SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Reitor Prof. Dr. Antônio Manoel dos Santos Silva Vice-Reitor Prof. Dr. Luís Roberto de Toledo Ramalho Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Dr. Fernando Mendes Pereira FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL Diretor Prof. Dr. Luiz Antonio Soares Hentz Vice-Diretora Profa. Dra. Irene Sales de Souza Coordenadora de Pós-Graduação Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE Serviço Social & Realidade Franca v.8, n.1 ISSN 1413-4233 p.1-196 1999 SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE Editora Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld Comissão Editorial Profa. Dra. Maria Angela Rodrigues Alves de Andrade Profa. Dra. Lilia Christina de Oliveira Martins Prof. Dr. Ubaldo Silveira Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld Publicação Semestral/Semestral publication Solicita-se permuta/Exchange desired Correspondência e artigos para publicação deverão ser encaminhados a: Correspondende and articles for publicacion should be addressed to: Faculdade de História, Direito e Serviço Social Rua Major Claudiano, 1488 CEP 14400-690 - Franca –SP Endereços Eletrônico / e-mail [email protected] [email protected] SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE (Faculdade de História, Direto e Serviço Social – UNESP) Franca, SP, Brasil, 1993 1993 - 1999, 1 – 11 ISSN 1413-4233 APRESENTAÇÃO Como é dado a alguém que se vê na contingência de bem compreender os diversos envolvimentos dos cursos do seu câmpus, a surpresa é uma constante quando se envolve com disciplinas fora de sua formação pessoal. Assim, embora atento às transformações sociais e aos movimentos na área da Educação em geral, meus estudos em Economia e Direito sempre ocuparam um espaço razoável, em detrimento de outros campos do conhecimento, igualmente importantes. Daí que a leitura, atenta e diligente dos escritos que compõem este número da Revista Serviço Social & Realidade, propiciou não só a compreensão necessária das análises e comentários ao Serviço Social como prática educacional, científica e didaticamente disciplinada, mas especialmente o valor das contribuições do(as) professor(as) e pesquisador(es). São estudos sérios sobre o Serviço Social e seu impacto na Educação atual. Destaca-se, dentre esses, o relato da Profa. Dra. Raquel Santos Sant'Ana, sobre a trajetória histórica do Serviço Social e a construção do seu projeto ético-político. Aos autores, aos membros da Comissão Editorial e à Editora, Profa. Dra. Neide Aparecida de Souza Lehfeld, reservam-se os méritos da publicação ora apresentada ao público leitor. Prof. Dr. Luiz Antonio Soares Hentz Diretor da FHDSS SUMÁRIO/CONTENTS APRESENTAÇÃO 5 SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO • Desafios ao Novo Currículo de Serviço Social Challenges to the New Curriculum of Social Service Raquel Gentilli ......................................................... 9 • A prática do Ensino no Curso de Serviço Social – reflexões necessárias The practice of the Teaching in the Course of Social Service - necessary reflections Maria Angela Rodrigues Alves de Andrade............. 31 • O Serviço Social na área da Educação The Social Service in the area of Education Eliana Bolorino Canteiro Martins ........................ 57 • A trajetória histórica do Serviço Social e a construção do seu projeto ético-político The historical trajectory of the Social Service and the construction of its ethical-political project Raquel Santos Sant'Ana ......................................... 73 • Iniciação Científica no Serviço Social Cientific Iniciation in the Social Service Neide Aparecida de Souza Lehfeld 89 SERVIÇO SOCIAL E PESQUISA CIENTÍFICA • Critérios de avaliação para classificação sócioeconômica: elementos de atualização Means of avaliaton Social-economic classification: Update elements Albério Neves Filho, Maria Inês Gândara Graciano e Neide Aparecida de Souza Lehfeld ..................... 109 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 1-196, 1999 7 • A família como espaço privilegiado para a construção da cidadania The family as privileged space for the construction of the citizenship Mário José Filho ..................................................... 129 • Nordeste Paulista, Antecedentes, Caminhos e Ocupação Northeast of São Paulo, antecedents, ways and occupation Cláudia Maria Daher Cosac ..................................... 151 ÍNDICE DE ASSUNTOS ........................................................ 187 SUBJECT INDEX .................................................................. 189 ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX ............................ 191 8 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 1-196, 1999 DESAFIOS AO NOVO CURRÍCULO DE SERVIÇO SOCIAL1 Raquel GENTILLI* • RESUMO: Este texto discute a formação profissional do serviço a partir das referência das diretrizes para o novo currículo de serviço social, tomando como posto de observação, as querelas decorrentes das ações privativas dos Conselhos Regionais e Federal. Esta reflexão chama atenção ainda para a necessidade de uma participação mais ampliada e decisiva dos profissionais da prática, sobretudo dos supervisores, no processo de formação profissional. • PALAVRAS CHAVE: Formação profissional do serviço social; Prática profissional do serviço social; Diretrizes para reformulação do currículo. Este texto tenta debater sobre a formação profissional do serviço social num contexto um pouco diverso daquele que geralmente vem sendo posto no debate recente do novo currículo. Além de refletir sobre algumas questões à luz das diretrizes gerais de ABEPS, inclui alguns aspectos que se apresentam, não só no espaço acadêmico, mas também no da fiscalização do seu produto, ou seja, no campo das atribuições legais de um Conselho Regional de Serviço Social. Deste olhar emergem ponderações sobre alguns dilemas centrados em dificuldades teóricas e práticas que geralmente eclodem em torno dos empecilhos derivados da manipulação das metodologias profissionais e das interpretações teóricas da realidade, protagonizados, na maioria das vezes, pelos profissionais que vivenciam a realidade da prática profissional no cotidiano. Apresenta-se portanto como um texto híbrido (pois se imiscua em diversas veredas do exercício e da formação profissionais) e tenta suscitar alguma reflexão sobre mazelas crônicas destas realidades, ao mesmo tempo em que pretende 1 * Texto produzido em julho de 1999 originariamente para subsidiar a discussão da COFI (Comissão de Orientação e Fiscalização do CRESS -17ª Região / Espírito Santo). Assistente Social pela Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Ciências Sociais e Doutora em Serviço Social, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Presidente do CRESS-17ª Região (Espírito Santo), gestão 1996-1999 e 1999-2002. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 9 sinalizar para o enfrentamento das mesmas, alongando-se das questões teóricas mais gerais até as mais diretamente ligadas ao estágio supervisionado. Assim, estas e outras questões, nem sempre explícitas, sinalizam para a existência de ásperos problemas sentidos pelos assistentes sociais no mercado de trabalho. Aqui, tais questões estão sendo trabalhadas por mim como uma tentativa de apreensão - que me foi possível realizar -, daquilo que Goldmann denomina “consciência possível”2 sobre o assunto neste momento. Toma-se, para tanto, como referência a experiência coletiva recente do CRESS-ES 3 ,assim como minhas próprias reflexões acumuladas sobre o assunto nos últimos anos. A medida em que foram sendo arrolados problemas, naturalmente foi sendo construída uma reflexão espontânea sobre a formação profissional desejável, numa perspectiva um pouco diferenciada da do espaço acadêmico, pois ela se baseava nos resultados que se apresentam no cotidiano da entidade, e não no projeto de formação profissional. Neste sentido, o olhar aqui apresentado, esforça-se para expressar exatamente esta reflexão acumulada sobre tais efeitos, que se espera possa, dialeticamente, contribuir para o debate do projeto de formação em curso. Como conseqüência, a reflexão aqui gerada assume uma perspectiva de reivindicação, de demanda expressa e explicita às Unidade de Ensino, responsáveis principais que são, como artífices de uma determinada concepção de profissão que vem sendo construída coletivamente. Ao mesmo tempo lança um desafio aos supervisores profissionais a se inserirem em parcerias efetivas para conhecer, supervisionar e fiscalizar a formação e o exercício profissionais como um todo. Por tomar, como posto de observação, as querelas decorrentes das ações privativas dos Conselhos Regionais e Federal, esta reflexão chama atenção ainda para a necessidade 2 Ver este conceito na obra de Lucien Goldmann, principalmente nas obras Dialética e Cultura. 3.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1991, e Ciências Humanas e Filosofia: o que é a sociologia? São Paulo: Difel, 1980. 3 Esta reflexão aqui proposta está presente no projeto do Curso de Serviço Social da Faculdade Salesiana de Vitória, de minha autoria, que está sendo submetido à aprovação do MEC. 10 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 de uma interferência mais ampliada e decisiva dos profissionais da prática, sobretudo dos supervisores, no processo de formação profissional no sentido de acompanhar a transmissão de um saber, de uma cultura e de uma identidade profissional que se quer democrática e cidadã. I – Razões para uma reflexão mais ampliada O apelo a uma participação mais ampliada no processo de formação profissional, envolvendo inclusive os Conselhos Federal e Regionais, deve-se ao simples fato das Unidade de Ensino realizarem um processo de formação e autorização legal para o exercício profissional, que, no sentido restrito, cessa com a colação de grau do aluno. Aos Conselhos cabe, entretanto, por meio da fiscalização do exercício e da ética profissionais, a responsabilidade sobre a profissão que se realizará ao longo da vida profissional do assistente social, tendo que se haver com as lacunas deixadas pela formação. Outra razão importante para tal investida se deve ao fato de terem sido identificados, ao longo da experiência realizada na gestão 1996-1999, alguns pleitos e indagações de colegas da prática, apoiadas em suas experiências organizacionais, assim como nos chamados “campos de estágio”, sobre as referidas lacunas. Além das razões profissionais, políticas e pedagógicas, há que se reconhecer também que, perante a justiça, a ninguém é facultado o direito de alegar desconhecimento da legislação em vigor. Isto significa que existem razões práticas para promover uma aprendizagem mais concreta dos elementos normativos da profissão, além das motivações teleológicas. Por mais estranho que possa parecer às Unidades de Ensino, tais conteúdos ainda não fazem parte das rotinas de uma quantidade enorme de profissionais que se encontram no mercado. E muitos, ao serem surpreendidos pelas novas formas de demandas do mercado, como gerenciamento organizacional, planejamento, recursos humanos, novas especializações sociotécnicas (que sinalizam exatamente para o aprofundamento, expansão e complexificação das respostas que a profissão é chamada a dar às demandas que estão sendo postas pelo Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 11 mercado de trabalho), tendem a pôr em questão a identidade e a formação profissionais. Para enfrentar o desafio de refletir desde lugar, toma-se como pressuposto para a reflexão uma concepção de formação profissional, que não desconsidera o papel e as atribuições específicas das Unidades de Ensino, mas responsabiliza a todos, professores, supervisores, organizações da categoria e os próprios alunos por este processo. Assim, procurando expandir o foco da reflexão sobre a formação profissional para um debate mais ampliado, pretende-se trazer para a reflexão as seguintes questões: 1) Existe hoje na prática uma gama muito variada de focos de atenção dos assistentes sociais em relação aos problemas concretos cotidianos que estão completamente dispersos, sem uma boa articulação com os conteúdos mais genéricos da formação profissional. Esta característica não é nova, apenas se encontra hoje mais ampliada e complexifica. 2) Recentemente a profissão retornou ao debate teórico da metodologia, da prática e da instrumentalização profissionais. Entretanto, este debate ainda se realiza com certa dificuldade pedagógica e em âmbito restrito, o que dificulta a sua apropriação na graduação e, consequentemente dificulta o diálogo com os supervisores nos “campos de estágio”. 3) Muito tem se discutido sobre relação teoria-prática, mas as pesquisas sobre supervisão e estágio têm apontado que muito ainda temos a construir nas Unidade de Ensino e nas organizações que funcionam como “campo de estágio”. Este passo é fundamental para que fiquem assegurados na formação do aluno as reflexões sobre a finalidade da profissão na sociedade, os produtos da ação profissional em meio aos objetivos das organizações e o lugar da ética na profissão. 4) Os procedimentos que envolvem o processo de supervisão construíram ao longo da história profissional uma cultura de tradição oral e teoricamente assistemática que sobrevive fortemente. Esta tem socorrido os alunos em relação aos métodos, às habilidades técnicas e aos procedimentos operativos e processuais na condução de levantamentos, planejamento, administração e gestão social, assim como nas intervenções profissionais individuais, grupais e coletivas. 12 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 5) Apesar da existência de uma clara exigência de qualidade do desempenho e da competência profissionais pelas instituições da categoria, nem sempre se tem conseguido estabelecer clara interlocução entre práticas pedagógicas e práticas profissionais que articule clara e organicamente razões éticas, amadurecimento intelectual e valores humanitários, libertários e participativos no processo de formação profissional. A discussão da profissão sobre problemas como estes é bem antiga e vem sendo acumulada e amadurecida ao longo de muitos anos de debate. Entretanto, o produto deste acúmulo, e que foi inclusive incorporado nas recentes medidas reguladoras4, ainda não se encontra consolidada como uma realidade empírica em todas Unidades de Ensino. Tais diretrizes para a formação, de certa forma, já se encontram assinaladas nos instrumentos de controle e disciplina da profissão, que são o Código de Ética e a Lei 8662, ambos em vigor desde 1993. Por mais que tenhamos avançado nesta década, falta ainda em grande medida - na prática - uma expressão orgânica destes elementos normativos nos novos conteúdos teóricos e práticos da formação profissional. O eixo teórico central da reflexão que aqui está sendo trazida sobre a formação profissional, e logicamente sobre o novo currículo, está centrada na concepção de que o assistente social é um profissional demandado socialmente para responder à questão social por meio de programas e políticas sociais, estabelecidas nas mais diversas organizações públicas e privadas, governamentais e não-governamentais. Ao atender a estas demandas, o assistente social opera ações e processos em respostas aos problemas sociais, que envolvem sofrimentos psicossociais dos usuários, simultaneamente ao desenvolvimento de ações práticas de natureza política. Assim, o profissional se encontra inserido em relações sociais complexas que fazem emergir uma ação 4 Wanderley , Mariângela Belfiore. Formação profissional no contexto da reforma do sistema educacional. Cadernos ABESS, n.8, demonstra como a comissão de especialistas do Serviço Social na SESu/MEC conseguiu incorporar às novas diretrizes da formação profissional um parâmetro de qualidade compatível com o processo de discussão interna da categoria, no espírito da LDB n.9394 de 20/12/96, sem deixar de atender os novos padrões universitários estabelecidos para uma formação profissional pela instituição. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 13 profissional atada às múltiplas dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas que estruturam as sociedades modernas. Insere-se portanto, no cerne dos objetos das organizações que se instituem socialmente para atender - ainda que de forma fragmentada, desordenada e muitas vezes irracional -, aos problemas mais candentes da questão social na vida concreta dos trabalhadores e dos setores excluídos de direitos e de prerrogativas sociais na sociedade capitalista moderna. Neste processo, o objeto profissional, não raro, confunde-se com as formas assumidas pelo objeto organizacional - dada a própria natureza dos serviços -, mas, apesar de não se reduzir a ele, vem sistematicamente se diluindo nele. Nestes espaços, muitas vezes, os objetos da ação do assistente social tem se consolidado mais em decorrência da legitimidade “a doc”, atribuída aos profissionais por seus empregadores, que propriamente pela institucionalização da profissão a partir de seus termos normais e legais. Mas isto não significa que deva continuar a ser assim. Afinal é pelo reconhecimento de seu estatuto de profissionalidade que o serviço social iniciou seu longo processo de auto-transformação desde o “Movimento de Reconceitualização” e não mais parou. As características de profissão de forte apelo prático, precisam ser levadas em consideração na condução da implantação do novo currículo, uma vez que tais peculiaridades são definidoras das formatações e das expressões do ser profissional no cotidiano do serviço social. E mais, estas expressões de forma, são tão variáveis e complexas, que muitos profissionais já não se reconhecem mais enquanto tais, em determinadas atividades que passaram a assumir no mercado de trabalho, comprometendo substancialmente a identidade profissional, subordinando-a a uma identidade funcional (derivada de um cargo ou de uma especialização). Tomar consciência dos mecanismos, que originam essas diferenciações que se materializam na realidade concreta do cotidiano profissional, constitui-se num pré-requisito fundamental para o cumprimento dos compromissos da formação profissional em relação aos valores éticos, às razões políticas e à observância às normas instituídas pelos instrumentos legais da profissão. 14 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 Assim, o domínio do conhecimento do Código de Ética e da Lei 8662/93 é tão importante ao assistente social quanto o conhecimento dos objetivos, das rotinas, dos procedimentos regulamentares e culturais das organizações, dos critérios de elegibilidade, das metodologia, das teorias e dos demais elementos que delineiam os contornos das ações profissionais no interior das organizações. Nesse processo, o serviço social tem sido levado a se envolver numa nova lógica e racionalidade, que tem alterado substancialmente o seu fazer cotidiano. Este se afirmar simultaneamente para um campo de atuação altamente competitivo e complexo e como uma estrutura profissional bem mais rica e complexa que as formas até agora existentes. Nestes dois casos, a profissão não pode deixar de se oferecer no mercado como uma estrutura de saber polivalente, dinâmica, empreendedora e que se apresente como uma alternativa de domínio de saber profissional para toda abrangência do social. Deve além disto ser capaz de gerar respostas que atendam às necessidades sociais daqueles que se apresentam demandando serviços sociais nas relações organizacionais onde trabalham. Sabe-se que a transformação de problemas sociais em “demandas” a serem atendidas pela profissão não se constituem processos que envolvem apenas a vontade e a qualificação dos profissionais. A essas, soma-se, sobretudo, o senso de oportunidade, com o qual os atores políticos privilegiados transformam os problemas sociais em agendas políticas, além dos interesses e relações de poder postos na organizações sociais. II – Problemas profissionais hoje existentes no mercado O aspecto da realidade profissional - que envolve diretamente os agentes profissionais e suas instituições - está determinado, pelo menos, por três pontos fundamentais e extremamente imbricados entre si, e que demandam atenção da atual formação profissional. O primeiro se refere ao fato de que precisamos nos habilitar para a transmissão de um saber profissional que possa enfrentar os dilemas que são operados por razões, emoções e perspectivas Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 15 políticas muito diferenciadas e que circulam entre os diferentes agentes profissionais no interior das relações organizacionais. O segundo está relacionado ao fato da diversidade de fazeres e atribuições funcionais (aos quais os assistentes sociais estão sendo submetidos no mercado) estarem deslocando a identidade profissional do eixo que existira na formação original. Isto ocorre, sobretudo, quando os profissionais deixam de se utilizar no cotidiano do trabalho que realizam na organização, os discursos (teóricos e técnicos) com os quais foram formados na academia. Por fim, o terceiro é referente ao fato de que, nos diferentes fazeres funcionais - aos quais muitos assistentes sociais têm sido chamados a atuar -, não exige como pré-requisito básico para a ocupação do cargo, a formação em serviço social. Geralmente para tais funções se requer alguma especialização ou se aceita profissionais de formações profissionais próximas a do serviço social Nestes casos, não raro, os assistentes sociais colocam um sério novo problema a ser enfrentado pela profissão como instituição, que é o desligamento do Conselho “por não ser mais assistente social”. Esses profissionais geralmente foram reciclados em alguma especialização, progrediram na carreira e até encontram-se, não raro, ganhando melhores remunerações. Possuem competência reconhecidamente mais moderna e melhor adaptada ao novo perfil do mercado de trabalho. Neste campo onde o serviço social atua, com o advento do fenômeno atual da competitividade da força de trabalho, prestígio, “status” e reconhecimento profissional não mais decorrem, imediatamente, do estatuto legal desta ou de qualquer profissão da área social. O profissional precisa saber defender idéias e convicções, saber fazer valer seu poder pessoal e capacidade de liderança, sua iniciativa e capacidade de empreendimento. Estas são as regras básicas da competitividade para todos os profissionais que se encontram vendendo sua força de trabalho no mercado, até para aqueles que se declaram comprometidos com os valores humanitários, como os subscritos pelo serviço social. O grande desafio prático que vem se escancarando para os assistentes sociais está exatamente na convivência conflituosa 16 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 entre a observância às novas técnicas, rotinas e discursos administrativos (nos quais estamos todos sendo submetidos), e as necessidades ética, política e legal de honrar os compromissos com a consolidação da cidadania, da liberdade, da justiça social, dos direitos humanos, do estímulo à participação política dos usuários dos serviços que prestamos na profissão. Desta perspectiva, hoje além de indagar a respeito das atuais inflexões das demandas sociais sobre a profissão, o novo currículo deve inquirir também sobre as formas de desenvolver ações que revelem potencialidade e capacidade de provocar modificações na realidade imediata, além de encaminhar as lutas a médio e longo prazos em favor dos usuários do serviço social e de processos políticos mais generosos. Mais que isso, a nova formação deve quebrar o círculo vicioso da crítica feroz que imobiliza ou que leva os profissionais a se deterem frente a questões com as quais não poderiam tergiversar. Para tanto a esta formação necessita investir mais deliberada e organizadamente em práticas pedagógicas que contribuam decisivamente para a construção da democracia em nossa sociedade. Por mais paradoxal que possa parecer, tais práticas têm se alastrado nos mais variados campos de atuação profissional dos assistentes sociais, mas estas ainda pouco se apropriaram do rico debate teórico que existe sobre o tema, inclusive nas Unidades de Serviço Social. A função destas relações pedagógicas seria exatamente o estabelecimento de mediações que tornassem mais próximas do cotidiano profissional e, portanto, dos alunos, dos professores de disciplinas mais técnicas e dos supervisores, as grandes polêmicas desenvolvidas num contexto socio-político mais amplo. Infelizmente, tais ações ainda têm sido tímidas e pouco sistematizadas no âmbito da atual formação, e não se pode ainda avaliar a dimensão que poderá vir a assumir no novo currículo. Essas ações, quando existem, têm servido mais como indicadores de qualificação e distinção dos cursos que não como indicadores de atribuição e responsabilidade de todos: professores, profissionais e alunos. Os assistentes sociais, muitas vezes, quedam impotentes diante da complexidade da vida organizacional e mal conseguem esboçar comportamentos resistentes, nem sempre organizados Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 17 politicamente. Acuados, infelizes e desgastados mentalmente, uma boa parcela da categoria torna-se incapaz de oferecer proposições alternativas aos empregadores e aos usuários. Na prática observa-se, muitas vezes, que os profissionais recuam perplexos e impotentes diante da falta de perspectiva futura ou de uma boa razão para empreender algum tipo de luta coletiva. Mas este não tem sido o grande tema do atual currículo? O que está se passando no processo de formação, que tantos profissionais saem dos cursos considerando-os tão “teóricos”, isto é, abstratos, sem enraizamento em suas vidas pessoais e profissionais? Toda a complexidade da realidade humano-social, que atravessa as manifestações objetivas nas quais a profissão se espraia, apresenta enormes dificuldades para a sustentação da ética profissional, hoje codificada. Arrola demandas multifacetadas tanto para a formação, quanto para o próprio exercício profissional do serviço social, a ponto, inclusive, de impor o estabelecimento de ações educativas adicionais, por parte dos Conselhos Regionais, tanto em relação à fiscalização do exercício, quanto em relação à ética profissionais. Face ao exposto, considera-se que o ensino profissional necessita, não só se estruturar para uma formação plena, capaz de habilitar os assistente social no desempenho de suas atribuições técnico-funcionais por meio do exercício da crítica teórica e de uma prática responsavelmente desenvolvida5, mas também investir no desenvolvimento de uma identidade profissional fortemente centrada nos valores veiculados pelas instituições regulamentadoras da profissão e que ancorem toda esta diversidade e inovações emergentes. Ou seja, é necessário que a formação profissional torne bem claro ao assistente social os desígnios de sua identidade profissional, além do entendimento dos produtos de sua ação para as organizações sociais e para a sociedade. Logicamente, isto requer uma certa clareza das Unidades de Ensino (seus professores, alunos e supervisores de prática) dos resultados que 5 Sobre o atual estatuto de criticidade da profissão ver artigo produzido por Cardoso et all, Proposta básica para o projeto de formação profissional: novos subsídios para o debate, Cadernos ABESS, n.7. 18 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 a implantação do projeto político e pedagógico em curso pode trazer para o fortalecimento da profissão. Para atender às demandas postas na perspectiva aqui defendida, entende-se que as disciplinas e as matérias da grade curricular precisarão levar em conta, não só os eixos teóricos básicos da formação arrolados pelo novo currículo, mas também serem estabelecidos fundamentalmente novos parâmetros de ensino, de diálogo e de parcerias com o conjunto da categoria, e não só com as suas lideranças e instituições representativas. Também não bastam novos conteúdos teóricos, sem o desenvolvimento de procedimentos pedagógicos que possibilitem o treino das habilidades e das condutas desejáveis de serem manifestas pelos futuros assistentes sociais. Há que se reconstruir novas formas de comunicação entre os agentes profissionais, pois o treino de tais habilidades e condutas nem sempre está inscrito nos atuais ritos de transmissão de conteúdos teóricos existentes nas Unidades de Ensino. Os ritos acadêmicos atuais tendem a se orientar predominantemente pelos processos cognitivos. Assim, além dos conteúdos das disciplinas, dos núcleos temáticos e dos instrumentos que habilitem os alunos, há que se recorrer a procedimentos pedagógicos que, de forma mais orgânica, viabilizem uma conexão dinâmica entre os conteúdos teóricos a serem ministrados, os objetivos profissionais e as razões éticas e políticas que sustentam a finalidade social da profissão. Para se qualificar o futuro profissional na apreensão do acervo dos conteúdos teóricos, dos instrumentos da ação e das condutas éticas, não tem sido suficiente as reflexão sobre os nexos metodológicos gerais ou sobre as relações entre as teorias e seus respectivos métodos científicos e sobre a realidade. Há que se avançar para o estabelecimento de outras mediações que realizem o passo seguinte, aquele que atribuirá materialidade à ação profissional propriamente dita, pois essa não é meramente derivada da compreensão intelectual e moral da realidade. Os assistentes sociais operam (ou deveriam operar) processos eminentemente de mudança social. Promover mudanças implica em quebrar bloqueios e barreiras psicossociais que acomodam e alienam os indivíduos às relações já postas. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 19 Não raro a resistência à mudança de realidade - sentida tanto objetiva quanto subjetivamente pelos diversos atores sociais envolvidos no processo (inclusive pelos próprios assistentes sociais) - é percebida como ameaçadora e leva os indivíduos à acomodação e ao vazio existencial e político. Essa resistência é uma das principais razão pela qual se torna imperativo transmitir aos futuros profissionais os mecanismos de intervenção na realidade que a profissão vem se apropriando na sua prática, ao longo de sua história. A construção de tantas derivações metodológicas quantas forem necessárias para instrumentalizar uma ação eficiente de intervenção na realidade se apresenta como uma necessidade concretamente sentida por muitos profissionais na prática. Essa construção, infelizmente, é ainda num grande desafio que recai sobre a profissão em qualquer perspectiva teórica e ideológica que se adote. Um novo e revigorante papel pode ser destinado ao ensino no novo currículo, desde que ele não dê as costas a toda variabilidade e diversidade existente na profissão. Esse pode enfrentar exatamente os problemas a partir de dificuldades explicitadas na prática cotidiana. Além disto, pode-se ainda resgatar a instrumentalização profissional do “pecado original” de ter nascido neotomista, pragmática e funcionalista e desenvolvê-la a partir dos novos debates temáticos e das lógicas teóricas, hoje consagradas nos debates da profissão6 e que estão sendo amadurecidas a partir das pesquisas realizadas nos mestrados e doutorados de serviço social. III – Das diretrizes gerais às realidades específicas Atendidas às exigências fundamentais do Projeto de Formação Profissional da ABEPS7, conforme estabelecidas pelo currículo mínimo aprovado em assembléia extraordinária em 6 7 Nobuco, K. A trajetória da produção de conhecimentos em serviço social: avanços e tendências (1975 a 1977), Cadernos ABESS n.8, como a diversidade das pesquisas de mestrado e doutorado expressam a variedade de temas tratados pelos profissionais nos últimos anos. ABESS/CEDEPSS, Diretrizes Gerais para o curso de serviço social: com base no currículo mínimo aprovado em assembléia geral extraordinária de 8/11/96. São Paulo: Cadernos ABESS n.7, p.58-75. 20 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 novembro de 1996, as Unidades de Ensino terão condições de resolver os problemas básicos da estrutura cognitiva dos conhecimentos a serem ministrados aos alunos. Com tais conteúdos e diretrizes poderão ser estruturados os eixos básicos que constituem o núcleo central da formação profissional. Não se pode, porém, acreditar que estas serão capazes de abarcar toda a complexidade da formação profissional, sob pena de se incorrer no engessamento que se quer evitar. Para se viabilizar um movimento emancipatório internamente no processo de implantação da reforma curricular que contemple conteúdos, procedimentos e regras de condutas para todos, torna-se importante que o novo projeto articule dinamicamente os projetos pedagógicos das diversas Unidades de Ensino, observando particularidades regionais e locais. Existe um grande problema a ser enfrentado para se atender concretamente as diretrizes gerais, para que os mesmos possam ser mais que meros papéis engavetados. A massa dos professores das diversas Unidades de Ensino - geralmente ausentes dos debates das oficinas das organizações da categoria -, não guardam muita identidade direta com ele, nem dominam os conteúdos nele requeridos. A construção coletiva de um projeto pedagógico para o curso de serviço social vai muito além da observância formal dos conteúdos indicados nas novas diretrizes de ABEPS ou em normas do MEC. A construção de tal projeto que se quer implantar não virá por decreto. O acatamento, sem submissão mecânica às diretrizes gerais do projeto político e pedagógico hegemônico, dependerá do convencimento moral, da reflexiva apropriação dos conteúdos e de um processo de reciclagem massivo do conjunto dos professores. Este conjunto de determinações que incidem - simultânea e desafiadoramente sobre a realidade profissional em geral e sobre o “ensino da prática” em particular -, precisará ser enfrentada não só no cotidiano da sala de aula, mas também nas vivências instrumentais e de práticas, nas oficinas de ensino de manejo de técnicas e nas pesquisas de alunos, supervisores, professores e assistentes sociais em geral. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 21 Será preciso também se abrir um diálogo mais amiúde das disciplinas teóricas (geralmente contempladoras das determinações gerais) com as organizações onde funcionam os “campos de estágio” e seus temas especializados; expressos nas “migalhas de trabalho” da profissão e nos âmbitos de atuação minúsculos da prática 8. Só assim haverá uma razoável convergência para um campo de preocupações teórico e prático comuns das abrangentes categorias teóricas gerais, genéricas e universais e as necessidade prementes de referências instrumentais na compreensão da dispersa materialização do cotidiano profissional. Mais que isto, a formação profissional, de forma mais elaborada, poderá também estabelecer metas plausíveis e viáveis para projetos de mudança social9, associando expectativas a curto prazo para micro-realidades singulares e específicas a estratégias de emancipação social a longo prazo. Não bastam definição de grandes metas e estratégicas para a implantação de um projeto político profissional. Estas são fundamentais para a mobilização política, mas se esvaem em retórica inconsistente, se não forem buscadas em cada Unidade de Ensino, a tradução desse projeto em programas de ação; em processos de gestão; em controle dos resultados da formação realizada; e principalmente, na apropriação dos parâmetros pelos quais a fiscalização do exercício profissional (no futuro) deverá ser realizada. Para que tudo isto se torne acessível aos futuros assistentes sociais, faz-se necessário que os profissionais atuais tomem para si a responsabilidade de demonstrar como estas referências se interligam com as realidades concretas e históricas que cada um deles está operando na cotidianidade da prática, da formação e da efetiva fiscalização profissionais. 8 9 Pinto, Rosa Maria Ferreiro. Estágio e Supervisão: um desafio teórico-prático do serviço social, PUC-SP, NEMESS, agosto, 1997, indica como a imediaticidade e a operatividade da profissão se revelam plenamente frente à realidade prática desencadeada pelo processo ensino-aprendizagem. - Mais de uma vez os entrevistados para a pesquisa de Marta Buriolla, (1994) sobre supervisão fazem alusão ao papel desta uma pedagogia identificada com a mudança e com a construção da identidade profissional. Por meio da função supervisora, o aluno teria acesso a um paradigma profissional a seguir ou a contestar. 22 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 Esta demonstração envolve um reiterado movimento de explicitação de conteúdos teóricos, simultaneamente vinculado a um refinado processo de reflexão sobre dados empíricos da realidade com a qual os assistentes sociais lidam cotidianamente, mediados por um domínio metodológico de um fazer instrumental e técnico, capaz de operar sobre a realidade social, organizacional e pedagógica que se que transformar. Isto não é um processo que possa ser resolvido pelo esmero de alguns intelectuais; meia dúzia de professores mais aplicados ao ensino da metodologia profissional ou de uns dois ou três supervisores dedicados. Só resultará em uma formação profissional satisfatória se for decorrente de um esforço coletivo que envolva sobretudo professores, supervisores e alunos, um a um, além dos representantes da categoria e assistentes sociais em geral10. Na realidade, tais projetos, apesar de distintos em suas singularidades, fazem (ou deveriam fazer) parte deste grande pacto político profissional, construído em torno da Lei 8662-93 e do Código de Ética de 1993. Ou seja, devem (ou deveriam) explorar todas as possibilidades da realidade social, assim como as potencialidades dos atores que nela se encontram envolvidos na luta cotidiana pela superação das adversidades vividas pelos usuários de nossos serviços profissionais e pela sociedade em geral. O grande desafio começa exatamente pelo estabelecimento de estratégias de irradiação deste conteúdo acumulado pelos representantes ao longo processo de discussão e amadurecimento do novo conteúdo. Envolver os demais docentes, supervisores e alunos e atingir, de alguma forma a categoria, é um tarefa hercúlea, mas necessária. Esta é a grande razão pela qual o processo de irradiação deste novo conhecimento precisa se tornar acessível ao maior número de assistentes sociais possível. Deve empreender-se para 10 O processo pedagógico que envolve a supervisão e o estágio supervisionado, vistos por Rosa Maria Ferreiro Pinto no texto Estágio e Supervisão: um desafio teórico-prático do serviço social, op. cit., indica a importância fundamental e estratégica desta prática pedagógica para a formação dos futuros assistentes sociais. Deste processo a autora desta as determinações da interatividade, no cotidiano e na construção da competência profissional. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 23 além da observação sistemática de processos em sala de aula. Deve-se partir dos desafios postos nas vivências dos campos de estágio, das experiências de extensão das Unidades de Ensino e das experiências concretas de embates travados nas situações de fiscalização do exercício profissional. A tradução local das grandes determinações da formação (as diretrizes gerais para o curso de serviço social) em conteúdos particulares, específicos e singulares poderão iluminar e dar visibilidade às formas de objetivação e materialização ao futuro trabalho profissional. Mas é só no difícil exercício da tolerância política de um real pluralismo de idéias que se consolidará uma significativa mudança na forma dos profissionais responderem às demandas socialmente postas à profissão pela via do mercado. Estes conteúdos possivelmente estarão presentes nas pesquisas empíricas e nas observações sistemáticas das realidades específicas. Nelas, possivelmente estarão apontados, com mais precisão os fatores determinantes de cada realidade social, pois nem tudo que é bom para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, ou qualquer outro grande centro, vale para o resto do Brasil. Apesar das determinações gerais da realidade serem as mesmas, as manifestações particulares de cada região, bem como a interpretação da economia e das dinâmicas políticas locais, contêm especificidades que não podem ser descuidadas. O processo da passagem e autorização para a vida profissional requer uma série de cuidados, por se tratar de algo nem sempre tranqüilo e fácil. Por meio desta, os alunos deverão processar uma metamorfose pessoal na qual entram jovens despreocupados e se tornam adultos cheios de compromissos e responsabilidades para com uma vida profissional. Este processo necessita de ajustes sutis aos complexos conteúdos, quase sempre mal assimilados pelos alunos e nem sempre dominados pelos professores e supervisores, que necessitam de reciclagem e aprofundamentos teóricos, maiores aproximações com as mediações das vivências de práticas, das técnicas e clareza da dimensão ética das relações profissionais no movimento ação concreta do cotidiano. Os estágios obrigatórios e o próprio TCC - que se constituem em momentos privilegiados da reflexão dos conteúdos teóricos 24 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 gerais à luz dos dados emergentes da realidade concreta -, podem ser oferecidos como campos de expressão cotidiana de um fazer e de um dizer profissional que emergem destas relações. Desta construção dialética contínua e ininterrupta não pode ser descartada, em hipótese alguma, a participação ativa dos professores das chamadas disciplinas básicas, como sociologia, política, etc. A partir destes procedimentos alunos, professores e supervisores de campo podem ter maior aproximação com as questões mais complexas, sutis e decisivas para o agir profissional, propriamente comprometido com os processos de mudança social que se engendram no interior das relações profissionais. A partir da realidade singular de cada experiência pedagógica e de cada região brasileira serão possíveis ajustes finos à realidade concreta. Muitas são as questões e os dilemas dos professores, assistentes sociais e alunos em face dos estágios supervisionados. Muitas Unidades de Ensino desenvolvem normalizações, discriminando as competências dos supervisores das Unidades de Ensino, dos supervisores diretos, dos alunos e dirigentes. Entretanto, nem sempre estas regras são seguidas por todos e a formação da prática profissional passa a depender das contingências do próprio processo de ensino da prática e de circunstâncias de toda ordem. Buriolla11 identifica no estágio supervisionado a emergência de conteúdos referentes ao: 1) próprio campo do estágio e os problemas das limitações do mesmo para a inserção dos alunos; 2) aos elementos decorrentes da própria realidade organizacional; 3) à realidade acadêmica particular vivenciada por seus diferentes atores; 4) ao debate teórico que circula nas diversas instituições profissionais; 5) ao “ser profissional” (estagiário, professor, assistente social) mediante suas relações e sentimento e 6) ao contexto conjuntural onde a supervisão se dá. 11 Buriolla, Marta. O estágio supervisionado. São Paulo: Cortez, 1995. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 25 Estes elementos por ela indicados, consistem exatamente nas categorias que se articulam na prática profissional e que são decorrentes da própria essência da formação e expressam contradições e interdições existentes nas relações entre os diferentes segmentos que interferem na formação profissional. Vários feixes de fatores existem e alguns podem ser apontados como estruturantes destas situações de dificuldades: 1) Existe em princípio uma limitação estrutural, da qual não temos como fugir. Esta decorre do fato de que o conhecimento humano é absolutamente inferior à complexidade da realidade concreta. Todas nossas representações sobre a realidade está contaminada com as nossas perspectivas, nossos valores, nossas opiniões. A realidade a nós se oferece a partir da angulação pela qual observamos o mundo. Não temos como fugir desta determinação que nos submete a todos igualmente, independente do mérito de nossas idéias. 2) As interações produzidas nos espaços organizacionais (e esta observação vale também para as Unidades de Ensino públicas e privadas) expressam as possibilidades geradas no processo do ação concreta. Em tais possibilidades estão colocados os conflitos e as contradições entre as relações de poder e saber que ali se materializam, as formas de reprodução e as manifestações concretas das ideologias e, sem dúvida nenhuma, as próprias grandezas e mesquinharias humanas em seus mais diferentes disfarces discursivos. 3) Existe uma limitação decorrente da própria estruturação do saber hoje posto no interior da profissão. Trata-se de problemas teóricos ainda não superados pela produção intelectual da profissão. Muitas manifestações particulares da realidade social na prática profissional ainda não se encontram devidamente compreendidas tanto por falta de mediações teóricas que explicitem os movimentos do real, como por falta de articulação entre as políticas de ensino, os interesses que envolvem as Unidades de Ensino e as organizações campos de estágio. 