Grupo “Som Doce de Minha Flauta” interpretando Asa Branca. Em seguida, foi exibido um vídeo documentário sobre o trabalho da secretaria e vieram os discursos. Maria Jaqueline Sá, a Secretária de Ação Social, muito emocionada, falou de sua tristeza quando soube que Lavras não estava entre os nomes dos municípios anunciados em novembro de 2006. Foi consolada, na ocasião, pela Prefeita, que disse: “Nós não trabalhamos para ganhar o Selo, mas para melhorar a vida das crianças”. Porém agora, quando a vitória chegou, após a revisão das notas do município, todos comemoraram. Tanto que dali saíram para a praça, onde numa terceira festa, foi entregue o troféu. Já a quarta festa, foi à noite, num grande forró na praça. (OB) >> 123 ALTO SANTO O Ceará de Curumins e Curuminhas Terra de gente vibrante >> Em 16 de abril de 2007, às 15h ntre os tipos populares, no Mapeamento, foi registrada a figura de Lafaiete Anselmo Pereira, o primeiro vereador negro do município. Aconteceu quando ele tinha apenas 18 anos e trabalhava na roça, colhendo milho e algodão para o senhor Manoel Cardoso. Este tal senhor, que era político, observando a inteligência de Lafaiete, sugeriu que ele se candidatasse, em seu lugar, a vereador. Assim Lafaiete fez. Candidatou-se e venceu, quatro vezes seguidas, sempre em primeiro lugar, chegando a ser Presidente da Câmara de Vereadores. Além disso, Lafaiete foi o primeiro chofer de praça de Alto Santo, o segundo motociclista, dono da primeira loja de peças para veículos e do primeiro posto de lavagem. E Se Lafaiete Anselmo Pereira estava presente à festa de entrega do Selo, não ficamos sabendo. Mas no ginásio onde aconteceu a festa havia meia cidade. Foguetes, bonecos gigantes e cabeções nos receberam. Alguns muito esquisitos: uma baiana, um palhaço, um arlequim, uma velha dando língua, um matuto, um velho, uma negra doida e um lá com a boca aberta. Encontramos Toinho do Boi, rodeado de papangus e destes tipos acima descritos, comandando todos eles. Esta turma toda pertence à Companhia de Bonecos Gigantes de Quixeré, município que fica bem próximo dali. Em seguida, a banda tocou um frevo falando das belezas de Alto Santo, e os bonecos se danaram a dançar. O primeiro número apresentado pelas crianças foi uma peça contando a linda história do amor entre dois bonecos falantes: um soldadinho de chumbo e uma bailarina de porcelana. O figurino dos pequenos atores era um encanto, assim como a cenografia. Eles estavam dublando. O segundo número, porém, foi de viva voz. Kely Suzy, uma menina de 12 anos, tocando o seu próprio violão, interpretou “Onde Canta o Sabiá”, música que descreve a beleza do sertão. Em seguida, atendendo a pedidos, interpretou uma canção que entre seus versos fala de “quem pensa que a vida é feita de ilusão...”, para depois afirmar que “é preciso saber viver”. Todos cantaram com ela, inclusive, um grupo de idosos sentados em cadeiras especiais. Após os números artísticos, vieram os discursos, todos muito vibrantes. Falou o Presidente da Câmara de Vereadores, Francisco Rogério Filho, que tudo comparava com uma estrada sendo percorrida. Falou o Padre Juliano, lembrando os anos de seca e de fome, com direito à canção de São Francisco como fundo musical. Falou a Secretária de Cultura, Alexandrina Neves, que destacou os meninos e meninas participantes do Mapeamento Cultural. Falou Sandra Soares, articuladora local do Selo UNICEF, que enalteceu as conquistas do Conselho Municipal em Defesa da Criança e do Adolescente. Falaram as secretárias de Educação e de Saúde, conclamando todos a se empenharem na obtenção das metas do Selo para 2008. O Prefeito, numa cadeira de rodas, acompanhou a vibração dos demais. Contou de sua luta, “quando minha mulher tentou organizar um grupo da terceira idade, só compareceram nove pessoas para a primeira reunião. Hoje, fazemos reuniões com 200.” Na hora da entrega do Selo, a trilha sonora foi “Amigos Para Sempre”. A temperatura do ambiente, que já era alta, aumentou em muitos graus, tal a vibração alcançada. Rui Aguiar pediu palmas para todos os que contribuíram para a conquista do Selo: as mães que amamentaram, os meninos que não faltaram aula, os agentes de saúde, os educadores infantis, o vizinho que denunciou a mulher que espancava o filho, as crianças e adolescentes do Mapeamento, do programa de rádio, enfim, para todos os que gritaram feito uma torcida: “Alto Santo, Alto Santo!”