II FORUM DO INTERIOR INSERÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR NO MERCADO: A COORDENAÇÃO VERTICAL João Rebelo (UTAD/CETRAD/DESG) Vila Real, 7 e 8 de Novembro de 2014 TÓPICOS • Enquadramento • Sistema agroalimentar • Envolvente • Coordenação vertical • Determinantes da coordenação vertical • Formas de coordenação vertical • Cooperativas • Redes informais • Desenvolvimento económico local • Notas finais Enquadramento • Sistema agroalimentar Figura 1: Evolução do sistema agroalimentar Transformação da agricultura Produtores Produtores Produtores Consumidores Consumidores Consumidores Baixos níveis de produtividade e de integração no mercado Fonte: FAO Altos níveis de produtividade e de integração no mercado Enquadramento • Sistema agroalimentar • A questão central da inserção das explorações agrícolas familiares no mercado consiste em como: Aumentar a produtividade? Transferir valor acrescentado gerado no mercado para as atividades a montante? • A reposta às questões anteriores centra-se: Na melhoria tecnológica – efeito catching up – e elevação da eficiência produtiva (melhor aproveitamento dos recursos). Na adoção de estratégias de coordenação vertical, isto é, de integração horizontal e vertical (economias de escala e de gama e eliminação de falhas de mercado). Enquadramento • Envolvente • A nível global: • Aumento da população mundial, com a consequente necessidade de incrementar a produção mundial em cerca de 70%, até meados deste século (projeções da FAO) • Recursos naturais cada vez mais fragilizados, consequência da intensificação agroquímica e das alterações climáticas, sendo a intensidade destas ainda algo desconhecida. • Desigualdade na distribuição espacial dos recursos naturais, capacidade produtiva, conhecimento e riqueza. • Possibilidade de existência de crises alimentares universais, a exemplo do que sucedeu em 2008/2009, em que a mera oscilação negativa da oferta alimentar volatilizou preços dos produtos agrícolas de base em todo o mundo e causou enorme agitação social e política, em especial no Médio Oriente e Norte de África. Enquadramento • Envolvente • A nível global: • Necessidade de desenvolver uma agricultura mais extensiva, mas também mais produtiva e compatível com a defesa do ambiente. • No essencial, exigência de maior produtividade (via eficiência produtiva e efeito catching-up), em respeito pela sustentabilidade dos recursos (alteração do modelo químicomecânico que tem sido adotado). • Modificação de comportamento dos consumidores e alteração de hábitos alimentares. • Obrigatoriedade de redução da perda de bens alimentares. Enquadramento • Envolvente • A nível nacional: • Envelhecimento e redução da população agrícola, tendência que previsivelmente se vai manter ao longo desta década. • Aumento da dimensão das explorações agrícolas, melhoria do nível educacional, assim como do grau de mecanização (deslocação da fronteira de produção). • Concentração da população no litoral e inexistência de uma rede de cidades/vilas de média dimensão no interior do país. • Tendência para a continuação da desertificação do interior do País. • Concentração nos circuitos finais de distribuição (grandes superfícies), mesmo em centros urbanos de menor dimensão, originando problemas de sobrevivência dos mercados locais. • Legislação de concorrência, essencialmente, vocacionada para a questão do monopólio e não de monopsónio. Alternativa baseada em códigos de conduta. Enquadramento • Envolvente • A nível nacional: • Alterações climáticas (armazenagem e distribuição da água). • Desemprego persistente, em especial dos jovens, pode levar à criação do autoemprego (empreendedorismo). Problema que pode ser transformado numa oportunidade para renovação da agricultura familiar. • Consciência (pelo menos na narrativa) política e institucional (e.g. instituições do ensino superior) para a discriminação positiva do interior, incluindo setor o agrícola. • Fomento do empreendedorismo, incluindo o de base rural, e da inovação. • Elevado número de produtos com Denominação de Origem Protegida (DOP), Indicação Geográfica Protegida (IGP), Especialidade Tradicional Garantida (ETG). Indicadores de qualidade com alguma relevância no mercado nacional. Coordenação vertical Objetivo da coordenação vertical: Inserção dos produtores na cadeia agroalimentar, transferindo valor gerado no mercado (a jusante) para os produtores (a montante). Determinantes da coordenação vertical: • Economias técnicas, devidas às interdependências físicas na cadeia de produção; • Economias de transação, associadas ao processo de comercialização; e • Imperfeições de mercado, originadas por poder de mercado (grau de monopólio), bens públicos, externalidades e assimetrias de informação. Coordenação vertical Figura 2: Esquema típico de uma fileira agrícola Factores de produção Comercialização de factores de produção