4) Raras são, ainda hoje, as experiências de trocas efetivas e satisfatórias de parte a parte. Supervisores diretos de estágio aludem a uma certa expropriação de seu “trabalho a mais” 26 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 não remunerado e, sempre que podem (a depender de sua perspectiva de “compromisso profissional” que expressam e das relações pessoais e profissionais com as Unidades), se esquivam das responsabilidades que lhe foram atribuídas pela Lei 8662 e pelo Código de Ética. Professores e coordenadores de estágios se ressentem da falta de “interesse” na capacitação dos alunos e do “aprofundamento do debate teórico” por parte de alguns colegas. Enfim, de parte a parte todos sentem dificuldades e lidam com grandes faltas, mas pouco dialogam, e quando o fazem, pouco se entendem e pouco avançam na superação de problemas que atinge a toda categoria no seu conjunto, rebatendo sobre as dificuldade de reconhecimento e de valorização profissionais, que tantos se queixam. IV - Os muitos desafios da prática As reflexões aqui apontadas não podem deixar de pontuar algumas das muitas dificuldades que se materializam na prática profissional dos assistentes sociais, seja nos chamados campos de prática, seja na experiência didática, com complexo comprometimento do exercício profissional cotidiano, que eclodem no cotidiano da fiscalização do exercício profissional e da ética profissional do conjunto CFESS-CRESS. Trata-se de dificuldades, até há bem pouco tempo tratadas como problemas menores da formação, quase sempre encaminhadas por soluções “domésticas”. Dificuldades teóricas e didática para o ensino das metodologias e para o uso dos instrumentos, são problemas reais de longa data, ainda não superados no ensino da prática profissional. O acompanhamento dos alunos por meio do relato de uma prática suposta, nem sempre tem sido suficiente para da emprestarem veracidade e confiabilidade aos procedimentos adotados e orientados. Por outro lado, os esclarecimentos mais preciosos e convenientes nas aulas teóricas ou nas supervisões de estágio tem apresentado, não raro, um descolamento da realidade concreta que desafia a todos. O super-desenvolvimento das habilidades reflexivas dos alunos tem levado-os à experiência concreta da prática profissional com uma visão bem desfocada das singularidades do fazer profissional, da importância e das dificuldades do manejo do Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 27 instrumental e do lugar da teoria na compreensão política, técnica e ética da profissão. Torna-os inoperantes e completamente confusos em face dos procedimentos mediadores (mais adequados de serem adotados) que precisam ser estabelecidos para serem processados os conteúdos genéricos que aprenderam, em meio às particularidades da realidade do campo especializado (da política social que atuam) e das singularidades das respostas profissionais a serem oferecidas caso a caso. A aprendizagem da “prática” com o foco de atenção centrado nos debates políticos da realidade profissional - ou na sua oposta relação com o agir imediato -, relega a prática profissional a um estatuto quase “mágico”. Na primeira forma, mitifica as teorias historicamente construídas, transformando-as num fetiche como outro qualquer. No segundo, despreza todo o saber historicamente construído e os atores passam a reinventar as teorias já consolidadas, refazendo caminhos elementares, reiteradamente nivelando o conhecimento profissional a conteúdos óbvios e superficiais. As coisas se passam como se a aprendizagem se esgotasse nos ritos acadêmicos, que cumpridos, asseguram a passagem à vida profissional, independente de uma condução reflexiva , como se bastasse observar e repetir. Tal atitude assemelha a “prática profissional” a algo que possa ser apreendido por mera observação de fazeres meramente pontuais, por distanciadas que se encontra nas representações profissionais sobre as categorias eleitas para as reflexões mais importantes. Considerando-se, que o aluno encontra-se em fase de seu amadurecimento profissional e que oscila entre o amor e o ódio às idéias que lhe são transmitidas por seus diversos professores e supervisores, há ainda que se prestar atenção para uma tendência comum nas experiências didáticas: o aluno tende a responder às exigências de cada professor por meio do cumprindo restrito às prescrições que cada um estabelece, sem necessariamente estabelecer vínculos indentitários mais profundos com o produto de seu trabalho acadêmico. Não raro, essas prescrições apresentam grandes nichos de contradições teóricas e incoerências práticas entre si, não esclarecidas por ninguém. Assim, os espaços da supervisão se oferecem como lugares ricos de possibilidades para a elaboração 28 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 de sínteses dinâmicas do percursos individualizados de iniciação na vida profissional, que muito poderiam ajudar no enfrentamento destas lacunas que naturalmente vão restando no processo. Não existem respostas prontas a todos estes dilemas, mas estas certamente poderão ser construídas no avanço do debate plural e da parceria cooperativa que seja capaz de superar atitudes e práticas que implicam em posições autoritárias, maniqueistas, voluntaristas e prescritivas que ainda sobrevivem na cultura pedagógica e profissional de muitos professores, supervisores e assistentes sociais em geral. Emancipatório e dialético não devem ser somente os discursos das organizações e instituições da categoria por força de uma razão que faz sentido à luz da justiça social, e protege particularmente os usuários dos serviços profissionais dos assistentes sociais. Tal razão tornou-se Lei e Código de Ética, e seus ditames devem submeter professores, supervisores e alunos no processo de formação profissional ao qual não se tem como se furtar. Resta ainda, uma velha questão pedagógica que se recoloca reiteradamente para todos os assistentes sociais no desempenho destas atribuições: Como educar os atuais profissionais para que o atual projeto de formação profissional consolide uma profissão, esperança de um devir que realize suas promessas? GENTILLI, Raquel. Challenges to the new Curriculum of Social Service. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.9-30, 1999. • ABSTRACT: This text discusses the professional formation of the service starting from the references of the guidelines for the new curriculum of social service, taking as a point of observation, the private actions of the Regional and Federal Council. This reflection still gets attention for the need of an enlarged and decisive participation of the professionals of the practice, mainly the supervisors, in the process of professional formation. • KEY WORDS: Professional formation of the social service; Practice professional of the social service; Guidelines for curriculum reformulation. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 9-30, 1999 29 A PRÁTICA DO ENSINO NO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL – REFLEXÕES NECESSÁRIAS Maria Angela Rodrigues Alves de ANDRADE* • RESUMO: O presente estudo privilegia a “sala de aula” como campo investigativo prioritário, procurando a partir dela, desvelar os elementos que consubstanciam o exercício da prática de ensino no curso de Serviço Social. • PALAVRAS CHAVE: Formação Profissional, prática de ensino, sala de aula. Introdução Existem na prática docente aspectos fundamentais que devem ser considerados quando nos propomos a estudar o processo de ensino: o posicionamento filosófico e político do professor, o conhecimento sobre a matéria que ensina (conteúdo), a habilidade para organizar e trabalhar os conteúdos propostos (método de trabalho) e, as interações que professor e aluno estabelecem ao longo do processo. As dificuldades do exercício da prática do ensino não são restritas ao domínio do conhecimento teórico ou à produção do conhecimento, nem aos aspectos técnicos inerentes às metodologias de ensino. Os comportamentos, tanto do professor como do aluno, revela um compromisso social, político, que conseqüentemente determinam o ato educativo. O que nos leva a agir de uma determinada maneira e não de outra? A respeito especificamente da formação profissional do assistente social, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS1, tem desempenhado papel de extrema importância. Significativos estudos foram realizados e publicados, representando sem sombra de dúvidas, um salto qualitativo na preparação acadêmica e profissional dos Assistentes Sociais, tendo em vista os aspectos pertinentes à estruturação de um projeto profissional; entre eles destacam-se: a orientação pedagógica dos cursos, a grade curricular, a adequação dos currículos às demandas sociais e a formação profissional. * 1 Departamento de Serviço Social - UNESP – Franca. Até os anos 98 denominada ABESS – Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 31 Desde 1970 a Associação vem encabeçado diversos momentos de revisão curricular no processo de formação profissional, articulando-se sempre às demandas postas pela realidade brasileira. Como conseqüência desse trabalho, em 1982 foi aprovada pelo Conselho Federal de Educação (Parecer 412 de 5/8/85) a revisão curricular para os cursos de Serviço Social de todo o Brasil. O “novo currículo” buscava romper a visão fragmentada da realidade, levando a termo uma proposta de formação crítica e comprometida com a transformação social. A implementação desse novo currículo, que representou um avanço no que diz respeito à direção social e política do curso, foi feita progressivamente de acordo com a realidade administrativa de cada Faculdade. A ABESS vem dando continuidade a revisão de todo este processo; a maioria das discussões e atuais pesquisas por ela encaminhadas, dizem respeito aos paradigmas e às matrizes teórico-metodológicas que devem nortear as direções sociais das disciplinas e dos cursos de Serviço Social. Marilda V. Iamamoto (s/d) em trabalho divulgado chama atenção para o fato de que para além do esforço da integração dos fundamentos históricos, teóricos e metodológicos dos cursos de Serviço Social, há de se proceder também um esforço investigativo no que diz respeito ao acompanhamento acadêmico, das “formas adotadas para sua operacionalização na estrutura curricular” (p.22). Sem descartar, a importância das discussões em torno do caráter político da profissão, de seu significado social e histórico, da dimensão social e técnica do curso, há que se considerar também o modo como vem sendo concretizado o ensino no curso de Serviço Social. Em artigo publicado em 1984, na Revista Serviço Social e Sociedade n.14, que traz por título “O Projeto de investigação da formação profissional do Assistente Social no Brasil determinações Históricas e perspectivas”, as autoras2 já refletiam que, para além das questões teórico-filosóficas, da fragmentação curricular, das deficiências nas condições do trabalho, do profissional e do mercado de trabalho, existe a necessidade de 2 Carvalho, Alba Maria P., Bonetti, Dilséia A., Iamamoto, Marilda V. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n.14, p.104-143, abr. l984. 32 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 estudar a questão da relação pedagógica para se poder tornar visível o modo de fazer o ensino do Serviço Social. É possível perceber uma cultura discursiva no interior do Serviço Social que, geralmente, aparece descolada da realidade, do fazer a prática de ensino em sala de aula. Por isso, investigar o processo pedagógico, além de desafio, constitui-se necessidade. A relação pedagógica professor/aluno é um dos aspectos fundamentais no processo da formação profissional no meio universitário, constituindo-se um dos espaços básicos em que se expressam as relações de poder no interior da Universidade. No âmbito específico do Serviço Social, esta relação não tem sido suficientemente discutida enquanto uma relação de poder que tem uma especificidade e um significativo peso no processo de formação profissional. (Carvalho et al, 1984, p.33-134). No momento atual em que o Serviço Social procede à nova revisão curricular e vive por isso, outro momento de redefinição da proposta de formação profissional, estas questões precisam ser equacionadas. Nenhum projeto de curso é aplicado “no abstrato”. Ele é construído cotidianamente, no processo de formação acadêmica, nas relações que se estabelecem nos espaços institucionais, inclusive, e principalmente, na sala de aula. Isto faz sentido se pensarmos a sala de aula enquanto fenômeno que também pode revelar a própria essência de um projeto de formação profissional, de uma concepção de universidade e de educação. Considerar a “sala de aula” como um dos espaços privilegiados da formação profissional e campo investigativo prioritário, significa desvelar os elementos que consubstanciam o exercício da prática de ensino nos cursos de Serviço Social. Um currículo precisa ter uma expressividade de vida e de vivências, quer dizer, tem que superar as tendências burocratizadas e efetivar-se na flexibilidade, abarcando as necessidades peculiares dos conhecimentos relativos ao exercício da profissão, ao mesmo tempo em que torna possível um projeto de transformação social. Consideram-se, portanto, novamente as mediações e estratégias para pôr em curso os objetivos da profissão. É possível priorizar essas mediações da prática de ensino preocupando-se com o conjunto de conhecimentos peculiares ao Serviço Social, e também com a formação de habilidade inerentes à prática profissional. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 33 Despertar para a questão pedagógica, mais pontualmente para as mediações e articulações entre teoria e prática significa desvelar como se processa a prática de ensino no curso de Serviço Social e, conseqüentemente, como se dá o processo de formação profissional no curso. A partir da problematização do modo como professores e alunos articulam a prática de ensino na sala de aula, procurase conhecer não só como ela se dá, mas até que ponto é determinado pelas concepções que fundamentam a prática docente, o projeto pedagógico, os conteúdos que são priorizados, os métodos que são utilizados e os processos interativos presentes nesta relação. Ao elegermos como objeto de estudo a “sala de aula” objetivamos desvelar as múltiplas determinações presentes no exercício do ensino, nem sempre explicitadas. Desvelar o sentido político da prática de ensino e a forma que se desenvolve, pode representar uma contribuição para a construção de um projeto de formação profissional que contribua para a transformação social. Nenhum projeto de curso se efetiva sem coerência e consistência interna, mesmo no plano micro da sala de aula. A Sala de Aula e o Ensino no Curso de Serviço Social As questões que envolvem a estruturação e desenvolvimento de um projeto de formação profissional não podem ser reduzidas a simples definições de disciplinas que irão dar estrutura a uma grade curricular, bem como ao conjunto das matérias e conteúdos que irão compô-las. O Currículo, longe de se constituir uma simples justaposição de conteúdos programáticos, é a expressão de um conjunto de concepções, é a explicitação de tendências políticas, teóricas e metodológicas que são imanentes à direção social que se deseja imprimir a um projeto de formação profissional, incorporado num projeto educacional de curso. Para isso é necessário ampliar a visão do que seja o currículo. Como observa Gatti (1995, p.2) o currículo é “um meio articulado e intencional de formação e desenvolvimento de pessoas...”, que conseqüentemente expressa, através de determinadas vertentes de pensamento, um compromisso político com um projeto profissional. 34 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 Mais ainda: “o conhecimento e a compreensão da proposta curricular de um curso são fundamentais para uma atuação profissional, atuação exercida de modo consciente, reflexivo e integrado” (p.2) visto que é o currículo, um meio articulado e intencional de formação; é a escola em movimento. A organização curricular nesta perspectiva está condicionada à leitura, compreensão e consciência da realidade, à fundamentação teórica que a orienta e a instrumentalização técnica do trabalho. Queremos dizer com isso, que, a implementação de um currículo, pressupõe uma seleção intencional de conteúdos e de comportamentos que compõem o ato de ensinar (p.3). A organização curricular precisa ser continuamente confrontada com os objetivos educacionais. Pressupõe um posicionamento sobre o significado da educação e a sua concretude. Neste sentido, o currículo serve como apoio e orientação para os meios de ensino. Falar sobre decisões curriculares implica em falar sobre quais conhecimentos ensinar, para quem ensinar e como fazê-lo. Podemos afirmar, que há na literatura educacional de forma geral, uma ausência de estudos e análises sobre as práticas de ensino desenvolvidas na sala de aula na universidade e mais especificamente no Serviço Social. O ensino desenvolvido na sala de aula continua sendo uma “caixa preta” que necessita ser considerada, revelada. É razoavelmente simples identificar as alterações ocorridas no que se refere à estrutura curricular dos cursos e até às mudanças administrativas e organizacionais da própria Universidade brasileira, se a relacionarmos a um processo mais geral de mudanças na sociedade. No entanto, o mesmo não ocorre se “mergulharmos” no nível da prática cotidiana de ensino e se, ao mesmo tempo, procurarmos compreendê-la inserida nas relações que mantém com a totalidade. Com efeito, o conhecimento transmitido na sala de aula é o resultado dos confrontos que se estabelecem entre as diferentes alternativas de compreensão de mundo, articuladas a um currículo. Compreendido desta forma, o reducionismo atribuído às atividades da sala de aula é negado, ou seja, a forma como o ensino se realiza, assenta-se em teorias de ensino que regulam sua prática. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 35 A sala de aula é parte de um todo. Está inserida em uma instituição educativa, que por sua vez está inserida em um sistema sócio-econômico, político e cultural. É possível então, considerar a sala de aula como referencial e campo investigativo para compreender a atividade do ensino no curso de Serviço Social. Assim como existe uma preocupação com o fazer profissional-institucional do assistente social, a preocupação aqui é com o fazer profissional produzido na sala de aula e que como a prática direta do Serviço Social revela um determinado projeto de curso e de profissão. No espaço sala de aula que se desenvolvem e se vivenciam situações de tensões que derivam das representações dos sujeitos envolvidos nesta prática. Nele se expressam, visões e concepções de mundo, de homem, de educação, de Universidade, e é nele que se processa a maioria das relações de ensino. Nele, que se manifestam às expectativas e necessidades tanto dos professores, como dos alunos e que se põe em curso um projeto de formação profissional. O espaço sala de aula é, portanto, determinado pela mediação que os professores e alunos realizam entre o conjuntural-estrutural e a demanda educacional. Além da questão política, pesa também na construção desse projeto, a dimensão pedagógica. Instaurar, junto a professores e alunos, um processo contínuo de reflexão acerca da prática de ensino tal como acontece na sala de aula, tentando explicitar os pressupostos que a sustentam possibilitando-nos elucidar suas contradições, ultrapassando os limites da consciência ingênua. O exercício da prática educativa requer, um projeto político que estabeleça finalidades, que expresse intencionalidades, mas requer também a capacidade de captar a dinâmica da sala de aula em toda sua complexidade. A prática de ensino torna-se então o instrumento de mediação entre as finalidades da educação e a sua plena realização. Repensar a prática de ensino como uma prática mediadora implica em construir um conhecimento teórico-prático que tenha sempre como referência à realidade social. Empenhar-se neste objetivo significa fundamentar política e tecnicamente todo o processo. Significa buscar caminhos para a elaboração de uma 36 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 prática de ensino, fundamentada em pressupostos claramente definidos. O aclaramento do verdadeiro sentido da prática de ensino aponta para a necessidade de mudanças no conteúdo do ensino, mas também, mudanças na forma de ensinar. Pensar e produzir a ação educativa de forma articulada coloca-se como um desafio àqueles que têm um projeto e o compromisso de transformação da Universidade e de democratização da sociedade. Retomar esta questão, e encaminhá-la para a prática cotidiana da sala de aula é tarefa crucial, se o que se pretende, é realizar um ensino coerente com uma visão “crítica” de Universidade. No âmbito teórico o ensino é constituído por um conjunto de idéias e conhecimentos, e no âmbito prático, por um conjunto de meios que são colocados em ação para a realização do processo. Assim, teoria e prática precisam ser compreendidas de forma articulada. Observando que, esta proposta de prática de ensino pressupõe a busca de um saber, que jamais poderá ser adquirido espontaneamente ou desorganizadamente, sua construção deve ser orientada. Se a tarefa do educador é uma tarefa de transformação, é preciso que ele não ignore que a transformação social e individual tem regras. É preciso que as conheça. Se a mudança individual e social acontecer por intermédio de um agente da educação, é porque este consciente ou inconscientemente, seguiu certos passos, certas leis, certos caminhos e evitou outros que o conduziram ao oposto. (Gadotti, 1992, p.76) Certamente, desenvolver um processo de ensino que abarque esta perspectiva requer que, no desenrolar do processo de planejamento, desenvolvimento e avaliação do ensino todas as decisões sejam tomadas tendo como eixo o projeto de Universidade comprometido com o processo de formação crítico e científico. Além da questão política, pesa também na construção desse projeto, a dimensão pedagógica. Instaurar, junto aos professores e alunos, um processo contínuo de reflexão acerca da prática de ensino tal como ela acontece na sala de aula, tentando explicitar os pressupostos que a sustentam e elucidando suas Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 37 contradições, nos permite ultrapassar o nível da consciência ingênua. O exercício da prática educativa requer um projeto político que estabeleça finalidades, que expressem intencionalidades, mas requer também a capacidade de captar a dinâmica da sala de aula em toda sua complexidade. A prática de ensino torna-se então o instrumento de mediação entre as finalidades da educação e a sua plena realização. Nesta perspectiva, o que se espera do professor, é que ele detenha um conhecimento sobre os conteúdos de sua matéria, domine as formas de transmiti-los, preocupando-se ainda, em adotar procedimentos que garantam a participação e o envolvimento dos alunos. A prática de ensino precisa recuperar a perspectiva integradora do “saber, saber fazer e saber ser”. As dificuldades do exercício desta prática não são restritas ao domínio do conhecimento teórico ou a produção do conhecimento, nem aos aspectos técnicos inerentes às metodologias de ensino. Os comportamentos, tanto do professor como do aluno, revela um compromisso social, político, que conseqüentemente determinam o ato educativo. No curso de Serviço Social, podemos afirmar que a primazia das discussões é sem dúvida alguma, a direção político-social do curso, seus paradigmas filosóficos e propostas curriculares (entendida aqui como a grade curricular e o conteúdo das disciplinas). Até o momento, não existem estudos avaliativos qualificados capazes de indicar se este processo de formação profissional proposto e oferecido pelos cursos tem correspondido aos valores democráticos, à construção da cidadania e à contribuição para o reordenamento das relações sociais a que se propõe. A prática de ensino que desempenhamos, pautada em princípios transformadores, comprometida com uma pedagogia “crítico-social” tem de fato privilegiado a participação e desenvolvimento autônomo dos alunos ou, de forma velada, consiste ainda numa prática tradicional? O discurso seria um, e a prática outra? Partindo destas considerações, procuramos percorrer uma trajetória em busca de nossos objetivos, enfocando basicamente a relação de ensino produzida por professores e alunos no espaço da sala de aula. 38 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 A Contextualização das Escolas de Serviço Social A trajetória do Serviço Social inicia-se no Brasil em 1936, quando é criada a primeira Escola de S. Social. O contexto em que surge, expressa o complexo quadro econômico, político e social que caracteriza o Brasil naquele momento de acumulação capitalista - de transição das atividades agrárias e de exportação, para a consolidação de um pólo industrial vinculado à economia do mercado mundial - que traz em seu bojo um processo de urbanização acelerado e o agravamento da chamada “questão social”. Em função disto, o Estado Brasileiro assume paulatinamente uma ação corporativa, que pretendia canalizar sob sua órbita, interesses divergentes que emergiam das contradições entre as classes sociais, permitindo a integração de diferentes interesses, em direção da chamada “harmonia social”. Para isso o atual regime utilizou estratégias como: a legislação sindical e trabalhista, o seguro social, a assistência social, até medidas de repressão da organização do proletariado, tudo isso em nome de “servir ao bem comum”. Concomitante à formulação destas estratégias por parte do Estado, ocorre no âmbito da Igreja Católica uma mobilização no sentido de abandonar sua passividade e redefinir suas relações com o Estado e a sociedade. Sua ação política será conduzida pelo movimento laico e dirigida em dois sentidos: o da mobilização do eleitorado católico e a do apostolado social. Da aliança entre Igreja e Estado, tanto do ponto de vista ideológico quanto do ponto de vista dos interesses político-sociais é que surgirá o Serviço Social, com a finalidade específica de amenizar as contradições e conflitos oriundos da relação entre capital e trabalho. A trajetória profissional do Serviço Social revelava uma “prática humanitária, sancionada pelo Estado e protegida pela Igreja, como uma mistificada ilusão de servir” (Martinelli, 1989, p.57) transformando-se num importante instrumento da burguesia. As primeiras escolas são fundadas pela Igreja Católica inicialmente a partir de uma influência européia - tendo como fundamento para a formação dos assistentes sociais a Doutrina Social da Igreja, de caráter essencialmente moral e doutrinário, que ratificava a linha do apostolado social. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 39 As décadas de 40 e 50 serão significativas para a institucionalização do Serviço Social - no sentido de crescimento do mercado de trabalho - pelo surgimento das grandes instituições de Assistência Social que evoluem no Brasil, a partir da ação estatal que tenta responder à pressão das novas forças sociais urbanas. Paulatinamente - sobretudo após a Segunda Guerra Mundial - a hegemonia européia na formação dos assistentes sociais no Brasil vai sendo substituída pela influência norte-americana, que a partir de 1945 “passa a dar ênfase a instrumentalização técnica, com a valorização do método” (Silva, 1984, p.41). Apesar da permanência da influência católica, a ênfase é a da ação eficaz no trabalho social. Marcada agora por uma perspectiva metodologista, a formação acadêmica terá como preocupação central à sistematização do trabalho social, através da implementação dos métodos de Serviço Social de Caso, de Grupo e posteriormente de Comunidade. Preocupados com a formação técnica, distancia-se da busca da compreensão da relação imediata existente entre acumulação capitalista e reprodução ampliada da pobreza. Diz Martinelli (1989 p.22): “... transitando pelo mundo dos fenômenos externos, das representações comuns, das aparências enganadoras, enfim, pelo mundo reificado próprio da sociedade capitalista, distanciam-se da possibilidade de obter um conhecimento mais pleno do real, de atingir os fenômenos com os quais operavam”. No início da década de 60, este cenário começa a se alterar, em função do acirramento dos conflitos entre as classes sociais e da crescente massa de pobreza existente no país, resultando no golpe militar de 64. Paradoxalmente, foi neste cenário que grupos de assistentes sociais iniciaram um processo de revisão crítica da profissão, através de uma série de questionamentos ideológicos, político, teóricos, de objetos, que desembocarão no chamado “Movimento de Reconceituação”, o qual buscava alcançar o desafio de articular uma nova direção para a prática profissional. Esse movimento, no entanto, não irá atingir o vasto segmento profissional, não obtendo “... uma resposta unívoca, pois a cisão do único, sobre o qual o capitalismo se constrói, havia penetrado na categoria profissional, transformando-a em categoria 40 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 fragmentada, fragilizada e desunida” (Martinelli, 1989, p.130). Apesar disso, é evidente o salto qualitativo deste movimento: o do reconhecimento da dimensão política da profissão. Só a partir da década de 70, observa Silva (1984, p.49) pode-se afirmar que: “... os segmentos do Serviço Social no Brasil começam a assumir a perspectiva dialética da reconceituação, buscando formular um quadro de categorias que permita um entendimento global da sociedade, em termos estruturais e conjunturais ao mesmo tempo em que busca uma aliança com os movimentos populares, vislumbrando uma perspectiva de transformação da sociedade”. É assim que, nos fins da década de 70 e início da década de 80 o processo de formação profissional dos assistentes sociais, passa a ser questionado, desencadeando um movimento de renovação do Serviço Social; que desembocará numa seqüência de debates, envolvendo docentes e discentes no sentido de construir um novo projeto de formação profissional, que incluía uma revisão curricular de seus cursos. Concebido a partir de formulações amplas, este projeto extrapolava o entendimento de uma mera mudança de currículo tendo como ponto crucial um Projeto Educacional de Serviço Social, comprometido com uma postura crítica, com os reais interesses da classe dominada. Atribui-se, portanto, uma intencionalidade ao projeto profissional. Sob a coordenação da ABESS, em 1975, inicia-se intenso processo de discussão do projeto acadêmico e curricular do S. Social. De 75 a 81, este foi o tema principal das Convenções Nacionais da ABESS, que buscavam uma posição hegemônica, no que se diz respeito a um projeto de S. Social que objetivasse contribuir com o processo de transformação da sociedade brasileira. A justificativa no Documento Básico encaminhado ao Conselho Federal de Educação dizia: Tomamos a liberdade de realizar este trabalho, por sentirmos no cotidiano de nossas salas de aula o imperativo de novos enfoques, novos abordagens, novos conhecimentos, para fazer frente a uma sociedade em célebre ritmo de mudança e carente de profissionais aptos a participarem ativamente do processo de desenvolvimento social integrado que vive a nossa nação. (ABESS, Documenta, Brasília, v.261, ag.,1982) A proposta de currículo mínimo foi aprovada no período, pelo Conselho Federal de Educação através do Parecer 412/82, Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 41 ficando determinado o prazo de dois anos para sua implementação em todas as Unidades de Ensino do país, vigorando até os dias de hoje. No Brasil, existem hoje, 66 escolas de Serviço Social espalhadas pelo território nacional, 22 delas no Estado de São Paulo. A inserção do Serviço Social na realidade paulista guarda toda a marca histórica e características do processo de surgimento do Serviço Social a nível nacional. As primeiras escolas fundadas no Estado sofrem a influência direta de grupos atuantes da ação católica; são os casos da Escola de Serviço Social (fundada em l936) que mais tarde foi incorporada a PUC de São Paulo, a Faculdade Paulista de Serviço Social (fundada na década de 40) e a Faculdade de Serviço Social da PUC de Campinas (fundada em l949). Na década de 50 foi fundada a Faculdade de Serviço Social de Lins, a 1ª no interior do Estado. Na década de 60 aparecem três novas unidades de ensino: as Faculdades de Piracicaba, a de Ribeirão Preto e a de Bauru - estas duas últimas de caráter laico. Contavase assim, ao final da década de 60, com 7 unidades de ensino todas de caráter privado. Os anos 70 serão considerados como o grande marco na criação das unidades de ensino no Estado: doze delas, de um total das 22 existentes hoje. Seguindo um modelo de política educacional adotada neste período - de expansão do ensino privado, sem, no entanto, perder a maioria delas o “vínculo religioso” - nascem em escolas ou institutos isolados, mas são logo integradas a Faculdades ou Universidades. São os casos das Faculdades de Serviço Social de Santos e Taubaté (1970); na cidade de São Paulo a das Faculdades Metropolitanas Unidas FMU (1972); o Depto. de Serviço Social da Faculdade de Ciências Aplicadas de São José dos Campos (1973); a de São Caetano do Sul e na cidade de São Paulo a da Universidade São Francisco (1974); a de Limeira, a da Universidade Cidade de São Paulo; a de Americana e a de Santo Amaro (1975); a de Marília (1976) e a de Franca (1977) 3. Foram fundadas nos anos 80, as Faculdades de Botucatu, Presidente Prudente e São José do Rio Preto. 3 Cabe observar que a Faculdade de Serviço Social de Taubaté foi criada pela Prefeitura de Taubaté em 1963 por um projeto apresentado pelo então mercador - assistente social e professor Ulisses Pereira Bueno. A Faculdade 42 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 Segundo Jorge (1993 p.420): “Essa aproximação entre a época da fundação das Unidades de Ensino e o projeto político educacional brasileiro vem constituir um dos elementos de caracterização das referidas unidades, ao se tratar de suas origens, desde os anos 36 até 1989...”. A Construção da Pesquisa O estudo, que ora apresentamos, tem a intenção de colocar em debate a prática educativa no curso de Serviço Social, que, articulada ao conjunto de conhecimentos já produzidos na profissão, possam contribuir, para o enfrentamento das questões relativas à qualidade da formação profissional. Trata-se de um estudo quantiqualitativo, de natureza compreensiva e explicativa em que pretendemos analisar a prática de ensino, ouvindo professores e alunos, com o objetivo de descobrir tanto evidências quanto idéias e fatos subjacentes ao cotidiano do processo de formação profissional em Serviço Social. Nosso interesse foi, a partir da relação professor e aluno na sala de aula, compreender e explicar o modo como articulam a prática do ensino. Dada a natureza do estudo, levamos em conta a importância de estar o mais próximo possível dos atores desse processo: o professor e o aluno. Isto significa, analisar o ensino e a formação profissional desenvolvida nos cursos de Serviço Social através das representações, das expectativas e do modo de proceder de seus atores. Para realização deste estudo consideramos cinco faculdades de Serviço Social do Estado de São Paulo: ITE – Instituição Toledo de Ensino de Bauru, UNESP – Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Franca, PUCC – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, o Departamento de Ciências Aplicadas da Universidade Vale do Paraíba – UNIVAP de São José dos Campos e a PUC – São Paulo. O critério para a escolha da amostra considerou inicialmente o maior número de alunos e professores. Esta amostra nos de Franca, única de caráter oficial, estadual, no território paulista foi criado pelo Decreto n.9449 de 26.01.77, o mesmo que suprimiu outros cursos na nova regulamentação dos antigos institutos isolados, agora incorporados a Universidade Estadual Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 43 permitiu atender a um outro critério básico: o de garantir a representatividade em cada sub-região do Estado, de pelo menos uma escola. Da amostra definida, tomamos como sujeitos da pesquisa em cada Faculdade: • 2 professores que ministravam disciplinas consideradas pela ABESS como “eixos” no processo de formação do curso de Serviço Social quais sejam: História do Serviço Social, Teoria do Serviço Social e Metodologia do Serviço Social. Para esses professores consideramos ainda, como critério: maior tempo de serviço naquela instituição, entendendo que estes sujeitos abarcam certa experiência no processo de ensino, bem como garantiriam o conhecimento do processo de formação profissional desenvolvido na instituição. • alunos das séries finais do curso, qual seja, 3º e 4º anos, que no momento da aplicação da pesquisa se dispusessem a participar. Nosso universo de pesquisa foi composto então por: 5 (cinco) FACULDADES DE SERVIÇO SOCIAL, 10 (dez) PROFESSORES no exercício direto da prática de ensino e 351 ALUNOS matriculados nas séries finais do curso. Para o estabelecimento dos instrumentos de pesquisa procuramos escolher aqueles que nos possibilitassem o máximo de informações e dados que revelassem as representações, as atitudes, as relações e as contradições estabelecidas na prática de ensino e no processo de formação profissional no Serviço Social. Nesta configuração optamos pela coleta de depoimentos junto aos professores e a aplicação da escala tipo “Likert” para os alunos. A escolha dos instrumentos foi intencional, considerando que a coleta de depoimentos é um instrumento rico para a descrição do cotidiano do professor na sala de aula e a escala Likert é um instrumento que tem a possibilidade de medir “quanto uma atitude é mais ou menos favorável” (Gil, 1995, p.142). Selecionados os dois instrumentos de pesquisa, procuramos definir o conteúdo e a forma de trabalhar com cada um deles, tendo como pressupostos quatro grandes questionamentos: como se dá a prática do ensino em sala de aula no curso de Serviço Social? Quais as concepções que fundamentam esta prática? Como se dá à relação entre professor e aluno no espaço da sala 44 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 de aula? Que significados professores e alunos atribuem a este espaço? Para o desenvolvimento da pesquisa operamos conforme passamos a especificar. • Na coleta de depoimentos, deveriam os professores relatar livremente suas experiências na sala de aula: como ministravam seus cursos, como os planejavam, como se relacionavam com seus alunos, enfim, os aspectos que considerassem importantes para serem relatados. Os depoimentos foram obtidos através de entrevistas não estruturadas em que mantivemos o firme propósito de não conduzir a expressão do pensamento do depoente, possibilitando que fosse ele próprio o selecionador daquilo que considerava importante. Utilizamos para a coleta destes dados, um pequeno gravador que ficava sobre a mesa, no local determinado pelo professor e que objetivava o registro de suas falas. A análise realizada se respaldou tanto no conteúdo manifesto quanto no conteúdo latente dos depoimentos. A linguagem oral aqui é entendida “... como uma construção real de toda a sociedade e como expressão da existência humana, que, em diferentes momentos históricos, elabora e desenvolve representações sociais no dinamismo que se estabelece entre a linguagem pensamento e ação”. (Franco, 1986, p.8). Esta etapa do trabalho constituiu-se no momento de deixar vir à tona os dados, permitindo que eles se mostrassem in natura, sendo os próprios professores os selecionadores dos conteúdos. • A opção pela escala “tipo Likert” para os alunos teve por objetivo, buscar outros ângulos da mesma situação com a intenção de chegar o mais próximo possível da realidade da prática de ensino desenvolvida. A diferença está no fato de que, com ela era possível atingir, num período de tempo relativamente curto, um número significativo de sujeitos, sem perder o rigor científico, obtendo ao mesmo tempo a medição de concordância ou discordância a respeito de diferentes afirmações. “No processo de coleta de dados, o pesquisador pode optar por querer saber a quantidade ou a freqüência com que o fenômeno ocorre em uma determinada realidade. Evidentemente, seus resultados serão expressos em Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 45 número, porém se contextualizados e interpretados à luz da dinâmica social mais ampla, sua análise será eminentemente qualitativa...” (Franco, 1986, p.34-5). A escala Likert exigiu um outro nível de organização, que considerando também os pressupostos e questionamentos apresentados anteriormente, contemplassem afirmações, que fizessem referência ao processo de ensino como um todo. O estudo e análise do material coletado foram feitos considerando também peculiaridades de cada instrumento. Tivemos que trabalhar primeiro com o depoimento dos professores, para em seguida trabalhar com as escalas preenchidas pelos alunos e só então pudemos estabelecer a relação do conjunto de dados obtidos através dos dois instrumentos. Escolhemos como metodologia de análise da coleta de depoimentos, a “análise de discurso”, por ser uma metodologia que por si só garante uma rica produção de conteúdo (da fala oral, materializada no texto escrito). Partindo dos conteúdos apresentados pelo material empírico que compõem os depoimentos e os objetivos da pesquisa, procuramos trilhar um caminho de sistematização particular - de cada depoente - para posteriormente buscar a composição geral, que evidenciaria as categorias elegidas. Assim, o discurso é caracterizado muitas vezes por dispersões, por uma certa desordem, fazendo-se necessário, realizar o desvelamento do conteúdo considerado. Das aproximações sucessivas ao material de pesquisa, emergiram diferentes categorias empíricas que serviram de base para uma análise preliminar do material coletado. Dos depoimentos dos professores emergiram: trajetória profissional, elaboração de programas, conteúdo das disciplinas, significado atribuído à disciplina, desenvolvimento das atividades na sala de aula, relação que estabelecem com os alunos, avaliação do processo de ensino, perfil do aluno, nível de participação, significado que atribuem ao fato de serem professores e o significado que atribuem à sala de aula. 46 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 Já com a escala, o procedimento consistiu inicialmente na apresentação dos resultados por item4, para em seguida, buscar no conjunto delas e de acordo com o conteúdo das afirmações o estabelecimento das categorias, quais sejam: relação entre objetivos da disciplina e da profissão; conhecimento e domínio de conteúdo; valorização do ensino, da disciplina e sala de aula; avaliação; relação entre professor e aluno; formação intelectual e desenvolvimento de uma visão crítica; relação teórica e prática; preparação do curso para a realidade social; a prática pedagógica e o projeto profissional. Finalmente, da interação e aproximação sucessivas entre campo teórico e campo de referência empírica, emergiram as categorias que subsidiaram a análise final do material coletado - tanto nas entrevistas, quanto das escalas: • a sala de aula: conjunto de elementos que nos permitem resgatar o significado atribuído a um espaço determinado da relação pedagógica e da construção de conhecimentos; • relação entre professor e aluno: conjunto de elementos que nos permitem traçar um perfil da figura do professor e do aluno no curso de Serviço Social e que, no processo interativo favorece detectar o modo de produzir o ensino e construir o conhecimento em Serviço Social; • a prática de ensino: conjunto de elementos e procedimentos que caracterizam um modo de intervenção que contempla um projeto político, um planejamento, um conteúdo, uma metodologia de trabalho, uma relação educador / educando e um processo de avaliação. Conclusões: os Caminhos Apontados A pesquisa que realizamos permitiu-nos destacar alguns pontos que consideramos relevantes e que podem contribuir não só para o debate sobre o processo de ensino em Serviço Social, como também para futuras revisões curriculares. Identificamos alguns elementos marcantes que procuramos sistematizar em três categorias: o espaço da sala de aula, o papel do professor e do aluno e a prática de ensino. Separar estas 4 Maior concordância, maior discordância e maior heterogeneidade de opiniões Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 47 categorias foi um recurso metodológico utilizado para ressaltar a análise, posto que no exercício do ensino elas não se dissociam e não têm sentido isoladamente. 1) O papel que professores e alunos desempenham ou representam na prática de ensino no curso de Serviço Social O exame dos dados revela que no curso de Serviço Social, professores e alunos tendem a corresponder a atitudes e comportamentos incorporados socialmente ao que se representa ser professor e ser aluno, sem muita reflexão sobre o significado destes papéis. O sentido atribuído ao “o que significa ser professor”, apresenta-se multifacetado, e o que mais fortemente se destaca nos depoimentos dos professores é a responsabilidade que sentem pelo processo de formação. Expressam como objetivo prioritário, conduzir o aluno à apropriação dos conhecimentos já definidos pelo currículo. O aluno caracteriza-se para os professores, como aquele cuja condição de vida econômico-social assemelha-se a própria clientela do Serviço Social. Nomeiam os alunos como trabalhadores, associando a isto, uma visão paternalista da pessoa do aluno, que é pobre, cansado, que não participa. No entanto, não é isso que os dados empíricos mostram: menos de 50% dos alunos trabalham, nenhum deles se queixa de não participarem por cansaço, mas por não se sentirem motivados a fazê-lo, ou porque a metodologia utilizada não contribui para isso, ou ainda, pela impossibilidade de terem respeitado suas idéias. Os papéis desempenhados por professores e alunos supõem uma prática de ensino onde um ensina e o outro aprende. A figura do professor e do aluno, vinculada à idéia de sujeitos articuladores de projetos que objetivem a criação, a reconstrução, ou a construção de novos conhecimentos, nos parece ainda uma proposta um tanto quanto ousada para os cursos de Serviço Social. Na verdade, cabe aos professores decidirem “o que fazer” e “como fazer”, e para eles, sala de aula parece ser local em que se dá a transmissão de conteúdo. Demonstram preocupação com o 48 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 acesso e domínio de conhecimentos já sistematizados e produzidos. 