. (OB) >> 125 itaiçaba O Ceará de Curumins e Curuminhas Feito miolo de aroeira preta >> Em 17 de abril de 2007, às 9h egundo o povo do município, e isso está registrado no seu Mapeamento Cultural, o inventor do avião nasceu em Itaiçaba, mais precisamente na comunidade de Rancho do Povo, e se chama Zé Rapadura. De acordo com o que o jornalista aposentado Humberto Rocha, 70 anos de idade, revelou aos adolescentes mapeadores da cultura, José Almeida, o Zé Rapadura, inventou o avião, segundo ele próprio, tendo como referência o urubu ou, como disse: “baseado no vôo do urubu”. Inventou ali mesmo em Itaiçaba e depois viajou para o Rio de Janeiro, onde deu parte de seu invento a Santos Dumont. Daí, aquele, muito espertamente, teria vendido a idéia a uma empresa, que produziu o avião, e até hoje o tal lá é tido como o pai da aviação. S Os pais ficaram na arquibancada. Na quadra, crianças, adolescentes, autoridades, grupos artísticos, professores, idosos e os estandes das diferentes secretarias municipais. No da agricultura, artesanato e mel. No da saúde, uma mãe dando de mamar, ao vivo. No da ação social, desenho em tecido. No da educação, uma brinquedolândia. A banda de música executou o Hino Nacional, regida pelo maestro Enelruy. Intercalada por um discurso, a programação artística continuou com a encenação do sonho de uma menina, que dormia com seu ursinho. No sonho, comandado por uma linda fada, entraram palhaços, meninas pulando cordas, brincadeiras de bambolê, skate, futebol, arraia, confetes, pompons e cirandas. Também consta do Mapeamento a história do Cavalo da Meia-Noite. Revelou a senhora Lúcia Rosa Barbosa Lima, a Lúcia de Totó, que antigamente as mulheres de Itaiçaba faziam serões, reunidas nas calçadas para trançar chapéus de palha. Passavam a noite em claro e, vez em quando, ao dar meia-noite, ouvia-se o barulho das patas de um cavalo em louca disparada, sem que se visse o cavalo ou cavaleiro. As mulheres ficavam intrigadas, pois nenhuma conseguia dar uma explicação satisfatória para o fato. “Isso só pode ser assombração”, comentavam. Até que um dia se descobriu o motivo daquela marmota: um dos figurões da cidade tinha uma namorada, ali bem próximo. Usava um gravador para provocar aquele ruído e afastar as mulheres que, assombradas, corriam para dentro de casa. Sem ser visto, podia calmamente visitar sua namorada. Durante a condução da solenidade, Rui Aguiar revelou que para a reconquista do Selo por Itaiçaba, o cadastramento eleitoral de adolescentes foi decisivo. As crianças ouviram tudo, atentas e bem comportadas. Gente bonita, mais presença de louros que nas outras cidades. Interessante é que, ali, as crianças não estouraram os balões coloridos. Pelo contrário, guardaram com o maior zelo. Itaiçaba nos recebeu com seu famoso artesanato de palha, exposto na entrada do ginásio esportivo, onde ocorreu a festa. Bolsas, tapetes, jogos de mesa, uma coleção completa de artefatos coloridos e perfeitamente executados. A meninada espalharase pela antiga escola cenecista, onde está localizado o ginásio esportivo. Preparava-se e brincava com a corda solta. Pintado na parede, chamava a atenção o letreiro: “Pensa nisso e amarás a tua escola que tem para tua comunidade a mesma importância que a casa para a família e o ninho para as aves”. Quem entregou o troféu ao Prefeito, foi o Júnior, um menino risonho, usuário de cadeira de roda. O pessoal da arquibancada foi convocado a descer de lá, invadir a quadra e participar da festa. A criançada ajudou: “Desce, desce!”. Muitos desceram, outros não. Os adolescentes gritaram: “Itaiçaba, Itaiçaba!”. Por fim, o Prefeito falou: “Pessoas de alta periculosidade comemoraram a perda de Itaiçaba no Selo UNICEF (antes da cidade recorrer). Mas tenho uma estrutura de miolo de aroeira preta, para agüentar o tranco!” E tudo virou festa, puxada a frevo. (OB) >> 127 Realização: Apoio: