Seminário: Agricultura Familiar – O rosto da Agricultura Em
Portugal
Campo Pequeno, 31 de Maio de 2014
Tema: Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural
1. Agradecer o Convite e saudar os promotores – Terra sã – por este ano associarem a sua feira anual
à temática da Agricultura Familiar, aderindo desta forma às comemorações do AIFF em Portugal. O
tema deste Seminário: agricultura familiar - o rosto da Agricultura em Portugal, é por demais
adequado, porquanto uma das caraterísticas da AF é ser “ uma Agricultura com rosto”.
2. Deixem-me, ainda a este propósito, citar um verso de Torga:
A vida é feita de nadas (…)
De ver esta maravilha,
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.
3. O objetivo das Nações Unidas ao declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar é o
focalizar as politicas publicas nas suas várias vertentes, agrícola, ambiental, social e territorial, na
agricultura familiar, promovendo a sua divulgação e o debate em torno dos desafios e oportunidades
que concorram para a sua valorização e desenvolvimento mais competitivo, inovador e
determinante na sustentabilidade do mundo rural.
4. Quando falamos de agricultura familiar, cujo conceito é conceptualmente muito lato e abrange
realidades muito distintas nos vários países e regiões, fala-se, seguramente, de alimentação mas
também de sustentabilidade dos territórios, de gestão dos recursos naturais, de ambiente e de
paisagem, e também de coesão económica e social assente nas populações e nas famílias que
labutam e vivem no nosso rural.
5. A Agricultura familiar constitui a base do modelo multifuncional da agricultura europeia e a
Comissão, o Conselho e o Parlamento Europeu, têm vindo a salientar a importância do seu
contributo não só na produção de bens alimentares e de serviços públicos, mas igualmente o papel
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que desempenha nas zonas rurais pela elevada estabilidade estrutural e social que aportam aos
territórios, resultante da sua grande capacidade de adaptação e resiliência em situações de crise,
que a recente situação de recessão económica veio a evidenciar, nomeadamente em Portugal, pela
enorme relevância destas estruturas na criação de emprego local e na garantia dos rendimentos
familiares, verificando-se, mesmo, em forte incremento de fixação de jovens no setor (o PRODER já
apoiou a instalação de 9000 jovens agricultores, a grande maioria dos quais nos últimos 3 anos).
6. Em Portugal há um forte predomínio de explorações de muito pequena e pequena dimensão
económica que dependem essencialmente da mão-de-obra familiar, dando-lhe um cariz de
agricultura familiar. Nesta tipologia de agricultura familiar encontra-se a maioria explorações
agrícolas e a maioria da população agrícola, ainda que em explorações de maior dimensão se registe
igualmente a prevalência de utilização de mão-de-obra familiar, que globalmente atinge cerca de
80% da mão de obra agrícola total. Muitas outras caraterísticas, para além da dimensão e da mãode-obra, estão associadas às explorações familiares, como sejam a sucessão inter-geracional, a
pluriatividade e o plurirrendimento, as tradições e a uma cultura próprias que fazem com que do
ponto de vista sociológico e comportamental a agricultura familiar seja também um modo de vida.
7. São muitos e variados os desafios que se colocam à sustentabilidade da agricultura familiar,
alguns que se arrastam há décadas e são estruturais, como é o caso do acesso à terra, da
estruturação fundiária ou o rejuvenescimento do tecido empresarial assente na sucessão entre os
membros da família, outros bem mais recentes mas não menos importantes, tais como o acesso à
informação e a capacidade de resposta aos desafios tecnológicos e à inovação, ou, ainda, o acesso
aos mercados e a capacidade de negociação e integração das pequenas produções na cadeia de
valor alimentar.
8. As questões relativas ao ambiente, seja a paisagem, a biodiversidade, a conservação dos recursos
naturais, as boas práticas agrícolas, os condicionalismos ambientais da PAC ou, ainda, as alterações
climáticas têm também particularidades quando se trata da agricultura familiar.
Se, por um lado, se reconhece o papel positivo da agricultura familiar numa gestão mais
sustentável dos recursos naturais por via, nomeadamente, da adoção de sistemas de agricultura
mais convencionais e de uma maior preservação da diversidade genética, por outro, as pequenas
explorações familiares não têm nem os conhecimentos, nem a informação necessárias para lidar
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com as exigências que a aplicação da complexa legislação ambiental exige e muito menos com os
investimentos que, frequentemente, lhes estão associados.
9. A recente reforma da PAC, reconhecendo os atributos da agricultura familiar e a sua importância
fundamental na agricultura europeia, veio acentuar e privilegiar este modelo agrícola, visando
contribuir para transformar os seus desafios em oportunidades. Desde logo, pela adoção de um novo
sistema de pagamentos diretos mais equitativo e equilibrado de que se destaca o regime de apoio à
pequena
agricultura
ou
o
reforço
das
ajudas
dirigidas
aos
jovens
agricultores,
mas
fundamentalmente através das medidas previstas no II pilar da PAC, a financiar pelo FEADER e
integradas no exercício de programação dos fundos FEEI para o próximo período 2014-2020.
10. O novo ciclo de programação, atenta a diversidade multifuncional da agricultura familiar e os
desafios de vária ordem que se lhe colocam, deve aportar respostas que envolvam abordagens
multifacetadas e coerentes, que tenham em conta, nomeadamente, a dimensão da agricultura
familiar na ocupação do território e a sua importância na manutenção do tecido económico e social
das zonas rurais. Uma resposta adequada às necessidades das explorações agrícolas, em particular
das mais frágeis, exige uma abordagem de apoio ao desenvolvimento rural e local mediante
estratégias integradas e multissetoriais, plurifundos, que contrariem a maior atratividade das áreas
urbanas e o êxodo rural, através da melhoria das condições de vida designadamente na envolvente
das infraestruturas, desenvolvimento sócio económico e de bem estar das populações.
11. O PDR 2020, dá resposta a este desígnio quer através dos objetivos estratégicos definidos quer
pelo conjunto de medidas e Ações estabelecido, de que vos farei breve referência daquelas que,
cabendo no âmbito de atuação da DGADR, mais diretamente se relacionam com a problemática do
desenvolvimento rural.
12. Com a criação da Bolsa de Terras, instrumento de política nacional, pretende-se colmatar a
dificuldade de acesso á terra e o redimensionamento das explorações, promovendo a instalação de
explorações com sustentabilidade e economicamente viáveis através da afetação à produção
agrícola, florestal e silvo pastoril das terras sem utilização, e propiciar condições para o início de
atividade de novos agricultores, particularmente os mais jovens, visando o rejuvenescimento do
tecido produtivo com impactes positivos no aumento da produção e na criação de emprego.
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A Bolsa de terras integra um conjunto de incentivos, sobretudo de natureza fiscal, para quem utilize
a terra, ou em alternativa para quem, não o podendo ou não o querendo fazer, queira livremente
disponibilizar a terceiros essas terras.
A Bolsa de terras, desempenha também um papel fundamental no desenvolvimento local,
constituindo-se como um instrumento de ordenamento do território e oportunidade para a fixação e
atração de população, contribuindo para o alívio da pressão demográfica do litoral e para o
combate à desertificação e ao desemprego, nas zonas mais deprimidas do país.
13. Os Serviços de Aconselhamento Agrícola, que se pretendem mais abrangentes e atuantes no
próximo Quadro, visam contribuir para minimizar os handicaps decorrentes da pequena dimensão, da
tardia sucessão/passagem de bens para a próxima geração e da falta de economia de escala,
particularmente presentes na pequena agricultura familiar. O progresso tecnológico apresenta-se
como veículo privilegiado para compensar as desvantagens competitivas da agricultura familiar pela
introdução de novos conhecimentos e de fatores de inovação.
A nova regulamentação comunitária em matéria de SAA (Reg. 1305 e 1306 de 17 de dez 2013) ao
alargar a oferta do leque de temas a integrar no aconselhamento agrícola constitui uma
oportunidade de melhor responder às necessidades de apoio técnico sentido pelos agricultores.
Igualmente o pagamento do serviço prestado ao conselheiro invés de ao agricultor, que obtinha a
ajuda sob a forma de reembolso do montante despendido, torna o sistema mais atrativo e permite
suprir um dos pontos fracos identificados no atual sistema.
O estabelecimento do novo SAA constitui uma oportunidade para se repensar e melhorar a
transmissão de conhecimentos e informação ao setor agrícola numa base assente nas sinergias entre
diferentes instrumentos tais como a formação, o aconselhamento, a informação, a extensão agrícola
e a investigação.