2) A prática de ensino no curso de Serviço Social na visão de seus protagonistas Sem formação didática específica, buscam os professores do curso no cotidiano da sala de aula, metodologias consideradas mais adequadas para o desenvolvimento do trabalho. As metodologias de ensino utilizadas (aula expositiva, aula expositiva dialogada e estudo de textos) indicam a manutenção de padrões já amplamente experimentados. Embora nos discursos desvelem a intenção de estilo de atuação docente com características democráticas, os procedimentos adotados explicitam uma condução de curso pouco participativa. Contraditoriamente os professores vêem os alunos ainda dependentes e pouco participativos. A tentativa de inovar está muito mais relacionada à necessidade de prender a atenção do aluno, a que de construir um projeto político e educativo mais dinâmico, condizente com as expectativas e necessidades do presente. A questão metodológica parece ser vista de forma reduzida, mais limitada à dimensão técnica do trabalho, ou seja, com características de natureza mais instrumental do que articuladora de saber. Os professores continuam desenvolvendo a prática de ensino alicerçada em velhos modelos, tendo como justificativa a não participação dos alunos. Em contrapartida, os alunos dizem que se sentem desmotivados porque não podem expressar seus pontos de vista. Este é um primeiro ponto crítico do curso: os alunos adotam uma teoria que lhes possibilita realizar análise crítica da realidade social, mas que lhes é imposta pelo processo de formação. A formação profissional parece concentrar excessiva preocupação com a teoria e “solidez científica” mais pouca preocupação com a atividade prática. O aluno se queixa da ausência de análise do estágio prático como campo que possibilita a articulação de sua formação teórico-prática. Este seria o segundo ponto crítico do curso: a análise do estágio enquanto espaços de aprendizagem profissionais Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 49 precisam ser efetuados também no contexto do ensino teóricoprático do curso. Caso contrário, pode acarretar cada vez mais o descolamento e a desarticulação entre o discurso acadêmico e o cotidiano da ação profissional. Os professores precisam trazer para o interior da sala de aula a prática profissional, procurando compô-la à própria essência do processo de formação dos alunos. Contribuir para o estabelecimento de uma relação entre os conhecimentos já produzidos na profissão e a realidade cotidiana da prática de estágio faz parte da prática de ensino na profissão, assim, o cotidiano refletido se transforma em conhecimento ativo. Mas, há que se perguntar então: qual a verdadeira causa da desmotivação dos alunos: seria o cansaço? Seria o ritmo da aula? O pouco respeito a seus modos de pensar? Ou seria ainda, a dificuldade em estabelecer relação entre o conteúdo teórico e a prática de estágio? Envolver os alunos de forma participativa, nos processos de reflexão, de troca de experiência, de construção conjunta, revelase um desafio. No discurso dos professores a participação imprescindível, mas os alunos questionam se esse interesse é verdadeiro. Decorrente deste modelo de ensino, os alunos afirmam que não participam porque não podem expressar seus pontos de vista, e porque, de certa maneira existe uma direção ideológica no currículo que lhes suscita a formação de um pensamento crítico, mas que não lhes permite reflexão aberta, democrática. O curso de Serviço Social tem como matéria viva, o combate à exclusão social; no entanto, o próprio professor cultiva um modo de exclusão dentro da sala de aula ao impor seu conhecimento, suas idéias, sua ideologia, aceitando a passividade do aluno. Nesta perspectiva, a prática de ensino tem se revelada extremamente reprodutora de uma relação social de opressão. Estabelecer um clima de respeito entre sujeitos é condição necessária para que o ensino cumpra suas finalidades e consubstancie outra orientação à formação profissional. Um processo educativo se define por atitudes, valores e pela clareza de suas finalidades; não há na prática de ensino no curso de Serviço Social, atitudes, que revelem preocupações em alterar esta condição formativa, ainda participação e decisão 50 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 constituem iniciativas que poderiam contribuir para a inovação, recriação e possibilidade de superar esse eterno movimento reprodutivo. Outro aspecto que reafirma a presente análise refere-se à queixa dos alunos quanto ao fato dos professores dizerem-se “especialistas de um campo de saber”. Essa afirmação demonstra um certo paradoxo que se estabelece entre o discurso e a ação docente, reproduzindo na relação entre professor e aluno, clara contradição entre o que é proposto pela profissão e o agir profissional. De certo modo, o aluno ainda é objeto e não sujeito do conhecimento. 3) Significado atribuído ao espaço da sala de aula no processo de formação profissional dos alunos do curso de Serviço Social O material empírico mostra contradições. Para o professor, a sala de aula é um lugar objetivo, concreto, real que permite a relação direta com os sujeitos de sua atividade profissional; os alunos. É o lugar onde aprende a conhecer o aluno, de refletir desenvolver conteúdos e construir conhecimento. Este espaço é considerado pelos professores como nuclear na atividade do ensino, o mais relevante no processo de formação profissional do aluno. O aluno já não atribui tanto valor, ou a mesma força de significado à sala de aula porque, ele tem uma expectativa maior em relação à realidade social e à capacidade interventiva da profissão. Parece que o professor através do currículo, dos conteúdos e das disciplinas priorizadas no Serviço Social, não consegue aproximar-se do próprio objeto da profissão, a própria situação e realidade social. A sala de aula não é um locus fixo, rígido, como espaço demarcado, fechado. É um campo de criação, de debate, de construção, de reflexão, de interação. Não tem limites, a não ser aqueles postos pelos modos como dela nos ocupamos. Optar por uma prática de ensino fundamentado em novos referencial educativo como os propostos pela Pedagogia Histórico-Crítica, parece uma possibilidade ainda remota. A compreensão de que professores e alunos constituam-se em sujeitos articuladores de projetos que objetivem a criação, a Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 51 reconstrução ou a construção de novos conhecimentos, consiste uma proposta a ser alcançada. Um currículo é a expressão de uma determinada concepção teórico, político - metodológica; precisa guardar coerência para atingir expressividade. Como o novo projeto curricular pode ter parceiros, se os alunos não conhecem de forma explícita este projeto? A implementação efetiva de um currículo supõe uma seleção intencional de conteúdos, mas também o confronto entre a organização curricular e os objetivos educacionais. Isso significa construir a base do processo de formação: não se ensina aquilo que não se faz. Contemporaneamente, a ABEPSS, ao definir um currículo que busca romper com uma visão fragmentada da realidade, privilegia uma formação crítica e comprometida com a transformação social; para empreender esta proposta necessita de parceiros que sejam capazes de desenvolve-la. Isto requer mais investimentos na área docente, maior valorização da atividade de ensino, debates mais abertos entre outros. Trabalhar de forma diferenciada do que aí está posto, exigiria um esforço e compromisso de professores e alunos. Se por um lado é necessário criar uma nova postura do professor em relação ao aluno, buscar descobrir novos caminhos de intermediação na efetivação da prática do ensino é preciso também que o aluno ultrapasse o caminho da reprodução do conhecimento, supere a atitude passiva, de ouvinte, e exercite a crítica. Isso significa redimensionar o papel do professor e do aluno, ambos agentes do processo, pois não há transformação do aluno, se não houver transformação do professor. Cabe a professores e alunos descobrirem-se sujeitos no processo de ensino. A forma de realização disto se dá através de uma reflexão sobre a prática de ensino pautada no real, não no ideal: os alunos não são aquilo que os professores gostariam que fossem, nem os professores aquilo que os alunos gostariam. Se querem participação, porque dão tantas aulas expositivas? Porque dirigem o estudo de texto? Porque avaliam os alunos através de provas que exigem reprodução de idéias? Porque não trabalham as questões do estágio? Porque trabalham conteúdos ideologicamente orientados? 52 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 Instaurar junto aos professores e alunos um processo de reflexão sobre a prática de ensino nos cursos de Serviço Social, explicitando seus fundamentos, seu sentido político, seu caráter mediador, constituem-se componentes necessários para a sua reformulação. Para além de um projeto profissional fundado em uma ideologia transformadora, há que se construir uma prática educativa coerente com este projeto de formação profissional, que na perspectiva Histórico-Crítica requer também um pensamento pluralista. Não se constrói um currículo em função exclusiva de uma profissão, mas em função de um projeto educativo. A ausência deste debate colabora para o exercício de uma prática intuitiva, que não é tomada como matéria de análise, reflexão, investigação, questionamento e, conseqüentemente de aperfeiçoamento. O material empírico evidenciou que esta preocupação deve ser colocada. São dados que dão conta de uma realidade onde coexistem concepções e práticas diferenciadas, muitas vezes até contraditórias. No conjunto, eles ajudam a entender, para além do espaço da sala de aula, uma concepção de universidade e de educação. Neles estão expressos algumas dificuldades e algumas possibilidades que devem ser consideradas para se encaminhar à revisão do novo projeto curricular do curso, numa perspectiva de uma formação emancipatória e plural. A relação professor e aluno, a prática pedagógica, os objetivos das disciplinas, seus conteúdos, o estágio prático e a própria sala de aula são temas que merecem maior rigor. Nesta perspectiva a sala de aula é o locus que possibilita estabelecer relações entre a prática de ensino, os pressupostos teóricos que a embasam e o projeto maior que a formação profissional e a universidade definem para si. A transposição de um currículo para outro, jamais poderá ser garantida considerando apenas o aspecto do conteúdo programático do curso. Há que se pensar os “porquês”, “para quem”, o “como” e “aonde chegar”. Há que se considerar o que ocorre de fato na sala de aula. Significa perguntar o que professores e alunos estão fazendo e o porquê desta ação. Temos hoje a certeza que estas questões precisam ser colocadas em debate, quando se quer rever um projeto de Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 53 formação profissional ou se quer propor um projeto de revisão curricular. Na verdade a sala de aula precisa ser entendida como parte integrante no momento de uma revisão curricular, porque é ali que efetivamente se estabelece a relação do que ensinar, por que ensinar, como faze-lo e aonde chegar. Significa perguntar o que professores e alunos estão fazendo e o porque desta ação. O grande desafio a ser enfrentado é exatamente o de manter-se uma concepção crítica da profissão, mas também uma concepção crítica da educação, ao mesmo tempo em que se busque uma proposta que a viabilize de forma diferenciada. Para isso nossa interlocução deve expandir dos horizontes internos, deve expandir os limites da categoria, ampliando nossos debates principalmente junto à Educação. ANDRADE, M.A.R.A. The practice of the teaching in the course of Social Service - necessary reflections. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.3156, 1999. • ABSTRACT: The present study privileges the "classroom" as an investigative and priority field, trying to discover the most important elements of the teaching practice in the course of social service. • KEY WORDS: Professional formation, teaching practices, classroom. Referências Bibliográficas CARVALHO, Alba Maria Pinho et al. Projeto de investigação: a formação profissional do Assistente Social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 14, p.104-143, abr. 1984. FRANCO, Maria Laura P. Barbosa. O que é análise de conteúdo. Cad. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação, São Paulo, n.7, p.2-30, ago. 1986a. GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução a pedagogia do conflito. 10.ed. São Paulo: Cortez, 1992. 143p. GATTI, Bernardete A. Os paradigmas das ciências e sua presença nos currículos. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, s/d. 18p. (Mimeogr.). GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4.ed. São Paulo: Atlas , 1995. 207p. IAMAMOTO, Marilda Vilela.. A reforma profissional na contemporaneidade: dilemas e perspectivas. Rio de Janeiro, 1995. 30p. (Mimeogr.). 54 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 JORGE, Maria Raquel Tolosa. O Ensino de Serviço Social no Estado de São Paulo: entradas e bandeiras. São Paulo, 1993. 582p. Tese (Doutorado em Serviço Social) - PUC. MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez, 1989. SILVA, M. Ozanira da Silva e. Formação profissional do assistente social. São Paulo: Cortez, 1984. 128 p. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 31-56, 1999 55 O SERVIÇO SOCIAL NA ÁREA DA EDUCAÇÃO Eliana Bolorino Canteiro MARTINS* • RESUMO: Apresentação da experiência do Serviço Social na área da educação, realizada no período de 1995 à 1997, no projeto de extensão universitária da Faculdade de Serviço Social - Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente. O relato pretende explicitar a constatação de uma demanda real, posta para o Assistente Social dentro da escola pública, considerando a urgência histórica de enfrentamento das questões sociais que perpassam a escola de hoje, com vistas a luta por uma escola nova. O principal objetivo da atuação do Serviço Social na área da educação é contribuir para o ingresso, regresso, permanência e sucesso da criança e adolescente na escola, intervindo nas questões sociais que interferem no processo de ensino/aprendizagem. A intervenção do Serviço Social foi realizada a nível micro (unidades escolares) e macro (delegacia de ensino) desenvolvendo as seguintes ações: apoio e orientação as famílias/alunos; capacitação dos educadores no trato das questões sociais; articulação da educação com as organizações governamentais e não governamentais. O principal resultado desta experiência é que o Serviço Social proporcionou um elo de articulação entre os sujeitos do contexto escolar-familiarcomunitário, possibilitando a efetivação do projeto sócio-pedagógico que possibilita uma gestão flexível, participativa, interconectando agentes e serviços numa rede de complementariedade, para o atendimento das demandas da população alvo das políticas educacionais. • PALAVRAS CHAVE: Educação, Serviço Social, Formação profissional. Introdução Este estudo, pretende explicitar como a experiência do Serviço Social na área da Educação, se constituiu, mostrando a real demanda posta para o Assistente Social dentro da escola pública. Para compreender a relação da educação com o Serviço Social, torna-se indispensável esclarecimentos sobre as concepções fundantes da presente análise. O Serviço Social, inserido no quadro sócio-histórico, é uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho, que surgiu num dado contexto histórico, para atender a determinadas * Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - Faculdade de História, Direito e Serviço Social - UNESP - Franca/SP. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 57 necessidades sociais. No momento em que o Estado se amplia visando tratar as seqüelas das questões sociais, acirradas pelo estágio de desenvolvimento do capitalismo (monopolista) é que surge este espaço sócio-ocupacional para a profissão. Portanto as demandas atendidas pelo Serviço Social estão imbricadas nas alterações que ocorrem na sociedade, isto é, no mundo do trabalho, nas esferas governamentais e não governamentais. Na contemporaneidade o agravamento das múltiplas expressões da questão social, base sócio-histórica da requisição social da profissão, requer do profissional apropriar-se dessas demandas como espaços de intervenção. Por outro lado, a “Educação” também se opera num processo dialético com a totalidade, não podendo deslocá-lo do processo político econômico presente na sociedade, hoje globalizada que vem colocando a educação como prioridade mundial. Observa-se que, nos últimos anos apesar do esforço, do investimento financeiro técnico pedagógico nas escolas, a incidência dos fatos e dados estatísticos revelam o fracasso escolar, a violência presente no interior das escolas. Os reflexos das questões sociais estão cada dia mais presentes na escola dificultando o cumprimento de sua finalidade maior, contribuir na formação da cidadania dos brasileiros. É importante esclarecer que não há intenção de discordar da pedagogia histórico-crítica, cuja função e especificidade da escola é a transmissão do conhecimento socialmente acumulado pela sociedade, porém questiona-se como desempenhar esta função básica na atual conjuntura social. O reequacionamento do papel da educação no mundo contemporâneo é inevitável, vivemos a terceira revolução industrial, com profundas alterações no mundo do trabalho e nas relações sociais, cabendo a educação uma agenda exigente e desafiadora, considerando sua importância neste contexto. O projeto ético-político do profissional do Serviço Social, técnico compromissado política e socialmente com as demandas das classes populares, lutando pela cidadania, democracia, equidade e justiça social demonstram o ponto de conversão com a educação, na identidade social e política destes profissionais e nos objetivos pelos quais acreditam e lutam. 58 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 Desenvolvimento 1 – Histórico A Faculdade de Serviço Social da Instituição Toledo de Ensino de Presidente Prudente, com intuito de efetivar a função social da Universidade, prestando serviços a comunidade, bem como proporcionar aos alunos a efetivação da relação teóricoprática, através do espaço adequado para vivenciar a prática profissional – estágio supervisionado, organizou o Projeto de Extensão Universitária1 – Serviço Social da Área da Educação. Segundo Fernandes, Silva, Joanini (1998) a extensão é inerente a profissão, dada a especificidade do Serviço Social, logo está inserida na totalidade e no contexto do processo educativo, permitindo estreitar a relação Faculdade-Professor-AlunoSociedade, no sentido de interação, complementação e modificação recíproca; a compreensão interdisciplinar das questões sociais; o redimensionamento do espaço, onde se dá o ato de aprender, da sala de aula a um contexto social mais imediato e vice-versa; o vínculo orgânico com a população no exercício da cidadania: a concretização do compromisso social da Universidade junto a sociedade. Os determinantes que contribuíram para a opção da implantação deste projeto na educação foram os seguintes: • Momento histórico da política educacional do Estado de São Paulo, com a organização e implantação da “Escola Padrão”, efetivando os princípios de democratização do ensino, autonomia das unidades escolares e enfatizando a participação da família e da comunidade na escola; • A análise crítica da realidade da escola pública e as determinações das questões sociais que incidem no processo de 1 “A extensão é inerente a profissão, dada a especificidade do Serviço Social, logo está inserida na totalidade e no contexto do processo educativo, permitindo estreitar a relação Faculdade-Professor-Aluno-Sociedade, no sentido de interação, complementação e modificação recíproca; a compreensão interdisciplinar das questões sociais; o redimensionamento do espaço, onde se dá o ato de aprender, da sala de aula a um contexto social mais imediato e vice-versa; o vínculo orgânico com a população no exercício da cidadania: a concretização do compromisso social da Universidade junto a sociedade”. Fernandes, Maria C.T.; Silva, Mathilde A.B. da; Joanini, Sandra C.F.; título etc. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 59 ensino-aprendizagem que extrapolam a prática pedagógica mas estão presentes no espaço escolar. Estes fatores culminaram na possibilidade de demonstrar, através de práxis profissional, o espaço sócio-ocupacional do Serviço Social como um recurso a mais, contribuindo para o enfrentamento dos fenômenos de ordem social. Na trajetória histórica do Projeto de Extensão Universitária é possível destacar dois momentos: no período de 1992 a 1994, a atuação foi realizada em três escolas padrão da Rede Oficial de Ensino de Presidente Prudente e no período de 1995 a 1997 o projeto foi desenvolvido em duas escolas públicas e na Delegacia de Ensino. A experiência vivenciada pela autora foi no segundo período citado ao qual se deterá esta apresentação. 2 – Objetivos da Prática Profissional do Serviço Social na Área da Educação • Contribuir para o ingresso, regresso, permanência e sucesso da criança e adolescente na Escola Pública, intervindo nas questões sociais que interferem no processo ensino aprendizagem. • Favorecer a relação família-escola-comunidade ampliando o espaço de participação destas na escola, incluindo a mesma no processo educativo. • Ampliar a visão social dos sujeitos envolvidos com a educação, decodificando as questões sociais. • Proporcionar articulação entre educação e as demais políticas públicas e organizações não governamentais, estabelecendo parcerias, facilitando o acesso da comunidade escolar aos seus direitos. 3 - Concretização da proposta de intervenção do Serviço Social na área da Educação O trabalho do Serviço Social na área da educação foi realizado em duas unidades escolares e na Delegacia de Ensino de Presidente Prudente. Intervir nestas duas instâncias de prestação de serviços da Política Educacional emerge do desafio de relacionar as situações 60 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 singulares presentes no cotidiano das unidades escolares a um contexto mais amplo, visando um trabalho coletivo e interdisciplinar que multiplique as ações para todas as unidades escolares. O primeiro procedimento do Serviço Social foi aproximar-se da realidade educacional, desvendando as múltiplas expressões das questões sociais que envolvem a população, alvo de intervenção, construindo um acervo de dados e informações sobre a vivência dos indivíduos neste contexto. O processo de investigação, pressuposto da ação do Serviço Social, encarado como componente indissociável do exercício profissional, possibilitou refletir sobre a demanda institucional e profissional. Segundo Pontes (1995, p.168), a demanda institucional é compreendida como os resultados esperados dentro do objetivo da instituição e a demanda profissional é a legítima demanda advinda das necessidades sociais dos segmentos demandatários do Serviço Social. Está incorporada a demanda institucional, mas não se restringe a mesma, devendo ultrapassá-la. A construção da demanda profissional impõe ao profissional a recuperação da mediação ontológica e intelectiva que dão sentido histórico a particularidade do Serviço Social. As bases teórico-metodológicas do Serviço Social iluminaram a leitura crítica desta realidade, decifrando e clareando as condições estruturais e conjunturais. Para aproximar o Serviço Social do movimento da realidade concreta, captando a gênese e manifestação das questões sociais, foi utilizado a documentação existente, contatos formais e informais com todos os segmentos envolvidos pelo processo educativo. Considerando a demanda solicitada pela Unidade Escolar, foi realizado uma pesquisa referente a evasão escolar, justificando pelo fato da unidade apresentar o índice mais elevado da região (18,78%). Nesta mesma pesquisa foram levantadas as expectativas da família em relação a escola e a atuação do Serviço Social. O resultado da pesquisa foi muito significativo para o Serviço Social. Em relação as famílias, constatou-se que possuíam dificuldade de vislumbrar perspectivas de futuro, pela Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 61 ausência de condições dignas de vida e pela negação constante de seus direitos. No tocante a educação, os pais reproduzem os valores ideológicos presentes no discurso da sociedade, valorizando o “estudo” como a única forma de obter ascensão social. Mas por não compreenderem a dimensão e a complexidade da educação, atribuem aos seus filhos a culpa pelo fracasso escolar, desmotivando-os para o estudo. De forma geral os motivos que levam a evasão escolar, relacionam-se em problemáticas inseridas na própria dinâmica das relações sociais no interior da escola, consubstanciando-se em falta de atrativo na escola até os problemas que desembocam nos aspectos sócio-econômico-cultural das famílias. A aproximação com o cotidiano destas famílias revelaram as suas condições materiais de vida e principalmente os sentimentos de inferioridade e incapacidade social, esculpidas historicamente, por suas condições de classe subalterna. As transformações societárias que emergem no mundo contemporâneo, sob a égide do grande capital financeiro em relação ao capital produtivo que agrava o desemprego. A redução do emprego aliada a retração do Estado em suas responsabilidades públicas na prestação de serviços e direitos sociais, agrava a pobreza e a miséria, influenciando a vida escolar das crianças e dos adolescentes. Em relação aos educadores constatou-se dificuldades dos mesmos para lidar com as determinadas situações sociais apresentadas pelos alunos e famílias oriundas das classes populares, que extrapolam a prática pedagógica mais incidem sobre ela. Compreende-se aqui o social como o conjunto de determinações ideológicas-políticas-econômicas e sociais, presentes em um determinado contexto histórico e permeia a instituição escolar e o processo educativo. Enfim a análise das demandas revelam uma gama de dificuldades enfrentadas pela escola-família, provenientes das condições materiais, biológicas, sociais e culturais dos diferentes sujeitos presentes neste cenário. Este leque de situações apropriados e decifrados pelo Assistente Social, constituíram demandas para a intervenção profissional, tais como: 62 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 • • • • • • • Problemas de dinâmica familiar Problemas de saúde Uso indevido de drogas Problemas de sexualidade Dificuldades sócio-econômicas Freqüência irregular na escola ou evasão escolar Dificuldades dos educadores no trato das questões sociais • Desinteresse do aluno e família pela escola Diante do exposto, na ótica da totalidade e na apreensão da dinâmica da vida humana, a apropriação teórico-metodológica do Serviço Social permitiu descobrir caminhos para a intervenção profissional. A utilização dos instrumentais técnico-operativos do Serviço Social tais como: entrevista, reuniões, visita domiciliar, dinãmica através de abordagens individuais e grupais foram o suporte para desenvolver as seguintes ações: • Apoio e orientação à família-alunos O Serviço Social facilitou o acesso das famílias-alunos aos seus direitos, favorecendo a participação nos processos decisórios no ambiente escolar, ampliando informações e conhecimentos referentes a vida familiar e comunitária. A ação sócio-educativa do Serviço Social com os pais e alunos propiciou desencadear um processo de mudanças de hábitos, modos de pensar, comportamentos e práticas nas diversas relações sociais estabelecidas na sociedade. O vínculo estabelecido com estas famílias possibilitou ao Serviço Social captar as reais necessidades, interesses e sentimentos, subsidiando novas alternativas de trabalho envolvendo os educadores na própria unidade escolar e também na Delegacia de Ensino. Esta relação restabeleceu o diálogo escola-família dirimindo dificuldades que interferem no processo educativo, concebendo a criança e o adolescente como pessoas em condições peculiar de desenvolvimento, formando-os como sujeitos de direitos e deveres perante a sociedade. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 63 Por outro lado, o processo educativo foi estendido a família, fortalecendo-a como instituição responsável pela educação da nova geração contando com o apoio complementar da instituição escola. • Capacitação dos educadores referentes ao trato nas questões sociais Ao propor esta ação o Serviço Social fundamentou-se na noção de interdisciplinaridade, concebida como a construção do conhecimento coletivo que deve elaborar-se num equilíbrio e consonância, como um corpo humano, em pleno funcionamento. Para funcionar, os membros precisam estar em sintonia. Portanto, não importa a hierarquia, a dimensão do seu papel, o importante é funcionar o conjunto. O primeiro passo deste processo foi conhecer-nos mutuamente, as especificidades do saber, os desejos e as aspirações com o objetivo de efetivar um projeto único de educação democrática, formando cidadãos críticos. O Serviço Social foi conquistando espaços, demonstrando a sua contribuição técnico-profissional na consecução das metas e objetivo da política educacional, participando portanto do resultado global do trabalho coletivo. Nas unidades escolares esta ação ocorreu através das Reuniões de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo - HTPC, quinzenalmente reservadas para o Serviço Social. A oportunidade de refletir diversos temas de interesse dos professores enriqueceram o saber dos educadores no que tange as questões sociais e seus desdobramentos no cotidiano familiar e escolar das classes populares. Este processo de ação - reflexão, vice-versa, desencadeou o fortalecimento da consciência crítica, valorizou a prática democrática, desmestificando concepções cristalizadas, muitas vezes, focalizando apenas no aluno/família, a culpa por suas condições de vida, comportamentos e o fracasso escolar, desvinculados da análise da estrutura e conjuntura. Na Delegacia de Ensino, foi realizado, a priori, uma análise institucional permitindo uma leitura da realidade, considerando os aspectos objetivos e subjetivos, através de dados, documentos e informações, compreendendo-a como um organismo vivo, dinâmico e contraditório. 64 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 O resultado deste trabalho, culminou na organização de um documento sobre a “Estrutura e Funcionamento da Delegacia de Ensino”, resgatando inclusive seu histórico e objetivos, enquanto instância governamental responsável pela execução, acompanhamento e avaliação administrativa e técnica da Política Educacional Estadual. Este documento foi divulgado para todos os setores da Delegacia de Ensino, oferecendo aos funcionários uma visão ampla, totalizante da Instituição. Avançar no conhecimento a quem se dirige os serviços profissionais do Assistente Social, atribui feições, limites e possibilidades no exercício profissional. Neste sentido, este trabalho, aproximou o Serviço Social da Oficina Pedagógica (setor da Divisão de Ensino, cujo objetivo maior é a capacitação técnicopedagógica dos educadores das unidades escolares), constituindo-se uma parceria. O Serviço Social foi incluído nesta equipe como um recurso a mais, na capacitação dos educadores, agentes multiplicadores, com informações, orientações específicas de domínio do conhecimento do Assistente Social, através dos encontros, debates, reuniões, entre outros. Dentre as ações desenvolvidas, foi marcante a realização, por iniciativa do Serviço Social, do I Encontro sobre “Infância e Juventude na Perspectiva das Políticas Públicas de Assistência Social e Educação: a busca de caminhos”, com a presença do pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, articulando pela primeira vez as diversas instâncias governamentais, municipais e estaduais. Outra conquista do Serviço Social, foi participar da equipe interdisciplinar composta pela Delegacia de Ensino contando com os seguintes segmentos: • Assessoria de Planejamento • Assistência Técnica-Pedagógia - Oficina Pedagógica • Assessoria Jurídica • Supervisão de Ensino • Serviço Social - Projeto de Extensão Universitária • Psicologia. A inclusão do Serviço Social nesta equipe, apesar de não estar inserido na estrutura administrativa da Delegacia de Ensino, Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 65 confirma o apoio e reconhecimento do Serviço Social pelos educadores. • Articulação da educação com os órgãos governamentais e não governamentais “A luta pela efetivação da democracia e da cidadania é indissociável da ampliação progressiva da esfera pública, em que se refratam interesses sociais distintos, enquanto ultrapassa a lógica privatista no trato social em favor dos interesses da coletividade. Ao alcançar a cena pública, os interesses das maiorias adquirem visibilidade tornando-se passíveis de serem considerados e negociados no âmbito das decisões políticas. A esfera pública deve transcender a forma estatal ou privada e articular sociedade civil e estatal para atender os interesses das classes populares” (Iamamoto, 1998, p.11). Partindo destes pressupostos e considerando a complexidade das relações sociais neste universo acelerado de modificações estruturais e conjunturais, evidencia-se que somente o esforço e desempenho isolado dos interlocutores presentes no âmbito da educação não serão suficientes para efetivar a função social da escola, de acordo com a expectativa e demanda da sociedade neste virada de século. Democratizar a escola, abrangendo o espaço comunitário, articulando a outras organizações governamentais e não governamentais, é um esforço necessário tanto para a escola como para a sociedade, sendo a mesma o locus do processo educativo, ancorando a esperança de efetivar e ampliar os direitos inerentes a cidadania. O Serviço Social concentrou grandes esforços neste sentido, tendo como resultado a negociação de algumas parcerias, tais como: • Secretaria Municipal de Assistência Social, Saúde e Educação, visando a implantação do Centro Diagnóstico e Tratamento a Criança e Adolescentes com necessidades especiais; • Secretaria Municipal de Assistência Social Departamento de Ação Comunitária. 66 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 Articular as Unidades de Ensino ao Projeto Criança Cidadã, desenvolvido nos núcleos descentralizados, bairros considerados bolsões de pobreza de acordo com o “Mapa de Exclusão Social de Presidente Prudente”. O objetivo deste projeto é desenvolver a ação sócio-educativa com estas crianças e famílias, visando a permanência e sucesso escolar. • Conselho Tutelar de Presidente Prudente. A Delegacia de Ensino e o Conselho Tutelar organizaram um fluxograma facilitando os procedimentos jurídicos-sociais dos canais competentes, com a finalidade de concretizar as novas diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que concerne a educação. • Fórum de Presidente Prudente - Vara da Infância e Juventude. Integrar a Delegacia de Ensino (Unidades Escolares), a Rede Criança, cujo objetivo é a prevenção, notificação e encaminhamentos da Violência Doméstica. A relação do Serviço Social com as demais instâncias permitiu o acesso da comunidade escolar aos serviços sociais das diversas políticas sociais além de aglutinar forças progressistas comprometidas com a formação de projetos societários de interesse da população, criando propostas alternativas de ação conjunta. 4 - Estágio supervisionado: relação Assistente Social estagiários na Educação O objetivo principal do estágio supervisionado é aproximar o conhecimento de cunho teórico-metodológico ao exercício da prática profissional cotidiana, proporcionando ao estagiário, a utilização de estratégias técnico-operativas que correspondam a demanda posta para a profissão, na área específica “Campo de Estágio”. O Projeto de Extensão Universitária - Serviço Social na área de educação, por contar com um supervisor-professorprofissional, contribuiu no processo de aprendizagem dos estagiários, pois a prática docente, possibilita relacionar as diretrizes curriculares com a prática profissional. O estabelecimento dos eixos necessários para a relação teóricoServiço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 67 prática, facilita a compreensão do aluno sobre o trabalho do Assistente Social. O aluno deve adquirir visão crítica daquilo que está fazendo, refletindo: O que fiz? Como fiz? Por que fiz? Portanto o processo de supervisão em Serviço Social, pressupõe do Assistente Social clareza da concepção de educação e da própria profissão. Constatou-se que os 20 estagiários que participaram do Projeto de Extensão tiveram oportunidade de planejar, executar e avaliar as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social, despertando a percepção crítica da realidade, indicando propostas de ação, bem como reconhecendo e defendendo os princípios éticos-profissionais do Serviço Social, através do processo de supervisão. Os resultados perseguidos pelo Assistente Social supervisor foram os seguintes: • Favorecer o acompanhamento ético-político e a aplicação dos paradigmas teóricos-metodológicos do Serviço Social; • Possibilitar ao estagiário contato com a prática profissional do Assistente Social e de outros profissionais, compreendendo a dimensão do trabalho em equipe interdisciplinar; • Desvendar, no cotidiano profissional, o modo de viver e pensar das classes subalternas, contribuindo com práticas alternativas, articulando parcerias com o Estado e Sociedade Civil; • Visualizar novos horizontes de práticas profissionais, para enfrentamento das questões sociais. A intervenção do Serviço Social na área da educação, por ser um espaço rico em determinações sócio-econômica-culturais, contribui significativamente para o projeto de formação profissional. Considerações Finais “É preciso romper a estagnação e realizar a travessia, pois é no meio da travessia que o real se dispõe para gente”. (Guimarães Rosa) 68 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 A escola não pode ser pensada independente do modo de visa e de produção das condições de existência em seu conjunto, ou seja, de uma estrutura social determinada, contraditória e em movimento. Deve ser pensada sempre tendo como referência a sociedade concreta, da qual é parte integrante e indispensável, isto é, o conjunto das relações próprias do capitalismo. Iluminar nossas reflexões neste sentido, significa compreender que a escola é o espaço institucional mais presente no cotidiano de vida das classes populares, onde afloram uma gama de refrações da questão social. Nesta lacuna, na intercessão entre escola-família-comunidade, é que o Serviço Social poderá contribuir como mais um recurso na área da educação. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação, reflete o movimento histórico da sociedade explicitando a sua intencionalidade de privilegiar a aproximação dos sujeitos envolvidos no processo educativo, vinculando-se ao mundo do trabalho e a prática social. As avaliações quanti-qualitativas realizadas com os sujeitos envolvidos com a práxis profissional do Assistente Social no Projeto de Extensão Universitária, revelam a repercussão e aceitação do Serviço Social na Escola Pública. O principal resultado desta experiência é que o Serviço Social proporcionou um elo de articulação entre os sujeitos do contexto familiar-escolar-comunitário, possibilitando a efetivação de um projeto sócio-pedagógico que visa uma gestão flexível, participativa, interconectando agentes e serviços numa rede de complementariedade, para o atendimento das demandas da população alvo das políticas educacionais. Notamos e vivenciamos a existência do espaço sócioocupacional no Serviço Social na Educação como uma nova demanda profissional, sendo a educação uma prioridade diante das transformações societárias no mundo contemporâneo. A intencionalidade do Serviço Social no ambiente educacional é contribuir com a função social da escola, construindo espaços de intervenção nas relações sociais estabelecidas no seu interior e na comunidade onde a mesma se insere. Considerar para isto, o movimento dialético, o espaço, o Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 69 tempo, os sujeitos e as correlações de forças existentes na realidade contextualizada política-cultural e socialmente. Portanto a prática do Serviço Social aponta algumas atribuições na escola pública: • Melhorar as condições de vida e sobrevivência das famílias-alunos; • Favorecer a abertura de canais de interferência dos sujeitos nos processos decisórios da escola; • Ampliar o acervo de informações e conhecimentos, a cerca do social, da comunidade escolar; • Estimular a vivência e o aprendizado do processo democrático no interior da escola e com a comunidade; • Fortalecer as ações coletivas; • Efetivar pesquisas que contribuam para a análise da realidade social dos alunos-família; • Maximizar a utilização dos recursos da comunidade; • Contribuir com a formação profissional do Assistente Social, oferecendo campo de estágio adequado as novas exigências do perfil profissional. A visão de globalidade da vida humana, característica do conhecimento profissional do Serviço Social, possibilita ao mesmo tempo conhecer para intervir: • O processo histórico da sociedade; • Os aspectos políticos-sociais-econômicos e culturais da sociedade; • As relações sociais que se estabelecem nesta realidade social; • Os protagonistas presentes nestas relações: pessoas, grupos, movimentos, instituição, partidos, enfim todos os seguimentos da sociedade. Portanto o Assistente Social é um técnico que tem compromisso com uma prática competente: técnica, teórica e política, investindo na ampliação e qualificação dos serviços prestados pela educação. MARTINS, E.B.C. The Social Service in the area of education. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.51-72, 1999. 70 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 57-72, 1999 • ABSTRACT: Presentation of the experience of the Social Service in the area of Education, realized in the period from 1995 to 1997, in the university extension project of the Social Service College "Instituição Toledo de Ensino" of Presidente Prudente. The report intends to explain the verification of a real demand analysed by the social worker of the public School, considerind the historical urgency to face the social subjects that we find in the school today. The main objective of the perfomance of the Social Service in the area of the Education is to contribute for the entrance, return, permanence and the child's success and adolescent in the school, intervening in the social subjects that interferes in the teaching/learning process. The intervention of the Social Service process was concerned to schools, "Delegacia de Ensino" and teaching developing the following actions: Support and orientation of the families/students; the teachers' training in the treatment of the social subjects; articulation of the education with the government and not government organizations. The main result of this experience is that Social Service joined the subjects of the schoolfamily-community facilitating the realization of the social pedagogic project that facilitates a flexible administration, participation, interconnecting agents and services in a large net to attend the students. • KEY WORDS: Education, Social Service, professional formation. Referências bibliográficas BONÁDIO, Valderez Maria Romera. A educação Popular - O Assistente Social e a Escola Pública, 1997. (mimeogr.) BRASIL, Lei n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei Diretrizes e Bases da Educação. 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Para entender o serviço social, hoje, procura-se fazer uma breve retrospectiva histórica destacando elementos do contexto social e, também, as reservas teóricas metodológicas acumuladas pela profissão na construção de seu projeto ético-político. • PALAVRAS CHAVE: serviço social, trajetória histórica e projeto ético-político do serviço social. Este artigo faz uma reflexão sobre o serviço social como profissão inserida na divisão sócio técnica do trabalho e que traz, portanto, no bojo de sua ação cotidiana os rebatimentos dos diversos momentos históricos. A nossa reflexão sobre os desafios postos ao serviço social neste fim de século é realizada a partir de uma breve retomada de sua trajetória e do reconhecimento da estrutura sincrética que é um elemento que marca profundamente a profissão. Esta estrutura sincrética, como afirma Netto (1996) decorre de três elementos fundamentais: o contexto, o tipo de demanda posta ao serviço social e à sua dimensão eminentemente interventiva. As respostas que a profissão pode dar a estas questões evidentemente ultrapassam o âmbito específico do serviço social, porém o enfrentamento dos desafios passa, também, pelo acúmulo teórico-metológico atingido pela categoria profissional; daí a importância da discussão sobre o projeto ético-político do serviço social e o empenho na superação do hiato, hoje, existente entre a vanguarda profissional e a base da categoria. É preciso reconhecer que as profissões são campos de luta e muito ainda há para ser percorrido pelo serviço social. O Serviço Social no Brasil e as marcas de sua trajetória histórica No movimento da história, o capitalismo se institui como modelo societário e cria relações sociais, políticas, econômicas e * Departamento de Serviço Social - UNESP - Franca. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 73 culturais marcadas por sua lógica que, hoje, possui hegemonia em nível planetário. A mercantilização da vida se plasma no mundo da mercadoria. As desigualdades sociais e o empobrecimento relativo (ou absoluto) da classe trabalhadora assumem uma aparência cada vez mais naturalizada. A complexidade das relações sociais, o avanço tecnológico, o embate entre as classes sociais e seus diversos segmentos vão estabelecendo mudanças acirradas no Estado e em suas formas de manter o controle social. No mundo do trabalho, diferentes formas de produzir e administrar alteram toda a dinâmica do processo produtivo. As profissões se modificam de acordo com a divisão social do trabalho, o avanço tecnológico, o embate entre as classes. Algumas se subalternizam ou desaparecem, outras se desenvolvem e ganham destaque. Essas mudanças reproduzem a tensão característica das relações capitalistas, em sua lógica implacável pelo lucro. As profissões, no entanto, são exercidas por homens e mulheres que, ao se constituírem como sujeitos sociais interferem no processo remodelando-o, fazendo adaptações, resistindo e criando alternativas. O Serviço Social é uma dentre tantas outras profissões criadas pelo capitalismo para satisfazer suas necessidades. Inserido na divisão sócio-técnica do trabalho, o assistente social é um profissional requisitado pelo capital para manter o controle político e ideológico das classes trabalhadoras. Uma das peculiaridades da profissão é a sua origem ligada às práticas de assistência e caridade realizadas por entidades religiosas ou filantrópicas.1 Na realidade, a caridade e a filantropia sempre estiveram presentes nas relações entre os homens, mas assumem diferenciadas formas de ser e aparecer nos vários períodos históricos. É a partir da sociedade moderna, com a ascensão do capitalismo, que estas práticas irão ser mediadas pelo Estado que passa a requisitar profissionais especializados para a sua execução. 1 A prática assistencial de cunho religioso desdobrou-se em vários estigmas para a profissão. Estevão (1984, p.7), para elucidar esta marca da profissão, define o assistente social de acordo o imaginário popular dos anos 70: “É a moça boazinha que o governo paga para ter dó dos pobres”. 