XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" TEORIA SOCIAL E O LUGAR DA AGRICULTURA FAMILIAR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: ESTUDO ANALÍTICO-COMPARATIVO DAS CONTRIBUIÇÕES BRASILEIRAS AO DEBATE CIDONEA MACHADO DEPONTI. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL- PÓS-GRADUÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL -PGDR, MONTENEGRO, RS, BRASIL. [email protected] POSTER AGRICULTURA FAMILIAR TEORIA SOCIAL E O LUGAR DA AGRICULTURA FAMILIAR NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: ESTUDO ANALÍTICOCOMPARATIVO DAS CONTRIBUIÇÕES BRASILEIRAS AO DEBATE Grupo de Pesquisa: Agricultura familiar Resumo O tema agricultura familiar tem sido foco de inúmeras discussões teóricas, havendo diversos entendimentos a respeito de seu futuro na sociedade contemporânea, existindo desde aqueles que profetizam o seu desaparecimento até os que acreditam que esta categoria social é capaz de se manter e se reproduzir ao longo das gerações. Este artigo se propõe a uma reflexão sobre o lugar da agricultura familiar na sociedade contemporânea, realizando um estudo analítico-comparativo entre as perspectivas que se convencionou chamar de camponesa composta pelos trabalhos de Maria Nazaré Baudel Wanderley, de marxista clássica composta pelo trabalho de José Graziano da Silva e de neomarxista composta pelos trabalhos de Ricardo Abramovay, Bruno Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider. O texto visa a permitir a análise dessas perspectivas e a explicitar e refletir sobre seus fundamentos teóricos, almejando contribuir para o debate em torno da agricultura familiar, reafirmando a necessidade de compreensão da diversidade e da especificidade desta categoria social. Concluiu-se que a agricultura familiar entendida como uma categoria social não torna possível a construção de uma Teoria Social, mas sim de uma perspectiva teórica que permita a compreensão da realidade. Para a perspectiva neomarxista o lugar da agricultura familiar na sociedade contemporânea precisa ser 1 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" reconhecido pela sociedade e pelo Estado, necessitando de políticas públicas que assegurem sua reprodução. Para os marxistas clássicos seu lugar será conquistado num mundo rural diferenciado que considere não só as atividades produtivas convencionais, mas a produção de serviços e bens não-agrícolas. E, para a perspectiva camponesa o lugar da agricultura familiar sempre foi subalterno e secundário, sendo impossibilitado de desenvolver suas potencialidades, mas marcado por lutas para a manutenção de seu patrimônio sociocultural. Palavras-chaves: agricultura familiar, teoria social, desenvolvimento rural, sociedade contemporânea Abstract The familiar agricultural theme has been the focus of several theorical discussions, getting several agreement concerning the contemporary society future, existing since those who prophesize its desappearing to those who believe this social category is able to maintain and reproduce through generations. This article proposes a refletion about familiar agricultural in the contemporary society, taking an analytical/comparative study betwen the perspective we call “camponesa” by Maria Nazaré Baudel Wanderley works, by the classical marxist by José Graziano da Silva work and the classical neomarxist through Ricardo Abramovay, Bruno Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider works. The text permits the anlaysis of these perspectives and explicitate and reflect about theorical basis, aiming at contributing to the debate around the familiar agricultural, reinforcing the necessity of understanding the diversity and the specificity of this social category. The conclusion is that the familiar agricultural that is seen as a social category does not make the construction of a social theory, but a theorical perspective that allows the reality understanding. To the neomarxist perspective the place for the familiar agricultural in the contemporary society needs to be recognized throug the society and the State. It needs public politics that assure its reproduction. To the classical marxist it will take place in a different rural world that consider not just the conventional productives but also the services production and the non-agriculture issues. And to the “camponesa” perspective the place for familiar agricultural was always underground and secundary. It does not allow it to develop its potencialities and its marked for struggle to maintain its sociocultural patrimony. Key Words: familiar agricultural, social theory, rural development, diversity, contemporary society 1. INTRODUÇÃO O tema agricultura familiar tem sido foco de inúmeras discussões teóricas, havendo diversos entendimentos a respeito de seu futuro na sociedade contemporânea, existindo desde aqueles que profetizam o seu desaparecimento até os que acreditam que esta categoria social é capaz de se manter e se reproduzir ao longo das gerações. No Brasil, a expressão agricultura familiar ganhou projeção nacional no final dos anos 1980 e, principalmente, a partir da primeira metade da década de 1990. O debate, inicialmente, concentrou-se no campo político e, posteriormente, acadêmico. Verifica-se que os teóricos dos estudos rurais até o final dos anos 50 concentravam suas análises sobre a natureza das relações de produção no campo. A partir dos anos 90 surgiram pesquisas 2 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" com o intuito de conhecer o caráter familiar dos estabelecimentos agrícolas e suas formas de funcionamento, cuidando-se, portanto, de tema atual (SCHNEIDER, 1999). Este artigo se propõe a uma reflexão sobre o lugar da agricultura familiar na sociedade contemporânea, realizando um estudo analítico-comparativo entre as perspectivas camponesa e marxista (visão clássica e neomarxista) à luz das contribuições brasileiras ao debate. O texto visa a permitir a análise dessas perspectivas e a explicitar e refletir sobre seus fundamentos teóricos, sem, contudo, ter a pretensão de reconstruir toda a complexidade da discussão sobre o tema. Com isso, almeja-se contribuir para o debate em torno da agricultura familiar, reafirmando a necessidade de compreensão da diversidade e da especificidade desta categoria social. Há uma vasta bibliografia sobre o pensamento social agrário e sobre as condições e os obstáculos ao processo de desenvolvimento do capitalismo no campo. No entanto, este trabalho limita-se a estudar e discutir as questões referentes à agricultura familiar brasileira e ao seu espaço empírico. Para tanto, dividiu-se