Produção agrícola (condições técnicas e económicas) Formas de coordenaçãovertical - Mercado aberto (spot market) - Contratos agrícolas - Cooperação formal ou cooperativas agrícolas - Integração vertical própria Comercialização por grosso Outros circuitos comerciais Retalho alimentar Consumidores Coordenação vertical Formas de coordenação vertical (excluindo redes informais) • Coordenação sem contrato ou mercado aberto (spot market); • Contratos agrícolas ou quase integração; • Integração vertical própria (especialmente vocacionada para produtores de grande dimensão); • Cooperativa agrícola (em sentido amplo, isto é, incluindo outras formas societárias - organização de produtores (CA) de transformação/ /comercialização, interpretada, economicamente, como uma entidade possuída, controlada e laborando em benefícios dos seus membros/sócios, os quais são, simultaneamente, os principais utilizadores (e.g. fornecedores da matéria-prima). Coordenação vertical Figura 3: Fluxo organizacional da produção agrícola: Cooperativa vs. empresa privada Membros Utilizadores Sócios Cooperativas Utilizadores Empresas privadas (outras formas de CV) Mercado Coordenação vertical Formas de coordenação vertical • No longo prazo, a cooperativa é a que melhor se adapta à integração de produtores de pequena dimensão na fileira agroalimentar, permitindo, eliminar falhas de mercado (assimetria de informação e poder de mercado) e beneficiar de economias de escala na transformação/comercialização. • Para que o cooperativa seja eficiente é indispensável uma clara definição da posse e uso dos direitos de propriedade. • Relacionado com os direitos de propriedade está o modelo de governação (princípio democrático de 1 pessoa 1 voto, órgãos sociais compostos apenas por membros). Coordenação vertical Cooperativas Figura 4: Modelos de cooperativas Coordenação vertical Cooperativas Fatores estratégicos no negócio e princípios cooperativos Fator de decisão no negócio Classe de princípios cooperativos Rochdale/Cooperativas “tradicionais” Controlo Voto e gestão democrática pelos membros Proporcionais/Nova geração de cooperativas Voto e gestão pelos membros/sócios proporcional às transações Fácil adesão (“porta aberta”) Propriedade Benefício líquido Outros Capital próprio proporcionado pelos membros O capital próprio proporcionado pelos membros em proporção das transações Limitação no capital próprio detido por cada membro Não limitação ao capital próprio detido por cada membro/sócio Repartição dos excedentes proporcional às operações de cada membro Repartição dos excedentes com base no valor da produtividade marginal dos produtos transacionados Limitação nos dividendos do capital Possibilidade de dividendos Promoção da educação, formação e informação Intercooperação Coordenação vertical Cooperativas Fatores condicionantes da estrutura de governação Cooperativas “tradicionais” Nova geração de cooperativas Apenas membros Controlo democrático Diretores eleitos Sócios e minoria para não membros/sócios Proporcional ao capital social Gestores com poderes delegados Qualificação para o capital social Apenas membros Membros/sócios e não membros/sócios com minoria Repartição do capital próprio Coletivo Individualizado, i. e. ações Jóias de entrada Limitadas Proporcionais ou ações Essencialmente via preços Não Igualitária Não ativa Preços e remuneração do capital Planos de restituição e ações Equitativa/imparcial Ativa/características do produto Fatores condicionantes Tomada de decisão Direitos de voto Princípio de votação Execução da tomada de decisão Propriedade Imputação de custos/benefícios Afectação do excedente líquido Restituição de reservas colectivas Política de preços Afectação de custos Coordenação vertical Cooperativas Quota de mercado das cooperativas 2003 Sector 2009 Comentários Número de Quota de Número Quota de sócios mercado de sócios mercado (%) (%) Frutas e vegetais n.d. 35 n.d. 25 Apenas frutas. Baseado em informação qualitativa proporcionada por stakeholders do sector Azeite n.d. 35 n.d. 30 Idem Leite n.d. 65 n.d. 70 Idem Vinho n.d. 54 n.d. 42 Baseado nos relatórios anuais do IVV Coordenação vertical Cooperativas • Das 80 organizações de produtores (OP) reconhecidas no setor das frutas e hortícolas (F&H) em fevereiro de 2014 (www.gpp.pt do MADRP), 50% tem o estatuto de cooperativa, 25% o de sociedade anónima e 25% o de sociedade por quotas • Ainda nas F&H. o peso das OP no total da produção é inferior a 5%, sugerindo que há um longo caminho a percorrer na organização da fileira. • A performance das cooperativas interliga-se e reflete o que se passa na fileira, nomeadamente a montante: agricultores heterogéneos, de pequena dimensão, envelhecidos, de baixo nível educacional e avessos ao risco. • As cooperativas com melhor performance localizam-se, essencialmente, nos sectores (leite e F&H) que conseguiram ultrapassar