74 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 Iamamoto (1985) utiliza o termo “modernos agentes da filantropia e caridade” para referir-se aos profissionais de Serviço Social que foram requisitados para manter sob controle a chamada questão social, que de um lado expressa as mazelas postas pelas relações capitalistas (fome, violência, desemprego), de outro mostra a tensão das relações de classe. A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. (Iamamoto & Carvalho,1985, p.77) No Brasil, na década de 30, com o início do processo chamado de industrialização pesada, uma série de questões sociais e políticas vão ter rebatimento direto na vida do país. O crescimento do proletariado urbano e suas condições precárias de vida e trabalho vão desencadear uma série de lutas e greves dos trabalhadores2. E é exatamente nesta década que surge o Serviço Social, vinculado à doutrina social da Igreja católica. Sua atuação é ainda embrionária porque faz parte da estratégia da Igreja no sentido de fazer cumprir seu ideário de justiça e caridade dentro da “ordem”. A partir da década de 40 e 50, o serviço social se legitima como profissão a partir da criação e expansão de uma série de instituições sócio-assistenciais estatais, para-estatais, autárquicas3 que demandam o trabalho profissional. 2 As manifestações e lutas dos trabalhadores urbanos já vinham ocorrendo desde a virada do século. Em 1902, ocorreu a primeira greve geral no Rio de Janeiro. Em 1906, ferroviários de São Paulo entraram em greve contra a redução dos salários. Em 1917, ocorreu uma das maiores greves realizadas no país até 1930. “Pararam as fábricas, os moinhos, as ferrovias e os bondes da cidade (São Paulo)”. Participaram 45.000 trabalhadores. (Alencar, 1983, p.220-6). 3 A primeira grande instituição assistencial foi a Legião Brasileira de Assistência (LBA) criada em 1942. Ainda neste ano, é criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Em 1946, surge o Serviço Nacional da indústria (SESI) e a Fundação Leão XIII. Para um estudo mais profundado sobre o surgimento e as atribuições destas instituições e de sua relação com o Serviço Social. Cf. Iamamoto & Carvalho (1985, p.241-96). Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 75 Neste período, a atuação mescla referenciais teóricos que dão uma estrutura sincrética à profissão. Esta assume um discurso ético-moral, calcado num reformismo conservador que oscila entre os preceitos de justiça e caridade propostos por Santo Tomás de Aquino e, ao mesmo tempo, incorpora - ainda que de forma incipiente - uma linguagem mais técnica, característica das ciências sociais de base funcionalista (principalmente norteamericana). o Serviço Social emerge como uma atividade com bases mais doutrinárias que científicas, no bojo de um movimento de cunho reformista-conservador. O processo de secularização e de ampliação do suporte técnico científico da profissão (...) ocorre sob a influência dos progressos alcançados pelas Ciências Sociais nos marcos do pensamento conservador, especialmente de sua vertente empiricista norte-americana. (Iamamoto & Carvalho, 1985, p.21) A partir da década de 60, com a crise do modelo desenvolvimentista no Brasil e na América Latina, cria-se um clima de efervescência e agitação política que vai desencadear diferentes respostas do serviço social como profissão diretamente vinculada às instituições governamentais. A doutrina social da Igreja cede lugar a referenciais positivistas e funcionalistas ou à correntes psicanalíticas. Os métodos do serviço social tradicional de Casos e Grupo são sistematizados. Concomitante a isto, a prática profissional se volta para a comunidade, com novas técnicas, porém, sempre na perspectiva da integração e do ajuste do indivíduo à sociedade. Neste período, já é possível apreender o surgimento, mesmo que incipiente, de uma minoria profissional voltada para o questionamento do papel atribuído ao serviço social como reprodutor da ordem vigente. O questionamento das bases funcionais e do papel exercido pelo serviço social tem início num momento histórico em que o cenário internacional e, do Brasil em específico (pré-64), propiciava o debate e a organização dos diversos segmentos sociais. A crise do serviço social tradicional (que fez parte de um fenômeno internacional) gesta-se no período citado, porém, sua eclosão completa, no Brasil, vai ser precipitada pelo movimento de abril de 64. 76 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 Durante a vigência do regime militar, o serviço social passa por grandes alterações não só no que diz respeito às demandas postas à profissão, como também nas respostas que dá as mesmas. O período da ditadura não é homogêneo. Silva e Silva (1995, p.29) separa três momentos vivenciados pela sociedade brasileira: - de 1964 a 1968, com a definição das bases do Estado de Segurança Nacional, a formulação de novos mecanismos de controle e a reforma constitucional; a institucionalização do novo Estado e sua grande crise em 1967- 1968, quando o governo militar institui o ato Institucional n.5 (AI-5); - de 1969 a 1974, o mais rígido da ditadura militar; - de 1974 a 1985, da distensão à retirada dos militares da cena política, como atores de frente. No primeiro período, o serviço social continuou sofrendo as influências do Movimento de Reconceitualização4 que estava ocorrendo em todo o continente sul americano. Este procurava refletir sobre o referencial teórico metodológico do serviço social a partir das condições de exploração e dependência vigentes em toda América Latina. Com a promulgação do Ato Institucional n.5 e o recrudecimento do regime militar, a vertente mais crítica impulsionadora dos questionamentos tem que recuar devido a repressão generalizada. As políticas sociais são implementadas através da distribuição de benefícios e diversos mecanismos de controle. Neste período, frente ao arrocho salarial e a pauperização constante dos trabalhadores, as empresas privadas expandem seus serviços de assistência como uma forma de salário indireto e, entidades privadas filantrópicas passam a ter uma participação maior no campo da assistência, principalmente através de convênios celebrados com o governo. 4 Silva e Silva (1995, p.72) tem uma visão ampla e abrangente do Movimento de Reconceitualização, apreendendo-o como um processo que “... constitui-se, no interior da profissão, num esforço para desenvolvimento de propostas de ação profissional condizentes com as especificidades do contexto latino – americano, ao mesmo tempo em que se configura como um processo amplo de questionamento e reflexão crítica da profissão.” Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 77 Expande-se o mercado profissional para o serviço social. Neste momento a ênfase é dada à modernização e à garantia da eficiência da ação profissional através do avanço técnico, da participação em planejamentos, na coordenação e administração dos serviços em equipes interprofissionais. Os encontros de Araxá (1967) e Teresópolis (1972) vão demonstrar esta busca de eficiência técnica e consolidar a tendência entitulada por Netto (1991) de ‘vertente modernizadora’ que faz parte do processo de renovação do serviço social. O pluralismo profissional desencadeado pelo processo de renovação, apesar de manter um cunho modernizador, trouxe a possibilidade de interlocução com os problemas e disciplinas sociais e mesmo que, numa posição minoritária, com as teorias críticas, principalmente vinculadas à tradição marxista. Na segunda metade da década de 70 e nos anos 80, de um lado ocorre a reorganização da sociedade civil e de outro o fim do Milagre Brasileiro. O serviço social, no bojo deste processo vai rearticular-se e tentar retomar a proposta crítica esboçada na década de 60 e que, no período áureo de repressão do regime militar, havia ficado quase em estado de latência. A apropriação do referencial marxista vai tornar-se predominante nos setores de vanguanda da profissão, porém os equívocos na sua apropriação vão desencadear algumas distorções: a assimilação do marxismo via corrente objetivista althusseriana vai fazer com que o peso das estruturas políticas e econômicas seja visto como intransponível. Com isso, nega-se o trabalho institucional ou confunde-se prática política com prática profissional. Durante a vigência da autocracia burguesa5, as modificações ocorridas no bojo da profissão e que ficaram conhecidas como Renovação do Serviço Social, tiveram como todo processo histórico, características heterogêneas e 5 A autocracia burguesa instaurada no Brasil pelo regime militar, a partir de abril de 64 e perdurou até o início de 80. Caracterizou-se pela implantação de uma política econômica voltada para o grande capital, fundamentada nos nos monopólios imperialistas. No plano político ideológico desfechou intensa repressão marcada na doutrina da segurança nacional. A esse respeito Cf. Netto (1991) . 78 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 diferenciadas. Segundo Netto (1991), esse processo deu-se em três direções: 1- Perspectiva modernizadora: procurou adequar o Serviço Social às exigências da autocracia burguesa. ela aceita como inquestionável a ordem sócio política derivada de abril e procura dotar a profissão de referências e instrumentos capazes de responder às demandas que se apresentam nos seus limites. (Netto, 1991, p.155) A renovação é pensada a partir da revisão de métodos e técnicas para adequar-se ao perfil tecnocrático exigido. O profissional é visto como elemento dinamizador e integrador do processo de desenvolvimento. O lastro sincrético dessa vertente decorre da tentativa de assimilar concepcões tradicionais no bojo da diretriz dada pelo funcional estruturalismo que a partir de então, passa a ser o principal referencial de ação. Esta postura tem hegemonia até meados dos anos 70, quando entra em crise junto com a autocracia burguesa. 2- Reatualização do Conservadorismo. Essa vertente recupera o que há de mais conservador na herança profissional, pois essencial e estruturalmente devolve à profissão traços microscópicos da intervenção subordinados ao pensamento católico profissional. A crítica ao positivismo e ao marxismo dá-lhe o aspecto de uma “terceira via”, pois concede importante relevo à subjetividade das relações sociais, enfocando-as numa perspectiva psicológica. O extremo conservadorismo dessa corrente estaria, não só no seu referencial tradicional vinculado à tradição cristã, como também, ao seu embasamento científico. Se auto-entitulando como legatários da tradição fenomenológica, na concepção de Netto (1991), eles na realidade, constróem uma relação do Serviço Social a partir de uma cientificidade evanescente, em nome da “compreensão”, dissolvem-se quaisquer possibilidades de uma análise rigorosa e crítica das realidades macrossocietárias e, devidamente, de intervenções profissionais parametradas e avaliadas por critérios teóricos e sociais objetivos. (Netto, 1991, p.158) no 6 O autor6 faz uma crítica contundente a essa vertente porque seu entendimento, apesar de se auto-proclamarem A análise específica desta corrente está nas páginas 201-46. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 79 fenomenólogos, na realidade eles se apoiam numa metodologia tradicional e conservadora e não no legado husseliano. Ao apropriar-se de um referencial filosófico altamente complexo, viade-regra, através de fontes secundárias, essa vertente contribui para psicologizar as relações sociais e com isso, camuflar a essência das relações de dominação. A referência básica da metodologia do Serviço Social na perspectiva fenomenológica é o diálogo sobre a situação existencial problematizada. A relação entre o profissional e o usuário se constitui de uma forma tal que, a partir do diálogo, haveria a percepção e a tomada de consciência por parte do usuário da sua situação existencial. Ao se chegar à essência do fenômeno, seria possível apreender seus determinantes e, a partir disso, lutar para transformar a situação. Silva e Silva et al (1995, p.100) descreve sinteticamente a operacionalização da proposta defendida por uma das principais representantes dessa vertente: a autora7 se refere a uma ação direta em dois níveis: o psicológico e o social, e apresenta a dinâmica do processo através de cinco momentos: objetivação de SEP (Situação Existencial Problematizada), análise crítica da SEP, síntese-crítica da SEP, construção de um projeto e retorno-reflexivo. A autora admite ainda que, por trás dos movimentos de cada momento do processo social, encontra-se a transcendência que expressa, através da consciência, um saber novo, representado por uma análise cada vez mais crítica. Assim, o sentido de transformação social se refere a uma ultrapassagem do ser pessoal (no âmbito da consciência). Depois desta breve síntese, os autores reafirmam a posição de Netto (1991) colocando essa vertente como mais uma corrente conservadora do serviço social. Apesar da polêmica sobre a apropriação ou não do legado da fenomenologia, essa vertente tem se constituído como interlocutora do serviço social tanto no que se refere às produções científicas quanto em experiências de trabalho desenvolvidas em diversos locais. 3- A Intenção da ruptura. Essa vertente é que elabora críticas mais contundentes ao Serviço Social tradicional. Netto 7 Silva e Silva et al estão se referindo à Ana Augusta de Almeida que é uma das principais representantes da corrente fenomenológica no serviço social. 80 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 (1991) designa-a como intenção de ruptura porque devido a diversas questões de ordem sócio-política ou mesmo teórica, essa perspectiva até os anos 80, mais teve a intenção do que realmente conseguiu romper com a tradição conservadora. As dificuldades de efetivação desta vertente deveram-se a fatores de ordem política, teórico-cultural e profissional, pois seus referenciais negavam a autocracia burguesa e o perfil profissional dado pela corrente modernizadora, até então hegemônica. O seu nítido caráter de oposição fez com que, durante os períodos áureos da repressão militar, essa vertente tivesse um rebatimento ínfimo na categoria, ficando restrita à academia.8 Foi a partir do arrefecimento da repressão militar que, no início da década de 80, esta vertente torna-se uma das principais interlocutoras do serviço social. Com inspiração predominantemente marxiana, ela passou a ter hegemonia na produção teórica do serviço social, porém a sua propagação continuou pequena no seio da categoria. Uma revisão crítica elaborada por Netto (1991, p.245-5), aponta duas principais dificuldades que provocaram este hiato: De um lado, há um descompasso entre o universo simbólico a que a produção teórico-metodológica e profissional das vanguardas remete e aquele que parece pertinente à massa da categoria - e para este descompasso tanto contribui a formulação nem sempre límpida das vanguardas (condicionada por exigências de comunicação teórica mais rigorosa e/ou pelos vieses da academia) quanto o próprio empobrecimento cultural recente do assistente social (determinado basicamente pela degradação do nível da formação na universidade refuncionalizada pela ditadura). (...) A outra dificuldade relacionase à pobreza de indicativos prático-profissionais de operacionalização imediata que esta perspectiva tem oferecido aos profissionais - mais precisamente à inadequação entre muitos de seus indicativos e as condições objetivas do exercício profissional pela massa da categoria. 8 Durante os anos 72 e 75, a experiência desenvolvida pela Universidade de Minas Gerais é um exemplo claro de resistência em condições absolutamente adversas. Para conhecer mais detalhes sobre o método B.H. Cf. Santos (1983). Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 81 O serviço social, na década de 80, incorporou com matrizes diversas, estas concepções alinhavadas aqui de forma sintética e acrescentou outras à cultura profissional. A influência das correntes críticas no processo de Renovação do Serviço Social vai trazer rebatimentos nos três níveis constitutivos da profissão: na organização da categoria; na formação e produção acadêmica e no plano da intervenção profissional. É neste período (final da década de 709 e nos anos 80) que se formam diversas entidades de organização da categoria como a ANAS (Associação Nacional dos Assistentes Sociais), os sindicatos e outras associações. As oposições se rearticulam e assumem o Conselho Federal de Assistentes Sociais e a Associação Nacional de Ensino em Serviço Social que vão dar um novo direcionamento ao serviço social, agora voltado para o compromisso com os usuários. Na produção acadêmica se consolidou a hegemonia da vertente marxiana no serviço social. Na Segunda metade da década de 70, a formação profissional havia se constituído em objeto de debate, culminando com a aprovação do currículo de 1982. Em 79, surge a Revista Serviço Social e Sociedade que se constitui como um espaço para a divulgação do pensamento emergente do serviço social. Em 1981, começa a funcionar o único curso de Doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e no ano posterior, a pesquisa em serviço social é reconhecida oficialmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq). No plano da intervenção profissional, a influência da corrente marxiana continua incipiente. Algumas experiências significantes que se desencadearam durante a ditadura foram duramente reprimidas. Na década de 80, mesmo com a ampliação das liberdades democráticas, a intervenção profissional se renova mantendo muito mais um cunho modernizador. 9 No serviço social, 1979 ficou conhecido como “o ano da virada”. No III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, a direção conservadora foi questionada e os representantes do Regime Militar que eram os convidados especiais foram substituídos por líderes dos trabalhadores. A esse respeito Cf. Silva e Silva (1995, p.29-43). 82 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 Os limites vivenciados pela base da categoria não impediram, porém, que a profissão assumisse uma direção social estratégica de rompimento com o serviço social tradicional, no início pelo eixo da modernização, e a partir de 80, com as correntes críticas principalmente de inspiração marxiana. A década de 80 marcou o aprofundamento cada vez maior da crise brasileira. Combinando desemprego, recessão, inflação, esse período trouxe à tona um clima de efervescência política. O protagonismo dos movimentos sociais, as conquistas democráticas contribuíram para o avanço da vanguarda profissional que se tornou cada vez mais politizada e combatente. Em contrapartida, o hiato entre vanguarda e a categoria continuou presente durante toda a década e no início dos anos 90, já tinha um traço mais nítido devido à dinâmica percorrida pela profissão. De um lado, o serviço social se firma como pertencente ao debate intelectual das teorias e disciplinas das ciências sociais e consolida um quadro de intelectuais (via de regra, ligados à academia) como pesquisadores e produtores de conhecimento (a hegemonia teórica das produções se vinculam às teorias críticas, com predominância para a inspiração marxiana). De outro, o conservadorismo profissional e mesmo a inadequação das teorias críticas à realidade vivenciada pela massa de profissionais de campo, associados à realidade conjuntural repletas de mudanças e tensões, colocam parte dos profissionais despreparados no mercado para a construção de mediações necessárias ao exercício profissional e para inserirem-se em novos espaços. Nas últimas três décadas, mas principalmente agora, nos anos 90, diversas modificações ocorridas no cenário político e econômico nacional e internacional vão provocar a reestruturação das funções do Estado e de sua relação com a sociedade No Brasil, a ênfase do Governo, norteado pelo ideário neoliberal, vai desrespeitar diversos avanços assegurados na Constituição de 1988. As políticas públicas de assistência, que legalmente têm um caráter universalizante, são implantadas de forma fragmentada e norteadas por critérios clientelísticos. Os planos econômicos do Governo beneficiam o grande capital nacional e internacional em detrimento da maioria da população. Nos anos 90, a crise atinge o serviço social sob diversos aspectos porém, é a partir desta década, que a profissão passa a Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 83 explicitar com maior clareza o seu projeto ético político que foi gestado nas duas décadas anteriores. O Código de Ética aprovado em 1993, consegue articular compromisso ético político e o exercício da prática profissional reconhecendo as mediações necessárias entre projeto societário e projeto profissional.10 A superação posta no código de 1993 é parte do processo de desenvolvimento teórico-prático do projeto profissional de ruptura; entre outros, ela se apresenta em dois avanços fundamentais; especifica quais são os valores representativos da ética profissional e estabelece a mediação entre compromisso ético e valores. Tal mediação é posta na realização competente dos direitos sócio-políticos dos usuários dos serviços sociais, na direção da ampliação da liberdade, das conquistas democráticas, da justiça social e da cidadania sócio-política. (Barroco, 1998, p.7) As mediações propostas, conectadas à teleologia indicada no Código que aponta para a construção de uma nova sociedade, são estratégias colocadas em face do momento histórico e não, finalidades em si. Como espaço contraditório, no entanto, o serviço social, no decorrer desta década, vai passar por diversos questionamentos na direção hegemônica dada pelas correntes marxianas. O pluralismo presente no seio da profissão vai colocar este questionamento não através de um confronto direto, mas pela desqualificação das proposições sustentadoras do universo cultural da profissão. A medida que entram para o debate novas teorias sistêmicas-organizacionais, estas irão se adequar à vertente modernizadora, que ganha fôlego por dar respostas eficientes (do ponto de vista do capital) às novas relações de trabalho. Outra vertente teórica presente nos anos 90, é a dos pósmodernos que acreditam que a ciência vive, hoje, uma crise 10 O Código de Ética Profissional anterior havia sido aprovado em 1986 e foi resultado dos diversos embates e avanços dos setores de vanguarda nesta década. Este Código supera os princípios humanistas abstratos e a- históricos dos Códigos anteriores o de 1947, o de 1965 e o de 1975) e reafirma o compromisso de classe com os trabalhadores. Seus princípios, porém, extravasam o âmbito de um projeto profissional. Um Código de Ética deve estabelecer compromisso com valores e não com as classes sociais, mas para não cair em abstrações deve garantir as mediações entre os valores e as estratégias necessárias à sua efetivação. 84 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 estrutural, pois os paradigmas que a sustentam estão abalados11, como é o caso da racionalidade moderna (o racionalismo dialético, inclusive, é considerado parte da racionalidade positiva e, portanto, algo a ser superado). Os pós-modernos não constituem um bloco homogêneo, mas possuem em comum a superação da razão moderna e, no Serviço Social, a apropriação destas teorias tem desencadeado o privilégio do micro-social, da mudança cultural, a centralização nas singualaridades, a ênfase nas especificidade, a valorização do trabalho focalizado. Todos estes elementos colocados reforçam que o projeto hegemônico do serviço social, ao estar calcado em princípios diferentes do projeto societário hoje hegemônico na sociedade (neoliberal), dá-nos a impressão de remar na contra corrente da história. Esse debate cada vez mais fecundo, presente no interior da profissão atinge de maneira diferenciada, a massa dos profissionais. Na categoria o que existe, hoje, é a sobreposição de referenciais teóricos, de concepções ideológicas e indicativos práticos profissionais que consolidam o sincretismo profissional. A dicotomia entre direção social estratégica da profissão e o grande contingente de profissionais tornou-se mais nítida a partir dos anos 80 e não se resolveu neste século, deixando o desafio para o século XXI.12 No enfrentamento deste desafio, diversos elementos se fazem presentes: a hegemonia mundial do capitalismo e o avanço das idéias neoliberais que acirram as desigualdades sociais dificultando os avanços democráticos e as lutas sociais; o avanço tecnológico que, apropriado pelo capital ao invés de trazer melhorias reais para a população mundial, acaba 11 Para analisar a chamada crise paradigmática das ciências, cf. Santos, B.S: 1989,1996. 12 É evidente que parte desta vanguarda que dá a direção social estratégica são profissionais que estão atuando diretamente. A dicotomia não está exatamente entre academia/ profissionais da prática e sim, entre aqueles que, mesmo sendo minoria encaminham a profissão para assumir posições críticas e transformadoras e, outra majoritária, que mesmo tendo incorporado um discurso mais crítico, na prática, mantém posições conservadoras ou no máximo, modernizadoras. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 85 por desencadear problemas sociais (doenças, desemprego), ecológicos (destruição da natureza), psicológicos (stress, competitividade), econômicos (empobrecimento relativo ou absoluto dos trabalhadores), políticos (guerras, dominações), culturais (xenofobias, violências, desenraizamento) etc.; a crise dos modelos de transformação social desencadeada pela queda do socialismo real e pelo questionamento da teoria marxista associados ao refluxo dos movimentos sociais. Somadas a estas questões ou, intrínsecas a elas, mudanças específicas ocorrem no seio da profissão e que podem assumir nortes diferenciados de acordo com seus protagonistas: o mercado de trabalho exige uma contínua reciclagem profissional. Esta pode passar a incorporar maiores contingentes profissionais ao debate político ideológico presente na profissão; o amadurecimento da profissão, o seu acúmulo cultural e a consolidação do seu projeto ético- político, neste final de século, pode trazer o avanço de posições progressistas e revolucionárias ou, ao contrário, refluir dando espaço para as posições conservadoras de diversas matrizes. Toda profissão é um campo de luta onde as tensões refletem os diferentes projetos sociais em curso. O caminho a ser trilhado pela profissão é algo, portanto, em constante construção. S'ANTANA, R.S. The historical trajectory of the social service and the construction of its ethical-political project. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.73-87, 1999. • ABSTRACT: This article makes a reflection on the challenges to the Social Service in the effectivation of its ethical-political project, in the current context. The contradictions for this social reality will have a direct influence in the professions. To understand the social service today, we try to do a brief historical retrospective highlighting elements of the social context and also, the methodological theoretical reservations accumulated by the profession in the construction of its-political project. • KEY WORDS: Social service, historical trajectory and project ethical-political of the Social Service. Referências bibliográficas ALENCAR, F., CARPI, L., RIBEIRO, M. V. História da sociedade brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1983. 339p. 86 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 73-88, 1999 BARROCO, L. O Projeto político profissional. Belém, 1997. 12p. (Mimeogr.) ESTEVÃO, A. M. R.. O que é serviço social. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. 69p. (Primeiros Passos) IAMAMOTO, M., CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação históricometodológica. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1985. 383p. NETTO, J. P. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1991. 333p. __________. Capitalismo monopolista e serviço social. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1996.165 p. SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1996. 348 p. ____________. Um Discurso sobre as ciências. 8.ed. Porto: Afrontamento. 1989. 58p. SANTOS, L. L. Textos de serviço social. São Paulo: Cortez, 1983. SILVA E SILVA, M. O. S. (Coord). O Serviço social e o popular: resgate teórico-metodológico do projeto profissional de ruptura. São Paulo: Cortez, 1995. 311p. ____________. et al. Esforço de construção de um projeto profissional a partir da ruptura. In ____, (coord). 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Rubem Alves • RESUMO: A iniciação científica significa um processo de aprendizagem no mundo ciência e da construção de conhecimento científico através de investigações sociais projetadas por graduandos, acompanhadas e orientadas por um pesquisador-orientador de experiência nessa aprendizagem. É ao mesmo tempo um desafio para uma nova forma de se enxergar o processo de formação profissional principalmente por poder se revestir de uma ação pedagógica de qualidade, transformadora, que estimula a apropriação e a produção de conhecimentos científicos. • PALAVRAS CHAVE: Iniciação científica; formação profissional; Serviço Social. O desenvolvimento de projetos de pesquisa, em nível de iniciação científica no Serviço Social é fato mais desenvolvido nesta década apesar dos curriculuns anteriores do curso de graduação terem ênfase a elaboração do antigo trabalho de conclusão de curso (TCC). Na realidade, já era a elaboração de uma monografia científica sem ter essa denominação e também os passos mais cuidadosos quanto à vigilância epistemológica e sem o sentido de que nós Assistentes Sociais, considerados no período como "pequenos estudiosos", no mundo científico, pudéssemos estar construindo conhecimento científico. Contudo, excelentes trabalhos monográficos foram elaborados e retratavam desde aí a tendência do Serviço Social ou seja, de relato de experiências profissionais importantes e de resultados interessantes, de projetos de intervenção para determinadas realidades sociais, enfim de relação entre teoria e prática. * Departamento de Serviço Social – UNESP - Franca. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 89 Com as mudanças significativas do mundo acadêmico e científico, propiciando uma abertura maior à caracterização do que seja científico e mesmo de ampliação da dimensão da ciência vemos florescer uma série de estudos, no Serviço Social. Estes, delineando muito bem o quanto crescemos e amadurecemos no ato e na metodologia de pesquisar cientificamente e a diminuição do medo em participar deste meio tão mistificado por modelos científicos já superados ou transformados. Pelas nossas experiências em orientar e também em desenvolver projetos e pesquisa científica no Serviço Social, ou na área de humanas em geral visualizamos a cada dia o crescimento desse movimento. Assim, acabamos por nos defrontar com propostas de pesquisa de alunos que iam desde projetos sinalizando boas condições de desenvolvimento e de temáticas interessantes, a proposições inconsistentes e que nos conduzirão a resultados significativos. A iniciação científica significa, como sua denominação já anuncia, um processo de aprendizagem no mundo da ciência e da construção de conhecimento científico através de investigações sociais projetadas por graduandos, acompanhadas e orientadas por um pesquisador- orientador de experiência nessa aprendizagem. Esse aprendizado resultará da inter-relação entre fatores como: a) o entendimento sobre as exigências e limites no e do processo de produção científica, seu planejamento, execução e compromisso em termos de controle do nível de qualidade do trabalho realizado. b) a preocupação com a função pedagógica que o próprio processo investigativo toma a medida em que se relaciona teoria e prática bem como se estabelecem degraus a serem superados em termos de dificuldades existentes inerentes a todo processo de pesquisa científica. c) a dimensão e o caráter complexo da pesquisa nos induzem sempre a um exercício de atividades coletivas. Mais interessante e completo será um estudo se conseguirmos realizálo com um caráter de interdisciplinariedade ou seja, entrelaçando diferentes ângulos de visão e de abordagem ao objeto de estudo. 90 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 d) a valorização do caráter formativo e estratégico da iniciação científica ao canalizar esses esforços empreendidos para formar e sedimentar conhecimentos em ciência e tecnologia que poderão ser posteriormente, aprimorados e aproveitados pelos seus iniciantes em programa de pós - graduação em nível de mestrado e doutorado na área. Como se vê, está sempre em foco a questão da formação do Assistente Social - profissional que valoriza a pesquisa científica como elemento fundamental para pensar e planejar a sua ação profissional e como compromisso básico para o despertar de vocações para o campo da ciência. A Iniciação Científica portanto, é ao mesmo tempo um desafio para uma nova forma de se enxergar o processo de formação profissional principalmente por poder se revestir de uma ação pedagógica de qualidade, transformadora, que estimula a apropriação e a produção de conhecimentos científicos. Quando se pensa em formar assistentes sociais críticos e competentes não se pode deixar de lado essas características. É interessante registrar depoimentos de docentes pesquisadores integrantes de programas institucionais de Iniciação Científica quanto aos resultados que estes trazem aos seus orientados, seja em nível de aplicação de leituras e, consequentemente, maior capacidade de elaboração e de argumentação, seja em nível de mudanças significativas em termos de consciência mais crítica e mais elaborada da realidade social e dos fenômenos que a compõem. A Iniciação Científica tem aberto caminhos e um rol maior de alternativas ao graduando mesmo em relação a suas possibilidades e potencialidades educacionais. O próprio mercado de trabalho valoriza, com mais possibilidades nesta década, aqueles formandos que desenvolveram projetos de Iniciação Científica durante o seu curso. Valoriza assim o desenvolvimento de habilidades cognitivas e de desenvolvimento emocional, colocando-se que estes candidatos estão mais aptos a adaptação e produtividade em realidades diversas e diferenciadas. Ou seja, estes profissionais teriam maior capacidade em buscar mais rapidamente novas informações e formas de trabalho e adaptação, ou maior capacidade de encontrar significados e de Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 91 proceder a relação e compreensão necessárias entre fatos e dados. Há muito tempo, o discurso existente na academia é o de que a mera transmissão de informações ou um ensino que privilegie somente um processo de acúmulo, por parte do aluno, do que é transmitido pelo professor, dentro de quatro paredes, da sala de aula não faz mais sentido e não pode ser o modelo da boa escola. As mudanças no cenário mundial globalizado, nos últimos tempos, determinaram alterações fundamentais no perfil de uma "boa" escola e também para um "bom" aluno. Há aí instituída uma nova ordem social, educacional que apresenta exigências radicais que levam à mudança da postura do professor, das atitudes dos alunos e de suas próprias famílias. Sabe-se que de um modo geral os pais optam por instituições educacionais que possam dar a seus filhos uma formação mais global, somando-se e acumulando-se informações e conhecimentos em muitas áreas, habilidades e especializações porém, possuem uma certa resistência em aceitar processos mais inovadores de ensino do que os tradicionais. Voltando-nos à Iniciação Científica podemos agora sintetizar as várias interpretações a ela admitidas: a) como maneira de se aprender a desenvolver ciência e tecnologia. b) como passo inicial à carreira de um pesquisador mas basicamente aprimorando o processo de formação profissional. c) como envolvimento numa pesquisa científica realizada com um professor- orientador. d) como função didático -pedagógica. Para nós, a iniciação em pesquisas científicas não deve se diferenciar muito de outros processos de iniciação na vida de cada estudante que lhe tragam o encantamento de descobertas agradáveis e alegrias na superação de desafios e possibilidades de desenvolvimento de potencialidades. Queremos relacionar a Iniciação à ciência como uma passagem de uma fase de pretensa curiosidade a uma fase de trabalho responsável, motivado, criativo e de produção de novos conhecimentos. Para tanto, a pesquisa tem que ser ativa e interativa. Ao mesmo tempo que eu conheço também contribuo não só para o 92 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 avanço do conhecimento da área como para com os sujeitos com que passo a me relacionar nos contatos com a realidade estudada. Todas as áreas em que o Assistente Social trabalha assistência social, educação, saúde, habitação, etc, pressupõe o caráter humano do trabalho e o compromisso deve nos orientar nas nossas pesquisas no sentido de alimentar as teorias científicas modificando-as e atualizando-as. Para Rubem Alves a ciência é meio indispensável para que sonhos sejam realizados. Sem a ciência não se pode plantar nem cuidar do jardim. Mas há algo que a ciência não pode fazer: ela não é capaz de fazer os homens desejarem plantar jardins. Assim, a vontade, a iniciativa de pesquisar para conhecer e/ou compreender mais profundamente uma situação ou problema social deve ser sempre estimulada e otimizada.1 O entrosamento entre docente-orientador e aluno-orientado O ato de ensinar a pesquisar pressupõe o conhecimento por parte daquele que se propõe a isso, seja qual for o tipo de pesquisa desenvolvido. Esse conhecimento deve favorecer motivação, segurança, e bom aprendizado ao orientando. O professor- pesquisador por deter maior conhecimento sobre a temática enfocada pelo aluno estará apto a condução de processos indutores de busca de conhecimentos novos ou a olhar o abjeto de pesquisa por outros ângulos de forma arguta, múltipla e totalizadora. Para isso é, necessário que esse professor seja pesquisador em sentido "lato". Isso é, tenha desenvolvido as habilidades inerentes a uma atitude inquieta, investigativa, reflexiva e crítica. Esse professor- orientador deve também ser capaz de estabelecer a interface de estudo entre graduação e pósgraduação ou seja, não só em níveis de aprofundamento e complexidade do estudo bem como de incentivo à participação do bolsista de iniciação científica em grupos de pesquisa dos programas de pós- graduação. A inserção de alunos da graduação nos grupos mais estruturados de pesquisa, vinculados a programas de pósgraduação, e que tratem o ensino, a pesquisa e a extensão de 1 Palestra proferida na 51ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 93 modo indissociável, tem se constituído em uma das possibilidades de formação de docentes para a escola básica conteúdos de um espírito investigativo, imprescindível às necessidades que se impõe a uma educação de qualidade. (Calazans, 1999, p.138-9) É nesse sentido que o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional CNPq, nas universidades brasileiras, públicas e privadas procura privilegiar, o mérito das pesquisas propostas e a formação de profissionais, educadores e pesquisadores comprometidos com as transformações e desenvolvimento social de nosso país e com o avanço teórico- científico. As condições de trabalho na Iniciação Científica Para que a Iniciação Científica propicie todos os resultados já assinalados deve-se considerar com cuidado as condições de desenvolvimento do projeto de pesquisa do graduando. Observar, quais são as condições pessoais e de formação do iniciante e da pesquisa propriamente dita em trazer resultados significativos à formação daquele que se propõe a pesquisar, da produção de conhecimentos científicos e de se legitimar esse como processo como científico. Com relação as condições do estudante que se pretende realizar uma pesquisa científica no seu curso e estágio profissionalizante por exemplo, devemos salientar: a- disposição e disponibilidade para leituras e busca de conhecimentos teóricos a respeito da problemática ou assuntoobjeto de estudo. b- tempo necessário para dedicar-se à pesquisa. Saber aproveitar, medir e discernir seus conhecimentos gerais para aplicá-los no processo de investigação. c- capacidade de iniciativa própria, organização, disciplina para o trabalho investigativo. dcuriosidade; desenvolvimento da observação assistemática e sistemática; criticidade. e- persistência para superar os obstáculos que comumente surgem na implantação e desenvolvimento dos projetos de pesquisa bem como, sabedoria ao receber as críticas e observações do professor- orientador que possam conduzir a melhores resultados. 94 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 Assim, ao aluno, na iniciação científica, cabe estudar mais, liberando a sua imaginação criadora bem como realizar o que foi orientado, programado e solicitado pelo professor orientador, cuidando dos prazos estabelecidos para entrega de relatórios e para se inscrever em eventos científicos (Congressos de Iniciação Científica; Semanas de Estudos e outros) para apresentação de comunicações científicas sobre os resultados da sua pesquisa. As condições de trabalho também englobam ambiente físico de estudo, as relações humanas (orientador- orientando; pesquisador- pesquisados) e as possibilidades de inserção no campo de pesquisa. A Pesquisa Científica e os espaços para criação e descobertas Visando alcançar a participação de maior número de universitários do Serviço Social no trabalho científico, pesquisando suas temáticas de interesse com projetos bem definidos metodologicamente é que apresentamos a seguir alguns elementos que poderão servir como orientação e ao mesmo tempo como desencadeadores de um processo de ensino, formação profissional e de produção de conhecimento científico. Portanto, é preciso em primeiro lugar explicar e conceituar alguns termos fundamentais: a) O que significa pesquisar e como uma pesquisa pode ser qualificativa e/ou diferenciada como científica? Para nós pesquisar é estudar, investigar, conhecer determinadas coisas, objetos ou realidades. É desvendar o não conhecido. A pesquisa científica é aquela que se baseia num processo metodológico sistemático e controlado para sua realização. Por exemplo, as pesquisas que fazemos no dia a dia, de preços mais baixos para o nosso consumo, sem uma metodologia previamente estabelecida e sem ser colocada, em prática, fase por fase, com técnicas apropriadas de levantamento de dados não poderão ser qualificadas como científicas. Assim a pesquisa científica se compõe de processos e relações tais como. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 95 PesquisaAPRENDIZAGEM CONHECIMENTO CRIATIVIDADE MÉTODO AÇÃO REGISTRO E COMUNICAÇÃO DO CONHECIMENTO b) O que é Metodologia? Qual a relação existente entre Ciência e Metodologia Científica? A metodologia é entendida como uma disciplina que se relaciona com a Epistemologia. Consiste em estudar e avaliar os vários métodos disponíveis, identificando suas limitações ou não em nível das implicações de suas utilizações. Isto é, num nível aplicado, a metodologia examina, avalia as técnicas de pesquisa bem como a geração ou verificação de novos métodos que conduzem à captação e processamento de informações e dados. A metodologia corresponde, portanto, a um conjunto de procedimentos utilizados na obtenção de conhecimento. Através da Metodologia Científica, o acadêmico, o professor, o pesquisador- orientador conseguem um contato mediador do conhecimento mediante o questionamento construtivo e reconstrutivo do objeto de pesquisa possibilitando a colocação do saber no plano sócio- histórico e político. Enquanto suporte da pesquisa, a Metodologia Científica a formaliza na postura crítica do pesquisador à medida em que lhe permite o questionamento sistemático da realidade. 96 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 A ciência não deixa de ser uma forma especial de conhecimento da realidade social. É um tipo de conhecimento obtido através da instrumentalização da metodologia científica. c) Metodologia Científica e Iniciação Científica A metodologia científica é aprendida e interiorizada na prática, através da execução de projetos de iniciação científica. Com eles, o estudante além de aprender a fazer pesquisa, adquire um novo olhar sobre o mundo, pois terá às mãos um instrumental diferenciado para isso. É por meio dessa iniciação em sua formação científica que o aluno chega então a um nível de reflexão que supera o senso comum, abstraindo e elaborando conhecimento novo. A prática da pesquisa vai induzindo a uma relação diferenciada com o processo de aprendizagem e de conhecimento diversos daqueles existentes dentro de quatro paredes de uma sala de aula. A metodologia científica é então apresentada por intermédio do exercício da pesquisa. Com a iniciação científica, o estudante passa a ter contato com questões maiores sobre o conhecimento científico, adentrando a um caminho de maior autonomia e independência diante do seu processo de formação pessoal e profissional. Além do acompanhamento sistemático do orientando no desenvolvimento de seu projeto de pesquisa, analisando suas dificuldades e valorizando os seus avanços, o professor orientador pode também programar e realizar, em conjunto com seus orientandos ou com outros docentes da área, algumas atividades importantes para a sua formação como pesquisadores e também para o incentivo do próprio processo de aprendizagem da pesquisa científica, bem como para a socialização dos seus resultados. Entre estas atividades podemos citar algumas que têm trazido bons resultados aos nossos orientandos: a) Seminários de Pesquisa - internos e externos. Realização periódica de seminários de pesquisa com participação de outros pesquisadores para apresentação de resultados, da metodologia usada e debates de leituras já realizadas sobre a temática. b) Congressos de Iniciação Científica - Esses eventos caracterizam-se hoje como meio fermentativo desse processo pedagógico aqui delineado. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 97 A apresentação de sua pesquisa através de Comunicações Científicas, não só conduz à uma maior desenvoltura do aluno iniciante como o introduz a processos de discussão e debates sobre as temáticas, os procedimentos investigativos, ao conhecimento e entrosamento com outros grupos interessados na mesma linha de investigação. São momentos de convívio com a cultura do mundo científico e de seus procedimentos. c) Orientações realizadas pelo professor orientador, com várias equipes de trabalho de pesquisa ou orientações coletivas visando o surgimento de uma postura de estudos científicos e reativação para a ampliação de leituras técnico- científicas. Como se vê, o professor orientador deve estabelecer uma agenda criativa e dinâmica de trabalho com seus orientandos, introduzindo-os numa prática disciplinada e sistemática para manter um ritmo mais constante de produção motivada e segurança. Enfim, um bom desempenho para os seus aprendizes. Esse ritmo é necessário também por facilitar aos orientandos, a elaboração de seus relatórios (parciais e finais) e resumos da pesquisa para apresentação do trabalho em reuniões científicas. A relação orientando e orientador deve portanto ser de confiança, responsabilidade, respeito e ao mesmo tempo de camaradagem. É uma relação interativa, participativa, sem medos e receios mas respaldada pela autoridade implícita do professor orientador no sentido de que ele tem já um maior conhecimento e/ou melhor aproximação àquela temática estudada. Na verdade, o orientador ensina mas sobretudo aprende mais a cada projeto de pesquisa que orienta. "É nesse sentido que a prática da pesquisa é uma prática pedagógica, que sistematiza a formação por intermédio do trabalho orgânico dos sujeitos integrados num coletivo, exercido de forma democrática, buscando contribuir historicamente para o progresso do conhecimento"... (Calazans et al, 1999, p.65) Assim, é muito importante que o aluno- pesquisador registre os fenômenos observados, contextualizando e historicizando as situações em que os mesmos foram então observados, articulando sempre o quadro referencial teórico na compreensão e interpretação dessas realidades. Nesta linha de concepção da atividade de pesquisa, como um processo maior de aprendizagem e formação do jovem 98 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 pesquisador estaremos desenvolvendo habilidades básicas para a produção de conhecimento científico, para o trabalho em equipe seja ou não interdisciplinar, para a construção de argumentações técnico- científicas e para a vida profissional. Cabe ao professor orientador a responsabilidade, nesta função, enquanto um pesquisador e educador, de enfatizar o saber, o fazer e o prazer pelo que se consegue realizar. É fundamental indicar os avanços obtidos pelo iniciante à pesquisa científica relacionando-os com o currículo de seu curso, com a sua formação profissional, social e política. Incentivar continuamente o compromisso com trabalho e, principalmente, com os sujeitos participantes de seu estudo no sentido de se preocupar no retorno do conhecimento produzido através deles próprios, a revisão de sua prática cotidiana e a necessidade de se dedicar por inteiro aperfeiçoando o seu modo de ver e sentir as coisas ao seu redor. Assumem uma postura de criticidade em sua análise fugindo do senso comum. Muitos depoimentos colhidos nas avaliações feitas pelos próprios alunos, na iniciação científica, apontam para a mudança que eles sentem, em si mesmos, quanto à observação dos fatos e sobre facilidade que adquirem à medida em que suas experiências se ampliam e se acumulam nas pesquisas bibliográficas, nos bancos de dados "on line" e nas pesquisas de campo. Isto é, o manejo de instrumentos e de metodologias de levantamento e coleta de dados fica mais aperfeiçoado e mais rápido. O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no nosso país, ao desenvolver o PIBIC, procura introduzir o aluno da graduação no mundo da pesquisa científica bem como estimular o professor- orientador, através de quotas institucionais distribuídas aos estabelecimentos de ensino e pesquisa a formar equipes de pesquisa e também servir de instrumento de formulação de política de desenvolvimento de pesquisa em Universidade públicas ou particulares. Com este processo visa mais a longo prazo diminuir o tempo de formação de mestres e doutores nos programas de pós-graduação no nosso Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 99 país. Para tanto, há a recomendação do CNPq para os processos seletivos, instituídos na própria Universidade, de que haja o aproveitamento de projetos de pesquisa bem elaborados, de temáticas originais e interessantes realizados por "jovens universitários com bom rendimento e desempenho acadêmico. As bolsas de Iniciação Científica são concedidas pelo CNPq desde sua criação (1951). Nesse período, eram sendo concedidas diretamente aos pesquisadores. Estes, tinham autonomia em selecionar seus bolsistas e eram os responsáveis pela distribuição das bolsas já que os recursos financeiros eram remetidos a uma conta bancária do docente pesquisador. Somente em 1988, o CNPq iniciou a concessão de quotas institucionais, obtendo desta forma, o envolvimento das instituições de ensino. Nos anos de 1999/2000, o CNPq mantém o programa com 14.191 bolsas distribuídas, no país, por regiões, sendo a região sudeste a mais favorecida com aproximadamente 50% do total. No Serviço Social, neste campo, temos muito a fazer para obtermos um espaço maior de participação em termo de ampliação das quotas para os alunos bolsistas nas nossas faculdades e universidades. Principalmente, quando a perspectiva futura, na nossa realidade brasileira destes programas de fomento à pesquisa, não é nada estimuladora. Isto é, a cada dia se constata um quadro de desaceleração e redirecionamento da política nacional de ciência e tecnologia, com denominação de recursos para o fermento à pesquisa social. Assim, a tendência presente é a de caminhar-se para a maior valorização dos estudos que abordem temáticas mais urgentes e cruciais para o desenvolvimento social e político do país. Não há quase recursos para pesquisas sociais de resultados mediatos e que possam ter aplicabilidade mais rápida para a melhoria de vida e bem estar da população brasileira e de possibilidade de venda de tecnologias para países em situações semelhantes às nossas. Como as Universidades conseguem integrar ao Programa? - As instituições se cadastram no Programa mediante a apresentação de solicitação formal, conforme explicitado no calendário do CNPq. 100 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 - As bolsas de iniciação científica são concedidas, anualmente, sob a forma de quota às instituições de ensino e pesquisa ou institutos e centros de pesquisa. - A renovação, ampliação ou redução da quota anual far-seá com base na avaliação do desempenho da instituição no Programa e em sua capacidade de orientação. Como projetar a sua pesquisa A marca maior do desenvolvimento da ciência é a permanente capacidade que nós seres humanos temos em questionar e discutir o que já existe em termos de produção científica e sobre o que ainda está meramente explicado pelo senso comum. Temos encontrado propostas individuais de Iniciação Científica no Serviço Social na nossa Universidade (Universidade Estadual Paulista - Campus de Franca, interior do Estado de São Paulo) extremamente interessantes e importantes definidas a partir das próprias indagações dos alunos motivados pelas práticas de estágio, de problemas sociais emergentes cruciais. Assim, temos analisado projetos a serem enviados para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (CNPq) e para a Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que se voltaram para as temáticas que já enunciam um compromisso político com a sociedade. Tudo o que é humano ou que se relaciona com ele nos interessa. Desta forma, os graduandos pesquisam a realidade para satisfazer um desejo motivado e voltado para conhecimento e compreensão de questões visando melhorar as condições práticas de existência e para se realizar na condição de ser humano. A pesquisa científica não constitui uma atividade acidental do procedimento humano, mas uma forma de ação que lhe é natural porque realiza uma exigência de sua essência, a de se aperfeiçoar, a de progredir no desenvolvimento de sua humanização, jungindo as forças cegas da natureza aos seus desígnios conscientes. (Pinto, 1979, p.425) Estamos tentando mostrar que o perfil profissional atual baseia-se em capacidade de decisão, iniciativa e no hábito de pensar com a própria cabeça. Além do domínio geral, técnico e lógico (saber pensar e resolver) deve-se também ter a capacidade de contribuição autônoma, de geração de sabedoria científica. A Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 101 pesquisa enquanto exercício da intencional atividade intelectual do sujeito- pesquisador, envolve uma ação teórica e uma ação prática, indissociáveis, conduz a essa capacidade de contribuição autônoma e dá significação à realidade social através da elaboração e construção de categorias teóricas de análise..." a teoria é a geradora e organizadora das ciências e da cultura. Qualquer de nossas ciências compõem-se de um conjunto metodicamente organizado de problemas e soluções já levantados, ou atualmente em desenvolvimento, relativos a uma dada necessidade humana". (Santos, 1999, p.18) Alguns critérios podem ser utilizados para identificar a natureza metodológica dos processos investigativos. Podem ser caracterizados segundo a construção e natureza do objeto que é pesquisado, segundo objetivos, procedimentos metodológicos de coleta e segundo as fontes utilizadas na coleta de dados. O quadro abaixo tenta elucidar essa caracterização Classificação: Construção e natureza Do objeto • • • Segundo objetivos • • • Metodologia de coleta • • Fontes de informação Dados • • • • O mundo das coisas físicas e materiais - área das ciências materiais e exatas Centrado na pessoa enquanto autor e sujeito do mundo conhecer para explicar questões sociais conhecer para controlar questões sociais conhecer para intervir e transformar modelos Quantitativos e estatístico (experimental/manipulativo) modelos quantiqualicativos (objeto de estudo inserido num conteúdo sóciohistórico específico) modelos eminentemente participativos (pesquisa - ação) Bibliografias Materiais eletrônicos Laboratório Campo: - fontes de informação, do diálogo e argumentação. O projeto de pesquisa 102 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 A intenção em abordar este item, apesar de encontrá-lo desenvolvido em muitas obras de metodologia científica e pesquisa, é a de orientar os interessados em se desenvolver na iniciação científica, apresentando de forma mais aproximativa no Serviço Social, alguns caminhos de como planejar e esquematizar suas propostas de estudo. Queremos também "desmistificar" um pouco esta fase da pesquisa quanto a sua complexidade uma vez que na grade curricular do curso de Serviço Social também existe a disciplina de Planejamento Social que já favorece muito a condução do raciocínio e dos procedimentos lógicos de elaboração. Ou seja, poder-se-ia, a grosso modo, afirmar que teríamos menor grau de dificuldade em construir mentalmente o quê se pretende pesquisar e como pesquisar. Portanto, quando falamos em projetar a pesquisa queremos dizer que se trata de um desenho do estudo enunciando suas fases, submetendo-se além de um planejamento metódico, uma proposta viável de realização. Alguns itens devem ser amplamente discutidos com o professor- orientador: a) a discussão ética e social da pesquisa a ser realizada. O próprio ato de produção de conhecimento possui uma dimensão ética- política no sentido de não só tender ao desenvolvimento acadêmico do sujeito que a realiza mas também porque alimenta e cria novas práticas sociais. Há uma parte entre o conhecimento que recebemos, o que estamos obtendo e o que vamos chegar. b) a extensão do estudo. Em palavras mais simples, o iniciante em pesquisa pretende sempre abraçar tudo de uma vez. Esquece de que o conhecimento científico se caracteriza muito mais pela verticalidade, a profundidade do estudo do que a extensão, do seu objeto construído. É melhor conhecer bem. c) os métodos de estudo. Discussão dos procedimentos, dos caminhos e os instrumentos a serem visados, os autores que pretende ler, interpretar e nos quais se apoiar para suas explicações sobre o "objeto de estudo". O Assistente Social tem muitas possibilidades neste nível em termos de técnicas de levantamento de dados e informações. A experiência nos demonstra que sempre é mais indicado utilizarmos de metodologias de estudo que pressupõem proximidade crítica ao Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 103 campo de trabalho e que já foram por nós testadas em outros estudos. d) as possibilidades de estudo interdisciplinar. O saber não é posse e sim possibilidade de construir um mundo em que a existência humana seja melhor. O maior desafio é o aprender a conhecer partindo do princípio de que o conhecimento não é um ato solitário, não se fecha e nem termina na sua própria atividade. O especialista solicitado, neste final de milênio, é aquele que conhece substantivamente a sua área de conhecimento na sua relação com a totalidade. Alguns autores colocam a necessidade de se elaborar um pré-projeto de pesquisa, como uma primeira atividade de planejamento, e, nele abranger cinco passos básicos que, na realidade, referem-se aos pontos acima apresentados: escolha do tema, revisão de literatura, problematização, seleção/delimitação do estudo e geração de hipóteses. (Santos, 1999, p.49) Contudo, não existem regras fixas, como não há modelos prontos e acabados para a elaboração do projeto de pesquisa. A sua estruturação dependerá da abrangência estabelecida no estudo, bem como a linha metodológico, do estilo de seu pesquisador e das influências das instituições geradoras e avaliadoras da pesquisa. Devem ser respeitos os modos de trabalho e de encaminhamento que o pesquisador possui para chegar a apresentação em forma de documento, de seu projeto desde que não se afaste demasiadamente de normativas metodológicas legitimados na área de conhecimento. Por exemplo, nas áreas de saúde e ciências biológicas o projeto de pesquisa se compõe de itens que se diferenciam das humanas em razão do tipo de metodologia utilizada na investigação. O projeto deve ser um documento explicitador das ações fundamentais para a consecução do processo de investigação. Este, serve como fonte de consulta para o próprio pesquisador, como ponto de análise para aqueles que contratam os seus serviços e para os órgãos que financiam parcial ou integralmente as pesquisas. De certa maneira, o projeto de pesquisa envolve e estabelece alguns elementos que respondem ás indagações: - Como será construído e delimitado o objeto de pesquisa? 104 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 - Quais serão os aspectos problematizados sobre este objeto? - Quais expectativas e justificativas estão orientando a pesquisa? - Quais os resultados que se buscam com a realização do estudo? - Em que tipo de abordagem metodológica nos apoiamos? - Quais instrumentos e recursos serão utilizados? - Qual período de tempo previsto para o estudo e para a apresentação de seus resultados? - Como socializar os resultados da pesquisa aos sujeitos envolvidos no estudo bem como a todos interessados no estudo? A reflexão sobre os aspectos acima descritos nos conduz diretamente aos elementos requeridos para a composição do corpo do projeto de pesquisa, traduzidos nos seguintes títulos: a) Tema de estudo b) Problematização ou formulação do problema de pesquisa c) Justificativa do estudo d) Objetivos/ resultados pretendidos e) Caracterização do estudo/ identificação e / ou natureza da pesquisa f) Hipóteses de estudo g) Metodologia/ Procedimentos Metodológicos ou Material e Método - universo e amostragem do estudo - fases metodológicas - definição de instrumentos e técnicas para a coleta de dados - plano de análise e interpretação de dados / revisão de literatura - previsão das formas de apresentação dos resultados. h) Cronograma do processo investigativo i) Orçamento j) Bibliografia ou Referências Bibliográficas Considerações finais Finalizando, podemos dizer que á medida em que os docentes dos cursos de Serviço Social obtém uma titulação maior, na sua formação, ou seja em termos de pós-graduação, Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 105 principalmente os doutores, ampliam-se as possibilidades de desenvolvimento da iniciação científica na graduação. As possibilidades e contribuições que a iniciação científica trazem ao acadêmico foram então indicadas ao longo deste texto, tanto as previstas pelos órgãos financiadores à pesquisa no país, como pelos docentes pesquisadores e também pelos jovens iniciantes. Basicamente, a principal contribuição está relacionada a formação de um profissional que possui uma postura crítica e sensível à prática da pesquisa assimilando seus subprodutos como desenvolvimento de um "novo olhar" nas questões do cotidiano, estimulação da capacidade de reflexão, argumentação e abstração. Ao ser um graduando motivado às leituras e ás habilidades intelectuais possuirá uma postura mais crítica perante o conhecimento que a Universidade lhe transmite e ao mesmo tempo estará apto a reivindicar a efetivação de um processo de formação profissional qualificado. O mais importante contudo, é a possibilidade que esta postura individual pode multiplicar-se para o coletivo á medida em que os universitários que fazem iniciação científica trazem suas experiências e questionamentos para a sala de aula num processo de trocas e de discussão conjunta, tornando as atividades de ensino mais criativas. A iniciação científica não se trata de uma predisposição, motivação e /ou vocação de alunos gênios ou que possuem um grau intelectual maior do que seus companheiros. O perfil do cientista para o senso comum, sempre esteve relacionado com traços de genialidade, com capacidade supra - humanas e diferenciadas dos demais homens e profissionais. Atualmente, sabemos que, na realidade, a formação de pesquisadores e cientistas depende basicamente de uma boa preparação acadêmica, predisposição a leitura e à motivação ao conhecimento do ambiente da pesquisa, no caso de laboratórios por exemplo e grupos de pesquisa, capacidade de estabelecer relações e articulações teóricas e práticas e vice-versa. Outra concepção mais moderna e importante é a de que a prática da pesquisa não precisa ser, necessariamente, solitária e individual. O trabalho coletivo, na pesquisa, é sempre mais promissor e produtivo. 106 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 Não se deve identificar a construção do conhecimento científico com uma atividade desagradável, árdua e sacerdotal. Não deve ser vista ainda como uma forma de saber privilegiada e elitizada pois dessa forma estaremos restringindo a poucos a sua execução e conseqüentemente o seu progresso e sua renovação. LEHFELD, N.A.S. Cientific Iniciation in the Social Service. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p. 89-108, 1999. • ABSTRACT: A scientific initiation means a learning process in the world of the science and of the construction of scientific knowledge through social investigations projected by graduate students, accompanied and guided by a researcher - teacher of experience in that learning. It is achallenge at the same time for a new form of if to see the process of professional formation mainly in the pedagogical action, that stimulates the appropriation and the production of scientific knowledge. • KEY WORDS: Initiation scientific; profesional formation; Social Service. Referências Bibliográficas CALAZANS, Maria Julieta. Iniciação Científica: construindo o pensamento crítico. São Paulo: Cortez, 1999. PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência: problemas filosóficos da pesquisa científica. 2.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1979. SANTOS, Antonio R. dos. Metodologia Científica: a construção do conhecimento. Rio de Janeiro: DP SA, 1999. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 89-108, 1999 107 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO PARA CLASSIFICAÇÃO SÓCIOECONÔMICA: ELEMENTOS DE ATUALIZAÇÃO Maria Inês Gândara GRACIANO* Neide Aparecida de Souza LEHFELD** Albério NEVES FILHO*** • RESUMO: Este estudo objetiva fundamentalmente a atualização da metodologia da classificação sócio-econômica proposta pela autora Graciano (1980), assistente social do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, da Universidade de São Paulo (HRAC-USP), frente ao processo mudancista vivenciado pela sociedade brasileira nas últimas décadas, exposto na Revista Serviço Social & Realidade, 5 (2) 1996 (Neves Filho, 1996). Trata-se de uma reedição do artigo de 1996 (Graciano, Lehfeld e Neves Filho, 1996). • PALAVRAS CHAVE: sócio-econômico; classificação, instrumental, metodologia, critérios avaliativos. estratificação, Introdução O Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP) - Bauru/SP, implantou em 1980, uma metodologia de classificação sócio-econômica criada pela assistente social Graciano, (1980) coordenadora do Serviço Social. Este instrumental, até recentemente, serviu como referencial para uma série de orientações para a equipe interdisciplinar responsável pelo tratamento. Contudo, sentiu-se a necessidade de sua atualização, a fim de que pudesse abranger as mudanças significativas que tivemos em nossa sociedade, nas últimas décadas, mudanças essas decorrentes de fatores múltiplos e complexos. Essas mudanças que se expressam na modernização sócioeconômica, por certo incompleta, no desenvolvimento econômico, desequilibrado em suas várias matizes, e na reconstrução das normas e instituições políticas da sociedade brasileira, colocaram* Diretora do Serviço Social do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais da Universidade de São Paulo (HPRLLP-USP), Bauru-SP e Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. ** Professora Livre-Docente da UNESP - câmpus de Franca. *** Professor da UNESP - câmpus de Franca e Doutor em Economia pela UNICAMP. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 109 nos frente a um país renovado. Os dados relacionados ao nosso crescimento econômico ou mesmo a observação, empírica, das transformações relacionadas à vida urbana, à situação regional e aos aspectos sócio-culturais de nossa sociedade são suficientes para atestar esse processo mudancista. Todas essas transformações em curso, colocaram novas problemáticas para aqueles segmentos sócio-profissionais cujos pressupostos para a ação profissional, sócio-cultural, política, etc., são determinados pela apreensão adequada da realidade onde devem ocorrer sua intervenção e reflexões teórico metodológicas. Valeria para esses casos a afirmativa de que tão maior a abrangência das mudanças em curso, maior a necessidade de reformulações, de novas sugestões e de revisão dos princípios orientadores da ação, dos conceitos e das teorias, dos elementos e instrumentos anteriormente utilizados como suporte àquelas intervenções. É dentro desse quadro de interesse que desenvolvemos uma proposta de reformulação e continuidade do aporte teórico e instrumental desenvolvido, no início da década de 80, pelo Serviço Social do HRAC-USP, sintetizado em uma nova metodologia de Classificação Sócio-Econômica. Nessa oportunidade, a elaboração de critérios para classificação sócio-econômica, nos termos da autora Graciano, (1980), Assistente Social do HRAC-USP, foi justificado como sendo uma "necessidade de estudar e definir perfeitamente as condições sócio-econômicas das famílias para que a equipe de reabilitação planeje o tratamento adequado, verifique a provável influência do meio ambiente no aparecimento das malformações, oriente adequadamente as famílias com vista a reabilitação total dos pacientes e atue através da genética no campo da prevenção." Aqui o que segue tem por objetivo retomar essas preocupações iniciais e avançar nos supostos ali contidos, demonstrando as questões de fundamentação do aparato instrumental, a metodologia e os critérios utilizados na formulação do novo instrumental, bem como os resultados obtidos na configuração dessa nova tipologia de classificação sócioeconômica dos usuários dessa instituição. 110 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 Optou-se portanto, por uma redefinição orgânica entre as questões teóricas, metodológicas e conceituais e de caráter, estatístico, refundando uma outra concepção Critérios de Avaliação Construção dos indicadores e elaboração do instrumento de intervenção A construção dos indicadores necessários a classificação sócio-econômica seguiu aqui os procedimentos rotineiros, e foi elaborada tendo em vista fazer refletir nela as situações encontradas socialmente, sendo portanto, um esforço de construção tipológica daquele processo analisado anteriormente e também, para servir de instrumento de aproximação dessa mesma realidade, que se coloca mediante aos próprios indicadores. Finalmente, foram reelaborados tendo em vista a finalidade da intervenção que se quer executar na instituição, e os objetivos já formulados. A proposta da equipe do Serviço Social deste Hospital era manter os indicadores originários dessa metodologia ou seja: situação econômica da família, número de membros, escolaridade e profissão do(s) chefe(s) bem como a habitação, observando-se uma redefinição conceitual, teórica e metodológica. Com relação as caracterizações sugeridas também originalmente pela autora (Graciano, 1980), referente aos diversos estratos ou seja: BI - Baixa Inferior, BS - Baixa Superior, MI Média Inferior, M - Média, MS - Média Superior e A - Alta, foram também mantidas por atenderem as necessidades do Serviço Social e do próprio Hospital que os utiliza em seus levantamentos quantitativos e qualitativos tanto nos programas de atendimento aos usuários como em programas de pesquisa da equipe interdisciplinar. Posto isso, em primeiro lugar, a classificação recaiu sobre a família, mais propriamente, sobre as condições da família como um todo, visto que essa é a responsável, em última instância, pela indução ao tratamento do cliente, como também pela continuidade ou não desse tratamento ao longo de todo processo de reabilitação no HRAC-USP, dos portadores de malformações e outras deficiências. Junta-se a isso o fato de que os diversos tipos Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 111 de orientação nesse processo terão na família o ponto de apoio fundamental e, para tanto, faz-se necessário, o levantamento de um rol de informações e considerações sócio-analíticas sobre suas entradas (rendas), natureza da atividade que seus membros exercem, composição demográfica familiar, nível educacional e habitação, que subsidiem as intervenções. Em segundo lugar, tomar a família como unidade de análise permite perceber, com maior nitidez, a maneira pela qual os recursos, de diversas fontes e naturezas, são por ela alocados, ao mesmo tempo que inserindo-se indicadores individuais nesse conjunto, pode-se analisar, também a capacidade de ganho de seus membros, a natureza desses, bem como, por agregação, o rendimento total auferido por essa. Assim, dispomos os indicadores sócio-econômicos para nos informar sobre o total da renda familiar e o(s) tipo(s) de rendimento(s) a que tem acesso, a(s) ocupação(ões) e o(s) setor(es) de atividade(s), de onde derivaremos inferências sobre o tipo e o grau de inserção da família na estrutura social e no quadro de clientela da Instituição. Vejamos-los mais de perto. No que se refere aos rendimentos brutos, auferidos, realizamos uma ordenação por valores monetários, acompanhando o procedimento em uso pelo IBGE com algumas alterações para os nossos fins e que podem ser encontrados na série de Anuários Estatísticos, que vai de nenhuma renda a mais de 100 salários mínimos, conforme material denominado "Rendimentos brutos, valores monetários do IBGE, 1988". Qualitativamente, abrimos janelas para obtermos informações sobre o tipo de rendimento, salário, honorários, retirada pró-labore, rendimento financeiro, aluguéis, aposentadoria, pensionista, etc., tendo em vista a necessidade de construirmos um quadro familiar próximo àquela encontrado no interior da sociedade. A distribuição de seus membros segundo a ocupação e o setor de atividade, complementa o perfil de rendimento da família e é indicativo, tanto para estabelecermos sua posição na estrutura social, e sua condição de classe, como para nos esclarecer, sobre o tipo de rendimento e a renda auferida bem como a forma de inserção ou não de seus membros no mercado de trabalho e/ou de bens. Na elaboração desta nos utilizamos das ocupações e das atividades segundo a Classificação Brasileira de Ocupações 112 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 do MINISTÉRIO DO TRABALHO DO BRASIL (1995) de 1977, Estrutura Agregada, base para as demais classificações em uso atual na literatura. Vide também Metodologia da População Economicamente Ativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1988). Por sua vez, os indicadores que nos informam sobre sua qualidade de vida focalizam as condições e a situação habitacional, o número de membros que a integram residentes no mesmo imóvel, e o nível de escolaridade dessas pessoas. Através destes, portanto, podemos realizar inferências de caráter qualitativo sobre o percurso social da família, as expectativas geradas por essas em relação aos seus membros, associadas à escolaridade, ocupações profissionais, processos migratórios e outros ou a estratégia de mobilidade social, de ascensão social, etc., e ainda inferir acerca de seu nível de bem-estar ou de expectativas sobre este. Podemos ainda nos utilizar desses indicadores para consolidarmos o quadro de inserção social da família, em relação à posição de classe que ocupa na sociedade, analisando possíveis gastos ou posições de status social derivados desses elementos qualitativos. Nesse particular, a habitação por estar relacionada à propriedade, torna-se um indicador importante para consolidar a posição social dessa no interior da estrutura social, permitindo maiores inferências sobre a família e sua condição social. De qualquer forma como pode ser observado por Pastore et al, 1983, sobre o "Ciclo de Vida da família segundo grupos de renda familiar 1970-1980", os resultados obtidos por esse conjunto de indicadores, caminham no sentido de ser adequado ao perfil mais geral de nossa economia e nossa sociedade, como ainda, de servir de instrumento de pesquisa que estimule maiores esclarecimentos sobre essa mesma sociedade e essa mesma economia, o que abre ampla flexibilidade e níveis controlados de decisões autônomas para aqueles que o utilizam. O novo Instrumental e seus elementos estatísticos A proposta de atualização do instrumental para a classificação sócio-econômica, ora apresentado foi norteado por esse novo referencial teórico e construído com a participação de Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 113 todos os Assistentes Sociais do HRAC - USP coordenados por Graciano1, em parceria com a UNESP - Franca ora representada por NEVES FILHO e LEHFELD, co-autores dessa nova metodologia de intervenção do Serviço Social. INSTRUMENTAL DE CLASSIFICAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA - 1997 Quadro 01 - Situação econômica da família Renda bruta mensal acima de 100 UM ❁ 60 ┤ 100 UM 30 ┤ 60 UM 15 ┤ 30 UM 09 ┤ 15 UM 04 ┤ 09 UM 02 ┤ 04 UM ½ ┤ 02 UM 0 ├┤ ½ UM ❁ UM = 01 Salário mínimo PONTOS 21 18 14 12 09 05 03 02 01 Tipo de rendimento: ( ) salário ( ) retirada pró-labore ( ) rendimento financeiro aluguéis ( ) honorários ( ) aposentadoria ( ) pensionista outros. Especificar: ____________________________ Quadro 02 - Número de membros, residentes da família até 02 02 ┤ 04 ❁ 04 ┤ 06 06 ┤ 08 acima 08 1 ( ( ) ) PONTOS 06 04 03 02 01 Assistentes Sociais do HPRLLP - USP - Bauru/SP (colaboradores) BLATTNER, Soraia Helena Bonfim; CAMARGO, Raquel Bastazini; CUSTÓDIO, Silvana Aparecida Maziero; FORMENTI, Norma Sueli; FRANCELIN, Madalena Aparecida; GARCIA, Regina Celia Meira; LUIZ, Maria Isabel Rojas; MENDES, Eliana Fidêncio Oliveira; MESQUITA, Sonia Tebet; OLIVEIRA, Elisabeth de; ROCHA, Odaléia Silvestre; TRUITE, Mariza Brunini; VALENTIM, Regina Célia Arruda Almeida Prado. Outros Colaboradores: PINHEIRO, Sandra Passeri Bim (normalização do trabalho) e LOPES, Maria José Bento (digitação do trabalho) 114 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 Quadro 03 - Escolaridade dos membros da família - PONTUAÇÃO = Maior nível educacional / responsável Nível educacional * Especificar PONTOS Superior 07 Superior incompleto / colégio completo 05 Colégio incompleto / ginásio completo 04 Ginásio incompleto / primário completo 03 Primário incompleto 02 Sem escolaridade / alfabetizado 01 Sem escolaridade / analfabeto 00 Sem idade escolar N Obs: Colégio= segundo grau / Ginásio e primário= primeiro grau * Especificar nível educacional dos membros da família. Pontuar o maior nível dentre os “responsáveis” (com rendimentos) Quadro 04 - Habitação PONTOS Condição / situação Própria Financiada Alugada Cedida por benefício Outras (barraco / favela) Prec. 06 05 04 02 Ins. 07 06 05 03 Reg. 08 07 06 04 Boa 09 08 07 05 Ótima 10 09 08 06 00 00 00 01 02 Localidade: Rural ( ) Urbana ( ) ( ) Suburbana * Condição / situação: Precária, Insuficiente, Regular, Boa, Ótima (tipo, propriedade, zona, infra-estrutura, acomodações, etc.) ___________________________ LEGENDA DE SINAIS Semi aberto à direita: a ├ b - indica o conjunto dos números reais iguais ou maiores que “a” e menores que “b”. Semi aberto à Esquerda a ┤ b - indica o conjunto dos números reais maiores que “a” e menores ou iguais a “b”. Fechado: a├┤ b - indica o conjunto dos números reais iguais ou maiores que “a” e menores ou iguais a”b”. (SOUZA, 1995) Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 115 Quadro 05 - Ocupação dos membros da família - PONTUAÇÃO: Maior nível ocupacional / responsável Ocupação / setor / membros Especificar PONTOS Empresários: Proprietários na agricultura , agroindústria, indústria, comércio, sistema financeiro, serviços, etc. 13 Trabalhadores da alta administração: Juízes, Promotores, Diretores, Administradores, Gerentes, Supervisores, Assessores, consultores, etc. 11 Profissionais liberais autônomos: Médico, Advogado, Contador, Arquiteto, Engenheiro, Dentista, Representante comercial, Oculista, Auditor, etc. 10 Trabalhadores assalariados administrativos, Técnicos e Científicos, Chefias em geral, Assistentes, Ocupações de nível superior, Analistas, Ocupações de nível médio, Atletas profissionais, Técnicos em geral, Servidores públicos de nível superior, etc. 09 Trabalhadores assalariados: Ocupações da produção, da administração (indústria, comércio, serviços, setor público e sistema financeiro), Ajudantes e auxiliares, etc. 07 Trabalhadores por conta própria: autônomos - Pedreiros, Caminhoneiros, Marceneiros, Feirantes, Cabelereiros, Taxistas, Vendedores etc. Com empregado ❁ 07 Sem empregado ❁ 06 Pequenos produtores rurais: Meeiro, Parceiro, Chacareiro, etc. Com empregado 05 Sem empregado 03 Empregados domésticos: Jardineiros, Diaristas, Mensalista, Faxineiro, Cozinheiro, Mordomo, Babá, Motorista Particular, Atendentes, etc. Urbano 03 Rural 02 Trabalhadores rurais assalariados, volantes e assemelhados : Ambulantes, Chapa, Bóia-Fria, Ajudantes Gerais, etc. 01 Especificar: ( ) ativo ( ) aposentado ( ) desempregado. Relacionar a ocupação. Setor: ( ) Primário (recursos da natureza) ( ) Secundário (atividades industriais) ( ) Terciário (comércio e prestação de serviços) 116 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 OBS.: Especificar a ocupação dos membros da família. Pontuar somente o maior nível ocupacional dentre os responsáveis com rendimentos. Quadro 06 - Sistema de Pontos Pontos Classificação 00 ┤ 20 Baixa Inferior 20 ┤ 30 Baixa Superior 30 ┤ 40 Média Inferior 40 ┤ 47 Média 47 ┤ 54 Média Superior 54 ┤ 57 Alta Siglas BI BS MI ME MS AL Intervalos 20 10 10 07 07 00 Códigos 6 - F 5 - E 4 - D 3 - C 2 - B 1 - A ❁ Alterações efetuadas a partir de 09/1997. A pontuação relativa a cada quadro considerado pode ser examinada neste instrumental e diz respeito àquele critério de valoração do menos complexo ao mais complexo. Entretanto, cabe algumas qualificações conceituais sobre o material em uso. No quadro 1 "Situação econômica da família" o termo rendimento expressa, na forma a mais genérica possível, a maneira pela qual se dá a distribuição da renda para as diversas classes e segmentos sociais em uma economia monetária capitalista. Aqui, a espécie de rendimento é caracterizada pelos salários, lucros, rendimentos financeiros, honorários e aposentadorias obtidos pelas categorias sociais e profissionais ocupadas nos diversos setores da economia. Os intervalos corresponderam aos dados obtidos nas estimativas salariais das diversas categorias profissionais e estão referenciados às ocupações e setores econômicos. No quadro 2 "Número de membros residentes da família" a composição familiar, responde as transformações pelas quais passaram a família brasileira, emprestando maior peso àquelas famílias, cujo número de membros é menor. Por sua vez, a variável "residentes" expressa a restrição e a relação que deve haver entre a família e os moradores da mesma residência recortando-a espacialmente. No quadro 3 "Escolaridade dos membros da família", busca-se conhecer o seu nível de escolaridade, sendo destaque o maior nível declarado do responsável o qual determina número de pontos aí obtidos. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 117 O quadro 4 "Habitação", extrai elementos quantitativos e qualitativos, possíveis em função da dupla entrada permitida no quadro. Primeiro, os elementos qualitativos, próprios a situação da moradia, esses expressam variáveis valorativas associadas a infra estrutura física e de bem estar sócio-econômica familiar e reafirmam, nessa perspectiva, os pontos dos limites inferiores e superiores determinados pela condição, ou seja: precária, insuficiente, regular, boa e ótima. Nesse caso, em segundo lugar, a condição de posse e de propriedade da moradia, base para qualquer classificação sócio-econômica, determina os valores possíveis de serem aí alcançados. A localização espacial da residência, rural ou urbana, amplia a visão qualitativa sobre os dados familiares. No quadro 5 "Ocupação dos membros da família", através do recorte profissional da família obtemos uma outra variável significativa para a classificação sócio-econômica. Particularmente, aí estão as ocupações mais usuais, associadas aos diversos setores econômicos. Como pode ser observado, coerente aos tipos de rendimento obtido, as categorias distribuemse segundo sua inserção na ocupação tendo como critério a propriedade que exerce sobre seus meios de produção ou de trabalho. De saída convém observar que para a pontuação a entrada é determinada pelo maior nível ocupacional do responsável. Observado isso, explicitaremos conceitualmente, cada uma das categorias: Empresário: aquele que é proprietário do negócio que dirige e responsável pelas decisões, em última instância, sobre produção, preços, investimentos, etc, da empresa. Trabalhadores da Alta Administração: compreende aqueles associados aos empresários no gerenciamento de seus negócios e recursos diversos. Profissionais Liberais Autônomos: são por definição, aqueles segmentos que vendem serviços a terceiros e proprietários dos meios de trabalho e de produção necessários a esses fins. Trabalhadores Assalariados Administrativos: Técnicos e de ocupação científica: definem-se pela inserção em atividades de escritório ou de rotina, cujo dado fundamental é o 118 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 distanciamento das decisões da Alta Administração associado ao fato de venderem sua força de trabalho. Trabalhadores Assalariados: vendedores de força de trabalho e inseridos no processo de produção de mercadorias, bens e serviços. Trabalhadores por conta própria: vendedores de mercadorias, bens e serviços inseridos em suas atividades com algum meio de trabalho ou de produção. Pequeno Produtor Rural: produtos de mercadorias do setor agropecuário que ora usa seu trabalho pessoal e da família, ora usa o trabalho de empregado, restringindo, sempre pelo tamanho da área de produção, tipo de contrato e às vezes, condição da propriedade. Empregado doméstico: aquele que vende serviço ou força de trabalho para domicílios. Trabalhadores rurais assalariados, Volantes e Assemelhados: trabalhadores assalariados ou vendedores de mercadorias ou serviços temporários e precarizados Obs.: Aposentado: A categoria aposentado deverá ser relacionada a ocupação em vigor e sua respectiva pontuação. Estatisticamente, a elaboração deste instrumental voltou-se para um sistema de pontuação simples que deve resultar, por correlações, em um tipo de classificação por estratos. Nesse sentido, a classificação foi feita de forma convencional abrangendo seis estratos definidos pelo número de pontos acumulados. São eles: estratos baixos inferior e superior; estratos médios inferior, médio, propriamente dito, e superior; e o estrato alto. Obviamente, primeiro procuramos estabelecer nessa ordenação um conjunto de relações assimétricas, cujas variáveis independentes são aquelas referentes a renda e ocupação. Dispondo de forma correlacionada os indicadores, serão esses que determinarão, com o auxílio mais tênue dos demais, o número de pontos alcançados e o correspondente estrato da família. Para tanto, a valoração perseguiu, como sempre mais ou menos arbitrariamente, a escala da menor complexidade e necessidades para a maior complexidade e necessidades, seja nos intervalos internos dedicados a cada um dos quadros, seja na somatória total, referente a distribuição dos estratos constitutivos. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 119 Mas também, segundo, ao incorporarmos variáveis adicionais, com potenciais explicativos, temos em vista que nos importa uma visão conjunta sobre a família. Um benefício daí resultante é que graças a inclusão dessas variáveis no corpo do instrumental, não apenas sintetizamos novos aspectos sobre a classificação da família, mas nos encontraremos mais aptos para corrigir possíveis erros de informação e portanto, de sua classificação no interior dos estratos. Posto isso, os intervalos e os limites de classes são visíveis no instrumental apresentado. Os pontos médios são: quadro 1 Situação Econômica da Família, 9,5; quadro 2 - Número de Membros residentes na família - 3,5; quadro 3 - Escolaridade dos membros da família - 3,0; quadro 4 - Habitação - 0,5 a 7,0; quadro 5 - Ocupação dos membros da família - 6,5. As freqüências esperadas são estimadas em maior quantidade para os limites inferiores de cada quadro e em menores quantidades para os limites superiores. Por outro lado, as maiores pontuações são estimadas para os limites acima dos pontos médios de cada intervalo de classe. Os indicadores de renda, quadro 1, e o de emprego, quadro 5, são aqueles que possuem os maiores valores para os maiores estratos, 21 e 13, respectivamente, respondendo por 36,85% e 22,80% da somatória dos limites inferiores e superiores do total dos intervalos das respectivas classes. Sendo que o indicador referente a habitação, quadro 4, foi fixado em 17,55% daquela mesma somatória. Nos casos dos indicadores restantes, membros da família e escolaridade, quadros 2 e 3, respondem por 10,52% e 12,88%, respectivamente. Algumas inferências amostrais e sua análise A consolidação dos indicadores e de suas relações internas, quantitativas e qualitativas, demandou uma experiência amostral que teve a participação de toda equipe do Serviço Social do HRAC - USP, durante seus atendimentos aos usuários. Nesse experimento, distribuímos a população da amostra segundo sua classificação sócio-econômica e, tendo em vista a representatividade e a aleatoriedade dessa, verificamos, comparando com as pesquisas anteriores do Serviço Social, a validade e consistência tanto dos indicadores em uso, como das 120 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 conseqüências ocorridas para a definição em classes e estratos sociais das famílias consideradas. Por outro lado a aplicação prévia deste permitiu observar, somado às entrevistas qualitativas realizadas pelas Assistentes Sociais, primeiro, a consistência e a suficiência dos encadeamentos existentes nas relações intraquadros, pela pontuação dada aos indicadores, e com isso, propor características gerais para as classes sociais e seus estratos, particularizando-as analiticamente, seja em relação as demais classes e estratos sociais, seja em relação aos indicadores que lhe são próprios. Segundo, demonstrou a importância dos instrumentos qualitativos no acompanhamento, permanente, e na complementação das inferências realizadas quantitativamente. Posto isso, a amostra em um total de 132 casos, válidos e efetivos, para uma previsão de 141 casos não efetivada, foi distribuída da seguinte forma: 41 (31,1%) casos para o estrato baixo inferior; 42 (31,9%) para o baixo superior; 30 (22,7%) para o estrato médio inferior; 13 (9,8%) casos para o estrato médio; e 06 (4,5%) para o médio superior. Os resultados obtidos demonstraram: a) que os indicadores em uso refletem de forma consistente o quadro social das famílias pesquisadas e da clientela da instituição; b) a rede de encadeamento entre esses, base para o desenrolar do fluxo da análise, é consistente e permite a realização de inferências quantitativas e qualitativas de vulto, base para o desenvolvimento de estratégias orientadoras; c) o sistema de pontuação utilizado permite caracterizações sócioeconômicas compatíveis com a situação e a posição social empiricamente observável no trato com as famílias; d) resultado final consolida características gerais e específicas das diversas classes e estratos, delimitando-os, de maneira adequada ao quadro social global de nossa sociedade e de nossa economia, com recorte analítico pronunciados. Assim, os resultados gerais obtidos com a aplicação da amostra permitiram compor a seguinte configuração para os estratos sociais, segundo o maior número de ocorrências para cada tipo de indicador: Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 121 CONFIGURAÇÃO DOS ESTRATOS SOCIAIS CLASSES RENDA FAM. 0,5 a 2 sal. m. (43,90% ) MEMBROS FAM. 04 a 06 pes. (48,78% ) ESCOLAR IDADE Primária inc (39,02%) HABITAÇÃO OCUPAÇÃO Cedidas e precária (43,90%) Trabs.assal. -(29,26%) empreg.dom .-(19,51%) trabs./conta volantes (14,34%) 02 a 04 sal.m. (31, 70%) 04 a 10 sal.m. (34, 14%) Até 04 pes. (65,85% ) 2o grau comp. (34,14%) prim.inc. a 2o grau própria + não satisfatória (43,90%) Trabs.assal. - (46,34%) Média Inferior 10 a 15 sal. m. (58,62% ) Até 04 pes. (65,51% ) própria + boa situaçã o (48,27%) Trabs. Assal. Admin.téc. (37,93%) Prof.lib.aut. (24,13%) Média 15 a 35 sal. m. (85,71% ) Até 04 pes. (50%) prof.lib.autô nomos (64, 28%) Média Superior 35 a 100 sal.m. (66, 66%) própria + ótima situação (8 5,71%) própria + ótima situação (66,66%) Alta 100 sal. + Baixa Inferior Baixa Superior Até 04 pes. (66,70%) n. incomplet o (29,26%) 2o grau comp ao sup. inc./comp. (41,37% ) Superior compl. (7 8,57%) superior (66,66%) n. n. prof.alta adm(50,00%) empresários -(25,00%) prof.liberais - (25,00%) .n O estrato baixo inferior, com um intervalo de 00 a 20 pontos, em regra situa-se nas faixas de rendimento de 1/2 a 2 UM*, de 0,5 a 2 salários mínimos, 43,90% dos casos; possuem família com 04 a 06 pessoas, 48.78% dos casos; predominantemente o responsável cursou, de maneira incompleta, o primário, portanto têm menos de 04 anos de estudo formal, 39,02% dos casos; vivem em moradias cedidas e de situação * UM - Unidade(s) Monetária(s). 122 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 precária, 43,90% dos casos; e em regra compõem-se de trabalhadores assalariados, 29,26% dos casos, empregados domésticos da zona rural 19,51% dos casos, trabalhadores por conta própria sem empregados, 14,63% dos casos, e de trabalhadores volantes ou assemelhados, 14,63% dos casos. O estrato baixo superior, com um intervalo de 20 a 30 pontos, em regra situa-se nas faixas de 2 a 4 UM*, de 02 a 04 salários mínimos, 31,70% dos casos, e na faixa de 04 a 10 UM*, 34,14% dos casos; possui até 04 pessoas na família, 65,85% dos casos, em regra têm nível de escolaridade até o segundo grau completo, ou seja até 12 anos de estudos, 34,14% dos casos ou nível de escolaridade do primário completo ao segundo grau incompleto, 29,26% dos casos, ou seja, menos 09 a mais de 04 anos de estudo, morando em casa própria ainda que em condições não satisfatórias, 43,90% dos casos; compondo-se por trabalhadores assalariados em sua grande maioria, 46,34% dos casos. No caso do estrato médio inferior, em um intervalo de 30 a 40 pontos, observamos que situa-se na faixa de 10 a 15 UM, 10 a 15 salários mínimos, 58,62% dos casos, possuem até 04 pessoas na família, 65,51% dos casos; a escolaridade varia do segundo grau completo até o superior completo ou incompleto, ou seja, com até 16 anos de estudo e no mínimo 12 anos, 41,37% dos casos; vivem em habitação própria e de boa situação, 48,27% dos casos; são trabalhadores assalariados administrativos, técnicocientíficos, 37,93% dos casos, ou profissionais liberais autônomos, 24,13% dos casos. Enquanto que o estrato médio propriamente dito, situa-se na faixa de 15 a 35 UM, 15 a 35 salários mínimos, 85,71% dos casos; tem até 04 membros na família, 50,00% dos casos; com nível superior, mais de 16 anos de estudo, 78,57% dos casos; vivendo em casa própria em ótima situação 85,71% dos casos; e em regra, são profissionais liberais autônomos, 64,28% dos casos. O estrato médio superior, por sua vez, no intervalo de 47 a 54 pontos, situa-se na faixa de 35 a100 salários mínimos, 66,66% dos casos; com até 04 membros na família, 66,70% dos casos; tendo realizado estudos até o nível superior completo, 66,66% dos casos; mora em casa própria em ótima situação, 66,66% dos casos; e são trabalhadores da alta administração, 50,00% dos Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 123 casos, ou empresários, 25,00% dos casos, ou profissionais liberais, 25,00% dos casos. Para o estrato alto não houve amostra. Esse mesmo instrumental foi objeto de uma outra pesquisa denominada “Aproximação e configuração da realidade sócioeconômica dos usuários do HRAC-USP" (Graciano et al, 1999) numa amostragem de 3.059 casos, indicando algumas alterações, incorporadas nessa nova edição. Verificou-se que nesse estudo o índice de aprovação do instrumental foi de 98,8%, demonstrando mais uma vez a sua viabilidade e eficácia. O Instrumental frente as novas exigências da profissão Assistente Social: elementos conclusivos Contemporaneamente, entre os diversos desafios colocados para o Serviço Social, em razão do processo sócio-histórico mudancista já analisado, está a necessidade de revisão e ampliação dos instrumentos operativos para atuação profissional. No caso, dos profissionais - Assistentes Sociais do HRACUSP, é de inegável valor a preocupação contínua com a avaliação do trabalho executado e, consequentemente da metodologia de ação e seus resultados. A diferenciação deste grupo de profissionais de outros, em outras instituições sociais e mesmo em hospitais, é resultante da cultura de um trabalho comprometido e de reflexão sobre a prática, criada pela coordenação do Setor de Serviço Social em conjunto com suas colaboradoras de atuação. O Serviço Social na área da saúde se destaca de outros campos profissionais por ter se legitimado historicamente, em primeiro lugar, frente a outros profissionais, que tiveram mais dificuldades em fazê-lo. Conforme depoimentos apresentados por Madre Mesquita (1995), uma das profissionais pioneiras nesta área de trabalho, a classe médica valoriza muito a ação do Serviço Social no Hospital das Clínicas de São Paulo, pelos idos de 1940 a 1960. O conhecimento da profissão de Assistente Social pelos médicos não se resumia aos seus objetivos mas também sabiam sobre as suas funções e técnicas de abordagens. É também neste período que as Assistentes Sociais, no Hospital das Clínicas, 124 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 implantam a Seleção Econômica Social como uma das especialidades do Serviço Social. O Serviço Social foi chamado a realizar a Seleção Econômica Social dos pretendentes ao atendimento da instituição hospitalar. Isto se fazia necessário porque os recursos disponíveis para o atendimento a população eram escassos e, portanto, havia a necessidade de delimitar a população a ser atendida. Este tipo de serviço foi criado como função subsidiária das demais funções do "Serviço Médico Social", na época assim designado, devendo ser acompanhado do estudo do paciente e de seu problema. Após a implantação da diretriz da universalidade de atendimento à saúde nos hospitais-escola, principalmente, houve a suspensão deste serviço porém, nunca se deixou de valorizá-lo como parte integrante da ação profissional. Neste estudo, procuramos resgatar a aplicação deste instrumental de investigação diagnóstica por concebê-lo como meio importante de aproximação e de conhecimento da realidade do paciente, bem como forma de orientação aos responsáveis pelo desenvolvimento e acompanhamento de seu tratamento. É meio também de se evidenciar através de sua operacionalização contínua do dinamismo da sociedade brasileira e de suas demandas sociais relativas à questão da saúde. Com base em Martinelli e Koumrouyan (1994), entendemos instrumental como o conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profissional resultante de uma dada visão crítica da realidade com interferências tanto de natureza estratégica ou tática como técnica decorrentes do uso de conhecimentos - habilidade e criatividade. O instrumental não é nem o instrumento nem a técnica tomados isoladamente, mas ambos, organicamente articulados em uma unidade (entrevista/relatório, visita, reunião, observação participante, etc.) , produto desta visão concebida. É por excelência uma categoria relacional e abrange não só o campo das técnicas como também conhecimentos, métodos e habilidades. É portanto, uma categoria que se constrói a cada momento, a partir das finalidades da ação que se vai desenvolver e dos Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 125 determinantes históricos, políticos, sociais e institucionais à ela referidos. O HRAC-USP através do Serviço Social reconstruiu seu novo instrumental de classificação sócio-econômica não somente com o objetivo de incluir as pessoas em seus programas de reabilitação, mas com a finalidade de conhecer as condições de vida de seus usuários para que o tratamento interdisciplinar seja planejado de forma global em atendimento as suas carências, necessidades, expectativas e possibilidades. Tem, portanto um eixo valorativo - que se reporta ao campo das finalidades e objetivos - um eixo metodológico - que se reporta ao campo da operacionalização bem como um eixo operativo, que se reporta ao campo das estratégias e táticas. A direção e alcance do uso desse instrumental são portanto, determinados essencialmente, pelo agente institucional por sua consciência crítica e por sua criatividade. Temos consciência que cabe ao Hospital enquanto organização - exigir instrumentais que garantam dados quantitativos sem que se negue o seu valor - pois fazem parte da lógica institucional, mas torna-se indispensável que se possa complementá-los com instrumentais de natureza qualitativa - construídos pelos próprios agentes institucionais, que os determinam socialmente e os produzem historicamente a exemplo desse novo instrumental construído coletivamente pela equipe do Serviço Social na sua ação cotidiana visando o estudo social de seus usuários. Esse procedimento também denominado no Serviço Social como "triagem sócio-econômica", deve ser percebido como um registro vivo do cotidiano dos usuários dos serviços e suas carências e de suas estratégias de sobrevivência e resistência. Segundo Sposatti et al (1985) tem também o papel fundamental de veiculação de informações referentes ao direito de cidadania, a compreensão da burocracia institucional e a motivação para a busca dos serviços que necessita e de organização sócio-comunitária de seu cotidiano. Entendemos assim, que a "triagem" independentemente de sua instrumentalização, deve propiciar a prestação de assistência ao indivíduo como um direito, devendo ser visualizado numa perspectiva mais ampla, pois permite o conhecimento da história de vida dos usuários, suas necessidades e suas experiências. 126 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 É preciso então, recuperar o sentido dessa "triagem" no Serviço Social, pois o ser social enquanto ser político comparece na organização social do Estado como um cidadão e essa passagem do ser social para a cidadania é um espaço constitutivo do trabalho do Serviço Social, precisando ser fortalecido na sua prática cotidiana, devendo portanto esse novo instrumental favorecer essa passagem. GRACIANO, M.I.G., LEHFELD, N. A. S., NEVES FILHO, A. Evaluation criterion for a social economic on: Bringing up to date elements. Serviço Social & Realidade (Franca). v.8, n.1, p.109-128, 1999. • ABSTRACT: The fundamental purpose of this study is to bring up to date the methodology of social-economic classification proposed by the author Graciano (1980), who is a social worker for Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais, from São Paulo University (HPRLLPUSP), because of the changing process which the Brazilian society has been living in the last decades as it was shown in Part I. • KEY WORDS: social-economical classification, stratification, instrumentation, methodology, assessment criterion. Referências Bibliográficas GRACIANO, M.I.G. Critérios de avaliação para classificação sócio-econômica. Serviço Social e Sociedade, n.3, p.81103, 1980. GRACIANO, M.I.G. et al. Aproximação e configuração da realidade sócio-econômica dos usuários do HRAC-USP. Relatório final CNPq, processo n. 350677/970, 1999. GRACIANO, M.I.G., LEHFELD, N. A. de S., NEVES FILHO, A. Critérios de avaliação para classificação sócio-econômica: elementos de atualização - Parte II. Serviço Social & Realidade, Franca, v5, n.2, p.171-201, 1996. IBGE. Anuário estatístico. Brasília, 1988. MARTINELLI, M.L., KOUMROUYAN, E. Um novo olhar para a questão dos instrumentos técnicos operativos em Serviço Social. Serviço Social e Sociedade, n.45, p.137-141, 1994. MESQUITA, M. (Madre) apud ANDRADE, S. de. Serviço Social médico-social do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: 1940-1960. São Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 127 Paulo, 1995. Tese (Doutorado) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. MINISTÉRIO DO TRABALHO/BRASIL. Classificação brasileira de ocupações. Estrutura agregada, Brasília, Ministério do Trabalho, 1995. 2v. NEVES FILHO, A. Aspectos recentes da economia brasileira: um quadro geral de orientação à classificação sócio-econômica - Parte I, Serviço Social & Realidade, Franca, v.5, n.2, p. 143-169, 1996. PASTORE, J., ZYLBERSTAIN, H., PAGOTO, C.S. Mudança social e pobreza no Brasl 1079-1980. São Paulo: Pioneira, 1983. 152p. SOUZA, J. D. de A. Elementos de estatística. In: CAMPOS, J. de Q. et al. Saúde e Educação Sanitária. São Paulo: Jotacê, 1995. SPOSATTI, A., BONETTI, D.A., YASBEK, M.C.et al. do C. Assistência-assistencialismo: a busca da superação da questão. In:_______ - Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão de análise. São Paulo: Cortez, 1985. p.55-77. 128 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 109-128, 1999 A FAMÍLIA COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO PARA A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA1 Mário JOSÉ FILHO* • RESUMO: Falar de famílias é remontar às nossas origens, é desnudar nossas crises quando buscamos arquétipos ideais que preencham o vazio de nossas indagações, que são universais. A família neste final de século passa por diversas transformações, que sem dúvida alguma exigem novas reflexões e novas posturas na compreensão de sua real necessidade para o existir humano. Daí o enfoque dado à família, como espaço privilegiado para a construção da cidadania, na esperança de que, encontrando uma presumível resposta para nossas inquietações, possamos, como ser político que somos, trabalhar efetivamente para o bem comum. Preocupamo-nos, inicialmente, em estabelecer subsídios teóricos que dessem embasamento ao objeto de nossa pesquisa e, nesse sentido, retornamos à origem da humanidade, trazendo à luz de nosso trabalho a trajetória do homem inserido no contexto de família, entendendo-a como instituição que ela representa. Sendo a família objeto de preocupação dos órgãos internacionais no sentido de que é ela a principal responsável pela alimentação e pela proteção da criança, da infância à adolescência, bem como em toda vida humana, consideramos que deveríamos destacar a importância da atuação do SERVIÇO SOCIAL, quando este atua como “processo político transformador”, enfatizando a assistência social. Num segundo momento, tendo sido a presente abordagem elaborada com a preocupação de ser dado enfoque científico ao tema, foram colhidas do cotidiano de famílias representativas da classe média brasileira, amostragens que nos apontam perspectivas, aproximando-nos de quais são as expectativas da população em relação a esse assunto, verificando-se que os sujeitos de nossa pesquisa foram unânimes em afirmar que é a família um espaço privilegiado para a construção da cidadania, reconhecendo muitas vezes sua limitação. Acreditamos que este tema não se encerra aqui, por ser ele demais abrangente, contudo ao compreender o processo evolutivo da família como instituição, entendemos que “até o momento ainda não descobriram outra forma mais eficiente de se ensinar gente a ser gente” e, portanto, exercer seus direitos e deveres de cidadão, resgatando dessa forma a noção de cidadania. • PALAVRAS CHAVE: Família; cidadania; serviço social; assistência. 1 Tese de Doutorado em Serviço Social, defendida em 29 de Maio de 1998 na Universidade Estadual Paulista – UNESP – Franca – S.P. * Departamento de Serviço Social - UNESP - Franca. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 129 A Família como espaço privilegiado para a construção da cidadania Antes de qualquer exposição, é importante salientar que em todos os grupos sociais, mesmo culturalmente diversos, encontramos a “FAMÍLIA”, como algo que é concreto na história dos homens. Podemos nos perguntar: alguém conhece e poderia informar se existe alguma forma de viver, ou melhor, de sobreviver, sem ter alguém que “cuide” do ser humano? O homem conseguiria sobreviver se não houvesse alguém que substituísse o que é natural na vida das pessoas? Certamente todos nós carregamos dentro de nós uma concepção de família, que em sua definição não varia muito de uma pessoa para outra, apresentando sempre um modelo ideal, referente à família. Os laços que vão sendo valorizados, o comportamento esperado de seus membros, a expectativa dos papéis sociais que deverão ser cumpridos pelos membros da família, revelam respostas semelhantes, próximas e valores comuns. Podemos dizer que a família é e sempre será o local privilegiado de “gente ensinar a ser gente”, pois desde a origem da humanidade a família passou por inúmeras transformações, seja de sua composição, seja em suas funções, seja em suas formas e suas delimitações classificatórias, mas é nela que são introjetados e vividos conteúdos por todos nós. Para estudar este tema lemos aproximadamente duzentas obras e podemos afirmar que não há um modelo ideal de família a ser adotado hoje. Christine Colange em seu livro “Defina uma Família” (1994) coloca: “São tantos, atualmente, os modelos de família, que se tornou impossível classificar e principalmente julgar os bons e os maus “planos de família”,- Como poderíamos dizer de um “plano de carreira”. Alguns encontram seu equilíbrio numa relação estável e fechada, uma célula voltada sobre si mesma que eles fortificam contra as agressões e mudanças de qualquer tipo. Eles exigem muito dos seus parentes, mas em troca se prontificam em dar muito de si mesmo. Outros, ao contrário, nada querem sacrificar da sua aventura pessoal, preferem uma fórmula de família “personalizada”, sem constrangimento e sem obrigações, onde os indivíduos vêm basicamente recarregar as suas baterias antes de saírem mais uma vez pelo mundo afora. Ao juntar a documentação para este livro, vocês nem podem 130 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 imaginar o número de famílias que eu pude catalogar! Fascinados pela diversificação destes modelos, demógrafos dão uma demonstração de uma criatividade inaudita, vejam só: família “casulo”, família “Disneilândia”, família “clube”, família “moderna”, família “tradição”, família “cepa”, família “monoparental”, família “em kit”, família “reconstituída”, família “aberta”, família “invisível”, família “new-look”, família “nuclear”, família “comunitária”, família “fragmentada”, família “parceira”, família “de fusão”...vou parar por aqui. Já temos a nossa prova: a diversidade de parentesco, a variedade de modos tornam qualquer classificação impossível. Lembro-me de uma canção da minha infância que dizia: “Um amor como o nosso, um amor sem igual Não é como os outros, o nosso é fenomenal...” É só substituirmos “amor” por “família”, aí teremos uma representação bastante correta da situação atual. Família como a minha, família como a sua, provavelmente não há duas iguais...”. Com estas idéias e com este procedimento reflexivo sobre o tema chegamos a uma formulação conceitual sobre a família. Podemos definir família como: “Um homem e uma mulher que se unem para um relacionamento estável e duradouro. Desse relacionamento estável e duradouro podem ou não ter filhos, frutos de seu amor, e estão abertos para o mundo”. Delimitamos assim um tipo de família que, ainda hoje em nossa sociedade, se faz presente em sua maioria. Podemos dizer que suas atribuições funcionais estão sendo transformadas pela evolução dos tempos, a “Família Nuclear” mudou significativamente. O significado da família para cada indivíduo pode ser muito diferente, entretanto é certo que todas as pessoas, vieram de uma família, seja ela como for, e é fato real que essa relação teve e tem a ver com o desenvolvimento educacional, moral, religioso de cada indivíduo dentro da sociedade. O homem necessita de algo para protegê-lo, ensiná-lo e guiá-lo por algum tempo, pois este é um fato natural da humanidade. De acordo com a literatura e estudo sobre o assunto, a família brasileira seria o resultado da transplantação e adaptação da família portuguesa ao ambiente colonial brasileiro, tendo assim gerado modelos patriarcais e tendências conservadoras em sua formação. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 131 A família brasileira no período colonial, apresentou uma característica complexa, absorvendo em seu núcleo componentes de várias origens criando assim uma miscigenação muito ampla. As famílias eram em sua maioria nucleares, com poucos filhos se levarmos em consideração fatores ocorridos na época, como alta taxa de mortalidade infantil e facilidade de mobilidade espacial da população. Era muito importante preservar a linhagem dentro do casamento assim como a fortuna e o grupo social, o consentimento do pai para a realização dos casamentos e optar pelo futuro dos filhos era incontestável. A família patriarcal foi o tipo de família que existiu do século XVI ao século XIX, onde considera-se toda a formação social do Brasil. Durante todo esse tempo a sociedade colonial foi composta pela família patriarcal que era considerada "uma família" e a "não família", que era constituída pelos desagregados reunindo a maioria da população. Na família patriarcal, as práticas sociais eram consideradas como a submissão da mulher e o casamento entre parentes como forma de demonstrar a importância da linhagem e de seu contexto histórico dentro da sociedade da época. A família patriarcal, vista do lado funcional, estava constituída numa sólida estrutura de relações econômicas e políticas, mas não era vista dentro de uma relação afetiva de procriação e relação sexual dentro do espaço do casal. Pode-se afirmar que a família constituía uma organização de produção e administração, em defesa do status social dos seres envolvidos e dela dependente. As relações de procriação, afeto, satisfação sexual ocorriam de forma demasiada fora do convívio familiar, considerando assim um foco de "desordem" dentro de uma estrutura que defendia a "ordem". Durante essa trajetória da família patriarcal não poderíamos deixar de lado os negros que constituíam formas de organizações alternativas impostas pelos "senhores". De uma forma muito genérica podemos dizer que a mistura de raças começou com o cruzamento de "nobres" com escravos, mas por pior que fosse sua organização familiar, poderia ser considerada melhor do que a família patriarcal, pois esta vinha da massa da população não tendo uma estrutura econômica e social relacionada com a estrutura familiar. 132 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 Uma análise estrutural feita no Piauí na época colonial indicou que a família patriarcal não poderia mais ser vista como única forma de organização familiar, pois já nessa época muitas famílias eram chefiadas por mulheres e o homem de certa forma deixou de ser o único ser absoluto dentro do espaço familiar, sendo assim chamada de "Moderna Família Conjugal". Esse tipo de estrutura familiar possibilitou a criação de uma nova estrutura influenciada por pressões do mundo capitalista e pela industrialização, surgindo a necessidade de ter arranjos familiares diversos. Após a Independência não havia proibições legais para impedir o casamento de pessoas desiguais (cor, raça, posição social), desde que houvesse o consentimento paterno. Durante esse período e depois percebeu-se a ausência constante de casamentos atingindo pessoas de ambos os sexos e de qualquer condição social. Com a fundação da República (1889, fim do trabalho escravo e o começo da urbanização e da industrialização), teve início a discussão sobre a formação da nacionalidade e da cidadania, que englobou três raças, o constrangimento foi um fator inevitável para os "contras" a esse tipo de política. Considerando o conjunto da sociedade as classes populares e os negros foram vítimas de arranjos políticos que garantissem sua exclusão. Era difícil pensar em educar a massa da população e ex-escravos para a nacionalidade e a cidadania. Na virada do século XIX para o XX pouco se podia fazer para as famílias populares de origem africana, pelo determinismo biológico estabelecido, inferiorizando os negros e as classes populares de qualquer política social confinando-os à exclusão e a não nacionalidade. "Seres inferiores" era uma forma taxativa de lidar com a população pobre, pois não poderia haver uma política de educação se essas pessoas não podiam aprender. Essa forma de organização atrasou muito o país com relação às políticas sociais. A história é clara e taxativa e talvez por esse motivo a realidade é tão desoladora. Foi no Estado Novo que surgiram as primeiras políticas públicas na área da educação e da família, com segundas intenções ao autoritarismo. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 133 Nesse período começa a ser dada a importância à idéia de “família regular”, “saudável” apostando no branqueamento da sociedade brasileira, juntamente com a Igreja que ajuda o Estado dando suporte teórico e prático para uma maior eficiência das políticas públicas na área da família e da educação. A Igreja foi a instituição que apresentou as primeiras medidas educacionais com as famílias, por serem portadoras de conhecimentos teóricos e práticos. Foi a Igreja Católica que preencheu os espaços deixados pela República nas políticas sociais de atendimento à família e à educação. Apesar das mudanças e dos conflitos a família é única em seu papel determinante no desenvolvimento da sociabilidade, afetividade, responsabilidade dos indivíduos em especial na infância e adolescência. A família não é só um tecido fundamental de relações, mas um conjunto de papéis definidos que devem ser trabalhados como forma de um crescimento conjunto não só dentro do âmbito familiar mas dentro da vivência social dos indivíduos. A família desde a sua formação, durante todo o processo de desenvolvimento passou por muitas transformações, adaptações e nos dias atuais, ainda passa por muitas modificações em seus conceitos, sua função e seu significado perante ao homem e a sociedade. É difícil imaginar a família durante todo o processo histórico que acabamos de abordar, no entanto são muito coerentes os fatos, apesar de remotos muitas vezes coincidem com a realidade atual. Um fator muito importante que enfatizamos neste trabalho é o significado da família como veículo de transmissão de valores considerados “corretos" (Justiça, Solidariedade, Educação, Saúde, Respeito, Responsabilidade), para a construção de um homem mais cidadão, mais saudável e correto dentro do convívio, seja ele familiar ou comunitário. É preciso considerar que hoje a família pode ser formada de diversas maneiras e não estamos aqui para julgar qualquer tipo de família, mas sim, para pesquisar e questionar a validade do ambiente familiar e qualificá-lo como uma base de construção da cidadania para cada indivíduo. Segundo estudos realizados por alguns pesquisadores sociais como Mário Ferrari coordenador de Programas da UNICEF 134 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 e Silvio Manoug Kloustian oficial de políticas sociais da UNICEF, a família é um espaço privilegiado para a prática de valores como responsabilidade, respeito e o aprofundamento de relações de solidariedade, no entanto hoje este quadro está muito distorcido. Com a crise econômica e social pela qual o país e o mundo vem passando, o nível de qualidade de vida entre as famílias brasileiras vem caindo muito, não que seja a pobreza a responsável pela desestrutura familiar atual. Mas a pobreza é também um fator muito importante neste quadro que deve ser analisado de forma específica. A família é o espaço privilegiado para a socialização, divisão de responsabilidade, prática de tolerância, busca da sobrevivência, lugar inicial para o exercício da cidadania e base de conhecimento sobre igualdade, respeito, direitos e deveres dentro da sociedade. De forma clara, é fácil perceber que deveria ser simples ajudar um indivíduo a se formar e se transformar em um homem de bem, porém não o é. É desta forma que desenvolvemos nosso trabalho, colocando a família como primeira privilegiada para a construção da cidadania. Não há dúvida de que a situação de bem estar das crianças e adolescentes está diretamente relacionada a um desenvolvimento familiar estável e consequentemente um crescimento psicossocial mais aberto às mudanças e dificuldades do dia a dia. A família na vida de um indivíduo é o seu ponto de referência para a vida que terá lá fora, a começar da escola, que é o segundo passo para sua socialização e a formação do caráter do adulto que será um dia. Como lei própria e injustiça social é nesta primeira fase que a criança começa a ser selecionada dentro de seu ambiente de convívio, pela situação sócioeconômica de sua família, e desta forma vão se criando grupos de uma mesma natureza ou pelo menos de uma mesma condição social. As famílias das classes populares têm encontrado muitas dificuldades com relação às políticas públicas de assistência pela resistência que há em empreender a perversidade do sistema ideológico, uma vez que as diferenças étnico-culturais não são respeitadas. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 135 A valorização da família, enquanto produção de identidade social, é fundamental para a formação de cidadania ativa e consistente de cada indivíduo para que ele possa cumprir seu papel de sujeito principal e criador de sua história. É importante ter-se em mente que de norte a sul, de leste a oeste, ricos e pobres fazem parte de uma mesma nação e enquanto tal deve-se de forma uniforme tentar reconstruir um papel forte de identidade pessoal dentro de suas famílias, pois esta é o princípio de formação da cidadania de qualquer indivíduo. O objetivo deste trabalho não é traçar perfis, mas afirmar que é na família que se encontra o espaço privilegiado para a construção da cidadania, motivando as famílias para assumirem sua função de construtoras de cidadãos. Hoje uma questão que está em todas as instâncias da sociedade, é a “Seca do Nordeste”, sabemos que inúmeras coisas dependem de uma política governamental, mas a SOLIDARIEDADE, tão falada, onde a adquirimos? É no espaço familiar um dos primeiros locais que podemos vivenciá-la. As questões que se impõem sobre a Cidadania, não deixam de ter um pano de fundo nas questões familiares. É na relação em família que acontecem os fatos mais marcantes da vida de cada um de nós: a descoberta do afeto, da subjetividade, da sexualidade, a experiência de vida, a formação da identidade pessoal, o nascimento e a morte. Portanto, quando falamos de família nos referimos a algo que a maioria de nós experienciamos, carregado de significados afetivos, de representações, opiniões, juízos e expectativas atendidas ou frustradas. “Falar de famílias é rememorar a nossa identidade e o nosso espaço mais íntimo de existência. É tocar no locus que dá origem à nossa história. (Carvalho, 1994, p.5). Educação para a cidadania ...”A família educa, o mundo, a escola, a televisão muitas vezes deseduca...” A cidadania vem sendo construída historicamente pela luta dos excluídos, pois existe uma carência global de necessidades do homem se fazer sujeito de seus direitos, uma questão de princípios e não de benevolência. 136 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 A educação para a cidadania deve ser um princípio básico para a formação do indivíduo. Podemos dizer que a família é um fator fundamental para o crescimento sadio e estabelecedor de princípios verdadeiros das pessoas. Na análise de como se dá a cidadania dentro do espaço familiar é fácil perceber que a educação para a cidadania se inicia na família, porém a questão da cultura é um outro fator indispensável nessa análise. O Brasil por ser um país explorado desde seu descobrimento teve um fator histórico importante durante seu processo de desenvolvimento, o princípio de uma “cultura deficitária” onde a construção para o exercício da cidadania não é um elemento muito relevante. A cultura constitui o contexto próprio para a educação, porque este é um elemento de mobilização, então podemos afirmar que a educação é um fator fundamental para a formação do cidadão desde seu nascimento, dentro da família e depois na escola, onde seus primeiros conceitos de sociedade serão formados. A maior virtude da educação é a de ser um instrumento de participação política, sendo necessária a qualquer indivíduo, porém percebemos que só esta não é suficiente, existem outros elementos que devem ser analisados dentro deste contexto. A participação, a liberdade, a família são processos de conquista que estão fundamentadas na dimensão básica da cidadania, e com ela um crescimento contínuo de sujeito de participação do seu cotidiano político e social dentro desta sociedade a qual pertence. A participação é um elemento qualitativo e o desenvolvimento do indivíduo dentro da sociedade não o é, pois na lógica do poder, não se aprecia o cidadão crítico e produtivo, mas o manipulado e o dependente, sendo isto motivo para reflexão. A questão político-participativa em política social coloca questões complexas, a partir do reconhecimento de que política social não se restringe à atuação pública. Diante da questão social – da desigualdade social –, o confronto entre iguais e desiguais se dá na arena pública e civil, sendo esta muitas vezes mais decisiva, e sempre mais fundante. Esta característica serve, ademais, para testar a qualidade política de uma sociedade: onde a desigualdade é somente confrontada na arena pública, reina a tutela sobre a sociedade, que acaba cristalizando, novos conteúdos históricos. Condição fundamental de cidadania é Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 137 reconhecer criticamente que a emancipação depende fundamentalmente do interessado. Não dispensa apoios – os públicos são sempre necessários – e instrumentais. A estratégia secular de obstaculização do processo de formação da cidadania inclui a tutela em particular políticas sociais assistencialistas, que aplacam o potencial reivindicativo e transformador em troca de migalhas (Demo,1992, p.20). O poder tem por lógica oferecer escolas pobres para crianças pobres, saúde pobre para doentes pobres, uma política pobre para as pessoas que ele próprio reproduz, “pobre” sempre pobres em habitação, educação, saúde, lazer, justiça. A esfera pública da educação tem por função a transmissão de conhecimento e de aprendizagem, pois as famílias preparam as crianças para ir à escola para que possam aprender a ler, a escrever, a viver em sociedade. A socialização dentro da escola é uma reprodução ideológica de conhecimentos, como hábitos, atitudes e expectativas de vida, no entanto devemos enfatizar que a educação de um indivíduo dentro do espaço familiar e escolar é imprescindível para uma formação “correta”. É fácil perceber, neste momento, a questão da cultura dentro deste contexto, pois o Brasil por muitos fatores sejam eles econômicos, sociais ou relações de poder não cultiva esse tipo de cultura, o de aprendizagem. Uma aprendizagem correta sobre o mundo que envolve as pessoas dentro da sociedade, onde têm direitos e deveres, e têm acima de tudo o compromisso de participar e estar consciente dos fatos e acontecimentos em sua volta e que dizem respeito a todos os cidadãos como um todo. Dentro desta análise podemos dizer que a estrutura de poder organiza a educação de forma universal, visando à sedimentação da cidadania da camada da população mais pobre. Porém não podemos perder de vista o sentido real da educação que é a participação como introdutora da cidadania, como processo formativo do indivíduo como sujeito de sua história. Pedro Demo em seu livro “Participação é Conquista”, coloca que o projeto de cidadania envolve vários elementos que achamos de extrema importância evidenciar: a) noção de formação; b) noção de participação, de autopromoção, de autodefinição; c) noção de sujeito social; d) noção de direitos e deveres; 138 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 e) noção de democracia; f) noção de liberdade, igualdade, comunidade; g) noção de acesso à informação e ao saber; h) noção de acesso à habilidades (1988, p.52-53). A educação para a formação de cidadania é um processo lento e profundo que poderá levar gerações para se perpetuar concretamente dentro do espaço social. A dimensão de construção é muito ampla e longa, pois trata-se de construir “gente”, além de meros trabalhadores treinados e alienados, estamos falando de construir “pessoas” informadas e conscientes de sua situação e condição dentro da sociedade a qual lhe atribui direitos e deveres sociais. É importante não perdermos de vista que a pobreza, a falta de educação, saúde, cidadania não é destino ou sina, mas fruto de um processo histórico opressor, que a sociedade precisa com muita consistência superar. Ao buscarmos alinhavar algumas reflexões sobre a temática da família no Serviço Social, deparamo-nos com impasses da profissão na relação teoria/prática. Percebemos pela pesquisa bibliográfica e/ou documental que pouco se tem produzido sobre o tema família em Serviço Social, se relacionarmos com outras profissões. Existem experiências que vão se sistematizando e documentando, na perspectiva de se construir matrizes teóricas para conceituação e definição da postura teórico metodológica frente à temática. Dessa forma, o debate no âmbito da profissão continua incipiente, o que não condiz com a tradição que o Serviço Social tem no trato com famílias (Nedder, 1995), nem com suas possibilidades para desenvolver uma discussão original que venha contribuir tanto para o debate interdisciplinar como para a vida dos muitos profissionais (assistentes sociais ou não) que intervêm quotidianamente em questões familiares. A articulação das idéias família e cidadania passa por diversos momentos e estágios que vão se aprimorando através da história e da sedimentação da cultura. Com segurança podemos dizer que os jovens carecem de um sólido núcleo familiar, fundamentalmente no plano social, sem Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 139 o qual não tem orientação e nem grandes possibilidades de estabelecerem uma personalidade adulta. Por isso é que nessas condições se encontram tremendamente sós, no meio de uma multidão que os ignora. Na busca de uma família à qual desejam pertencer, já que a sua está partida, conseguem até inventá-la. Surge assim, o hippie (ou seus herdeiros), que inventa a "família hippie", de protesto amoroso; drogado que procura escapar da realidade, ou o "delinqüente" que quer arrancar da sociedade o que sente que esta lhe deve. A enfermidade não admite saídas excessivamente fáceis, como os qualificativos habituais de "comunistas" ou "rebeldes" (que também existiam nos países que eram comunistas). Agora são os jovens do Terceiro Mundo, os moreninhos da América do Sul ou do Norte da África. A solução não está na surra dos pais, ou em qualquer outro tipo de repressão em nível sociopolítico ou militar. É conveniente lembrar que a violência só gera violência... Sumiu o problema Leste-Oeste e veio o Norte-Sul, ricos-pobres. Tudo igual, os nomes e o cenário mudam, o conteúdo, a luta, a doença mental e os conflitos humanos são idênticos. O fundamental - não nos cansamos de repetir - é consolidar a família sobre bases de amor e respeito pela personalidade e oferecer à criança - para hoje e para seu futuro - a segurança de uma vivenda digna, possibilidades de se capacitar profissionalmente e de realizar seus ideais e vocações genuínas. Devemos propiciar uma educação ampla e estimular o sentimento da necessidade de saber quem é quem, o que cada jovem poderá ser no futuro. Não recusemos essa responsabilidade e essa obrigação, que devem iniciar-se na família e estender-se aos grupos sociais e à sociedade como um todo. Inúmeras pesquisas apontam que ao olhar sobre a realidade percebe-se que a família sofreu e está sofrendo profundas mudanças, tanto em sua estrutura, quanto em suas funções, devido a uma nova compreensão das relações intrafamiliares, às novas concepções e técnicas de procriação, à redução do número de filhos, às mudanças políticas e econômicas externas e internas, à emancipação e ao trabalho da mulher, à mudança na maneira como se dá o conflito das gerações. a existência ou 140 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 superposição de vários modelos familiares e outras razões. Estamos diante de uma realidade difícil de ser abarcada. As novas circunstâncias que descrevemos no corpo de nosso trabalho revelam os tempos modernos e apresentam um amplo leque de constituições familiares. A simples enumeração desses diferentes tipos de famílias nos coloca diante de várias interrogações: Para que existe a família? Por que nem todos os homens e mulheres conseguem viver o sentido da família? Todas as sociedades sempre cercaram o casamento e a família de ritos e celebrações. As leis culturais que regem a formação e a vida da família manifestam o ser de cada povo e muito têm a ver com a fisionomia de cada sociedade. O ser humano, ao contrário da maioria das espécies animais, precisa de tempo relativamente dilatado para se desenvolver, buscar sua própria sobrevivência e atingir uma certa maturidade humana para assumir responsabilidades no mundo. Necessita de um ambiente familiar onde possa assimilar uma cultura e ser educado. O tempo de educação do ser humano é lento e necessita da esfera protetora da família. Em nossa análise, e colocando-nos em íntima relação com nosso sujeitos da pesquisa pudemos perceber que, profundas mudanças foram ocorrendo na sociedade brasileira neste século, mormente a partir dos anos cinqüenta e sessenta. Tais transformações da sociedade inevitavelmente haveriam de ter reflexo na família, na autocompreensão que esta tem de si mesma. Pode-se dizer que a família não dita normas para a sociedade, mas é regida por forças que lhe chegam do exterior. Evidentemente, comportamentos familiares vão se modificando. Do universo amplo de nossos casais ( 10.000 ) observamos que se enquadram nos Indicadores Sociais – IBGE pois ...”A predominância das famílias integradas por casal com filhos vem revelar a permanência de um padrão que tem se constituído historicamente como o modelo básico de arranjo doméstico. Podese detectar, no entanto, nos anos recentes, a partir das transformações sócio-econômicas as mudanças de valores que se vêm forjando, o surgimento de uma tendência de modificações nos padrões familiares, com expansão de outras formas de arranjo conjugal, que não chegam, contudo, a abalar o padrão dominante”. (IBGE, 1969, p.12). Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 141 Frente a isso podemos dizer que na realidade, homem e mulher sempre se buscaram. Nunca terminará essa peregrinação do masculino para o feminino e vice-versa. Essa pequena célula social conhece transformações importantes através dos séculos e das diferentes culturas. Com os depoimentos dos casais na reunião focal, pudemos elencar alguns posicionamentos dos mesmos, apontando elementos positivos nestes últimos cinqüenta anos. - Percebem a recuperação do amor como centro e cerne do matrimônio para além de toda forma de institucionalização. - Existe uma superação das discriminações (autoritarismo, rnachismo, feminismo) com insistência da participação de todos na vida da família. - Num mundo massificado, frio, técnico-burocrático, vê-se o esforço de fazer da família um lugar de felicidade, gratificação, realização pessoal, embora com o risco de não se buscar uma transformação da realidade; na mesma linha, verifica-se a transformação da família em unidade essencialmente afetiva, caracterizada pelo diálogo, marcada pela convivência e por expressões de afeto em clima de segurança. Em dois relatos observamos que nas classes média e alta, verifica-se o fenômeno da adolescência prolongada, isto é, os jovens ficam dependentes dos pais por mais tempo, sem projeto de vida definido, sem vontade e condições de assumirem responsabilidades adultas. Ao lado de uma concepção de família fechada, cresce também a consciência da responsabilidade social da família. Com a valorização da mulher e de seu trabalho profissional, redefinem-se nem sempre com facilidade e da forma mais adequada, os papéis de homem e de mulher, na esteira da predominância da subjetividade, tão característica de nossa sociedade moderna, aumentam as uniões unicamente alicerçadas no pacto de amor pessoal; o trabalho da mulher, tanto das classes média e alta, quanto das classes menos favorecidas, exige que as crianças permaneçam muito tempo em creches e fora de casa, ou na rua; com a diminuição da pressão social, o vínculo conjugal se torna mais frágil; presa do trinômio industrialização-urbanizaçãomigração, a família se desloca de um lugar para o outro com certa facilidade, com todas as conseqüências daí advindas: moradia, 142 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 desraizamento sócio-religioso, afetivo; o secularismo atinge as famílias de muitas maneiras, diminuindo o espaço ocupado pela tradição e prática de valores religiosos. Esses elementos que acabamos de elencar estão presentes nas “falas” de nossos sujeitos da pesquisa e que se articulam com o conceito e cidadania por nós apresentado. Podemos ainda à guisa de conclusões apresentar que historicamente temos uma tradição de favorecimento a parentes e conhecidos. Tal fato tem sido grave problema para a vida pública nacional. O fenômeno ocorre em altas esferas do poder, onde políticos influentes empregam parentes e correligionários, favorecendo interesses familiares, e chega até os patamares mais humildes, onde o pequeno funcionário sempre encontra maneira de favorecer os seus. Não é de todo incomum que mães e pais ensinem seus filhos a “escapar" das filas ou usar outros expedientes que subvertem os direitos de outras pessoas. Ter um amigo ou parente no serviço público ou em grandes empresas é um meio usado, sem disfarce, para conseguir o que deveria ser obtido por caminhos regulares, mas demorados. O que é coletivo ("orelhão", praça pública, escolas, jardins, equipamentos comunitários) nem sempre é tratado como propriedade da comunidade e com o devido respeito. Algumas famílias têm como ponto de honra cultivar os valores humanos da hospitalidade, da solidariedade, da prestação de serviço aos vizinhos, principalmente em caso de doença ou catástrofe. Essa tendência natural do povo brasileiro vem perdendo terreno porque muitos abusam da generosidade alheia. As comunidades eclesiais de base e grupamentos, sobretudo de povo mais simples, vivem esse espírito solidário. Na família da grande cidade, morando em apartamentos, pode-se observar uma postura de isolacionismo com relação à sociedade e às outras famílias. Muitas pessoas estão profundamente imbuídas do espírito individualista. Cada um defende o que é seu. Evita-se o convívio, prefere-se a acomodação e a tranqüilidade egoísta. Nota-se uma falta de solidariedade e busca-se a privacidade. Não se leva em consideração que a família pode ser agente de transformação. Os amigos são selecionados e vive-se sempre com os mesmos. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 143 Nas comunidades de base, grupos de vivência cristã de famílias e movimentos conjugais, no qual se insere o Movimento das Equipes de Nossa Senhora, está nascendo uma consciência política nova na linha de abertura para a sociedade e transformação de suas estruturas injustas. A análise feita por famílias da periferia está levando a urna leitura crítica da realidade. Grande papel de transformação realizam os grupos bíblicos de reflexão em famílias, há mesmo mobilizações locais ou nacionais na linha da defesa dos direitos da família e infelizmente, essas iniciativas ainda são tímidas e não conseguem seu intento com pleno êxito. A família se situa dentro do panorama cultural do país, onde o trabalho é visto como meio individual de subsistência, em primeiro lugar e poucas vezes é concebido como serviço prestado à coletividade. Nem sempre as famílias demonstram sensibilidade para com injustiças, distorções e preconceitos no mundo do trabalho, a não ser nos casos em que um de seus membros é prejudicado. Há, muitas vezes, um esforço na linha da ascensão individual, sem consciência da necessidade de transformar as relações de trabalho em seu todo. Na educação dos filhos, ainda em nossos dias, a família mostra preconceito para com certas profissões, valorizando umas e depreciando outras. Por último, abrimos um espaço nestas conclusões para apresentar a Família como Espaço Privilegiado para a Construção da Cidadania. Por sua própria dinâmica interna, a família tende a ultrapassar os próprios esposos à medida que podem gerar filhos, eles não os geram para si próprios mas para o mundo, para a sociedade. O Papa João Paulo II em sua Exortação Apostólica “Familiaris Consortio n.60” exorta as famílias: É vossa tarefa formar os homens para o amor e educá-los a agir com amor em todas as relações humanas, de modo que o amor fique aberto à comunidade inteira, permeado do sentido de justiça e de respeito para com os demais, cônscio da própria responsabilidade para com a (mesma) sociedade”. Um adequado ambiente familiar vai moldando tanto valores pessoais quanto valores sociais, todos eles intimamente interligados. Entre estes valores, podemos destacar: a formação da personalidade humana, base de uma sociedade saudável. 144 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 Com efeito, é no seio da família que a criança vai tomando consciência de ser sujeito, que deve conviver com os outros, partilhar com eles seus desejos e as aspirações. A experiência de comunhão e participação, que deve caracterizar a vida cotidiana da família, representa a sua primeira e fundamental contribuição à sociedade. É no seio da família que a criança toma consciência de estar mergulhada numa história que tem passado, é vivenciada no presente e aponta para o futuro. Nem a criança nem a sua família podem sobreviver isoladamente: fazem parte de um todo maior, que é exatamente "este mundo". Neste caminho destinado a se enriquecer enriquecendo os outros, os apelos do amor exercem uma função toda especial: é através dele que os filhos aprendem a "deixar pai e mãe" e projetar-se para fora do ambiente familiar. É assim que a criança pode, progressivamente, ir se integrando nas comunidades humanas mais abrangentes, tais como a escola, a cidade, a igreja, o mundo. Destarte, a família pode, efetivamente, manifestar-se naquilo para qual é vocacionada: ser primeira escola daquelas virtudes sociais que são a alma da vida e do desenvolvimento da própria sociedade, ser célula primeira da sociedade e protagonista de uma autêntica política familiar. A família se insere no contexto de uma sociedade. Por mais importante que seja, "a função social da família não pode certamente fechar-se na obra procriativa e educativa”... (João Paulo II, 1988) Enquanto comunidade educativa, a família deve ajudar o homem a discernir a própria vocação e a assumir o empenho necessário para uma maior justiça, formando-o desde o início, para relações interpessoais, ricas de justiça e de amor. A vida familiar tem incumbência de exercer uma função social e política. “...As famílias devem com prioridade diligenciar para que as leis e as instituições do Estado não só ofendam, mas sustentem e defendam positivamente os seus direitos e deveres. Em tal sentido, as famílias devem crescer na consciência de serem participantes da chamada política familiar e assumir a responsabilidade de transformar a sociedade ...”. (João Paulo II, 1988). É nesta altura que emerge como grande desafio a situação de numerosas famílias: instituições e leis que desconhecem injustamente os direitos invioláveis da família e da mesma pessoa Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 145 humana, e a sociedade, longe de se colocar a serviço da família, agride-a com violência nos seus valores e nas suas exigências fundamentais. Assim, a família, que é célula base da sociedade, sujeito de direitos e deveres antes do Estado e de qualquer outra comunidade, encontra-se corno vítima da sociedade, dos atrasos e da lentidão das suas intervenções e ainda mais de suas patentes injustiças. Para muitos, ser cidadão confunde-se com o direito de votar. No entanto, quem já teve alguma experiência política, no bairro, no sindicato, na escola, na igreja, sabe que o ato de votar não garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural. Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e deveres. Tal situação está descrita na Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948, que tem suas primeiras matrizes marcantes nas Cartas de Direito dos Estados Unidos (1776) e da Revolução Francesa (1798). A proposta mais funda de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem. Isso tudo diz mais respeito aos direitos do cidadão. Ele também deve ter deveres: ser o próprio fomentador da existência dos direitos a todos, ter responsabilidades em conjunto pela coletividade, cumprir as normas e propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do governo, direta ou indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos movimentos sociais, ao participar de assembléias, no bairro, na escola, no sindicato ou partido. Na realidade essas propostas são difíceis de serem efetivadas, pois quem detém o poder cuida de encaminhar as coisas na direção que atenda basicamente aos seus interesses, e não aos interesses de todos, apesar da aparência contrária. 146 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 Contudo, existe a Carta Universal e ela transparece, em maior ou menor grau, nas Constituições de cada país. A Constituição é urna arma na mão de todos os cidadãos, que devem saber usá-la para encaminhar e conquistar propostas mais igualitárias. Por esse motivo, o conteúdo do exercício da cidadania (direitos e deveres) é algo possível mas dependente do enfrentamento político adotado por quem tem pouco poder. Podemos dizer que só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, de fazer valer os direitos do cidadão. Neste sentido, a prática da cidadania pode ser, por excelência, a estratégia da construção de uma sociedade melhor. Mas o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda a população. As pessoas tendem a pensar a cidadania apenas em termos dos direitos a receber, negligenciando o fato de que elas próprias podem ser o agente da existência desses direitos. Acabam por relevar os deveres que lhes cabem, omitindo-se no sentido de serem também, de alguma forma, parte do governo, ou seja, é preciso trabalhar para conquistar esses direitos. Em vez de meros receptores, são acima de tudo sujeitos daquilo que podem conquistar. Se existe um problema em seu bairro, ou em sua rua, por exemplo, não se deve esperar que a solução venha espontaneamente. É preciso que as famílias se organizem e busquem uma solução capaz de atingir vários níveis, entre eles o de pressionar os órgãos governamentais competentes. Sendo assim, a cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas em termos do acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel dos homens no Universo. Por questões metodológicas apresentamos anteriormente os direitos do cidadão em três dimensões. Estes direitos devem existir interligados, sua divisão é didática. Direitos civis dizem respeito basicamente ao direito de se dispor do próprio corpo. Esses direitos parecem óbvios, mas na Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 147 realidade são muito pouco respeitados pela maior parte da população mundial, inclusive a do Brasil. Lembremo-nos da experiência do Brasil de quase duas décadas, período de anticidadania, de cerceamento da expressão e da liberdade. A existência do esquadrão da morte, grupos de extermínio que consideram determinados homens como se não valessem nada. O quadro torna-se mais grave quando refletimos sobre quem são esses marginais, em sua maioria a população advinda da classe trabalhadora, levada à marginalidade devido à própria exclusão. Poderíamos elencar inúmeros outros exemplos, tais como os "escravos de fazendas", os "bóias-frias", os trabalhadores rurais, e outros tantos que vivem em situação de marginalização. A luta pelos direitos civis de locomoção e de liberdade de expressão tem sido intensa, mas ainda há muito a fazer para que estes sejam respeitados. Direitos Sociais dizem respeito ao atendimento das necessidades humanas básicas. São todos aqueles que devem repor a força de trabalho, sustentando o corpo humano alimentação, habitação, saúde, educação. Dizem respeito portanto, ao direito ao trabalho, a um salário decente e, por extensão, ao chamado Salário Social, relativo ao direito à saúde, educação, habitação. É precisamente sobre esses direitos que os detentores do capital e do poder têm construído a sua concepção de cidadania. Com ela procuram administrar a classe trabalhadora, mantendo-a passiva, "receptora" desses direitos que devem ser agilizados espontaneamente pelos capitalistas e pelos governantes. À medida em que os trabalhadores reverterem o quadro e procurarem ocupar efetivamente os espaços acenados para os direitos, podemos acenar para uma sociedade melhor. Direitos políticos, referem-se principalmente à convivência com os outros homens e, organismos de representação direta (sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolas, conselhos, associações de bairro) ou indireta (pela eleição de governadores), resistindo às imposições dos poderes, por meio de greves, pressões, movimentos sociais. Os direitos políticos dizem respeito a deliberações dos direitos civis e sociais, esclarecendo quais são esses direitos e de que modo chegar a eles. 148 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 Essas três dimensões de direitos, que compõe os direitos do cidadão, não podem ser desvinculados, pois sua efetiva realização depende de sua relação recíproca. Esses direitos, por sua vez, são dependentes da correlação de forças econômica e políticas para se efetivar. Podemos dizer que a cidadania é a realização desses direitos, que dá ao cidadão a condição de ter voz, voto, e vida digna. A cidadania como um direito, em nossa sociedade, precisa ser recuperada, isto significa, reconhecer os direitos e deveres de todos os que compõem a sociedade organizada. Na perspectiva dos direitos seria a plena realização dos direitos humanos, assunto tão amplamente discutido, mas que é ainda possível de muitas outras discussões. Em outra perspectiva aparecem os deveres principalmente o compromisso comunitário de cooperação e co-responsabilidade. Apesar de todos nós termos uma "cidadania individual", por força da natureza humana, temos que participar de uma "cidadania organizada", pois não se interessar por formas de participação organizada, significa ter uma visão ingênua do processo social. Na verdade por mais criticidade que haja na cidadania individual, isto não quer dizer que tenha relevância social corno estratégia de transformação. Nesse sentido o desafio que se impõe às famílias que compõem a sociedade brasileira para alcançar a cidadania, é cada vez mais a participação social, pois ser cidadão é ser "homem participante". Não temos a visão de que a cidadania seria um consenso definitivo, mas sim, a unidade dos contrários, o cidadão que vive dentro do conflito de interesses, marcados pela provisoriedade do dever. A cidadania na sociedade acontece quando esta sabe tomar consciência das injustiças, descobre os direitos e vislumbra estratégias de reação para mudar o rumo da história. Podemos concluir que a cidadania é a qualidade social e política de famílias numa sociedade organizada. Com estas idéias reflexivas sobre tudo o que vimos até agora podemos terminar esta fase dos estudos que abrem novas e inúmeras perspectivas para continuarmos a aprofundar o tema. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 149 Uma coisa é certa que nos parece sensato retomar, acreditamos na família como união estável e duradoura de um homem e uma mulher, que podem ou não ter filhos, aberta para o mundo e como espaço privilegiado para a construção da cidadania. JOSÉ FILHO, M. The family as privileged space for the construction of the citizenship. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.129-152, 1999. • • ABSTRACT: Speaking about families is to come back to our origins, when we looked for ideal archetypes that fill the emptiness of our inquiries, that are universal. The family, at the end of this century, is suffering several transformations that requuires new reflections in the understanding of the real need of the human being. The focus given to the family, as a privileged space for the construction of the citizenship, give us the oportunity to work together. Initially we worried in establishing theoretical subsidies that gave us support to the object of our research and in that sense, we come back to our origin, bringing to the ligth of our work the man's trajectory inserted in the family context, understanding it as an institution that it represents. The international organs worries about the family because the family is the responsible for the feeding and for the child's protection, of the childhood to the adolescence, as well as in whole human life that we would highlight the importance of the perfomance of the Social Service, when it acts as "a political process that makes changes", emphasizing the social attendance. In a second moment, having been the presente elaborated explanation with the concern of giving scientific focus to the theme we collected from daily routine of the Brazilian middle class families samples that shows the expectations of the population in relation to that subject. We noticed that the family is a space privileged for the construction of the citizenship recognizing their limitation. We believe that this theme doesn't stop here, and we understand that until now we don't know another more efficient from of teaching people to perform its rights and duties' citzens. KEY WORDS: Family; citizenship; social service; attendance. Referências Bibliográficas AÇÃO CATÓLICA PORTUGUESA, A Família, Plano dos Círculo de estudo. Poço Novo, Lisboa: JCF, 1988. AGUIAR, A. G. Serviço Social e Filosofia. 4.ed. São Paulo: Cortez, 1985. ANSHEN, R. N. A Família: sua função e destino. Lisboa: Meridiano, 1970. BELTRÃO, P. C. Sociologia da família contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1973. BENEVIDES, M. V. M. A Cidadania Ativa. São Paulo: Ática, 1997. 150 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 129-152, 1999 CALIL, V. L. L. Terapia familiar e de casal. São Paulo: Sumus, 1987. CANIVEZ, P. Educar o cidadão? São Paulo: Papirus, 1991. CARVALHO, M. C. B. (org.) A família contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 1994. COLANGE C. Defina uma família. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. COVRE, M. L. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1995. DA MATA, R. A casa e a rua. São Paulo: Brasiliense, 1985. DEMO, P. Participação é conquista. São Paulo: Cortez,1988. FIGUEIRA, S. A. 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A partir do contexto de expansão e colonização regional, é importante notar a reconstrução do vínculo histórico da formação do capitalismo agrário nessa região. Reviver esta história é reconstituir a vida dos agricultores e pecuaristas, das fazendas e dos fazendeiros. • PALAVRAS CHAVE: Nordeste Paulista; História Regional; Fazendas e Fazendeiros; Café; Agroindústria Canavieira. A origem deste estudo histórico provem de uma entrevista concedida por um fazendeiro em julho de 1997, tendo em vista sua importância e influência no processo de desenvolvimento da agroindústria canavieira na região de Ribeirão Preto, objeto de estudo da tese de doutorado “As Práticas Profissionais doa Assistentes Sociais – Dimensão Interventiva na Agroindústria Canavieira – Região de Ribeirão Preto-SP”.2 Nascido em 1926 em São Paulo, criado na fazenda Invernada, município de Orlândia, no Nordeste Paulista, é representante vivo de uma história muito presente. Pessoa estudiosa e interessada nas descobertas sobre as raízes locais e regionais, completa e ao mesmo tempo empresta seus conhecimentos, integrando-se a uma equipe de pesquisadores do Centro de Estudos Rurais e Urbanos - CERU - preocupados em desvendar a história sobre a ocupação da área compreendida entre os rios Pardo e Grande. O livro “Entrantes no Sertão do Rio 1 Este estudo provem de pesquisa realizada na elaboração da tese de doutorado cujo tema liga-se à prática profissional do assistente social na agroindústria canavieira na Região de Ribeirão Preto (para maiores esclarecimentos, consultar a mesma na biblioteca da FHDSS-UNESP/Franca-SP). * Departamento de Serviço Social - UNESP - Franca. 2 A ele devo meu agradecimento! Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 153 Pardo – o povoamento da freguesia de Batatais – séculos XVIII e XIX”, foi o primeiro. O segundo já se encontra a caminho. O relato do entrevistado foi preservado e veiculado neste estudo mesmo tendo em vista o recorte temporal da investigação definir-se na atualidade3. A reconstrução do contexto histórico passa pela visão regional da história paulista, mais especificamente da porção nordeste do Estado de São Paulo, independentemente da década de 1930, quando da crise do café, marcar a gradativa substituição pelo plantio da cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto. Por esse motivo transmitimos a versão dos fatos do entrevistado referente ao recorte temporal que indica abertura de caminhos, aponta os antecedentes e a ocupação do belo sertão desconhecido. Outro esclarecimento pertinente ao próprio depoimento oral: não houve a intenção de esgotar o entendimento da região através apenas de uma versão mas destacá-la pela sua particularidade, na ótica de um sujeito significante, participante e integrante do processo de desenvolvimento agrário da região de Ribeirão Preto. As particularidades históricas fundem-se sem no entanto se confundirem. Para ampliar a significação histórica do contexto regional, sem a pretensão de reconstruir uma história total, misturando-se à fala do depoente foram inseridas referências historiográficas. Foi também respeitada a linguagem coloquial imprimida durante a entrevista acrescida, por nós, de citações pertinentes à historiografia clássica brasileira, historiadores locais, regionais, memorialistas e cientistas sociais até que a história se fundisse ao relato vivo. Não é possível estabelecer um traçado histórico sem se envolver com ele. Ainda mais quando se trata de um traçado que retrata, nostalgicamente, a história do lugar onde partilhamos vida, felicidades, tristezas, conquistas e recuos diversos. Torna-se um empreendimento audaz do qual não podemos nunca perder de vista a perspectiva do tempo. Tempo singular, em um país cujo 3 Os assistentes sociais, sujeitos da investigação, foram incorporados no complexo agroindustrial a partir da aprovação do PAS – Programa de Assistência Social aos trabalhadores rurais que ganha força em nossa região na década de 1970. 154 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 passado é curto. Corre-se o risco de ficar apaixonadamente ligado ao que ele pode nos oferecer com sua magia. Os quase quinhentos anos da descoberta do Brasil reduzem-se a pouco mais de cento e cinqüenta anos, precedentes no tempo, dos caminhos e ocupação da região de Ribeirão Preto, a porção nordeste do Estado de São Paulo4. Sobre a denominação da Região ‘A denominação vem da importância regional da cidade de Ribeirão Preto’. ‘A região Norte/ Nordeste do Estado de São Paulo está, geograficamente, situada entre a margem direita dos rios MogiGuaçu/Pardo ao Sul e Oeste, Norte e Este com a fronteira do Estado de Minas Gerais, rios Canoas e Grande Os rios MogiGuaçu e Pardo nascem em Minas e cortam a região Confluindo na altura de Pontal (SP), deságuam no rio Grande com o nome predominante de rio Pardo’. ‘As divisões administrativas ficam ao sabor das autoridades Porém, as geográficas são determinadas por acidentes topográficos notáveis (rios, serras), além do clima, vegetação e outros. Antigamente, a divisão eclesiástica abrangia a nossa região e também a vizinha região mineira de São Sebastião do Paraíso. Claro, isto se dava no Império, quando a Igreja Católica era funcionalmente dependente do Estado. Cuidava, além dos serviços religiosos, dos registros civis e fundiários’. ‘As regiões administrativas variam muito. Araraquara, por exemplo, sempre foi uma divisão à parte da nossa e hoje parece estar incluída, pelo menos no que tange a Secretária da Agricultura, Escritório Regional de Desenvolvimento Rural de Ribeirão Preto (antiga Divisão Regional Agrícola - DIRA). O Termo de Batatais era um, o de Araraquara era outro. Anteriormente, ambas fizeram parte do Termo de Itu, que abrangia todo o Norte/Nordeste do Estado de São Paulo. Mais tarde a região foi desmembrada e a nossa parte ficou dependente de Mogi-Mirim, separada de Araraquara. Mas isso é uma decisão administrativa. 4 O sinal gráfico representado pelas aspas simples neste estudo foram usadas para distinguir o relato do entrevistado. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 155 A região geográfica é outra coisa, imutável. O Nordeste paulista situa-se ao Norte da calha do Mogi/ Rio Pardo’. ‘É uma região típica de solo diabásio, famosa terra roxa, vinculada às grandes plantações de café’. Orientando-se pela presença de padrões vegetais, pelos blocos de basalto conhecido como pedra-ferro) no fundo dos ribeirões, os fazendeiros buscam uma terra profunda para seus cafezais. As raízes afundam até três metros na terra roxa de Ribeirão Preto... Nas zonas em que o basalto apresenta-se em processo de escamação, as cores passam do marrom-avermelhado ao alaranjado e ao negro... Às qualidades físicas, a terra roxa pura acrescenta vantagens de ordem química, que provém de seu alto teor em matéria orgânica. (Monbeig, 1984, p.77-8). Antecedentes ‘Temos que limitá-la à região Nordeste. Não podemos esquecer que o Brasil é muito grande e o Estado de São Paulo é do tamanho de um país. A região nordeste, inicialmente era passagem das bandeiras paulistas que iam para Goiás em direção às minas de ouro em Villa Bôa (hoje Goiás Velho). Seu desbravamento já vinha de um período anterior à abertura do Caminho dos Goyazes pelo bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera II, na segunda década do século XVIII’. ‘É possível que esse caminho tenha sido uma picada feita pelos índios Kayapós, primeiros habitantes desta região. Mas, a partir de Anhangüera II, começa a ser desbravada, florescendo os pousos, primeiros núcleos populacionais criados ao longo da Estrada dos Goyazes’5. ‘O Bandeirante conquistou o território, mas não o povoou, abriu pequenas clareiras, pousos de parada que davam sustento, amparo e apoio aos viandantes e mineradores que passavam pelo Sertão do Rio Pardo’. A maioria dos pousos surgiram em sesmarias abandonadas ou em terrenos ainda não requeridos pois a maior parte dos sesmeiros acabou por não se fixar no 'sertão desconhecido' até o inicio do século XIX. (Lages, 1995, p.23-9) 5 Considerando a saída por São Paulo até Goiás Velho, o traçado da estrada era em linha reta: São Paulo, Judaí, Campinas, Mogi-Mirim, região de Mocóca, Casa Branca, Tambaú, perto de São Simão, Cajuru, Altinópolis, Batatais e Franca. Ribeirão Preto era sertão bruto, sem nenhum habitante e fora da rota de Estrada. 156 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 ‘Com a descoberta do ouro de Goiás por Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhangüera II, em 1722, houve uma valorização dessa estrada. No período seguinte à descoberta do ouro, uma distribuição de sesmarias ao longo dela’. Nos pousos viviam os descendentes dos bandeirantes, pardos e índios segundo Chiachiri Filho (1986, p.17), brasilíndios ou mamelucos segundo Darci Ribeiro (1995, p.106). Esta primeira fase do povoamento do Sertão do Rio Pardo foi uma realização inteiramente paulista. (Chiachiri Filho,1986, p.32) ‘São Paulo foi uma capitania que deu muito de si. Ela foi se abrindo para o pais todo6 e se despovoando. Refazia sua população com índios que preava no sertão para substituir os que morriam nas bandeiras, no cultivo das roças e no estafante serviço de carregar as cargas nos ombros entre São Paulo e Cubatão através da Serra do Mar. Os paulistas capturavam índios pare cultivar suas roças cujos produtos vendiam nos pousos aos viandantes, e mesmo vendê-los a outras capitanias como Rio de Janeiro e Bahia’. Esse foi um período de relativa importância para a capitania de São Paulo, tendo em vista que durante toda a história colonial ocupa o centro do sistema de comunicações do planalto. Todos os caminhos fluviais ou terrestres que cortam o território paulista vão dar nele e nele se articulam. O contato entre as diferentes regiões povoadas e colonizadas se faz necessariamente pela capital. (Prado Jr., 1972, p.104) ‘Com a descoberta das minas de ouro, o paulista foi deixando de ser um preador de índios, pare se transformar em garimpeiro. Ao se tornar garimpeiro, foi se fixando nos garimpos de Minas, Goiás e Cuiabá. Com isso São Paulo sofreu um esvaziamento’. ‘São Paulo conservou sua relevância enquanto as estradas para atingir as regiões das minas, passavam pela capitania bandeirante. O porto de Santos dava acesso às minas por São Paulo, Guarulhos, Camanducáia. Ao passo que do Rio de Janeiro, 6 “As três maiores estradas no Brasil Colônia eram, respectivamente, Estrada dos Goyases que ligava São Paulo a Villa Bôa de Goiás, a do Vale do Paraíba que atingia Minas Gerais e a de Sorocaba que ia ao Paraná e Rio Grande do Sul. Mas a Estrada de trânsito fácil era a dos Goyases em função dos aclives e declives pouco mais suaves que possibilitavam o trânsito dos carros de bois, poupando o transporte por tropas de muares”. (Prado Jr., 1972, p.101-7). Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 157 para chegar às minas, passava por Parati e de lá, por Cruzeiro ou Taubaté. Em 1702, por deterrninação do governador Artur de Sá Menezes, Garcia Rodrigues Pais, filho de Fernão Dias Paes Leme, abriu a Estrada dos Cataguazes, ligando Vila Rica diretamente ao Rio de Janeiro. Então, todo o transito deslocou-se para o Rio de Janeiro, que foi elevado a capital do Brasil Colonial’. ‘O Brasil rico daquele tempo era a região mineira de Villa Rica, Sabará, Barbacena e adjacências’. ‘Bobadela, Governador Geral, que segundo a tradição, tinha muita raiva dos paulistas, fez abrir a estrada de Vila Rica a Goiás, esvaziando de vez a importância de São Paulo. O esvaziamento de São Paulo levou a um desinteresse pela Estrada do Anhangüera e portanto da nossa região, que mal nascia’. ‘Em razão desse abandono das estradas paulistas, o interesse por doações de sesmarias ao longo dessa estrada cessaram por volta de 1730. Alguns sesmeiros daquela época, participantes da bandeira do Anhangüera obtiveram, a título de compensação das despesas e pelo benefício que trouxeram à coroa portuguesa com a descoberta do ouro, o privilégio da cobrança de passagem nos rios cortados pela estrada. Descendentes de alguns deles, como os Nunes da Silva do Calção de Couro (Ituverava), os Barbosa Magalhães, entre Cajuru e Mocóca, ainda lá permanecem’. ‘Porém, com esse esvaziamento, a Capitania de São Paulo perdeu de tal forma a sua importância, que foi anexada ao Rio de Janeiro, em 1748. Em 1750, o Tratado de Madri, praticamente revogou o Tratado de Tordesilhas e definiu, mais ou menos, a figura territorial que o Brasil tem hoje. Isso, como resultado dos esforços dos bandeirantes no sul e dos canoeiros paraenses no norte. A eles devemos as bases territoriais do Tratado’. ‘Nessa época, ascendeu ao governo de Portugal, como Primeiro Ministro de D. José I, o Marquês de Pombal. O marquês imprimiu um dinamismo novo ao governo português. Para o Brasil, mandou homens da administração portuguesa de primeiro plano. Deu novas perspectives ao desenvolvimento colonial’’. ‘Com a restauração da Capitania de São Paulo em 1765, enviou Dom Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, militar e nobre português, que governou a Capitania de 1765 a 1775. O Morgado buscou reforçar São Paulo, frente a 158 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 ameaça castelhana. Os paulistas eram vistos por Portugal, como os melhores sentinelas da fronteira sul e portanto do Tratado de Madri. Tratado mais tarde, alterado pelo Tratado de Santo Idelfonso, em 1777. Neste período, começam a ser dirimidas as dúvidas, com relação às fronteiras brasileiras’. ‘O direito de posse, uti-possidetis, defendido por Alexandre de Gusmão desde 1720, foi formalmente reconhecido no Tratado de Madri. Daí em diante, cabia ocupar as terras pare firmar a posse. O direito à terra cabia a quem estivesse na posse. Grande influência teve este enunciado no movimento para o Oeste brasileiro. É preciso lembrar que o Meridiano de Tordesilhas passava pouco para lá de Barretos’. ‘O Morgado de Mateus tomou uma série de medidas para o desenvolvimento da Capitania de São Paulo: criou novas vilas, procurou concentrar as populações nas cidades e fortalecer a capitania com indústrias. Foi ele quem reanimou o cultivo da canade-açúcar. Cultivo, que apesar de ter tido o seu primeiro engenho em São Vicente não conseguiu manter-se frente a concorrência dos engenhos de Pernambuco. Lá, não só as terras eram mais férteis como a proximidade com a Europa valorizava o produto. Ainda mais naquele tempo do navio a vela quando a distancia era condição "sine qua non" para essa valorização’. ‘Morgado de Mateus restabeleceu o cultivo da cana em Capivarí, Itu e redondeza. O açúcar deu nova força ao desenvolvimento, criando outros interesses econômicos, juntamente com o comércio de tropas de mulas trazidas do Sul. E posteriormente, trouxe também benefícios à região norte/nordeste da Capitania de São Paulo, tanto como produtora de alimentos como de gado de corte e de trabalho’. ‘Na mesma época, as minas de ouro de Minas Gerais, entravam em decadência. As de Goiás e Mato Grosso, já de muito haviam decaído. Para se dar o justo valor ao que representou a mineração de ouro em Minas, basta dizer que lá se extraiu mais ouro que em todas as minas das três Américas juntas, excluídas as da Califórnia. O ouro brasileiro financiou a industrialização inglesa’. ‘Os ingleses, de certa maneira, garantiam a existência do império português depois da restauração da independência de Portugal da Espanha. Portugal tornou-se quase um protetorado Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 159 inglês com o Tratado de Methuen. O ouro brasileiro ia para a Inglaterra via Portugal, conforme a dependência econômica e política da época’. ‘A situação gerada pela decadência das minas de ouro agravou-se com a proibição portuguesa sobre a industrialização brasileira. A industrialização nasce naturalmente da atividade urbana. Um engenhosinho, uma cerâmica, uma tecelagem, uma fábrica de bebidas, e assim por diante ela vai nascendo. É própria da vida urbana’. ‘Com a morte de D. José em 1775, subiu ao trono português D. Maria I, a Louca, que proibiu peremptoriamente a industrialização através de leis e medidas de força. Toscas industrias, que se esboçavam, foram quebradas por soldados’. Darci Ribeiro comenta sobre isso, dizendo que houve uma ruralização em uma população citadina ...com a decadência da mineração, toda área submerge numa economia de pobreza com regressão cultural resultante. Os mineradores se fazem sitiantes... O artesanato local de roupas rústicas e de utensílios, volta a ganhar terreno e com ele, uma economia autárquica para subsistência Todavia, a presença de contingentes europeus e africanos integrados à sociedade mineira permite explorar algumas técnicas, como a fundição do ferro, a edificação, a carpintaria fina, a indústria de panos, bem como certo grau de erudição livresca que impediriam a sociedade mineira decadente de regredir à rusticidade do tronco paulista Com efeito, somente a industrialização poderia abrir novos horizontes de ocupação produtiva aos capitais acumulados, e sobretudo, à massa antes engajada na mineração, que estiola agora nas cidades decadentes e nos campos paupérrimos... O obstáculo fundamental à realização desse desígnio residia numa proibição expressa. Efetivamente, as tentativas mineiras de instalar fábricas toscas pareceram à Coroa tão atentatórias aos seus interesses que sodas elas foram destruídas pelas tropas coloniais e se dispôs, em 1785, que jamais se tornassem a levantar... Antigos mineradores e negociantes se transformaram em fazendeiros; artesãos e empregados se fazem posseiros de glebas devolutas. Citadinos ruralizados espalham-se pelos matos, selecionando as terras já não pela riqueza aurífera, mas por suas qualidades para moradia e cultivo. Fazem-se roceiros de lavouras de subsistência, criadores de gado, de cavalos, de burros e de porcos, espraiando-se pelas vastidões dos vales que descem e se abrem das serranias onde se explorava o ouro. (1995, p.380-2) Complementa seu raciocínio dizendo 160 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 O único recurso com que conta essa economia decadente são as enormes disponibilidades de mão de obra desocupada e de terras virgens despovoadas e desprovidas de qualquer valor, que os mais abonados obtêm por concessão em enormes sesmarias e os mais pobres e imprevidentes apenas ocupam como posseiros. (p.383) ‘A sociedade que existia em Minas não era rural. Mineração não é uma atividade agrícola. Não que não existisse roça ou gado, mas a peça principal que movia tudo era o ouro, sua mineração e seu comércio. Nem à agricultura, nem à pecuária, embora elas fossem aos poucos crescendo em volta das cidades, devia-se a vida do país. Mas, ao ouro’. ‘E foi também para o Sertão do Rio Pardo, Caminho dos Goyazes, que se dirigiram esses mineiros7, em grande massa migratória, buscando terras férteis e boas pastagens. Como explica Chiachiri Filho Sertão era o oposto dos arraiais, das vilas, dos núcleos urbanos. Era um deserto: deserto de homens. Território vasto e hostil onde só penetravam os ousados e fugitivos. A civilização parava à sua entrada. Dai para frente eram a 'gentilidade bárbara as feras, as matas, os perigos, o isolamento, a vida selvagem dos trópicos resguardada em sua autonomia O Sertão também era liberdade: a justiça, a administração, o fisco, raramente rompiam suas fronteiras à cata de criminosos e extraviadores que nele se escondiam. Neste Sertão as convenções urbanas perdiam o conteúdo e não havia lugar para as regras de etiqueta. Rude e áspero deveria ser o desbravador, pois rude e áspera era a terra que iria conquistar. (1986, p.40) ‘’Com a proibição formal da industrialização e o escasseamento do ouro, as populações buscaram na vida rural a solução. Começaram então a se esparramar, a se dispersar num "movimento demográfico centrífugo", como diz Caio Prado Jr. (1953, p.69-78). Foram se esparramando, se dispersando até saírem de Minas. Foram para o Norte do Rio de Janeiro, o Sudeste de Minas (Leopoldina), o vale do Paraíba, Goiás e o Nordeste de São Paulo, nossa região. Foram se dispersando em busca de subsistência’. ‘Praticavam então a cultura de coivara, herdada do índio através do bandeirante. Derrubavam o mato, queimavam, juntavam a galhada que levava o nome de coivara, e depois 7 Designados por Chiachiri Filho (1986) e Brioschi (1991) de ‘entrantes’, por Prado Jr. (1953) de ‘generalistas’. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 161 plantavam nas cinzas da queimada. Usavam poucas ferramentas, machado, faca, foice e para plantar, o enxadão ou um pau de ponta chamado saraquá pelos guaranis. Plantavam milho, arroz, abóbora, um pouco de algodão, um pouco de cana para fazer rapadura e pinga’. ‘Nisto limitava-se a agricultura da época. Como desconheciam o uso do arado, as terras iam endurecendo, criando mato maninho. Eles então abandonavam aquela derrubada por outra. Um pouco mais adiante, derrubavam outro pedaço de mato. Quer dizer, iam mudando de lugar, caminhando com essa agricultura itinerante de subsistência8. ‘Em Minas, cresceu a criação de gado, mais interessante que a roça. Naquele tempo, não haviam estradas e o gado caminhava por suas próprias pernas até o mercado. Eram 30, 40, 50 dias de marcha. Muitas léguas de distancia. Assim foi se desenvolvendo a pecuária. Esses "entrantes", como eram chamados os mineiros que para cá vierarn, herdaram este sistema de cultura dos bandeirantes que por sua vez, haviam herdado dos índios beneficiando-se assim tanto do deu conhecimento quanto de sua convivência’. ‘Os emboabas, portugueses que vieram atraídos pelo ouro, superaram os bandeirantes em número e capacidade empreendedora. Aderiram também a este sistema de viver mameluco. Assimilaram usos e costumes, tais como não enrolar criança recém nascida, cultivar mandioca, cultivar produtos da terra, derrubar a mata no sistema de coivara e caminhar, de derrubada em derrubada, como o mameluco fazia’. ‘Desta simbiose bandeirante-emboaba, nasceu o entrante’. ‘A procura de terras determinou a marcha para o Oeste, cada vez para mais longe, em busca de expansão. Ainda não se apurou, se houve atrás, um impulso do governo português. Mas a verdade é que o Brasil tinha que ser povoado e o "uti- possidetis" garantido’. ‘As sesmarias, ao contrário do que pregam alguns, continham uma série de exigências, cláusulas sociais, como se diz hoje, que obrigavam o sesmeiro a plantar, a cultivar, e a preservar 8 A referência à trajetória histórica é pertinente ao Norte/Nordeste do Estado de São Paulo, de Minas para a região de Ribeirão Preto. O resto do Brasil tem outras formações. 162 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 algumas árvores de Lei. Daí o nome, madeira de Lei. Exigiam também que cultivassem um tanto e respeitassem os posseiros existentes na gleba. Nem sempre essas obrigações e direitos eram respeitadas, porque o governo era ausente e distante. O governo estava lá em Lisboa, um pouquinho presente no litoral, mas firme na cobrança dos quintos do ouro e das pedras preciosas. O resto era por conta de quem podia mais’. Na realidade, nada interessava senão o quinto: que fosse pago, por bem ou a força; tudo mais não tinha importância Os mineiros que se arranjassem lá com fosse possível; porque em caso contrário havia as derramas, os confiscos, as masmorras do Limoeiro ou as deportações para a costa da África Mas com derramas e tudo, o quinto foi minguando; e durante meio século em que seu rendimento baixou em Minas Gerais de 118 arrobas em 1754, máximo percebido, para 35 apenas, exatamente cinqüenta anos depois, não ocorreu sequer uma só vez à administração outra explicação que a fraude. Donde a violência que todos conhecem. Afinal, quando a indústria mineradora da colônia era uma ruína, e sobre seus escombros gemia uma população empobrecida cuja miséria flagrante não podia mais iludir ninguém, nem a miopia da administração, nem a inconsciência do ganancioso fisco, veio a reforma Em 1803 tenta-se introduzir na gestão da matéria um pouco de competência, os abusos mais escandalosos foram aparados; até o quinto se reduziu ao décimo. Mas já se chegara a um tal ponto de degradação, que tudo se torna inútil Não foi possível corrigir os abusos e nem ao menos se encontraram pessoas capazes de introduzir as reformas... não foi possível vencer a resistência passiva de uma burocracia comodamente refastelada em seus privilégios, e se fazendo de mau entendedor a quaisquer projetos que viessem ameaçar-lhe as posições. Cinco anos depois de promulgado, e quando ainda nem se ensaiara de executá-lo, o alvará de 1803 é revogado, e tudo ficou como dantes. (Prado Jr., 1953, p.172-3) ‘Os entrantes foram migrando de Minas Gerais para as regiões limítrofes. Na nossa região, entraram a povoar a região de Franca e São Simão. São Paulo, dizia o Morgado de Mateus, "é escasso de gente". O primitivo povoamento de São Paulo, limitava-se ao Planalto de Piratininga, a algumas cidades do Vale do Paraíba, algumas no caminho de Curitiba, Itu e o litoral. Configurava a região dos bandeirantes e de onde eles partiram, São Paulo, Taubaté, Sorocaba, Paranaíba, Itu’. ‘Os bandeirantes não visavam o povoamento e sim a preação de índios e mais tarde, as minas de ouro. Eles tinham o Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 163 sentido de explorar e não o de povoar. Minas povoou-se em função do ouro. Vila Rica chegou a ter 40 mil habitantes no Brasil Colônia. Os limites da Capitania de São Paulo - de Cruzeiro passava por Caxambu, descia o rio Sapucaí-Guaçú, e pelo rio Grande abaixo. Aos poucos os paulistas foram sendo empurrados pelos mineiros’. ‘O conde de Bobadela, determinou a Tomas Rubim Barreto (ouvidor da Comarca do Rio das Mortes em 1749), que traçasse a divisa bem mais a Oeste, pelo morro do Lobo, perto de Atibáia’. Desde o último quartel do século XVIII, esta corrente demográfica que se encaminha para o sul da capitania (Minas Gerais), ultrapassa-lhe os limites e invade São Paulo. A longa questão das divisas entre as duas capitanias, provincial, e ainda como estados, só resolvida definitivamente em 1936, tem aí sua origem...Esta penetração da capitania de São Paulo por colonos de Minas, então em início, se acentuaria para o futuro, quase todos os núcleos povoados desta região, e formados na primeira metade do século XlX são de origem mineira: Franca, Ribeirão Preto, São Simão, Descalvado, São João da Boa Vista e outros. (Prado Jr., 1953, p.72-73) ‘Na época, em que aqui começaram a chegar, os mineiros queriam a divisa no rio Pardo. Daí a importância da elevação de Franca à Vila pelo general Antônio José da Franca e Horta. Franca tornou-se uma espécie de sentinela, garantindo os direitos do paulista’. ‘Estendeu-se então a ocupação da nossa região, tendo por base a pecuária. O principal povoado foi Franca, seguido de Batatais, Caconde, São Simão, Casa Branca. Os entrantes atravessaram o rio Sapucaí e depois o rio Pardo. Em Ribeirão Preto a penetração foi iniciada de Batatais, por José Dias Campos. Foi ele o primeiro posseiro onde hoje está a cidade. Posteriormente, chegou outro posseiro, Reis de Araújo. A origem de Ribeirão Preto deriva da dispute entre os Dias Campos e os Reis de Araújo’. ‘Esses entrantes vêm chegando à região desde 1800. Deles descendem muitas famílias da nossa região, os Junqueira, que chegaram em Morro Agudo em 1812, os Pereira Lima em 1818, os Figueiredo em 1810. O impressionante é que em 1780 quase não havia ninguém ao longo da estrada do Anhangüera. Os Nunes da Silva por exemplo, são dos poucos que figuraram no censo de 1775. Mas, de repente, em poucos anos, 1820 a 30, a 164 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 região estava ocupada, com fazendas maiores ou menores, de todo tamanho e jeito’. ‘As terras ocupadas tinham dono, por título (originados das sesmarias), herança, compra ou posse. Mas ainda não podiam ser consideradas povoadas porque poderia ser entendido por uma densidade maior da população, o que não existia na época. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer a realidade econômica do período Colonial. Uma agricultura precária de subsistência, uma pecuária de criatório e um mercado de consumo longínquo’. ‘Região de solo diábase, terra vermelha, com predominância vegetal de campos nativos e cerrados. Apenas cerca de 30% da região era coberta de mata, o resto era cerrado e campo. A pecuária desenvolveu-se nestes campos e cerrados’. ‘As cidades mais importantes, nascidas naquela época, foram Franca, Batatais, São Simão, Caconde (que também teve mineração de ouro), Mocóca, Casa Branca e Araraquara, já do outro lado do Mogi. O local da Ribeirão Preto de hoje, por sua situação geográfica, ficava à margem da rota e foi povoada mais no fim do século XIX’9. ‘A confluência dos rios Mogi-Guaçu e Pardo, e as matas do Guatapará, dificultavam a passagem para quem seguia para o Norte (Minas e Goiás). Ao passo que o espigão a direita do rio Pardo, de campos e cerrados, sem obstáculos, não causavam maiores dificuldades. De Mogi Mirim, Casa Branca, Batatais, Franca, Ituverava (antiga Carmo), o viajante chegava ao Porto da Espinha por onde passara Bartolomeu Bueno. Ou então de Batatais, passando por Nuporanga (antigo Espirito Santo de Batatais), Ipuã (antiga Santana dos Olhos D'Água), chegava ao Porto dos Antunes no rio Grande. Havia uma trilha margeando o rio Mogi até o pontal dos dois rios’. ‘Antônio de Almeida Prado10, escreveu um livro de memórias, “Crônicas de Outrora”, onde faz uma análise rápida dos modismos do falar de paulistas e mineiros. Os mineiros falam com o "u" fechado, fuguete, fugão e nós paulistas falamos com "o". E enxurrada, que se pronuncia com "u", os mineiros pronunciam 9 Ribeirão Preto tornou-se freguesia em 1870; em1871, vila; e só integrou-se ao mercado de café em 1883. 10 Tio e Padrinho do entrevistado. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 165 com "o", enxorrada. São em modismos como estes, que a gente sente a origem mineira’. (Almeida Prado, A., 1963, p.53-5) ‘Foi feito um levantamento do gado da região, a partir de 1825. Tratava-se da atividade econômica mais importante na época. O levantamento acusou mais de 30 mil cabeças na região. Esse documento (Brioschi, l991,p.69 a 230) registra o nome e sobrenome de quase todos que viviam por aqui. Sobrenomes que confirmam a origem mineira do nosso povoamento’. A chegada do café ‘O café começou a ser cultivado em nossa região, por volta de 1870. São Simão foi a Meca do café por muitos anos, até ser suplantado por Ribeirão Preto, a partir de 1883. Os fazendeiros fluminenses e paulistas do Vale do Paraíba, figuram entre os principais introdutores da cultura do cafeeiro, nas terras roxas de São Simão’. Numa reportagem publicada no jornal 'A Província de São Paulo' em 1877, Martinho Prado Júnior ressalta a importância e a precedência dos filões de diabásio nas terras roxas de Ribeirão Preto e revela seu valor aos plantadores de café. Ele próprio tendo adquirido um domínio de 6.000 alqueires, organizou a fazenda Guatapará, que contava com 1.767.000 pés de café. (Monbeig: 1984,p.140-141) ‘Introduzido no Amazonas por Melo Palheta, o café chegou ao Rio Janeiro, dobrou a Serra da Mantiqueira para Minas Gerais e subindo o Vale do Paraíba, chegou ao planalto paulista onde encontrou o seu "habitat" preferido. O café teve uma importância enorme, durante o Império, no Rio de Janeiro. Foi o esteio da riqueza do Brasil Imperial’. O grande cenário geográfico das lavouras cafeeiras será os largos espaços do planalto paulista, situados mais para o interior e afastados do litoral, e que além de sua favorável topograf a, apresentariam solos da mais alta qualidade, em particular a famosa terra roxa. (Prado Jr., 1989, p.88-89) ‘O café encontrava nas terras virgens das matas derrubadas o seu sucesso. A agricultura, daquela época era empírica, não usava adubo, valia-se da fertilidade natural do solo. O Rio de Janeiro era montanhoso e em 50 anos a erosão destruiu a fertilidade de seu solo. As fazendas fluminenses, cujo esplendor enfeitou o Império, faliram com a erosão provocada pela chuva 166 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 nos cafezais plantados de morro abaixo. O famoso Breves, português que chegou a ter 2.000 escravos e milhões de pés de café em Vassouras, antes de morrer estava na miséria. O café no Rio de Janeiro começa com D. Pedro I, chega ao seu auge com D. Pedro II, e agoniza com o Império’. ‘As populações punham muita esperança na riqueza e progresso que o plantio do café traria. A Câmara de Franca, por volta de 1850, votou Leis buscando obrigar os fazendeiros a plantarem cafezais, sem sequer levar em conta o custo do carreto. O transporte feito no lombo dos burros, não comportava a despesa e a lei não teve efeito’. ‘As regiões litorâneas exportavam café através dos portos de Ubatuba, São Sebastião, Parati. Lá, a proximidade dos portos possibilitava o transporte em lombo de burro. O interior teve de esperar a chegada das estradas de ferro, que se deu depois da segunda metade do século passado. A riqueza trazida pelo café despertou o interesse dos ingleses pela estrada de ferro Santos/ Jundiaí’. O que permitirá acesso... de lavouras rentáveis e a custos sem paralelo em qualquer outro lugar (que foi o que assegurou o quase monopólio brasileiro, mais especificamente paulista), serão as estradas de ferro. A expansão cafeeira que marcará em todo centro- sul do país, particularmente em São Paulo, o avanço e instalação do povoamento, essa expansão se ligará de tal forma ao traçado das ferrovias (ou antes o inverso, pois são as ferrovias que acompanham a expansão), que as diferentes zonas em que se dividirá a Província serão batizadas com o nome das linhas de estrada de ferro que as percorrem, nomes que conservarão até hoje: Paulista, Mogiana, Alta Paulista, Sorocabana, Noroeste, etc. (Prado Jr., 1989, p.89) Em nossa região, a lavoura cafeeira, em 1873, dava os primeiros passos na então Vila de Batatais. Somente na última década do século XIX é que o café passou a ter um papel significativo na economia da região. Em 1886, os trilhos da Cia. Mogiana alcançaram Batatais e estimularam o crescimento da lavoura cafeeira, barateando o frete e revolucionando o sistema de transportes. Sem dúvida, o advento do café provocará uma série de alterações na realidade sócio-econômica da região. Dentre essas mudanças destaca-se a de ordem demográfica Além da corrente migratória de Minas Gerais que, ao longo do tempo atenua-se mas não cessa, recebeu o antigo Sertão do rio Pardo os migrantes fluminenses, paulistas, nordestinos e os imigrantes europeus, especialmente os italianos. (Brioschi, l991,p.53). Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 167 As mudanças ‘A década de 1885 a 1895 é crucial na História do Brasil. Muda o regime de trabalho com a abolição da escravatura e o regime político com a proclamação da República. O café sobe pare o planalto levando riqueza. A estrada de ferro substitui as tropas de mulas. A derrubada definitiva da mata para uma cultura permanente do café, muda o panorama do País. Muda a etnia com a imigração européia (principalmente do Espírito Santo pare o Sul). Precisamos lembrar que até então éramos uma nação luso-africana. É uma nova era na vida Nacional’. ‘Os historiadores platinos denominam o tempo histórico que vai da Independência à intensificação da imigração européia, período que na nossa História corresponde ao Império, de "período criollo": o fim do domínio europeu (1810) à retomada da América pelos imigrantes, mais ou menos em 1880. São os Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marques, que marcaram o caráter de nossa sociedade’. ‘Estes anos de isolamento político plasmaram o sulamericano, a ponto dele poder influir, com sua cultura rude, o imigrante que chegava. Nenhum imigrante, europeu ou asiático, continuou sendo europeu ou asiático, nacionalizou-se. Os imigrantes, que aqui chegaram, da mesma forma que modificaram os costumes nacionais, também foram modificados por eles’. A chegada dos imigrantes ‘Com a proibição do tráfico em 1852, começou a se esboçar um novo interesse pela imigração de trabalhadores europeus. Em 1885 esse movimento se intensifica e começam a chegar os imigrantes em grande número: italianos, portugueses, espanhóis, alemães, austríacos. O maior número era de italianos. Grande parte dos italianos eram cidadãos austríacos, porque, naquele tempo, o Norte da Itália pertencia a Áustria e além disso, a mãe do nosso imperador era austríaca, o que enfatizava a afinidade preferencial por essa imigração. Organizou-se uma corrente imigratória européia. Nessa ocasião, aqui no Brasil, votaram-se Leis de incentivo à imigração. O Conselheiro Antonio Prado, paulista, Ministro da Agricultura e Indústria do fim do Império, contribuiu muito para o sucesso desse processo’. A partir de princípios do século passado, mais precisamente desde a transferencia para o Brasil da corte e do governo 168 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 português, entra em cena um novo fator que contribuirá consideravelmente não só para o povoamento do Brasil, mas para grandes transformações de ordem econômica e social. É a corrente imigratória européia cujo afluxo e fixação no país são provocados e estimulados deliberadamente, ou por uma política oficial de povoamento, ou por iniciativa de interesses particulares... esta corrente povoadora,... modificaria tão profundamente o aspecto e as condições de vida de algumas das mais importantes regiões do Brasil. (Prado Jr.,1972, p.234)... A imigração européia não foi assim entre nós fato espontaneo e natural, como aquela que se verificou nos Estados Unidos. Aqui ela foi provocada, estimulada, planificada e deliberadamente promovida. E até mesmo, em boa parte subvencionada, pagando-se a passagem e demais despesas dos imigrantes desde seu lugar de origem, embora fosse nalguma perdida aldeia dos Apeninos, até as fazendas. (Prado Jr., 1989, p.101) ‘Cordeiro de Faria, Interventor Federal do Rio Grande do Sul com a Revolução de 1930, publicou um artigo muito bem feito comparando a imigração no Estado de São Paulo e no Rio Grande do Sul. Ele dizia que a imigração européia iniciada em 1820, no Vale do rio Sino no Rio Grande do Sul, não teve o mesmo sucesso que em São Paulo, porque eles não se mesclaram com o gaúcho. O gaúcho vivia na fronteira campeando, tomando chimarrão, guerreando os orientais11. Os imigrantes ficavam na serra, isolados. Haviam colônias que não sabiam falar o português. Aprenderam "a muque" com a revolução de 1930, quando o próprio Cordeiro de Faria mandou fechar as escolas alemãs e obrigou a falar o português’. ‘Aqui não. Aqui o imigrante já encontrou uma rede de estradas, de fazendas, de plantações de café em andamento, e entrou na estrutura regional que já existia. Com sua energia, revigorou tremendamente esta estrutura, deu outro desempenho, outra grandeza. Ao mesmo tempo, assimilaram com os costumes da terra. Esta é a razão da inexistência de quistos raciais. Não temos quisto racial. O intercâmbio cultural entre os recém chegados e os antigos moradores (descendentes dos bandeirantes e emboabas) criou uma nova versão cultural. Não podemos confundir orgulho cultural, conquistas raciais, saudosismo, nostalgia de velhos costumes perdidos. São positivos, quisto racial não’. 11 Os uruguaios eram denominados orientais em contra posição aos argentinos que ocupavam a margem ocidental do Rio da Prata. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 169 ‘Os sobrenomes da Lista Telefônica ou estampados nas portas de consultórios, escritórios e lojas de Ribeirão Preto é o maior exemplo de miscigenação. Espelham uma verdadeira salada mista de sobrenomes’. ‘O quisto existe quando uma população se sente como um estranho no ninho, desamparada, sem convivência. No caso do Rio Grande do Sul, o imigrante foi encaminhado para a região serrana. Ele recebia um sítio, uma vaca, um machado e uma gleba com árvores que ele nunca tinha visto tão grandes. O vizinho que era igual a ele, também não tinha ninguém. O pastor ensinava a rezar em alemão e o professor, mantido por eles, a escrever em alemão. Passaram de duas a três gerações só falando alemão. Com os católicos alemães ou de outras origens como italianos e poloneses, não era diferente’. ‘Aqui não. Já nos primeiros anos da imigração estrangeira, surgiram paródias descrevendo a mixórdia da língua. Meio português, meio italiano. Além do mais, integraram-se a uma sociedade com dinâmica própria. Ao contrário do que dizem alguns, não havia rejeição ao imigrante e nem impedimento para adquirir terras. À medida em que iam ganhando dinheiro, foram comprando. Já em 1900, os sobrenomes de origem não portuguesa, eram expressivos no rol dos proprietários, urbanos e rurais. O café foi o grande responsável por este sucesso de integração do imigrante à sociedade brasileira, e Ribeirão Preto é o melhor exemplo’. ‘A existência anterior de uma organização econômica, social e política capaz de receber e absorver o imigrante, tem a fazenda de café o seu verdadeiro esteio’. ‘No meio rural, o imigrante veio para ocupar o espaço provocado pela abolição da escravatura. Veio, principalmente, como mão de obra rural para as fazendas de café’. ‘De certo modo, São Paulo é um estado republicano. Durante o Império, teve uma expressão econômica e política, muito pequena. Estava colocado entre o 8° ou 9° estado do Brasil em importância econômica. Na frente dele vinham Rio de Janeiro, Minas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e outros estados’. ‘São Paulo, grimpado em cima da Serra de Paranapiacaba, tinha na rampa de Cubatão a Santo André o grande empecilho de seu progresso. A zona de São Paulo que primeiro progrediu foi a 170 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 do Vale do Paraíba que na realidade era uma extensão do Rio de Janeiro. O renascimento do estado paulista começa com a administração do Morgado de Mateus (1765/75) pare cá. O café vem na frente, criando condições econômicas para a linha de trem ser puxada. Com o café, o progresso sobe a serra’. ‘Acompanhado pelos trilhos do trem, o café chega a São Simão, e de lá a Ribeirão Preto. Na primeira fase do café, São Simão foi a pioneira na região. Por São Simão era conhecida a nova zona cafeeira, erroneamente chamada de Oeste Paulista’. ‘Houve uma fase, na década de 1920, em que se procurou industrializar a região, com indústria de base, aproveitando a capitalização gerada pelo café. A iniciativa importante na época foi a fundação de uma metalúrgica em Ribeirão Preto. Até hoje são vistos, no bairro do Tanquinho, a imponência de suas construções, hoje ocupadas pela indústria Penha. A estrutura de ferro dos prédios, foi fundida em Ribeirão Preto por seu idealizador, o engenheiro Uchôa (Plínio Mendonça Uchôa, alagoano, casado com uma Silva Prado e o irmão, com uma Junqueira). Eram pessoas importantes e levantaram o capital da Metalúrgica entre os grandes fazendeiros da região de Ribeirão Preto’. Sobre a posse e posterior processo de discriminação de terras ‘A Ação Discriminatória de Terras e seu processo, visavam determinar quais os legítimos donos de uma gleba de terra, determinar a área de cada um e legitimar a situação existente’. ‘Os processos de discriminação que nascem depois de 1850, por efeito da Lei de Terra são muito interessantes. Aparece a figura do juiz, que 'tomava aposento', ficava 'aposentado' em uma das fazendas, com o intuito de verificar a documentação que as pessoas tinham sobre a ocupação da terra. Às vezes, o documento limitava-se a um simples bilhete, outras vezes era uma declaração feita de próprio punho pelo declarante’. ‘Um exemplo pare o qual chamo a atenção é o Processo da fazenda São Joaquim (Brioschi, l991,p.144-53), arquivado em Batatais. Tratava-se de uma grande área que começou a ser vendida em 1820. No correr dos anos, um foi vendendo ou comprando do outro. Com a Lei de Terras de 1852, os posseiros e Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 171 proprietários, trataram de legitimar a situação. O Processo levou 20 anos e repartiu a gleba em 70 e tantos sítios e fazendas. As alegações de posse iam de simples declarações testemunhadas, Cartas de Venda, a Escrituras passadas em Cartório’. ‘A Lei das Sesmarias (portuguesa), que fazia certas exigências e obrigações, foi revogada com a Independência, em 1822. A Lei de Terras só foi promulgada em 1850 e posta em vigor em 1852. Portanto, ficamos 30 anos sem nenhuma Lei que disciplinasse o Direito da Terra, por 30 anos! As pessoas tomavam posse de qualquer jeito. Com a lei de 1850, o governo tentou acabar com o regime de posse criando a exigência de licitação para as Terras Devolutas’. todo século XVIII, não foram suficientes para a conquista do 'Belo Sertão'. Muitas das sesmarias concedidas não passaram pelo processo de demarcação e, abandonadas, acabaram permanecendo como terras devolutas. (Brioschi, 1991, p.43) ‘Com a nova exigência as terras em poder do Estado tinham que ser adquiridas mediante licitação pública, etc. A nova Lei resguardou tudo quanto já havia sido feito antes. Mas esta foi uma Lei que não pegou, porque o Brasil era grande demais para ser administrado pela fraca estrutura imperial. Com a República, o Direito Fundiário foi revisto, passando seu domínio para os Estados como conseqüência do espírito federalista da Constituição de 1891’. ‘Cada Estado passou a ter uma política própria de terras e uma Lei Estadual regulando o assunto. No Estado de São Paulo, reconheceram-se as posses e seus posseiro por donos legítimos’. Com a Lei de Terras, a Igreja, ligada ao Estado, assumiu a obrigação dos registros, Registros Paroquiais de Terras. ... feito em função da lei n.601 de 18 de setembro de 1850, que resumidamente, confirmava as sesmarias e posses cultivadas ou com principio de cultural e morada habitual... os interessados deveriam fazer o devido registro de suas terras, declarando a forma de aquisição, amigos proprietários, localização, descrição de divisas e outras informações julgadas pertinentes. (Brioschi, 1991, p.70). ‘O vigário, que tinha por obrigação fazer o registro das pessoas, batismo, casamento e morte, passou também a cuidar do registro das terras depois de 1852. Estes registros eram vagos, quando muito designavam os Pontos Cardeais: do lado Sol, vizinho de Antônio, no poente João, ou então, as águas vertentes 172 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 e os espigões e assim por diante’. A descrição da fazenda Lambari (que estendia-se da atual Via Anhangüera em Orlândia, ao rio Pardo) em 1843, ilustra o exemplo: Uma fazenda denominada Lambari, que se compõe de matas virgens, capoeiras, campos de criar e serrados, suas divisas tem principio na barra do corrego das Areias e por este acima sempre divisando pelo veio dagua com a fazenda Agudo ate suas cabeceiras e daí entrando pela mata adentro o mesmo vai apanhar o espigão que verte águas para o córrego da Gameleira e Agudo e por este sempre divisando com o Agudo ate subir o serrado a divisar com a fazenda, Boa Vista e daí principiando a divisar com terras da fazenda Santa Barbara e findo este principia a divisar com terras da fazenda de Manoel Antunes Soares, ate subir o barranco do Rio Pardo e por este abaixo a fechar na barra das Areias que teve fim. (Brioschi, 1991, p.197). ‘O Dr. Oliveira Pimenta12 (obra póstuma prestes a ser lançada), descreveu bem essa época: os entrantes criavam o porco, o porco dava o toucinho, vendiam o toucinho e comiam os miúdos, criavam vaca, da vaca tiravam o leite, faziam queijo para vender, o boi não comiam, porque era para vender, e a terra, o latifúndio, o sem-dono Ihes deu’. ‘Para explicar melhor esta história, convém lembrar do Morgado de Mateus. Ele visava fortalecer a Capitania de São Paulo em 1765 para poder enfrentar os castelhanos. Dizia que os melhores combatentes dos espanhóis eram os paulistas por causa da tradição de lutas contra os jesuítas no Paraná. Tinham lutado no Rio Grande do Sul e na sustentação do forte de Iguatemi no Mato Grosso do Sul. Instituiu Listas dos Moradores. São Paulo é o único estado que tem recenseamento desde 1765, ou por aí. São muito curiosos esses documentos: o sujeito, fulano de tal, entrante, comprou tanto de sal, produziu tantos carros de milho, etc., etc. Relacionava a produção e mais ainda, a lista do vigário delatava o comportamento de cada um. Ficou registrado lá: fulano de tal, homem sério, sujeito correto; fulana de tal, mulher de vida livre; beltrano, sujeito desonesto; um fulano era fidalgo, outro ladrão, outro fascínora, bêbado. O padre fazia esta lista para 12 Médico em Caldas, Minas, falecido há mais de vinte anos. Escreveu sobre a história e a formação da região de Poços de Caldas, designado por ele de Planalto da Pedra Branca. Deixou uma obra Póstuma que foi enviada pela família ao Sr. Eduardo Dinis Junqueira para apreciação. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 173 saber quem era quem13. Constavam das informações, não só as riquezas e posses, mas o comportamento, o caráter das pessoas. O padre atendia no confessionário e informava ao governo. O confessionário não servia apenas para remissão dos pecados’. Do café à cana de açúcar ‘A crise da bolsa de Nova Iorque de 1929 teve reflexos mundiais. Aqui na nossa região, o café como produto mais importante, foi o mais atingido. Ele já acumulava um preço falsamente valorizado, fruto da política inaugurada no Convênio de Taubaté, que valorizava o produto através do empréstimo em ouro. O empréstimo buscava recursos para tirar o produto do mercado, diminuindo a oferta e assim, manter o preço artificialmente alto. Redundou numa dupla crise, a internacional e a do café valorizado’. ‘Porém, essa política de valorização não era apenas praticada no Brasil. Outros países faziam a mesma coisa com outros produtos. Os EE.UU mantinham os preços acima do mercado mundial, dando vazão à crise’. ‘Aqui em nossa região, houve um choque e um empobrecimento generalizado. Do dia para a noite, ricos fazendeiros viram-se na pobreza. Sob o ponto de vista fundiário, muitas fazendas foram postas à venda, e houve um retalhamento de propriedades. Muita gente que mantinha situação herdada, perdeu essa situação e deram lugar a outros. A sociedade como um todo, após o corre-corre econômico e financeiro causado pela quebradeira de muitos, acabou beneficiada. As falências são saneadoras’. ‘O que teve muita importância no interior de São Paulo, e amenizou os efeitos da crise foi o Plano de Fomento da Cultura do Algodão, do governo Armando Sales Oliveira, em 1934. Político progressista e inteligente, que governou São Paulo de 1934 a 1937 ( quando foi traído pelo golpe de Getúlio Vargas), através da 13 Chiachiri Filho encontrou no Arquivo Público da cidade de São Paulo, uma lista singular, única, sobre o registro do comportamento dos moradores do povoado de Franca. O governador João Augusto Oyenhausen em 1819 passou pelas cercanias, solicitou ao vigário Joaquim Martins Rodrigues que fizesse o levantamento da moral dos moradores, e ele fez. 174 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 Secretaria da Agricultura impulsionou a cultura do algodão, reanimando a economia do Estado’. ‘Firmas de beneficiamento européias e americanas, instalaram-se para comprar e exportar algodão. Na verdade, o algodão evitou que o Estado de São Paulo sofresse tão amargamente a crise’. ‘O algodão é uma planta anual e portanto de expansão rápida. Sales Oliveira criou campos de cooperação, a fim de estimular os próprios fazendeiros a produzirem a semente, sob a orientação da Secretaria da Agricultura introduziu novas variedades da planta e modernas práticas agrícolas de cultivo. O Plano foi de um sucesso extraordinário e de importância capital para nossa região. Além do mais, facilitou o aparecimento do pequeno agricultor independente, o meeiro, o arrendatário e o pequeno proprietário’. Sobre esse assunto, Monbeig (1984, p.291-293) esclarece: Dentre os fatores que contribuiram para o desenvolvimento do algodão em São Paulo, e especialmente na sua franja pioneira, há um que não pode ser subestimado: o trabalho de pesquisa a que se consagraram os cientistas do Instituto Agronômico de Campinas. A partir de 1923, começou a atividade de seu Serviço Especial de Estudos do Algodão... A finalidade principal dos pesquisadores de Campinas era melhorar a qualidade da fibra. A partir de 1930, em plena crise cafeeira, os serviços científicos do algodão estavam capacitados a vender uma semente que... fornece um produto oscilando entre 22 e 35 mm.... Paralelamente aos progressos realizados na qualidade do produto, os paulistas desenvolveram a indústria dos subprodutos: utilização do línter, fabricação de óleo e de tortas. Ao mesmo tempo, a Secretaria da Agricultura intensificou a propaganda para incitar a melhor cultivar e colher o algodão. Divulgando os métodos de classificação da Bolsa (do Comércio de São Paulo), procurou encorajar o produtor a melhorar os processos da colheita e a entregar um algodão limpo, seco e capaz de obter um número baixo e, portanto, ser melhor pago... Mas foi nas zonas pioneiras (e entre elas o Norte/Nordeste do estado de São Paulo) que são os principais centros de produção e onde se estava introduzindo pela primeira vez a cultura algodoeira, que os benefícios da pesquisa científica foram mais tangíveis". ‘Naquele tempo, todo o trabalho agrícola era manual ou de tração animal. Os tratores eram raros. As variedades de algodão de ciclo longo, com os capulhos se abrindo por meses, dava tempo para a mesma família cultivar e colher o produto de sua Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 175 roça. Com o passar dos anos, a mecanização, o aumento das pragas, a toxidez dos inseticidas e o abreviamento da colheita, acabaram com o meeiro e com o pequeno agricultor’. ‘A cultura do milho era para o gasto próprio, não tinha preço no mercado. O arroz era vendido domesticamente e seu comércio era restrito. Em 1938, São Paulo tinha aproximadamente de 700 a 800 mil habitantes, mas o mercado interno era fraco. O algodão, como o café, eram produtos de exportação e geravam mais riqueza’. ‘Em 1944, após a segunda grande guerra, o produto mais importante era o café, seguido do algodão. Com o crescimento da população urbana, o arroz e o milho passaram a ter mercado. A cana entrou muito depois’. ‘Nessa época começaram a prevalecer as roças. Culturas anuais. O café não desapareceu. O que ocorreu com o café em nossa região, foi que começou a sofrer uma concorrência pesada das regiões novas de Marília a Noroeste, e do Paraná. Lá, porque as terras eram mais novas, dava muito mais café do que aqui’. ‘Começamos a perder gente, a diminuir a população rural. Os corretores de terras do norte do Paraná, de Marília, vinham aqui, entravam nas colônias e seduziam o pessoal para comprar terras ou ir formar cafezais. Os nossos colonos tinham em mente os dias ricos do café, do passado’. ‘Os colonos que tinham algumas economias compravam terras, os que não tinham, assinavam contratos de formação de lavoura. Enfim, iam embora de mala e cuia’. ‘A queda do café causou grande prejuízo para nossa região: o despovoamento, a redução da população e baixa produção. O algodão surge em 1934, como cultura substitutiva mas o café, dava continuidade como a grande cultura do Estado de São Paulo. Em 1938, Sebastião de Almeida Prado14, de Morro Agudo, contratou um trator então utilizado para arrancar cafeeiros velhos, com o fim de desmatar cerrado. Esse trator pertencia a um grupo de agrônomos recém formados em Piracicaba. Um deles é o Fernando Penteado Cardoso, hoje dono da Maná, outro o Pacheco Chaves, que chegou a presidente do MDB, os irmãos Lanari Do Val fazendeiros na região de Ribeirão Preto e o 14 Tio do entrevistado. 176 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 tratorista, Felix Abujanra, daqui de Ribeirão Preto. Fizeram o desmatamento de 60 alqueires de cerrado, na fazenda Castelhano, em sociedade com Sofia Almeida Prado Junqueira15, sua irmã. O resultado foi uma excelente roça de arroz. Mas aí, quebrou o trator, quebrou a firma e veio a guerra’. ‘Sebastião Almeida Prado ficou com isso na cabeça. Com o fim da guerra em 1945, ele importou um trator HD-14 com lâmina, para desmatar cerrado. Foi o primeiro trator deste porte, importado exclusivamente com destino agrícola, que foi usado para desmatar cerrado. Esta iniciativa pioneira, constituiu um marco na história agrícola do Brasil. “Temos terra, não temos fazenda, fazenda a gente faz” dizia orgulhosamente Almeida Prado’. ‘Muita gente passou a comprar trator com o mesmo fim. Assim iniciou-se o ciclo do arroz. Desmatar, arar mais ou menos, plantar arroz, um pouco de milho (porque milho não se dá bem no cerrado). O fazendeiro arrancava o cerrado, plantava arroz durante dois anos e depois plantava capim jaraguá. A nossa região cresceu em importância agrícola’. ‘O café foi injustamente acusado de monocultura. Hoje, a cana é mais monocultura do que foi o café nas primeiras décadas do século XX. Mas não se pode falar em monocultura do algodão, pois sempre conviveu com o milho, com o arroz e ainda com a pecuária’. ‘A policultura, perdurou até 1970, mais ou menos, quando foi suplantada pela cultura da cana-de-açúcar’. ‘Depois da segunda guerra, o IRI, um instituto ligado à fundação Rockfeller, com profissionais, agrônomos do mais alto gabarito, instalou-se em Matão. Veio para colaborar na modernização das condições e métodos agrícolas no Brasil. De Matão, tiveram eles uma importância capital para o nosso desenvolvimento regional’. ‘Em Matão, o IRI fez uma série de experiências sobre o uso do cerrado e constatou a deficiência do enxofre em nosso solo. Foram eles que divulgaram o uso do calcário na correção da acidez do solo e novas práticas agrícolas na forma de arar e cultivar a terra. O uso do calcário foi crucial na exploração do 15 Mãe do entrevistado. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 177 cerrado, cuja acidez inviabilizava outras culturas, que não a do arroz. O arroz é muito resistente ao PH ácido. Através da EMA, Empresa de Mecanização Agrícola, o IRI, participou também do desmatamento do cerrado’. ‘Nisto, o governo brasileiro enveredou para uma política de aproximação com os países da cortina de ferro. Os americanos foram embora. O Brasil deixou de ser mercado para suas máquinas agrícolas. Herdamos, então, toda a ineficiência das máquinas russas, tchecas, romenas e quejandos. Além da má qualidade, não eram adequadas para o nosso meio. Foi um atraso tecnológico para nossa a agricultura. Um acordo bilateral, entre o governo brasileiro e o governo russo, ou balança descompensada, obrigou a gente a comprar essas máquinas, em detrimento de um progresso agrícola com a orientação norte-americana. Isso aconteceu de 1957, 1958 para frente’. ‘Em 1952 a soja aparece como a real viabilizadora do cerrado. O arroz se auto-intoxica. Seu cultivo dura dois anos, no terceiro não dá mais. A soja não. Tratando-se de uma leguminosa, enriquece o solo. O calcário deu vez para a produção da soja. Melhorando o solo, de repente, solos que antigamente se cultivavam apenas com arroz e capim, passaram a produzir milho e outras culturas mais exigentes. É o que nós estamos vendo por aí até hoje. Um beneficio formidável, que ampliou a área de produção agrícola’. ‘De 1960 em diante, aos poucos, fomos sentindo as dificuldades criadas com o declínio do café. A cultura anual é desgastante. Principalmente a do algodão. Uma luta sem fim contra a erosão do solo, pelas águas da chuva. A cultura da canade-açúcar vinha crescendo desde a época da segunda guerra’. ‘Já antes da guerra, o governo brasileiro tinha problemas com a produção do açúcar do Nordeste. Com a revolução de 1930, a intervenção do governo no setor econômico consagrou-se no Brasil. O café, através do Instituto Brasileiro do Café - IBC. O açúcar, através do Instituto do Açúcar e do Álcool - IAA. Outros produtos ou atividades, em outros Institutos. Estes Institutos, autarquias inspiradas na legislação fascista italiana, foram criados na ditadura de Getúlio Vargas. Baseavam-se também nas teorias econômicas de Lorde Keynes, de mecanismos de controle do Estado, na economia nacional’. 178 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 ‘O IAA passou a administrar a produção de açúcar e álcool. Com este fim foi criado o Estatuto da Lavoura Canavieira, aliás, muito bem feito. O Estatuto reproduzia a situação nordestina. Porém, foi imposto a todo o País. Em beneficio do Nordeste, continha o desenvolvimento canavieiro por aqui’. ‘Com a situação criada pela guerra, o Instituto foi obrigado a facilitar a produção açucareira no Sul. Mesmo porque, não tínhamos comunicação terrestre entre o norte e sul e a ação dos submarinos do Eixo, nas nossas costa, cortou a comunicação por mar. São Paulo começou a produzir mais açúcar e álcool também. Álcool para substituir a gasolina. Usávamos gasogênio e álcool. Na década de 30, já produzíamos álcool como carburante’. ‘Em 1963, a cana toma um vulto cada vez maior na região, sob a liderança de Sertãozinho. Como agricultores em Orlândia, sentíamos a necessidade de ter uma cultura permanente, que viesse substituir o café na estabilidade econômica das fazendas para não ficar só no risco das culturas anuais. De Sertãozinho para outras cidades, a cana foi se esparramando, crescendo cada vez mais e modificando o ambiente agrícola da nossa região’. ‘Em 1966, houve um crise de superprodução açucareira muito forte. O IAA, como autarquia, teve de intervir. O governo, então, em conseqüência, criou Leis defendendo a produção do açúcar e coibindo o aumento do número de usinas (porque havia excesso de produção) e aumentou o seu poder de intervenção no setor. As usinas de São Paulo já haviam superado em importância, produção e influência, as usinas do Nordeste’. ‘Em 1973, tivemos um plano de modernização das usinas de açúcar e álcool no País. Lastreava o Plano os recursos acumulados no IAA com a exportação de açúcar a altos preços. Em conseqüência, o setor açucareiro teve um desenvolvimento além do previsto. Nova crise avizinhava’. ‘Em 1975, com a crise do petróleo, o governo Geisel fomentou a produção de álcool, com a criação do Programa Nacional do Álcool - Pró-álcool. Objetivava produzir de 8 a 10 milhões de litros/ano. Já tínhamos usinas e cana (ameaçadas de superprodução) o essencial para o sucesso do programa’. ‘Com o programa do álcool, surgiram muitas Destilarias Autônomas e os canaviais se estenderam por novas terras. Foi uma revolução. O Pró-álcool, quebrou a castanha do monopólio Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 179 da produção do açúcar e as novas Destilarias, posteriormente, transformaram-se em usinas’. ‘O Estado de São Paulo, quase não participava do mercado açucareiro de exportação. O Brasil, mais por conta do Nordeste, exportava 20% da produção, os 80% restantes iam para o consumo interno. Hoje a participação paulista na exportação aumenta ano a ano. Estamos colocando em perigo todo o mundo açucareiro. Se o álcool fracassar, vamos adoçar o Atlântico’. ‘Disputamos com a Índia o primado da produção de açúcar de cana. A Índia produz tanto açúcar quanto o Brasil. Mas o canavial deles é a metade do brasileiro. Só produzem açúcar. Um pouco mais que a metade do canavial brasileiro destina-se à produção do álcool. Hoje, cerca de 55 a 60% da nossa cana vai para o álcool e 40 a 45% para o açúcar’. ‘O presidente Color acabou com o IAA. O presidente Fernando Henrique, com o propósito do fim da Era Vargas, ampliou a abertura política e econômica brasileira. Passamos de um regime de absoluta tutoria do governo sobre o setor açucareiro, para total liberdade. Estamos até tomando uma bebedeira de liberdade. Uma situação que vai bem, mas pode tornar-se preocupante. Não podemos esquecer o tal Custo Brasil. Se nós não melhorarmos nossos portos, nossas ferrovias, se não reduzirmos os custos, também não teremos condições de concorrência. Mas parece que isso vai acontecer’. ‘A Austrália, por exemplo, que é um país de economia livre, tem uma organização de controle da produção açucareira. A Europa, que é um grande produtor de açúcar de beterraba, também tem este controle. Os próprios Estados Unidos têm um certo controle sobre a produção do açúcar. Nós que tínhamos controle total, estamos sem nenhum. Pode ser perigoso mesmo’. Sobre o Pro-Álcool ‘Um dos pais do Pro-álcool foi o Cícero Junqueira Franco, diretor da Usina Vale do Rosário’. ‘Nos primeiros motores de ciclo-oto, que são os motores dos automóveis, o álcool foi usado como carburante no início do século, na França. Nesta época, o combustível mais usado era o carvão que posteriormente cedeu lugar ao petróleo’. 180 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 ‘Vivemos o século do petróleo. Aqui no Brasil depois na década de 30, tentou-se o uso do álcool como carburante. Na revolução de 1932, o álcool foi usado em substituição à gasolina’. Eduardo Diniz Junqueira quando criança assistiu seu pai comprar galões de álcool para colocar no automóvel . ‘Em 1942, com a situação provocada durante a Segunda Guerra Mundial, a Usina Junqueira, em Igarapava, distribuía o "Alcool Quito", porque de novo recorreu-se ao uso do álcool carburante, incentivando a criação de algumas destilarias. Em nossa região, diversas das atuais usinas de hoje, nasceram de destilarias criadas nessa época, incentivadas à produção do álcool combustível. A maioria dos automóveis andavam com gasogênio’. ‘Em 1975, com a crise do petróleo no oriente, o governo do presidente Geisel lançou o programa do Pró-álcool como recurso para minorar a crise dos energéticos automotivos. Nossa região teve participação fundamental nesse programa’. ‘O ministro Shigheaki Ueki, das Minas e Energia e expresidente da Petrobrás, diante da crise do petróleo, procurou Lamartine Navarro Jr., solicitando sua colaboração na crise dos automotivos. O eng. Lamartine Navarro, paulista, ligado à Ultragás, estava familiarizado com os problemas do petróleo e procurou o eng. Cícero Junqueira Franco, superintendente da Usina Vale do Rosário, em Morro Agudo, que trouxe pare o assunto Maurílio Biagi (pai), da Usina Santa Elisa em Sertãozinho e Presidente da Zanini’. ‘Os engenheiros do Instituto de Engenharia, Barros Siciliano e Eduardo Sabino de Oliveira, em debate no próprio Instituto, entusiasmaram-se com a retomada do álcool como carburante. Na ocasião, o venerando eng. Eduardo Sabino de Oliveira, exclamou: "Estamos exumando um defunto". Ele e o eng. Barros Siciliano, haviam desenvolvido o uso do álcool na década de 30’. As raízes de nossa Região ‘O background cultural, de uma grande parte da população brasileira, advém da taba e da cubata. O máximo da sabedoria aqui era saber fazer monjolo. O imigrante, que para cá veio, tinha mais conhecimento. Entre os imigrantes, um era artista, outro pintor, escultor, ferramenteiro, funileiro e outras coisas. Mas acima de tudo, tinham uma forte cultura familiar e o conhecimento das Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 181 coisas comuns, da economia caseira, do trabalho assíduo e constante. Muitas vezes podiam ser analfabetos, mas sabiam fazer as coisas’. ‘As fazendas paulistas do meu tempo de menino, produziam muito do que consumiam. Tinham uma vida própria muito grande’. ‘A imigração trazida pelo café integrou o imigrante à população brasileira. Alguns imigrantes tornaram-se grandes fazendeiros e uma parte foi para as cidades onde criaram pequenas indústrias e oficinas tais como consertadores de carroças, funileiros, ferreiros e ainda outros que se transformaram em grandes empreendimentos. Aqui em Ribeirão Preto temos inúmeras famílias desta origem, que prosperaram e hoje figuram no primeiro plano social, político e econômico da cidade. Os Laguna na mecânica de motores, os Delloiagno na fabricação de móveis, os Biagi nas usinas de açúcar, Calil no comércio e tantos outros. Com trabalho, perseverança, habilidade e inteligência foram ganhando espaço e se estabeleceram. Mudaram para as cidades e criaram a pequena burguesia, para depois comporem a grande burguesia. A beleza desse processo foi ter acontecido sem quistos. Isso é importante. Eles foram se misturando, brasileiros, italianos, árabes, japoneses, fundindo toda diferença racial, cultural, religiosa numa só brasilidade’. ‘O imigrante não foi para o nordeste, porque lá já existia mão-de-obra. São Paulo recebeu muito imigrante porque era um Estado pobre durante o Império e nossa região, despovoada. O sul de maneira geral era despovoado, principalmente porque a cultura da cana era feita no Nordeste do país’. ‘São Paulo está situado em cima da serra. Enquanto não foi possível vencer a serra, também não foi possível qualquer progresso. A descida e subida da Serra do Mar era realizada ou em lombos de burros ou levando as coisas nas costas. O planalto paulista ficou reservado, ficou à espera de sua vez, pelas condições quase inacessíveis de sua topografia. Na passagem do século, São Paulo tinha cerca de 150 mil habitantes. Monteiro Lobato escreveu que o Brás (bairro dos imigrantes) "de dia trabalha e de noite gesta". Assim cresceu essa gente. Alcântara 182 Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 Machado16 revela em seus contos e paródias a admiração sobre essa gente que ia chegando com tanto sofrimento’. ‘Mas de todos que para cá vieram, os que mais lutaram e sofreram, foram os que primeiro aqui aportaram. Tinham os índios na frente e os piratas nas costas. A eles devemos o nosso agradecimento’. COSAC, M. D. D. Northeast of São Paulo, antecedents, ways and occupation. Serviço Social & Realidade (Franca), v.8, n.1, p.153-186, 1999. • ABSTRACT: The social, economical and political situation of the area of Ribeirão Preto is linked to the historical process of the formation of the agrarian capitalism in our country. Originated through the oligarchy of coffe with bases in the development of the field. And it is interesting that this history can be told from the days of 1850 to today, or, not more than a hundred years, what characterizes as practically new and recent. From the expansion context and regional colonization, is important to notice the reconstruction of the link historical of the formation of the agrarian capitalism in that area. To revive this history is to reconstitute the farmers'life. • KEY WORDS: Northeast of São Paulo; regional history; farms and farmers; coffee. Referências Bibliográficas BIAGI, Luiz Lacerda. A Família Biagi - Os primeiros cem anos 1888/1988. São Paulo: Laserprint, 1987. BRIOSCHI, Lucila R. et al. 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In: Modernização e Desenvolvimento no Interior de São Paulo. São Paulo: UNESP, 1988. p.63-75. Serviço Social & Realidade, Franca, 8(1): 153-186, 1999 185 ÍNDICE DE ASSUNTOS Agroindústria canavieira, p.153 Assistência, p.129 Café, p.153 Cidadania, p.129 Critérios de avaliação, p.109 Diretrizes para reformulação do currículo, p.9 Educação, p.57 Família, p.129 Fazendas e fazendeiros, p.153 Formação profissional do Serviço Social, p.9, 31, 57, 89 História regional, p.153 Iniciação científica, p.89 Nordeste paulista, p.153 Prática de ensino, p.31 Prática profissional do Serviço Social, p.9 Projeto ético-político do Serviço Social, p.73 Sala de aula, p.31 Serviço Social, p.57, 73, 89, 129 Sócio-econômico, p.109 Trajetória histórica, p.73 Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998 187 SUBJETC INDEX Attendance, p.150 Citizenship, p.150 Classroom, p.54 Coffee, p.183 Education, p.71 Farms and farmers, p.183 Family, p.150 Guidelines for curriculum reformulation, p.29 Historical trajectory, p.86 Initiation scientific, p.107 Instrumentation, p.127 Northeast of São Paulo, p.183 Practice professional of the Social Service, p.29 Professional formation of the Social Service, p.29, 54, 71, 107 Project ethical-political of the Social Service, p.86 Regional history, p.183 Social-economical classification, p.127 Social Service, p.71, 86, 107, 150 Stratification, p.127 Teaching practices, p.54 Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998 189 ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX ANDRADE, M. A. R. A., p.31 COSAC, C. M. D., p.153 GENTILLI, R., p.9 GRACIANO, M. I. G., p.109 JORGE, M. R. T., p.29 JOSÉ FILHO, M., p.129 LEHFELD, N. A. S., p.89, 109 MARTINS, E. B. C., p.57 NEVES FILHO, A., p.109 SANT'ANA, R.S., p.73 Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998 191 NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS Informações gerais SERVIÇO SOCIAL & REALIDADE publica trabalhos originais de autores da UNESP e de outras instituições nacionais ou internacionais, na forma de artigos, revisões, comunicações, notas prévias, resenhas e traduções. Só serão aceitas resenhas de livros que tenham sido publicados no Brasil, nos dois últimos anos, e no exterior, nos quatro últimos anos. Os trabalhos poderão ser redigidos em português ou outro idioma. O Resumo e as Palavras-chave, que precedem o texto, escritos no idioma do artigo, os que sucedem o texto, em inglês (Abstract/Keywords). É vedada a reprodução dos trabalhos em outras publicações ou sua tradução para outro idioma sem a autorização do Comissão Editorial. Os originais submetidos à apreciação da Comissão Editorial deverão ser acompanhados de documento de transferência de direitos autorais, contendo a assinatura do(s) autor(es). Preparação dos originais Apresentação. Os trabalhos devem ser apresentados em duas vias, com cópia das ilustrações. Textos em disquetes serão acompanhados do printer (cópia impressa, fiel, do disquete), em Word 8.0; os textos devem ter de 15 a 30 páginas, no máximo. Estrutura do trabalho. Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: Título; Autor(es) (por extenso e apenas o sobrenome em maiúscula); Filiação científica do(s) autor(es) (indicar em nota de rodapé: Departamento, Instituto ou Faculdade, Universidade-sigla, CEP, Cidade, Estado, País); Resumo (com máximo de 200 palavras); Palavras-chave (com até 7 palavras retiradas de Thesaurus da área, quando houver); Texto; Agradecimentos; Abstract e Keywords (versão para o inglês do Resumo e Palavras-chave precedida pela Referência bibliográfica do próprio artigo); Referências Bibliográficas (trabalhos citados no texto). Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998 193 Referências bibliográficas. Devem ser dispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT. • Livros e outras monografias LAKATOS, E.M., MARCONI, M.A. Metodologia do trabalho científico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1986. 198p. • Capítulos de livros JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C.S. Meios de comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 47-66. • Dissertações e teses BITENCOURT, C.M.F. Pátria, civilização e trabalho: O ensino nas escolas paulistas (1917-1939). São Paulo,1988. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. • Artigos de periódicos SCHONS, Selma Maria. Assistência social na perspectiva do neoliberalismo. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 49, p. 5-19, nov. 1995. • Trabalho de congresso ou similar (publicado) MARIN, A.J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990. Anais... São Paulo: UNESP, 1990. p. 114-8. Citação no texto. O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome, separado por vírgula da data de publicação (Barbosa, 1980). Se o nome do autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre parênteses: “Morais (1955) assinala...” Quando for necessário especificar página(s), esta(s) deverá(ão) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s) de p. (Mumford, 1949, p. 513). As citações de diversas obras de um mesmo autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas por letras minúsculas após a data, sem espacejamento (Peside, 1927a) (Peside, 1927b). Quando a obra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por & (Oliveira & 194 Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998 Leonardo, 1943), e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de et al (Gille et al, 1960). Notas. Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior. Anexos e/ou Apêndices. Serão incluídos somente quando imprescindíveis para a compreensão do texto. Tabelas. Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos e encabeçadas pelo título. Figuras. Desenhos, gráficos, mapas, esquemas, fórmulas, modelos (em papel vegetal e tinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante); radiografias e cromos (em forma de fotografia). As figuras e suas legendas devem ser claramente legíveis após sua redução no texto impresso de 11,5x18 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor, título abreviado e sentido da figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerão as figuras, numeradas consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termo FIGURA. Os dados e conceitos emitidos nos trabalhos, bem como a exatidão das referências bibliográficas, são de inteira responsabildade dos autores. Os trabalhos que não se enquadrarem nessas normas* serão devolvidos aos autores, ou serão solicitadas adaptações, indicadas em carta pessoal. * Esclarecimentos adicionais sobre as normas para apresentação dos originais, constam do manual Normas para publicações da UNESP. Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998 195 EQUIPE DE REALIZAÇÃO Composição e Montagem Aparecida Fátima Vieira Guiraldelli Assessoria Técnica Nanci Soares Revisão Bibliográfica Jacimar Fátima Ferreira Rezende Jacqueline de Almeida Tradução de Inglês Maria Helena Gouvêa Machado Produção Gráfica Alcione Morais de Oliveira Luis Carlos Mendonça Valter Mendes da Silva (Supervisor) 196 Serviço Social & Realidade, Franca, 7(2): 1-180, 1998