o corpo do artigo em três seções. A primeira trata da perspectiva camponesa em que o estudo se concentra na visão de Maria Nazaré Baudel Wanderley. A segunda trata da perspectiva marxista clássica focada no trabalho de José Graziano da Silva e na perspectiva neomarxista em que se analisam os trabalhos de Ricardo Abramovay, Bruno Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider. A terceira realiza uma discussão entre os autores retramencionados, enfocando as similitudes e as diferenças entre seus entendimentos. Com isso, se deseja responder as seguintes questões: Quais as principais contribuições dos autores brasileiros ao debate sobre a agricultura familiar? Como entender a persistência da agricultura familiar a partir da teoria marxista clássica? Quais as razões que levam os neomarxistas a explicarem a persistência das formas familiares ao longo do século XX? 2. PERSPECTIVA CAMPONESA A perspectiva camponesa dedica-se ao estudo do agricultor familiar como um personagem que, embora tenha capacidade de resistência e adaptação aos novos contextos econômicos e sociais, não está despido de seus traços camponeses, encontrando-se revestido de suas raízes e tradições. Nesse sentido, destaca-se Maria Nazaré Baudel Wanderley1 (1999), para quem os agricultores familiares modernos não são personagens novos completamente distintos de seus ancestrais camponeses, existindo, simultaneamente, pontos de rupturas e elementos de continuidade entre essas duas categorias sociais. Significativa é a afirmação da referida autora de que os agricultores familiares modernos “enfrentam os novos desafios com as armas que possuem e que aprenderam a usar ao longo do tempo” (1999, p.37), explicitando, dessa forma, que a força do passado não se enfraqueceu e permaneceu como uma referência, determinando as práticas e representações da família. 1 O trabalho de Wanderley tem respaldo teórico na proposta analítica de Hugues Lamarche, que “parece atualizar o modelo teórico estrutural-funcionalista proposto por Mendras” (Schneider, 1999, p. 62-64) e na concepção teórica de Chayanov sobre a organização da unidade econômica camponesa. 3 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Com isso, Wanderley remonta à proposta analítica de Hugues Lamarche2 (1993), segundo o qual a transmissão e a conservação de um patrimônio sociocultural exerce um papel fundamental no modo de funcionamento da agricultura familiar e constitui-se num modelo original para a atual geração de agricultores. O modelo de análise da exploração familiar de Lamarche “é um eixo escalonado, segundo o grau de integração no mercado, em cujas extremidades se encontra de um lado, o modelo original e de outro, o modelo ideal3” (SCHNEIDER, 1999, p. 62). O modelo original4 é onde o agricultor encontra suas referências históricas e reencontra suas tradições, ao qual permanece mais ou menos ligado, e o modelo ideal define suas aspirações quanto ao futuro. Esse eixo também pode ser visto sob outro prisma, ou seja, estando de um lado o patrimônio sociocultural que cada agricultor e sua família dispõem, e, de outro, as escolhas políticas que lhes dizem respeito, efetuadas pela sociedade global. O funcionamento da exploração familiar deve ser analisado dentro dessa dinâmica e a tomada de decisão é resultante de duas forças, uma representa o peso do passado e da tradição e a outra, a atração por um futuro com projetos a se realizar. As explorações familiares, em função da sua própria história e ambiente específico no qual funcionam, vão posicionando-se em um determinado lugar na escala (eixo). A partir da aludida proposta analítica de Lamarche, Wanderley (1999) preocupa-se em identificar o patrimônio sociocultural do campesinato brasileiro. Para a autora5 , tal patrimônio deve ser compreendido a partir das particularidades dos processos sociais vividos ao longo da história do Brasil, enfatizando-se que a agricultura familiar sempre ocupou um lugar secundário, subalterno na sociedade brasileira, sendo historicamente um setor bloqueado, impossibilitado de desenvolver suas potencialidades, pois quem se impôs como modelo dominante foi a grande propriedade. Tal fato leva o campesinato ao longo de sua história a utilizar estratégias em busca de um espaço próprio. Para isso, tanto no passado quanto atualmente, há uma preocupação do camponês não apenas com a subsistência (autoconsumo), mas também com o acesso ao mercado, almejando uma atividade mais estável e rentável, a fim de afastar a precariedade estrutural e a instabilidade do sistema de produção. O conhecimento e a experiência adquiridos com essa dupla preocupação serviram de base para a composição do patrimônio sociocultural do campesinato brasileiro, sendo transmitidos às gerações futuras (WANDERLEY, 1999). Wanderley (1999, p. 44) salienta, ainda, que a mobilidade espacial dos camponeses brasileiros não pode ser vista como uma ausência de vínculo com o território familiar e comunitário de origem ou uma indiferença com suas raízes. Ao contrário, os 2 Lamarche realizou uma pesquisa na França, no Canadá, na Tunísia e no Brasil, entre 1988 e 1989, sendo que as áreas brasileiras estudadas foram as regiões do Cariri, na Paraíba, o município do Leme, em São Paulo, e o município de Ijuí, no Rio Grande do Sul, tendo Wanderley composto a equipe de pesquisadores brasileiros. 3 O modelo ideal é um modelo de referência para o futuro, em que o agricultor projeta para o futuro uma determinada imagem de sua unidade de produção e organiza suas estratégias e toma suas decisões segundo uma orientação que tende quase sempre ir à direção dessa situação esperada (Lamarche, 1993, p. 17). 4 O modelo original, segundo o autor, está relacionado ao reconhecimento do papel fundamental exercido por um modelo anterior do modo de funcionamento da unidade familiar ao qual todo o agricultor se refere, mais ou menos conscientemente (Lamarche, 1993, p. 17). 5 Na pesquisa realizada por Wanderley juntamente com Lamarche, a autora concluiu que no Brasil há diversos modelos de agricultura familiar. No Nordeste, o modelo está focado no controle latifundiário da terra; em São Paulo, centrado na grande propriedade patronal; e, no Sul, baseado na tradição camponesa. 4 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" deslocamentos dos agricultores, decorrentes da pressão da grande propriedade e da lógica de migração para a fronteira, representam justamente uma forma de se lutar pela constituição de “um território familiar, um lugar de vida e de trabalho, capaz de guardar a memória da família e de reproduzi-la para as gerações posteriores”. Ainda conforme Wanderley (1999), a busca por um espaço próprio passa também pela luta pela reprodução do estabelecimento familiar. Para tanto, a unidade de produção camponesa utiliza-se do trabalho externo, seja realizando trabalho alugado para terceiros, seja empregando trabalhadores alugados no estabelecimento familiar. Tal estratégia está ligada à necessidade, muitas vezes, de se obter renda com a utilização do trabalho externo para garantir a reprodução da família e do estabelecimento familiar, em decorrência da precariedade e instabilidade do sistema produtivo camponês. Isso, contudo, não representa nem a decomposição da própria condição de produtor (proletarização), nem a sua transformação em empresário capitalista, porque na unidade produtiva camponesa não se verifica o desenvolvimento do capital enquanto relação social entre as pessoas envolvidas no processo de trabalho camponês. Wanderley, conforme se observa, defende que o agricultor familiar brasileiro não é um personagem passivo, pois, ao longo da história, tem buscado com suas forças traçar estratégias para lutar por seu espaço, adaptando-se às exigências da agricultura moderna sem perder os traços camponeses. Por isso, aliás, afirma a autora que o conceito de camponês é ressemantizado, na medida em que recorre a sua experiência camponesa, demonstrando a sua capacidade de resistência e de adaptação às transformações mais gerais da sociedade. 3. PERSPECTIVA MARXISTA A perspectiva marxista é aquela em os autores comungam com a teoria marxista, ou seja, com o poder explicativo da dialética. Esta perspectiva foi dividida em duas: a visão marxista clássica, em que os filiados encontram respaldo teórico nos trabalhos de Marx, Lênin e Kautsky, e a perspectiva neomarxista, onde há um pluralismo teórico que encontra respaldo na Sociologia da Agricultura e em alguns elementos desenvolvidos por Chayanov. 3.1. Visão marxista clássica Entre os autores que compõem a perspectiva que se denominou marxista clássica, será o objetivo dessa seção a discussão sobre a colaboração de José Graziano da Silva e do trabalho realizado pela FEE ao debate. Graziano da Silva (1999), através de uma pesquisa empírica realizada em 1982, analisou o caso dos produtores de feijão da região de Itararé, em São Paulo. A argumentação de Graziano se apóia na teoria da diferenciação social de Lênin que ampliou a concepção teórica da divisão de classes proposta por Marx. Para Marx, o que caracteriza uma classe social é sua posição no processo de produção, sua relação com o sistema de propriedade. No capitalismo, dois tipos diferentes de possuidores de mercadorias irão confrontar-se: a burguesia (proprietários do dinheiro, dos meios de produção e dos meios de subsistência) e o proletariado (vendedores da própria força de trabalho) (MARX, 1996). Esta categorização em classes sociais antagônicas delineia a antítese dentro do pensamento marxista e representa a base objetiva dos conflitos políticosociais e das transformações históricas (SANDRONI, 1994). 5 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Resumidamente, conforme a teoria marxista, no capitalismo há uma separação entre os meios de produção e o trabalho, os donos da força produtiva apropriam-se do excedente gerado pelos trabalhadores. Portanto, não seria possível a existência de uma classe social que fosse ao mesmo tempo detentora dos meios de produção e vendedora da sua força de trabalho. O trabalho de Graziano da Silva filia-se à teoria da diferenciação social desenvolvida por Lênin em seu livro, intitulado, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia, em que elaborou uma contribuição à discussão sobre a teoria social e o desenvolvimento agrário, apontando vários aspectos. Dentre aqueles que servirão para a compreensão do tema proposto neste artigo, resumidamente, apresenta-se (LÊNIN, 1988, 112-119): a) o conjunto de contradições existentes no interior do campesinato constitui o que Lênin denominou de desintegração do campesinato, ou descamponização que significa a destruição radical do antigo campesinato patriarcal e a criação de novos tipos de população rural; b) a desintegração do campesinato provoca um desenvolvimento de grupos extremos, em detrimento do campesinato médio. O primeiro deles é a burguesia rural ou o campesinato rico que engloba cultivadores independentes, proprietários de estabelecimentos industriais-comerciais, etc. O outro tipo novo é o proletário rural, a classe dos operários assalariados que possuem um lote comunitário, envolve o campesinato pobre, como o assalariado agrícola, o diarista, o peão, o operário da construção civil ou qualquer outro com um lote de terra; c) o elo intermediário entre os dois tipos de campesinato anteriores é o campesinato médio, considerado sob os desígnios da economia mercantil como o grupo menos desenvolvido. Em função das relações sociais desenvolvidas pelos camponeses médios, eles oscilam entre o grupo superior, em torno do qual gravitam e apenas uma pequena minoria de favorecidos consegue penetrar, e o grupo inferior, para onde os empurra todo o processo de evolução social. Assim, ocorre o fenômeno especificamente próprio da economia capitalista, o fenômeno de eliminação dos camponeses médios e a intensificação dos extremos, denominada descamponização. Segundo Graziano da Silva (1999), a política tecnológica apresenta papel relevante no direcionamento dos processos de diferenciação e de decomposição do campesinato, tanto no sentido ascendente, como no sentido descendente. A tecnologia é um dos elementos que afeta diretamente o funcionamento das economias camponesas, sendo responsável, muitas vezes, pelas transformações em nível interno da unidade produtiva e em nível de suas relações com a sociedade. Para o autor, há uma grande dificuldade de delimitar e caracterizar o setor camponês na agricultura brasileira, devido a sua dispersão e variabilidade de formas. O Brasil, diferentemente de outros países latino-americanos, não apresenta um setor camponês perfeitamente identificável e localizado em regiões delimitáveis, disso resulta a dificuldade de apresentar resultados analíticos generalizáveis e a dificuldade que provém da inexistência de dados globais sobre algo que possa ser rigorosamente chamado de setor camponês. Graziano da Silva (1999), concluiu, a partir do estudo realizado em Itararé, que uma modificação tecnológica concebida e sustentada politicamente para atender aos objetivos da economia global assume um caráter impositivo sobre a dinâmica do setor camponês local, estabelecendo uma nova dinâmica que obriga os pequenos produtores a adotar um patamar tecnológico mínimo, porque sem ele não será garantida a sua sobrevivência. 6 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Destaca que as mudanças tecnológicas introduzidas na produção de feijão em Itararé aceleraram o processo de diferenciação camponesa, sendo esta diferenciação ascendente, em função da interferência do Estado, através da política agrícola. O entendimento do processo de diferenciação e decomposição camponesa é vital para a compreensão do trabalho de Graziano. Conforme o autor (1999, p; 180), tais processos podem ser expressos: Por “diferenciação camponesa” se entende o processo de transformação das unidades de produção (camponesa) em sentido ascendente ou descendente, tornando-as “mais ricas” ou “mais pobres”, porém, mantendo os traços típicos da produção camponesa, como o uso da força de trabalho familiar como base de produção. O processo de “decomposição” das economias camponesas, por sua vez, significa que as transformações a que está submetida a unidade de produção foram tão profundas que a levaram, num sentido ascendente, a transformar-se numa unidade capitalista de produção (capitalização) ou, num sentido descendente, a perder a condição de unidade produtora autônoma (proletarização). No processo de decomposição, como se pode perceber, as unidades perdem o caráter camponês e se transformam em outros tipos de empresa ou levam a família camponesa ao assalariamento total ou parcial. Segundo Graziano da Silva (1999), o debate sobre a pequena produção, no Brasil, ficou prejudicado pela falta de clareza. Não obstante, três estereótipos podem ser levantados: o produtor de subsistência, o produtor familiar eficiente e o produtor com pluriatividade. Esses tipos sofrem mecanismos de diferenciação e de decomposição, formando categorias intermediárias que dificultam a caracterização das classes sociais. O autor destaca a dificuldade de apresentar uma posição quanto ao futuro desses indivíduos, às vezes chamados de agricultores familiares, às vezes de pequenos produtores ou camponeses, afirmando que esses “tipos” não são nem proletários, nem capitalistas típicos e que em função disso fica difícil não repetir as velhas propostas para evitar constrangimentos e omissões (GRAZIANO DA SILVA, 1999). Graziano da Silva destaca que a pequena produção é determinada pela dinâmica do núcleo capitalista da economia brasileira e que o processo de diferenciação em que se vêem submetidos exige um esforço permanente do pequeno produtor para não ser levado à decomposição (proletarização). Finalmente, o autor conclui preconizando que uma política de desenvolvimento rural precisa articular um amplo conjunto de outras políticas não-agrícolas que ampare os trabalhadores rurais menos favorecidos, em que políticas sociais compensatórias se convertam em instrumentos auxiliares para as políticas tradicionais. Assim será possível uma política de desenvolvimento rural que objetive o combate à pobreza do campo. 3.3. Perspectiva neomarxista Dentre os autores brasileiros, aqui denominados neomarxistas, Ricardo Abramovay, Bruno Jean, Delma Pessanha Neves e Sérgio Schneider são os estudados. Embora esses autores pertençam à mesma perspectiva, há um pluralismo quanto a seus aportes teóricos e suas explicações para a persistência das formas familiares na sociedade contemporânea. O trabalho de Ricardo Abramovay é de grande importância para os estudiosos da Teoria Social no Brasil, na medida em que descortina algumas incongruências epistemológicas do marxismo, contribuindo para derrubar a falaciosa dicotomia em torno do caráter moderno/tradicional ou capitalista/camponês no interior das Ciências Sociais, no Brasil (SCHNEIDER, 1999). 7 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" O estudo de Abramovay fundamenta-se numa cuidadosa revisão bibliográfica sobre as contribuições teóricas dos clássicos do marxismo com relação à questão agrária (Lênin e Kautsky). O autor buscou demonstrar em seu trabalho que a existência e reprodução do camponês, de acordo com a teoria marxista, seria logicamente impossível. É impossível encontrar na estrutura d’ O capital um conceito de camponês. Se, do ponto de vista marxista, é possível falar conceitualmente em classe operária e burguesia, campesinato é uma expressão que não encontra lugar definido no corpo de categorias que formam as leis básicas de desenvolvimento do capitalismo (ABRAMOVAY, 1998, p. 35). O autor afirma que a racionalidade econômica da unidade produtiva camponesa é incompleta e que o ambiente social e outros critérios não-econômicos organizam sua vida. Não se pode compreender o campesinato com base no comportamento econômico. Abramovay busca respaldo em Chayanov ao afirmar que é em torno da família que os modelos camponeses operam, mas é nos mercados que se inserem. É neste fato que se encontram os fatores socialmente explicativos das sociedades camponesas. Abramovay (1998) resgata as características das sociedades camponesas (sociedade parcial com cultura parcial, reciprocidade, sociedade de interconhecimento, ética da subsistência, aversão ao risco, personalização de vínculos sociais, ausência de contabilidade racional) e reforça em especial duas características citadas por Ellis (1988) que definem os traços básicos do campesinato: a) integração parcial aos mercados; e, b) existência de mercados incompletos/imperfeitos. Conforme o autor, as sociedades camponesas são incompatíveis com o ambiente econômico onde imperam relações claramente mercantis e o ambiente onde se desenvolve a agricultura familiar contemporânea é aquele que vai asfixiar o camponês, obrigando-o a se despojar de suas características constitutivas. Se o campesinato pode ser definido por sua integração parcial a mercados imperfeitos, sua capacidade de sobreviver no interior de sociedades capitalistas será extremamente precária, em função de que o mercado acaba substituindo o código que orienta a vida camponesa, e por aí rouba a possibilidade de sua reprodução social (ABRAMOVAY, 1998). Segundo Abramovay, nem Marx e nem Weber poderiam prever, quando falavam da incompatibilidade do campesinato com o capitalismo, ou seja, o extermínio social do campesinato, o surgimento de outras formas de produção baseada na família como dominante no mundo capitalista contemporâneo. A agricultura familiar, para o autor, encontra-se inteiramente despojada de seus traços camponeses ancestrais, embora em alguns casos possa resultar da evolução de formas camponesas, mas se distingue dessa forma social pela inserção em um ambiente marcadamente capitalista que aniquila irremediavelmente a produção