Pretende-se garantir a oferta de um Serviço de Aconselhamento Agrícola que responda às
necessidades efetivas dos agricultores devendo, pois, dar-se uma particular atenção a que este
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serviço chegue junto dos pequenos produtores, como publico alvo prioritário dado que tem acesso
mais limitado a qualquer outro tipo de aconselhamento, e recorrendo para tanto a novas formas de
abordagem, nomeadamente a ações em grupo.
14. A qualificação/ formação de quem gere e de quem executa as operações numa exploração
constitui um elemento essencial para a capacidade de diferenciação das explorações agrícolas no
mercado de produtos e serviços e para a sua competitividade.
No caso das explorações agrícolas familiares a qualificação profissional de quem nelas trabalha
constitui, desde sempre, um dos principais pontos fracos da sua estrutura, tanto mais que, na maior
parte das explorações familiares se verifica que a qualificação escolar e profissional de quem nelas
trabalha é bastante reduzida.
Neste contexto, a motivação desta população agrícola para a sua qualificação escolar e profissional
e a criação de condições para que as possa adquirir constituem uma prioridade, um desafio e uma
tarefa constante, na qual estão envolvidas a DGADR e as várias entidades competentes
conjuntamente com os parceiros sociais, atuando de forma integrada no âmbito do Sistema Nacional
de Qualificações (SNQ) e de acordo com os Referenciais de Formação específicos integrados no
Catalogo Nacional de Qualificações (CNQ).
Estando disponível um leque alargado de opções, nomeadamente ações formativas de curta duração
ou, até mesmo, processos de reconhecimento, validação e certificação de competências adquiridas
com base na experiência profissional e pessoal e em formação não formal, podemos afirmar que
estão hoje disponíveis para as Explorações Agrícolas, e em particular para as Familiares, diferentes
vias para obter a formação de que necessitam, ou para adquirir, pela via da formação ou da
experiência, um nível de qualificação profissional agrícola.
No próximo ciclo de programação os apoios à qualificação dos agentes e das empresas, serão
incluídos no quadro dos PO financiados pelo FSE, cabendo ao FEADER uma atuação complementar
daquela, mais focada na demonstração e divulgação de informação, bem como em ações de
formação dirigidas às explorações com investimentos aprovados no âmbito do PDR como forma de
dar resposta às necessidades especificas que contribuam para a concretização com êxito desses
investimentos.
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15. Os Circuitos curtos de comercialização e os mercados locais, a par da cooperação horizontal e
vertical entre os vários atores da cadeia alimentar, constituem a resposta adequada à falta de
dimensão de muitos dos pequenos produtores que não detêm capacidade de venda da sua produção
em quantidades e preços adequados, permitindo aumentar o seu poder negocial e/ou encontrar
novas formas de marketing.
Os circuitos curtos alimentares, associados em muitos casos a mercados de proximidade, constituem
um novo paradigma para a produção, comercialização e consumo alimentar, com impactes muito
positivos a vários níveis porquanto:
 Desde logo nas explorações familiares que aqui encontram uma forma mais regular,
rentável, e diversificada de escoamento dos seus produtos, em particular os frescos da
época (frutas, legumes e aromáticas) e os produtos fabricados artesanalmente com matériaprima de produção própria (pão, compotas, queijos, licores, enchidos);

Igualmente nos consumidores que, cada vez mais, procuram produtos diferenciados,
saudáveis, frescos, de alta qualidade e de fácil rastreabilidade;

Mas igualmente ao nível da dinamização das economias de base local por atrair novas
oportunidades de negócios especialmente se, como vai acontecendo crescentemente, estes
mercados locais, para além de ganharem periodicidade regular, se vão integrando em outros
eventos ou festividades importantes para uma dada região, onde se concertam a valorização
da gastronomia, do artesanato e da cultura que promovem e valorizam os territórios locais;
 Por outro lado, a comercialização através destes canais de proximidade traduz-se na
redução dos custos logísticos e na redução dos impactes ambientais pela diminuição das
técnicas de conservação e de transporte;
e ainda,
 em ganhos sociais pelo fortalecimento de laços de proximidade e confiança entre os
produtores e os consumidores, que são ainda mais significativos quando contribuem para
aprofundar as relações urbano- rurais.
A necessidade de alargar e disseminar as experiencias a que temos vindo a assistir um pouco por
todo o lado levaram a que o MAM tivesse criado em 2012 o GEVPAL- grupo de trabalho para a
Estratégia de Valorização da Produção Agrícola Local, que tem vindo a
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formular propostas de
simplificação e adaptação legislativa que facilitem a aplicação das normas em matéria de
licenciamento, comercialização, rotulagem, higiene e segurança alimentar, por forma a criar em
quadro regulamentar que facilite e promova a expansão deste tipo de comercio de proximidade.
O incentivo ao desenvolvimento dos circuitos curtos agroalimentares far-se-á no próximo PDR
utilizando o instrumento regulamentar denominado Desenvolvimento Local de Base Comunitária
(DLBC) que, assente na estratégia LEADER, assegura uma participação financeira plurifundosFEADER, FEDER e FSE –
na concretização de investimentos e ações imateriais que visam o
desenvolvimento local e a diversificação das economias de base local, mobilizando as parcerias que
se inserem na atuação dos GAL, articulados a nível nacional através da RRN.
16. Portugal detém uma gama muito diversificada e rica de produtos tradicionais regionais, que
integram o nosso património cultural e gastronómico. Estes produtos gozam de uma elevada
notoriedade junto dos consumidores, sendo portadores de um elevado conteúdo simbólico,
associado à ruralidade, à natureza, à paisagem e a um desejo de pertença a uma dada região.
Fazendo parte da dieta enraizada nos povos mediterrânicos desde há séculos, hoje reconhecida
como património mundial imaterial pela Unesco nomeadamente em Portugal, os produtos de
qualidade são obtidos localmente a partir de variedades ou espécies autóctones, normalmente
melhor adaptadas do que outras às condições edafoclimáticas. Essa adaptação leva a que tais
produtos apresentem maior resistência a pragas e doenças e como tal necessitem de utilizações
menores de produtos fitofármacos, de adubos e de medicação veterinária.
Outra área da produção agrícola que se adapta particularmente bem a uma escala familiar é a do
Modo de Produção Biológico (MPB). A crescente procura de alimentos obtidos segundo os princípios
da agricultura e produção biológica, veio também estimular esta produção específica e enriquecer,
ainda mais, o leque de alargado de produtos de qualidade em Portugal.
Com efeito o MPB tem sido a escolha para início de atividade agrícola de um número significativo de
jovens agricultores, sendo previsível que com o futuro quadro comunitário de apoios essa tendência
se possa desenvolver, correspondendo ao que tem sido o padrão europeu de desenvolvimento.
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Acresce que, a combinação do MPB com outros sistemas de qualidade, nomeadamente o regime DOP
e IGP, constitui uma simbiose de que resulta um acréscimo de garantia do respeito pelas regras e
princípios de sustentabilidade, correspondendo, simultaneamente aos mais elevados padrões e
garantias de segurança alimentar.
17. Referi-me a algumas das medidas do PDR com particular relevância para o nosso tema de hoje –
a agricultura familiar e o desenvolvimento rural - , em particular aquelas que se integram na missão
da DGADR, mas muitas outras serão
igualmente importantes. Estou a referir-me ao apoio aos
pequenos investimentos nas explorações agrícolas e na agroindústria (até 25 000 euros), à
diversificação das atividades em meio rural, à gestão do risco, nomeadamente os seguros agrícolas,
ao apoio à instalação de jovens agricultores, às ajudas á organização dos produtores, ou ainda, às
agroambientais ou às MZD.
O grande objetivo estratégico fixado para o novo PDR 2014-2020, de um crescimento sustentável
do sector agro-florestal em todo o território nacional, deve dar resposta a ganhos globais de
competitividade do setor e à sua sustentabilidade, tendo em conta os diversos tipos de agricultura
que temos, e igualmente ao desígnio de que cada vez mais nos possamos alimentar dos nossos
produtos, afinal “ daquilo que é nosso”.
18. A terminar gostaria de partilhar um desejo: que a celebração do Ano Internacional da Agricultura
familiar não seja apenas isso, mais uma efeméride, mas sim um passo que, pela enorme adesão que
tem vindo a merecer por parte de todos os atores públicos e da sociedade civil, antevejo de
gigante, no sentido de garantir que o reconhecimento, a valorização e o respeito pelos nossos
agricultores, independentemente da sua dimensão, permaneça porque todos compreendemos que
constituem o cerne da nossa agricultura, do nosso território, na nossa maneira de estar, afinal, de
nos ligarmos, todos os dias, à terra.
Filipa Horta Osório
Subdiretora-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural
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