algumas daquelas debilidades. • Igualmente determinante para uma boa performance é a assunção de uma perspetiva empresarial, liderança forte e modelo de negócio bem definido. Coordenação vertical Cooperativas (síntese) • O modelo cooperativo tradicional pode e deve prevalecer em: • Ambientes pouco competitivos e de fraca abertura ao mercado; • No caso de elevada homogeneidade social e económica dos membros; • Mercados imperfeitos, com as cooperativas a reduzirem/eliminarem falhas de mercado (poder de monopólio ou monopsónio e informação assimétrica). • Em ambientes fortemente concorrenciais, a investigação tem concluído que as empresas privadas conseguem reagir e adaptar-se de forma mais eficaz à pressão competitiva. • Para conhecimento do setor cooperativo na Europa ver o estudo Support for Farmers’ Cooperatives, concluído em março de 2013 (http://www.wageningenur.nl/en/show/Support-for-Farmers-Cooperatives.htm). Inclui o caso Português da autoria de Rebelo e Caldas. • . Coordenação vertical Redes informais • Ver Innovation in Wine SMEs: the Douro Boys informal network (Rebelo, João and Dorli Muhr, 2012, Studies in Agricultural Economics, 114: 111-117) • Rede informal de 5 empresas (explorações vitivinícolas do Douro), iniciada em 2003, com o objetivo de coordenarem esforços no sentido de ganharem importância nos mercados internacionais. • A ação concentrou-se apenas nas relações públicas (media, comércio e gastronomia), em mercados bem definidos. Ideia de partida: “to put the Douro on the map: positioning the Douro as a high-end wine region and as a new discovery for wine experts and wine lovers ”. • O grupo decidiu não constituir uma associação formal. Nalgumas ocasiões colaboram e noutras concorrem entre si, mesmo para ganharem quotas de mercado Desenvolvimento económico local (DEL) • DEL concebido como estratégia territorial que resulta de uma estratégia (plano de ação, modelo de governação, e monitorização de resultados) que resulta da interação entre os diversos atores do território e tem em consideração os recursos endógenos. • DEL assente em crescimento económico baseado na competitividade e na criação de emprego e riqueza locais, aumentando a equidade e eliminando a pobreza. Perspetiva assumida no Acordo de Parceria. • É fundamental um novo paradigma de atuação das autarquias locais, mobilizando-as para a agenda da competitividade e do empreendedorismo de base territorial. Um novo ciclo em que as autarquias são facilitadoras e dinamizadoras do investimento local. • Geometria variável, em função dos ativos de cada território e da própria densidade institucional. Desenvolvimento económico local (DEL) • Reconhecer a centralidade das NUTS III (CIMs), sem esquecer a relevância da escala municipal. • Possibilidade de extravasar as fronteiras das NUTS III e mesmo NUTS II (e.g., promoção da competitividade em território de baixa densidade ou baseada em recursos endógenos, sem esquecer a relevância dos clusters). • Articulação a nível local e regional dos fundos provenientes dos diferentes programas (ProDeR, PO Regionais,…) assim como entre o investimento “individual” e o “coletivo”. • Beneficiar da experiência dos Grupos de Ação Local (tendo presente a eliminação de aspetos negativos), abordagem LEADER, na dinamização da base económica local (e.g., fomento e divulgação de produtos locais, mercados locais e de proximidade). • Inserção da fileira agro-alimentar nos Investimentos Territoriais Integrados (ITI), desenvolvidos ao nível das CIMs. Notas finais • A agricultura familiar, em Portugal, defronta-se com ameaças, mas também com oportunidades. • Como ameaças relevam-se: • Globalização, liberalização e aumento da concorrência nacional e internacional; • Sobreposição da procura em relação à oferta, com constante alteração dos padrões de consumo; • Concentração da distribuição alimentar, mesmo no interior do País; • Envelhecimento da população agrícola; • Aumento dos territórios de baixa densidade. Notas finais • Como oportunidades relevam-se: • Aumento da procura mundial de produtos alimentares. • Consciência para uma agricultura económica e ambientalmente sustentável; • Aumento da dimensão das explorações agrícolas, maior nível de educação e de capacidade para absorção da inovação tecnológica; • Consciência social e política para o fomento de estratégias de DEL em regiões de baixa densidade, cuja principal atividade é a agricultura; • Concluindo, a inserção da(s) agricultura(s) familiar(es) no mercado é algo complexo que deve ser fomentado e apoiado. Na generalidade dos casos, parece aconselhável a adoção de práticas de coordenação vertical, dependendo a respetiva forma das condições de partida, externas e internas à exploração. • Em termos práticos parece-me fundamental ter sempre presente um bom exercício de benchmarking (peer learning) e de monitoria. MUITO OBRIGADO PELA ATENÇÃO !