camponesa. Para Abramovay (1998) os elementos que explicam a predominância da agricultura familiar na sociedade contemporânea estão nas suas particularidades naturais, pois operando com base em elementos vivos, a agricultura opõe obstáculos intransponíveis ao avanço da divisão do trabalho, não havendo vantagens decorrentes do tamanho das empresas e do uso de assalariados, como na indústria. A impossibilidade de industrialização da agricultura, segundo o autor, impede que o setor agrícola trilhe o rumo seguido por outros setores da vida econômica. Bruno Jean é outro autor componente da perspectiva neomarxista. Segundo Jean (1993), a agricultura familiar tem sido capaz de gerar uma curiosa capacidade de manter-se e reproduzir-se ao longo das gerações. Para o autor, a agricultura familiar é produto do próprio desenvolvimento da economia agrícola moderna. Esse fato deve-se à 8 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" especificidade do processo de trabalho agrícola e à racionalidade particular da produção agrícola familiar. O agricultor moderno apresenta uma tríplice identidade: proprietário fundiário, empresário privado e trabalhador. Dessa tríplice identidade três rendas são geradas, respectivamente: a renda da terra, o lucro e o salário. Contudo, não é o agricultor moderno que acumula as três rendas, mas a sociedade que mantém relações com o agricultor moderno. A sociedade apenas lhe oferece um salário baixo diante da complexidade de seu trabalho. “Este personagem trinitário que é o agricultor moderno teve que doar a renda fundiária e o lucro capitalista à economia e à sociedade, para sobreviver, buscando apenas um salário mínimo para subsistir” (JEAN, 1993, p. 5). Este argumento de Jean está respaldado pelas explicações de Marx para a pequena produção parcelária em que destaca que nesta o camponês é proprietário livre da terra, mas a agricultura se destina em grande parte à subsistência imediata e a terra é indispensável campo de atividade do trabalho e do capital. No caso da pequena propriedade camponesa, o camponês apenas receberá o equivalente a sua sobrevivência, conforme Marx (1996, p. 923), O lucro médio do capital não limita a exploração da pequena propriedade, enquanto o camponês é pequeno capitalista, tampouco a limita a necessidade de uma renda, enquanto ele é proprietário da terra. Embora pequeno capitalista, o único limite absoluto para ele é o salário que paga a si mesmo, após deduzir os custos propriamente ditos. Enquanto o preço do produto a cobrir, cultivará a terra, e freqüentes vezes, submetendo-se a salário reduzido, ao mínimo vital. O agricultor moderno não contabiliza seu tempo de trabalho atribuindo um salário apenas suficiente para se manter na atividade e assim, fazendo concorrência com o empresário agrícola que precisa realizar a taxa média de lucro. Para Jean, a identidade trinitária e a relação que agricultor familiar apresenta com as rendas geradas contribui para a colocação da agricultura familiar como um produto do próprio desenvolvimento da economia capitalista moderna, não apresentando vestígios do passado ou de modos de produção anteriores. A economia capitalista parece colaborar para a consolidação da propriedade agrícola familiar. Significativa é a crítica do referido autor as perspectivas marxista e camponesa em que afirma que a primeira tem se debatido com a necessidade de fazer revisões dolorosas para a teoria explicar a realidade, já que a agricultura familiar persistiu e não desapareceu conforme as previsões teóricas, e a segunda que defende uma forma de produção em que a força do passado permanece como referência e preserva sua originalidade um tanto anacrônica, conforme Jean. Segundo o autor (1994), a persistência da agricultura familiar justifica-se pelos seguintes fatores: a) pela própria especificidade do trabalho agrícola, da agricultura e da racionalidade do produtor rural. A agricultura familiar mostrou-se melhor adaptada para responder às exigências e aos imperativos da sociedade moderna, a saber: produção de gêneros alimentícios com o mais baixo custo possível; segurança de abastecimento alimentar, garantia de estabilidade do poder político; 9 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" b) pelo papel do Estado, através da política agrícola. Os agricultores familiares mantêm relações contraditórias com o aparelho de gestão pública, utilizando-se dele, mas ao mesmo tempo desconfiando dele; O papel do Estado é absolutamente essencial para compreender a consolidação das unidades familiares na economia agrícola moderna, mas, segundo o autor, permanece insuficiente para explicar o espantoso sucesso da forma produtiva agrícola constituída pela exploração familiar moderna. Jean, ainda, salienta como conseqüência da existência da propriedade rural familiar moderna nas economias agrícolas, a capacidade de adotar inovações ou intensificar a produção e o modo de inserção numa economia de mercado. “A exploração agrícola familiar soube demonstrar uma extraordinária plasticidade nas diferentes conjunturas econômicas, técnicas e políticas” (JEAN, 1993, p. 26). A capacidade de adaptação da agricultura familiar, segundo Jean, permitirá a ela estar presente no encontro marcado na era pós-moderna. Essa capacidade irá atuar a seu favor no processo de transição para a agricultura sustentável, em que se redescobrirá as demais funções essenciais da agricultura, como a ocupação do território; a manutenção dos equilíbrios ecológicos; a conservação das paisagens; a manutenção da fertilidade natural dos solos. Outra autora que pertence à perspectiva neomarxista é Delma Pessanha Neves. Para ela, a classificação dual entre unidade familiar e unidade capitalista é inadequada. A primeira seria aquela na qual as atividades são realizadas em sua grande maioria por trabalho familiar, orientadas para o atendimento da reprodução da unidade de produção e da condição de proprietária dos meios de produção e para a resistência à proletarização e, a segunda é caracterizada pelo trabalho assalariado, pela obtenção de mais valia e reprodução ampliada do capital e pela busca constante de aumentos de produtividade e de rentabilidade (NEVES, 1995). Segundo Neves, este raciocínio classificatório impõe um engessamento do entendimento. A autora derruba a crença da existência de uma contraposição entre uma racionalidade econômica atribuída à empresa capitalista que expurgaria a sociabilidade, as relações personalizadas, a reciprocidade e uma racionalidade social atribuída à unidade familiar de produção ou à unidade camponesa que reproduziria relações personalizadas, submetidas ao controle de regras familiares e de resistência à integração ao sistema social abrangente. Conforme a autora, a suposição de que os produtores ditos familiares se orientam pela minimização da dependência ao mercado e pelo autoconsumo excluem a consideração de sua motivação na luta pelo acesso a determinados recursos e serviços, bens simbólicos e culturais. Os produtores são reduzidos a agentes econômicos no sentido restrito, assim a compreensão do jogo de força, da luta de classe, do controle da renda são secundarizados (NEVES, 1995). À medida que as unidades de produção passam a operar sob o domínio do capitalismo, as relações internas da unidade de produção são alteradas pela especialização das atividades, pela intensificação do trabalho e da produção mercantil e pela maior monetarização do consumo produtivo e improdutivo. Nem sempre o trabalho familiar é o gerador básico da produção. Em algumas situações, é possível que o trabalho assalariado constitua a maior parte do trabalho utilizado na produção de um produto, mesmo sendo a propriedade gerida pela família. No entanto, estas unidades de produção continuam sendo consideradas não-capitalistas. 10 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Os argumentos da autora para explicar tal fato são os seguintes: a) as unidades consideradas capitalistas operam a partir da oposição entre trabalho e capital e reproduzem essa relação de classe; b) o fato de o dinheiro estar pagando um serviço não significa que esteja operando como capital, não é o dinheiro que por sua natureza estabelece a função do capital; c) o trabalho excedente e a renda deste trabalho se transformam em capital se o volume dos meios de produção for suficiente para pagar a força de trabalho e gerar uma parcela excedente, se o valor gerado na produção for revalorizado; d) as unidades familiares que utilizam mão-de-obra assalariada ou vendem a força de trabalho de forma temporária ou permanente redistribuem o uso dos meios de produção. Em alguns casos o trabalho assalariado pode melhorar as condições de reprodução devido a remuneração da família em atividades não agrícolas ser maior. O uso de força de trabalho familiar ou o uso de trabalho assalariado podem complementar-se e constituir respostas provisórias a determinadas conjunturas. Ainda conforme a autora, nos estudos relacionados à agricultura familiar e a suas estratégias de reprodução, deve-se considerar que o funcionamento pleno da unidade produtiva pode não ser o objetivo maior da unidade familiar. Deve-se considerar, ademais, que existe uma organização entre princípios de organização da produção e do trabalho e de projetos familiares resultantes da dinâmica de organização familiar. Torna-se importante para compreensão das condições de adaptação e reordenação das unidades de produção o estudo das determinações sociais, das tendências e dos contextos em que as formas de trabalho familiar e assalariado são utilizadas (Neves, 1995). Interessante é a afirmação da referida autora de que a adoção do caráter familiar como característica determinante ou distintiva reduz a compreensão. “Valorizar o caráter familiar como forma de reconhecimento do caráter social é toma-lo como domínio mutilado” (NEVES, 1995, p. 30). Neves salienta que a análise da unidade de produção não deve valorizar um único sentido, o econômico ou o familiar, ou seja, a unidade familiar não deve ser vista apenas por duas óticas: a economicista, produtivista e a social, camponesa, outros aspectos devem ser considerados como as representações, a ideologia e a prática social. Conclui-se do trabalho de Neves que existem especificidades nas relações entre a unidade de produção e a unidade familiar, há interesses múltiplos, projetos e estratégias variadas que nem sempre convergem no mesmo sentido. A adoção de um único modelo explicativo não reconhece e explica toda a multiplicidade e heterogeneidade presente em cada situação. A autora sugere que para a compreensão das especificidades e intercessões, a unidade familiar e a unidade de produção devem ser analisadas através dos agentes e filiações. A valorização das opções e alternativas tomadas pelos agricultores, o reconhecimento destes como agentes sociais de fato ajudam a entender a novas exigências e estilos de vida que conduzem às mudanças nestas unidades, no sistema local e nas formas de inserção social. Quando se trata de explicar a manutenção de formas familiares de organizar a produção, não se poderia deixar de estudar os trabalhos de Sérgio Schneider, pois, com rigor acadêmico, este autor se propõe a aprofundar o conhecimento sobre a agricultura familiar e suas possibilidades de desenvolvimento social e econômico no espaço rural. O trabalho de Schneider visa a explicar e a compreender a persistência das formas familiares na sociedade moderna, não exclusivamente, pelo papel que exercem no processo de acumulação de capital. Segundo do autor (1999, p. 6), tal compreensão “recoloca o poder explicativo na dialética”, destacando que é a dialética que se deve recorrer para 11 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" explicar o porquê estas formas familiares não assumiram as características das relações capitalistas clássicas e, mesmo assim, persistem e difundem-se. Para responder a tal questionamento, o autor promove um diálogo entre a Sociologia da Agricultura6 e o modelo analítico desenvolvido por Alexander Chayanov. A primeira é influenciada pela tradição marxista clássica (Marx, Lênin e Kautsky) e pelos chamados neomarxistas, sendo caracterizada por uma clara preocupação com o estudo da estrutura da agricultura a partir de uma perspectiva crítica, e o segundo apresenta uma proposta original de compreensão dos processos internos de funcionamento das unidades familiares de produção. Assim, o autor procura preencher as lacunas dessas teorias para a explicação do tema proposto, pois considera que os estudos realizados pela Sociologia da Agricultura privilegiam os aspectos econômicos e que algumas considerações de Chayanov devem ser atualizadas, permitindo assim o maior conhecimento possível do ambiente familiar, de seus planos, das suas estratégias de busca de alternativas materiais à sua reprodução social. Conforme Schneider (1999, p. 18-19), deve-se reconhecer que a teoria marxista foi capaz de mostrar como algumas formas sociais foram superadas e eliminadas, abrindo espaço para novas categorias que se incorporam às formas pré-existentes. “Nenhuma outra tradição teórica do pensamento social foi capaz de produzir interpretações tão vigorosas e abrangentes sobre o desenvolvimento do capitalismo na agricultura e as transformações das sociedades rurais e agrárias nesse século” (SCHNEIDER, 1999, p. 19). Para o autor, quatro elementos auxiliam para compreensão das formas familiares em sociedades capitalistas, a saber: a) a forma e o uso do trabalho – as unidades familiares utilizam a força de trabalho de seus membros e, às vezes, contratam trabalho temporário; b) os obstáculos da natureza – esses obstáculos impedem que a agricultura funcione como uma indústria, as barreiras naturais bloqueiam o desenvolvimento de economias de escala na agricultura; c) a teoria social – privilegiou o enfoque macrossocial e econômico sem considerar e reconhecer a capacidade de adaptação e interação das formas familiares com o ambiente social e econômico; d) a própria natureza das unidades agrícolas – é o elemento central, pois está assentada em relações de parentesco e herança. Segundo o autor, é no interior da família e do grupo doméstico que se localizam as principais razões que explicam a sobrevivência de certas unidades e o desaparecimento de outras. Schneider ainda destaca que as famílias têm um papel ativo, pois a continuidade de sua reprodução depende de suas decisões e estratégias. “A reprodução social, econômica, cultural e simbólica das formas familiares dependerá de um intricado jogo pelo qual as unidades familiares se relacionam com o ambiente e o espaço em que estão inseridas” (SCHNEIDER, 2003, p. 114). Para o autor há necessidade de se aceitar a hipótese de que mesmo que estas formas familiares estabeleçam relações com o modo de produção dominante, o capitalismo, elas não assumem um caráter capitalista. Ou seja, a contratação eventual de assalariados, a venda da força de trabalho (atividades não agrícolas), e a venda de produtos agrícolas realizada pelas formas familiares não levam a sua classificação como capitalistas. 6 Para maiores detalhes sobre o tema buscar em Agricultura Familiar e Pluriatividade – em que o autor Sérgio Schneider descreve e analisa de forma pormenorizada o entendimento de vários neomarxistas, entre eles: Goodman, Mann, Friedmnan em relação ao tema. 12 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" 4. DISCUSSÃO ENTRE AS PERSPECTIVAS E OS AUTORES Realizar um diálogo entre as perspectivas e os autores não é uma tarefa simples, por isso levantam-se algumas questões consideradas relevantes e traçam-se algumas similitudes e diferenças. A utilização do termo agricultura e agricultor familiar não é um consenso entre os autores estudados, contudo acredita-se estar se tratando de uma mesma categoria social. Wanderley utiliza os termos agricultor familiar e camponês, Tedesco usa colono e camponês, Graziano da Silva aceita pequeno-produtor, camponês e agricultor familiar como sinônimos, Neves utiliza agricultor familiar e produtor, Jean utiliza agricultor familiar moderno e Schneider usa agricultor familiar e formas familiares. Quanto à percepção do agricultor como um sujeito ativo, um agente, destaca-se a posição de quatro autores Schneider, Neves, Wanderley e Tedesco que deixam explícitos em seus trabalhos essa questão. Isso não quer dizer que os demais autores não concordem com tal posição, apenas que não colocam claramente tal afirmação nos textos analisados. Outro aspecto não menos importante está relacionado ao trabalho externo e à contratação de trabalho assalariado. Tanto Neves e Schneider, como Tedesco e Wanderley deixam claro que este fato não leva à transformação do agricultor familiar em capitalista nem em proletário. Os quatro autores utilizam argumentos parecidos para suas conclusões, embora pertençam a perspectivas diversas e apresentem aportes teóricos distintos para explicar tal fato. Tedesco e Wanderley explicam esses fatos como estratégias de adaptação do camponês, como características do campesinato tradicional mantidas pelos agricultores familiares. Já Neves e Schneider enfatizam a adaptação das formas familiares e suas modificações internas frente ao domínio capitalista. Os primeiros autores focam na redefinição, na força do passado e na permanência de práticas e de referências camponesas. Os últimos salientam a presença de um novo personagem. Juntamente com Schneider e Neves, ainda, se encontram Abramovay e Jean que consideram a existência de uma agricultura familiar que se metamorfoseia e se adapta ao sistema dominante. Na comparação entre as perspectivas, as principais diferenças detectadas resumemse em: a perspectiva marxista clássica distingue-se das demais, em função da teoria adotada, fundada em Marx e Lênin, assumindo, portanto, a postura de que a agricultura familiar tende a capitalizar-se ou proletarizar-se. No entanto, esta perspectiva ainda permite “dar um fôlego” a agricultura familiar através das políticas públicas. A perspectiva camponesa e neomarxista distinguem-se, principalmente, pela corrente teórica seguida. A primeira, embasando suas conclusões em Mendras e Lamarche (nas teorias das sociedades camponesas) e a segunda em Marx e na Sociologia da Agricultura (na teoria da family farming americana). Ambas, se apóiam em Chayanov, sendo que a neomarxista prima pela reformulação de algumas idéias. Comparando os autores de uma mesma perspectiva, verifica-se que dentro da visão camponesa, Tedesco não utiliza os modelos de tipologias de Lamarche, contudo filia-se a corrente dos estudos do campesinato juntamente com Wanderely. Na visão marxista clássica, os dois trabalhos (Graziano e FEE) embora analisados a partir da teoria da diferenciação social de Lênin, nenhum deles menciona importante fato, mas salienta-se que ambos chegam a conclusões muito próximas. Na visão neomarxista, encontra-se a maior dificuldade de apresentar uma conclusão unânime, porque os autores levantam o maior 13 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" número de questões distintas. Longe de pretender resumir em poucos aspectos importantes trabalhos desenvolvidos com alto rigor científico, ressaltam-se algumas contribuições ao debate: Abramovay diferencia camponês de agricultor familiar; Jean coloca a agricultura familiar como um produto do desenvolvimento da economia agrícola moderna, Schneider trata da natureza própria das formas familiares e Neves sugere que as unidades de produção sejam pensadas como expressões das posições ocupadas pelos agricultores e seu reconhecimento como agentes sociais. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando a agricultura familiar como uma categoria social não é possível a construção de uma Teoria Social, mas sim de uma perspectiva teórica que permita a compreensão da realidade e a medida que esta perspectiva se aproxima da realidade mais forte e preponderante ela se tornará. O estudo foi realizado a partir da análise de algumas perspectivas desenvolvidas por estudiosos brasileiros preocupados em entender o “fenômeno” da agricultura familiar. Apesar de o Brasil estar atrasado com o debate sobre a agricultura familiar se comparado com a Europa e os Estados Unidos, na América Latina é o país onde este debate está mais adiantado e tem gerado muitas discussões e, até mesmo, controvérsias. Os autores estudados apresentaram várias contribuições significativas ao engrandecimento do debate, ressaltam-se apenas algumas dessas contribuições: Tedesco lança o termo ethos camponês e aprofunda o estudo do modo de vida, das relações de trabalho e familiares do colono; Abramovay descortina o termo camponês na teoria marxista e destaca a metamorfose da agricultura familiar; Neves derruba a dicotomia atrasado/camponês e moderno/capitalista; Jean revela as demais funções da agricultura (multifuncionalidade); Schneider promove um diálogo inovador entre a Sociologia da Agricultura e Chayanov; Graziano salienta a importância das políticas públicas para reduzir a pobreza no meio rural. Quanto à persistência da agricultura ao longo do século XX, concluiu-se que para a perspectiva marxista a agricultura familiar tende ao processo de diferenciação ou decomposição. Processo que tarda a acontecer, porém há que se considerar a tenra idade do capitalismo e a intervenção estatal que poderá promover mudanças sociais no meio rural. Graziano da Silva concentra-se nas políticas públicas estruturais e compensatórias e no papel do Estado para explicar tal fato e o estudo da FEE não apresenta conclusões a esse respeito. Para a perspectiva camponesa a agricultura familiar persiste porque se adapta aos novos contextos e se reveste de suas raízes e tradições. Wanderley foca-se na existência e permanência do campesinato no Brasil e Tedesco ressalta a redefinição e adaptação do colono. Para a perspectiva neomarxista os autores apontam características distintas para explicar tal fato: Abramovay centra-se nos obstáculos naturais da agricultura e na inexistência de sua industrialização; Schneider foca-se na própria natureza das formas familiares assentadas nas relações de parentesco e herança e na sua reprodução dependente de suas decisões e estratégias; Jean salienta a capacidade de adaptação da agricultura familiar moderna; e, Neves embora relativize o peso imposto aos valores familiares na produção preconizando a consideração dos agricultores como agentes sociais, não apresenta argumentos explícitos para explicar tal fato. 14 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" Quanto ao lugar da agricultura familiar na sociedade contemporânea, afirma-se: para os neomarxistas é um lugar que precisa ser reconhecido pela sociedade e pelo Estado, que necessita de políticas públicas que assegurem sua reprodução. Para os marxistas clássicos seu lugar só é possível num mundo rural diferenciado que considere não só as atividades produtivas convencionais, mas a produção de serviços e bens não-agrícolas. Para a perspectiva camponesa o lugar da agricultura familiar sempre foi subalterno e secundário, sendo impossibilitado de desenvolver suas potencialidades, mas marcado por lutas para a manutenção de seu patrimônio sociocultural. Apresentar uma conclusão definitiva sobre o tema é uma tarefa árdua em função deste ser relativamente novo e a discussão das questões supra citadas começaram a se desenvolver nos anos 90. No momento não se arrisca fazer uma filiação a uma determinada perspectiva, porém enfatiza-se a necessidade de atuação por parte do Estado através de políticas que permitam o desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Unicamp e Hucitec, 1998 (cap. 1, 2, 3, 4 e 8); CHAYANOV, A. V. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas. In: SILVA, J. G., STOLCKE, V. A questão agrária. São Paulo, Brasiliense, 1981; CHAYANOV, A. V. La Organización de la Unidad Economica Campesina. Buenos Aires, Nueva Vision, 1974 (Cap. 1, 2 e 3); GRAZIANO DA SILVA, J. Tecnologia e Agricultura Familiar. Porto Alegre, Ed. UFRGS, 1999. (Capítulos 6 e 7); JEAN, B. A forma social da agricultura familiar contemporânea: sobrevivência ou criação da economia moderna. Cadernos de Sociologia, PPGS/UFRGS, Porto Alegre, v. 6, p. 76-89, 1994; LAMARCHE, H. (Coord.). A agricultura familiar (Tomo I, Introdução Geral, pg. 13-34) e Tomo II (As Lógicas Produtivas pg. 61-88 e Por uma Teoria da Agricultura Familiar, pg. 303-338). Campinas, Editora da UNICAMP, 1993 e 1999; LÊNIN, I. U. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. São Paulo, Nova Cultural, 1988. (Os Economistas) [Prefácio + Cap 1, 2 e 8]; MARX, K. O Capital. O processo global de produção capitalista. Tradução Reginaldo Sant'Anna, São Paulo, Difel, 1996. Acumulação Primitiva (1.a) [Livro 1, Cap. 24, p.828-882] Renda da Terra (1.b) [Livro 3, Seção VI, Cap. 37 e 47 p. 705-733 e 897931]; NEVES, D. Agricultura familiar: questões metodológicas. Revista Reforma Agrária, Campinas, v.25, p.21-37, maio/dez., 1995; NEVES, D. Agricultura familiar: categoria de ação política. In: LOPES, E.S.A.;MOTA, D.M. e SILVA, T.E.M. (Org.) Ensaios: desenvolvimento rural e transformações na agricultura. Embrapa/Universidade Federal Sergipe, 2002, p. 135-159; SANDRONI, P. Novo Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Best Seller, 1994, p. 229; SCHNEIDER, S. Teoria social, agricultura familiar e pluriatividade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, V. 18, nº 51, p.99-123, 2003; 15 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural XLV CONGRESSO DA SOBER "Conhecimentos para Agricultura do Futuro" SCHNEIDER, S. Agricultura familiar e pluriatividade. Tese de Doutorado. Porto Alegre: UFRGS, 1999. 470 p. (Cap. 1 e 2); SCHNEIDER, S. A Pluriatividade na agricultura familiar. POA, UFRGS, 2003 (Cap 2 e 3); WANDERLEY, M. N. B. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Rio de Janeiro, In: Estudos Sociedade e Agricultura, 2003, nº 21, [p. 42-62]; WANDERLEY, M. N. B. A Agricultura familiar no Brasil: um espaço em construção. In Revista da ABRA, nº 2/3, V. 25, mai-dez, 1995; WANDERLEY, M. N. B. Raízes históricas do campesinato brasileiro. In: TEDESCO, J. C. Agricultura familiar: realidades e perspectivas. Passo Fundo, Ed. UPF, 1999, (p.23-56); WANDERLEY, M. N. B. O Brasil: agricultura familiar ou latifúndio? In: LAMARCHE, H. A Agricultura Familiar. Campinas, Ed Unicamp 1998. V.2, p.27-31. 16 Londrina, 22 a 25 de julho de 2007, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural