UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Hugo Alexandre da Silva Ferreira
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO NA ARTE
CURITIBA
2011
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO NA ARTE
CURITIBA
2011
Hugo Alexandre da Silva Ferreira
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO NA ARTE
Monografia apresentada como requisito parcial à
obtenção do grau de Especialista em Ensino das
Artes Visuais, Universidade Tuiuti do Paraná,
Programa de Pós-Graduação, Especialização em
Ensino das Artes Visuais: Práticas Pedagógicas e
Linguagens Contemporâneas.
Orientadora: Profª. Ms. Simone Landal
CURITIBA
2011
TERMO DE APROVAÇÃO
Hugo Alexandre da Silva Ferreira
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO NA ARTE
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Especialista em
Artes Visuais do Curso de Pós-Graduação latu sensu Ensino das Artes Visuais:
Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas da Universidade Tuiuti do
Paraná.
Curitiba, 14 de março de 2011.
Prof. Ms. Renato Torres
Coordenador do Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais: Práticas
Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: Profª. Ms. Simone Landal
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Pós-Graduação Ensino das Artes Visuais:
Práticas Pedagógicas e Linguagens Contemporâneas
Prof. Dr. Artur Freitas
Faculdade de Artes do Paraná
Curso de Licenciatura em Artes Visuais
À Dani
AGRADECIMENTOS
A um Deus chamado Mãe, o qual eu acredito e deposito a minha fé.
À minha orientadora Profª. Simone Landal, por botar meus pés no chão. Pessoa a
qual tenho muita admiração pela sua inteligência e competência. Agradeço a sua
paciência e espero que esta pesquisa não seja um último contato. Ainda tenho muito
que aprender contigo.
Aos professores da especialização. Em especial ao Renato Torres, eterno professor
e amigo, sem este não seria possível a concretização desta pesquisa. Agradeço
pela paciência com este seu aluno um pouco indisciplinado. E à Josélia S. Salomé,
com o olhar de chefe, mas com espírito maternal, pela paciência, apoio e
compreensão.
À turma toda da pós, que enfrentou esta comigo.
À minha família, em especial meu pai e minha avó Regina, que me alimentou com
seu “macarron” nos almoços entre as aulas. À minha irmã Sandra, meu irmão Renan
e meu amigo/irmão Samuel, por saber que querem o meu bem. Ao Nivaldo, por
apoiar e ter paciência com este que lhe veio de brinde.
À Daniele, pelo companheirismo, pelo apoio, pelo capricho, pela correção
ortográfica, pela dedicação, pela paciência com este louco dentro de casa e pelo
amor. Agradeço e lhe dedico esta pesquisa.
Agradeço a todos.
o novo
não me choca mais
nada de novo
sob o sol
apenas o mesmo
ovo de sempre
choca o mesmo novo
Paulo Leminski
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................11
2 CONCEITUANDO E CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAÇÃO NA ARTE .......14
2.1 CONCEITUANDO A APROPRIAÇÃO NA ARTE ................................................14
2.2 CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAÇÃO NA ARTE: ANTECEDENTE
HISTÓRICO - ARTE MODERNA SÉCULO XIX ........................................................17
2.2.1 O realismo integral de Gustave Courbet ..........................................................18
2.2.2 O realismo visual de Édouard Manet ...............................................................20
2.2.3 A fotografia e outras transformações ...............................................................22
2.2.4 Os impressionistas ...........................................................................................23
3 ARTE MODERNA : PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX..................................27
3.1 VANGUARDAS ...................................................................................................28
3.1.1 Colagem ................................................................................................30
3.1.2 Ready-made ..........................................................................................33
3.1.3 Fotomontagem .................................................................................................37
3.1.4 Termos genéricos ............................................................................................40
4 ARTE CONTEMPORÂNEA: SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX...................45
4.1 NEO-DADÁ .........................................................................................................46
4.2 POP-ART ............................................................................................................52
4.3 NEOVANGUARDA e PÓS-VANGUARDA ..........................................................59
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................71
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 - MANET, Édouard, Olympia, 1863.....................................................................16
FIGURA 02 - TICIANO. Vênus de Urbino, 1538.....................................................................16
FIGURA 03 - GIORGIONE. Vênus dormindo, 1508...............................................................16
FIGURA 04 - COURBET, Gustave. O quebra-pedras, 1849..................................................18
FIGURA 05 - COURBET, Gustave. O encontro, ou “ Bonjour Monsieur
Courbet’, 1854........................................................................................................................19
FIGURA 06 - MANET, Èdouard. Lé déjeuner sur l’herbe, 1863.............................................20
FIGURA 07 - NIÉPCE, Joseph Nicéphore. Vista da janela em Le Gras ,1827......................22
FIGURA 08 - MONET, Claude. Impressão, nascer do sol, 1872...........................................23
FIGURA 09 - COURBET, Gustave. O ateliê do artista, 1855.................................................23
FIGURA 10 - DEGAS,Edgar. O Ballet Clássico, entre 1871 e 1874......................................24
FIGURA 11 - CÉZANNE, Paul. O Monte Sainte-Victoire,1902-04.........................................25
FIGURA 12 - SEURAT,Georges. Um domingo na Grande Jatte, 1884.................................29
FIGURA 13 - BALLA, Giacomo. Dinamismo de um cão na coleira, 1911..............................29
FIGURA 14 - CARRÁ, Carlo. Demonstração para intervenção na guerra, 1914...................30
FIGURA 15 - SEVERINI, Gino. Natureza-Morta com revista literária "Nord Sud"
(Homenagem à Reverdy), circa 1917.....................................................................................30
FIGURA 16 – PICASSO, Pablo. Natureza-Morta com palhinha, 1912..................................31
FIGURA 17 - BRAQUE, Georges. Still Life with Tenora, 1913..............................................32
FIGURA 18 - PICASSO, Pablo. Violino, 1912........................................................................32
FIGURA 19 - DUCHAMP, Marcel. Roda de Bicicleta, 1913...................................................33
FIGURA 20 - DUCHAMP, Marcel. Suporte de Garrafas, 1914, réplica 1964.........................34
FIGURA 21 - DUCHAMP, Marcel. Fonte, 1917, réplica, 1964...............................................35
FIGURA 22 - HAUSMANN, Raoul. ABCD, 1923-24...............................................................38
FIGURA 23 - HÖCH, Hannah. Cortado com a Faca de Cozinha DADA Através
da Pança de Cerveja da Última Época Cultural da Alemanha de Weimar, 1919...................38
FIGURA 24- HEARTFIELD, John. Adolf, O Super-Homem – Engole Ouro e
Vomita Lixo, 1932...................................................................................................................40
FIGURA 25 - RAY, Man. O presente, 1921, replica 1972.....................................................41
FIGURA 26 – GIACOMETTI, Alberto. Disagreeable Object. 1931.........................................41
FIGURA 27 - OPPENHEIM, Meret. Le Déjeuner em Fourrure, 1936.....................................41
FIGURA 28 - PICASSO, Pablo. Cabeça de touro, 1942........................................................42
FIGURA 29 - DUBUFFET, Jean. Butterfly -Wing Figure, 1953..............................................43
FIGURA 30 - RAUSCHENBERG, Robert. Cama, 1955.........................................................47
FIGURA 31 - JOHNS, Jasper. Números em cores, 1958-1959.............................................49
FIGURA 32 - JOHNS, Jasper. Bandeira, 1954-55.................................................................50
FIGURA 33 – JOHNS, Jasper. Cortina, 1959........................................................................51
FIGURA 34 - HAMILTON, Richard. O que torna os lares de hoje
tão diferentes, tão atraentes?,1956........................................................................................54
FIGURA 35 - LICHTENSTEIN, Roy. Whaam!, 1963..............................................................55
FIGURA 36 - WARHOL, Andy. Campbell's Soup Cans, 1962..............................................56
FIGURA 37 - RAUSCHENBERG, Robert. Desenho de De Kooning apagado, 1953 ...........63
FIGURA 38 – LEVINE, Sherrie. Sobre Walker Evans nº 2, 1981..........................................64
FIGURA 39 - DUCHAMP, Marcel. L.H.O.O.Q, 1919..............................................................66
FIGURA 40 – DUCHAMP, Marcel. L.H.O.O.Q. Rasée, 1965.................................................66
RESUMO
Esta monografia apresenta uma investigação sobre a apropriação na arte,
entendendo seu início no começo do século XX na Arte Moderna e se desdobrando
até a Arte Contemporânea. Optamos em apresentar apenas os principais modos de
apropriação, como meio delimitador, como também, por um recorte histórico na Arte
Contemporânea, chegando até os anos 80, pois a produção artística com o auxílio
da apropriação a partir desta época torna-se vasta, sendo necessária uma outra
pesquisa, mais extensa e aprofundada. A pesquisa representa uma contribuição aos
estudos sobre apropriação na arte no contexto universitário, haja vista o tema ser
tratado de um modo fragmentado entre os referenciais teóricos. A pesquisa foi
desenvolvida segundo uma abordagem qualitativa e utilizamos fontes bibliográficas
que discorressem sobre teoria e história da arte. Através deste método de pesquisa
buscamos identificar e conceitualizar o termo da apropriação, como também,
investigar as causas que desembocaram nas primeiras apropriações. Com isto,
investigamos a história a partir da concepção de realidade da época, o que resultou
no tema do desejo de ruptura da representação da realidade que permeou toda a
pesquisa. A partir da apropriação de materiais heteróclitos ainda no modernismo,
investigamos a passagem deste para uma apropriação da imagem já na Arte
Contemporânea e também a ruptura da representação da realidade e o
embaralhamento da arte com a vida. A partir das proposições vanguardistas,
resultou numa investigação da apropriação na arte neovanguardista e pósvanguardista, entendendo um possível ocaso das vanguardas em meados dos anos
70. A apropriação desde o seu surgimento implicou em inúmeros questionamentos
acerca da arte, e, mesmo que seu ato torne-se repetitivo, continua a oferecer uma
grande investigação sobre o tema.
Palavras-chave: Apropriação, Arte Moderna, Arte Contemporânea, vanguardas.
11
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa apresenta uma investigação sobre a apropriação na arte,
entendendo seu início na arte moderna e se estendendo para a arte contemporânea.
O interesse pela pesquisa surgiu de nossa tentativa de compreensão da apropriação
na arte em geral. Devido ao fato de sermos artista e público percebemos a
apropriação em diferentes contextos, seja ela histórica ou contemporânea. Essas
diferentes manifestações de apropriação nos conduziram ao interesse pelo olhar do
público de Arte, que vai às exposições e pesquisa os períodos históricos, seja pela
convivência, ou seja, pela teoria.
O fato da apropriação estar presente contemporaneamente em exposições,
e por ser um grande agente ativo nas transformações da arte, justifica a relevância
de tal pesquisa, como também, nas consultas bibliográficas, o tema se apresenta
fragmentado e muitas vezes algumas questões terminológicas acabam se
confundindo com outras.
Com isto surgiram questões como: O que é apropriação na arte? Existe
diferença entre termos próximos como apropriação e citação? O que levou a serem
realizadas as primeiras apropriações? Quais são os diferentes tipos de apropriação?
E quais são as características da apropriação na Arte Moderna e na
Contemporânea?
Para tais perguntas, traçamos uma questão geral que se trata em investigar
o uso da apropriação na Arte. Pela extensão e pela fragmentação dos textos
recolhidos,
acarretaram-se
três
questões
específicas,
onde
procuramos,
primeiramente, conceituar o termo da apropriação e diferenciá-la da citação, haja
12
vista são encontradas muitas confusões a cerca dos termos. Em conjunto,
pesquisamos os momentos antecedentes à apropriação, em busca de um possível
esclarecimento dos fatos. Partimos dos artistas que de uma forma ou de outra
tentaram uma aproximação da arte com a realidade. Com isto chegamos na Arte
Moderna da segunda metade do século XIX, com os primeiros modernos Courbet e
Manet, sob a orientação da concepção de realidade destes artistas, até os
impressionistas. Para isto utilizamos como principal referencial teórico o livro Arte
Moderna de Giulio Carlo Argan, com pontuações de Antoine Compagnon com o livro
Os cinco paradoxos da modernidade.
No terceiro capítulo, já entramos em contato com as primeiras apropriações
na arte, através das vanguardas artísticas, com as colagens cubistas, como
também, oferecemos outras categorias de apropriação na arte moderna na primeira
metade do século XX, como os ready-mades de Marcel Duchamp, as fotomontagens
dadaístas, o objet trouvé surrealista e a assemblage, que primeiramente surgiu
como a incorporação de materiais heteróclitos na obra de arte, sejam eles orgânicos
ou industriais, para posteriormente, desdobrar-se e tornar-se um termo quase
generalizante das outras categorias. Para este capítulo continuamos com os
mesmos autores citados acima, como também utilizamos fragmentos de vários
textos, dentre eles o As vanguardas artísticas de Mario De Micheli, o Lições das
coisas de Agnaldo Farias, o A fotomontagem como função política Annateresa
Fabris e o Da arte: sua condição contemporânea de Luciano Vinhosa Simão.
No quarto e último capítulo, nos encontramos com a apropriação realizada
na Arte Contemporânea, entendendo seu início, por volta de 1955, com Jasper
Johns. Na primeira parte deste capítulo também chegamos ao término da tentativa
do artista romper a barreira que havia entre a arte e a realidade, que permeou toda a
13
pesquisa desde então. Como também na segunda parte deste capítulo,
encontramos com a Pop Art, a qual a apropriação deixa de pertencer ao plano
matérico para se transformar em imagem. E na última parte, uma pequena
consideração acerca da produção realizada após as vanguardas artísticas, na pósvanguarda, entendendo um possível ocaso das vanguardas no final da década de 70
do século XX. Optamos por fazer um recorte histórico, chegando até os anos 80,
dando uma possibilidade de entendimento de parcelas da produção contemporânea,
mas não toda ela. Pois a partir desta época, a produção artística com o ato
apropriacionista torna-se abundante, o que é necessário uma outra pesquisa
futuramente, mais extensa e aprofundada. Para este capítulo, além dos já citados,
optamos pelo livro de Michael Archer, Arte contemporânea: uma história concisa e o
livro de Alberto Tassinari, O espaço moderno, para pontuar a passagem da Arte
Moderna para a Arte Contemporânea. Para as transformações que ocorreram no
mundo e no mundo da arte, utilizamos na pesquisa toda, o livro de Maria Lúcia
Bueno, Artes plásticas no século XX: modernidade e globalização. Para a
transfiguração do problema das Belas-Artes em problemas da ‘Arte em geral,
utilizamos o texto O que fazer da vanguarda?Ou o que resta do século 19 na arte do
século 20? de Thierry de Duve. Para algumas questões específicas sobre
apropriação o texto Procedimentos alegóricos: apropriação e montagem na arte
contemporânea de Benjamin Buchloh. E para as questões da neovanguarda, os
livros Teoria da vanguarda de Peter Bürger e Recodificação de Hal Foster, e pósvanguarda em A Apropriação da Tradição Moderna de Ricardo Nascimento Fabbrini.
14
2 CONCEITUANDO E CONTEXTUALIZANDO A APROPRIAÇÃO NA ARTE
2.1 CONCEITUANDO A APROPRIAÇÃO NA ARTE
O termo “Apropriação”, na sua forma literal, define-se como o ato de tomar
posse daquilo que não lhe pertencia e o torna próprio. Em artes, o termo, difundido e
utilizado a partir do final dos anos 70, expressaria a incorporação de materiais
mistos e heterogêneos que não faziam parte da produção artística do passado,
como também o apossamento de signos emblemáticos da cultura de massa e como
a utilização da imagem de uma outra obra de arte (ou da própria obra de arte).
Mesmo que o termo não tenha sido proferido em seu momento inicial, temos
como marco da apropriação na arte as primeiras colagens, no início do século XX,
do cubismo sintético de Pablo Picasso e Braque. A colagem, como meio operador
técnico, ocorre quase simultaneamente com outras correntes artísticas e com os
ready-mades de Marcel Duchamp, o que implica que, de uma forma ou de outra, o
uso de materiais heteróclitos compondo a feitura do objeto artístico não poderia ficar
para mais tarde. Porém, no uso destes materiais até então estranhos à natureza da
arte, nos diversos movimentos que se seguiram durante o início do século XX,
encontraremos associações com o ato de apropriação destes materiais, mas em
seus propósitos encontraremos vários pontos de divergência, até mesmo numa
parceria estilística como a de Picasso e Braque.
Anteriormente ao uso de materiais heterogêneos no âmbito artístico, o que
caracterizamos hoje de apropriação, um outro termo com características próximas
deste já vinha sendo realizado por toda história da arte, mas que também só será
15
nomeada na mesma época do termo apropriação, é o termo da citação, ou melhor,
“Citacionismo”.
Para melhor entendermos o termo apropriação, e para não sermos
confundidos com o termo citação ou citacionismo, no âmbito da arte moderna e
contemporânea, analisaremos nesta pesquisa algumas obras e processos de
criação de artistas que se utilizaram da apropriação de uma forma explícita e
evidente, sendo necessárias algumas explicações e definições de termos da
linguagem utilizada na história da arte mais recente.
Na literatura, a citação é geralmente utilizada sob a forma de texto e serve
como apoio a uma pesquisa textual, servindo para afirmar ou refutar um certo
pensamento. Já em relação à história da arte, a citação também pode se apresentar
sob a forma visual como, quando um artista utiliza a mesma imagem de um trabalho
de outro artista para lhe dar um novo formato. As operações e processos artísticos
nos quais a citação é o método de base, levam o termo geral de ‘Citacionismo’:
O termo se refere a um procedimento nas artes plásticas, principalmente
nas artes moderna e contemporânea, em que o artista faz uso de imagens
já consagradas na história da arte, como referência na composição de seu
próprio trabalho. Essa citação, que pode ser implícita ou explícita, acaba por
evocar um diálogo entre artistas e obras, de diferentes períodos e estilos,
criando novos contextos para uma mesma imagem (CITACIONISMO...,
2005).
Um dos maiores exemplos de citação está em Édouard Manet (fig. 01), onde
o artista cita Ticiano (fig. 02), que por sua vez cita Giorgione (fig. 03).
Para o termo “Citacionismo”, Tadeu Chiarelli caracteriza-o como o uso de
imagens de segunda geração, onde uma grande parcela de artistas dos anos 80
recupera a pintura e a escultura e “empreende uma viagem pelo universo de
imagens produzido pela humanidade através da História, disponíveis a todos pelos
16
Fig.01- MANET, Édouard.
Olympia, 1863.
Fonte:
http://www.musee-orsay.
fr/en/collections/history-ofthe-collections
Acessado
em: 26/01/2011.
Fig.02- TICIANO. Vênus
de Urbino,1538.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/
Ficheiro:Tizian_102.jpg
Acessado em: 26/01/2011.
Fig.03- GIORGIONE. Vênus
dormindo,1508
Fonte:
http://en.wikipedia.org/wiki/Fi
le:Giorgione_054.jpg
Acessado em: 26/01/2011.
meios de comunicação de massa” (1987, p. 257). O Citacionismo utiliza o que foi
realizado pela humanidade como um banco de dados, passeando pelos movimentos
artísticos sem se prender a eles (PASINI, 1985, citado por CHIARELLI, 1987, p.
261).
Já o termo apropriação
[...] é empregado pela história e pela crítica de arte para indicar a
incorporação de objetos extra-artísticos, e algumas vezes de outras obras,
nos trabalhos de arte. O procedimento remete às colagens cubistas e às
construções de Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963),
realizadas a partir de1912" (APROPRIAÇÃO..., 2005).
Esta definição se resume para um primeiro período do século XX na Arte
Moderna, onde se usa um objeto pré-existente para incorporá-lo num trabalho
artístico. Já para um segundo período, na Arte Contemporânea, não será o objeto
em si, mas sim, a apropriação da imagem de algo.
Se atentarmos para as definições de Citação e de Apropriação, num primeiro
momento podemos achar que estamos falando da mesma coisa, porém, a citação é
o método de fazer referência à uma imagem ou obra com uma outra forma, a
apropriação é o ‘apossamento’ direto de uma imagem, de uma ideia, de um objeto,
de uma obra, para falar sobre uma outra questão.
17
Sendo assim, e não sob uma defesa da qual a apropriação seria o ato,
desde a Antiguidade Clássica, de se apoderar da imagem da natureza e representála, que utilizaremos o termo aqui.
A noção de “plágio”, que apresenta o mesmo sentido literal de apropriação,
mas não o seu sentido poético, não será utilizada para o presente texto, pois é
entendida como um ato contra a legislação e referente a roubo e pelo simples
diferencial da apropriação como sendo a utilização de uma coisa já existente, e
especialmente pela sua importância como função reflexiva e metalingüística na arte,
sempre tendo a intenção de ser evidente.
2.2
CONTEXTUALIZANDO
A
APROPRIAÇÃO
NA
ARTE:
ANTECEDENTE
HISTÓRICO - ARTE MODERNA SÉCULO XIX
Como dito anteriormente, o inicio da Apropriação na arte se deu com as
colagens cubistas e futuristas e os ready-mades duchampianos. Porém, antes de
começar a tratar sobre a apropriação, precisamos buscar na história da arte um
possível esclarecimento das causas que originaram as primeiras colagens.
Para isto teremos que remontar as revoluções ocorridas na arte da metade
até o final do século XIX, na chamada Arte Moderna, sob o olhar da concepção de
realidade da época. Diante das controvérsias em relação aos limites temporais da
Arte Moderna, quando alguns concebem o Impressionismo como o início da Arte
Moderna, entre 1860 e 1870 (ARGAN, 1992, p.75; CAUQUELIN, 2005, p.27;
RUHRBERG, 2005, p.8), e poucos, como é o caso de Gombrich (1999, p.536) que
não inclui os impressionistas como os primeiros modernos, mas apenas um deles
(Cézanne), optamos pela maioria, na qual abarcam o movimento todo do
18
impressionismo como marca da ruptura com o passado. Porém, a exigência desta
ruptura não se dará somente neste momento, e sim uma busca desde o Romantismo
histórico (ARGAN, 1992).
Como o nosso propósito está reservado para a busca das causas das
primeiras apropriações, e que, esta está vinculada com a concepção de realidade
das épocas, onde os artistas aos poucos querem se aproximar desta, e que, também,
estará atrelada com a busca da ruptura com o passado ilusionista, a qual se dará
concomitantemente quando o conteúdo cai da dialética “forma-conteúdo”, nós
iniciaremos com o primeiro artista a propor o conjunto da arte com a realidade
(mesmo que esta ainda esteja arraigada nas concepções do passado).
2.2.1 O realismo integral de Gustave Courbet
O realismo de Courbet (fig. 04) não quer dizer uma imitação da natureza,
“pelo contrário, o próprio conceito de natureza deve desaparecer, enquanto
resultante de escolhas idealistas no ilimitado mundo do real” (ARGAN, 1992, p.3334). Se no romantismo o valor estava no apelo
dramático, para Courbet a força da pintura está
na própria pintura, pintar as coisas como elas
são, as imagens do seu tempo, sem ideais ou
drama. Rompendo com as tradições artísticas,
Courbet e seu realismo defendiam uma arte
individualista, aceitando os costumes e regras
Fig.04 – COURBET, Gustave. O
quebra-pedras, 1849.Fonte:http://
www.russianpaintings.net/ Acessado
em 26/01/11
da sociedade da sua época e a realidade da vida em seu redor (STREMMEL, 2005,
p. 6).
19
Tendo a realidade como matéria-prima, Courbet supera as poéticas do
clássico e do romântico sem negar a importância da história, mas que de ambas não
se herda uma concepção do mundo enquanto realidade, apenas com o embate direto
com esta, livre de qualquer regra ou costume, é que o artista não comprometerá a
sua representação (ARGAN, op. cit., p. 75). O realismo em Courbet é um método de
representação da realidade, o que por vezes é confundido por Naturalismo, que se
entende como a reprodução da realidade externa fiel à realidade (STREMMEL, op.
cit., p.7). A realidade pintada por Courbet se aplica pelo motivo recolhido, e não pela
forma como é reproduzida. Com sua técnica grosseira e pastosa, seus motivos
implicam na rejeição ao convencional e assumem, conscientemente, um caráter
provocativo e de choque. Assim, afirma-nos Gombrich,
pretendia que seus quadros fossem um protesto contra as convenções
aceitas do seu tempo, ’chocassem a burguesia’ para obrigá-la a sair de sua
complacência, e proclamassem o valor da intransigente sinceridade artística
contra a manipulação hábil de clichês tradicionais (op. cit., p.511).
Este caráter provocativo e de choque e a aproximação da arte com a
realidade, prefiguram os motores que guiaram as
vanguardas artísticas.
Porém, se os motivos da realidade são tão caros
à Courbet, isto é, o “conteúdo” da obra, a realidade
impõe a realização “das formas”. Então, a expressão
Forma-Conteúdo ainda estará presente em sua arte,
onde o “conteúdo” da expressão decairá somente a
Fig 05- COURBET, Gustave.
O Encontro, ou “ Bonjour
Monsieur Courbet’, 1854:
Fonte:GOMBRICH, Ernst H.
A história da arte. 16º ed. Rio
de Janeiro: LTC, 1999, p.510
partir de Manet e com os impressionistas. Guardando o
referente perspectivo, a realidade dos quadros de Courbet mostram uma outra
realidade, mas que não participam da nossa.
20
2.2.2 O realismo visual de Édouard Manet
Em conjunto, porém de forma distinta de
Courbet, Manet (fig. 06) desenvolverá um realismo
num sentido essencialmente visual, o qual recusa o
“embate
brutal
com
a
realidade,
propondo,
ao
contrário, libertar a percepção de qualquer preconceito
ou convencionalismo, para manifestá-la em sua
plenitude de ação cognitiva” (ARGAN, op. cit., p.75). A
Fig. 06– MANET, Èdouard.
Lé déjeuner sur l’herbe,
1863. Fonte: ARGAN, Giulio
Carlo. Arte Moderna. São
Paulo:
Companhia
das
Letras, 1992, p.96.
pintura de Manet consiste na libertação da percepção e
a sensação visual, a imediaticidade, a operação pictórica sem regras (acadêmicas)
ou apuro técnico (clássico). Seu interesse é estritamente pictórico, “se preocupava
apenas com o efeito brilhante das cores” (id., p.95).
Manet não recusa as obras do passado como Courbet, tanto que a história da
pintura será retomada como um material compositivo e temático (o que serviu de
grande exemplo de citação ao qual nos referenciamos anteriormente), alterando o
que está representado para o seu tempo. Onde um deus vira burguês e uma deusa
vira uma cortesã parisiense.
Os quadros de Manet serão os primeiros a serem tratados como objeto a ser
pintado. Os efeitos ilusionistas de volume ou de claro e escuro não participam da
composição, tudo se apresenta através da cor. Porém, seus quadros apresentam
uma estrutura perspectiva, o que caracteriza o “adentrar na imagem”, ou seja, uma
outra realidade. Contudo, Manet não estará preocupado com o conteúdo da obra, o
que implica na preocupação livre das formas, retirando o Conteúdo da expressão
“Forma - Conteúdo”. Se a preocupação está na forma, e não no conteúdo, a
preocupação estará voltada para a superfície da tela, o que será o guia para os
21
impressionistas a caminho de um segundo estágio da percepção da realidade, a da
planeidade, que seria o achatamento e a justaposição dos planos e não a
superposição das camadas (COMPAGNON, 2010, p. 55).
Se Courbet queria chocar a sociedade pelos seus temas, Manet chocava,
sem querer, pela sua pintura. Pois, ao desafiar as descobertas e convicções
adquiridas desde a Renascença, Manet ao perceber que não existem objetos na
natureza com forma e cor fixas que definem e são facilmente reconhecíveis em uma
pintura, descobre que ao olhar a natureza, “não vemos objetos individuais, cada um
com sua cor própria, mas uma brilhante mistura de matizes que se combinam em
nossos olhos ou, melhor dizendo, em nossa mente” (GOMBRICH, op. cit.,, p. 514).
Gombrich acrescenta que esta descoberta não pode ser atribuída somente a este
artista, mas que foram suas primeiras telas “em que ele abandonou o método
tradicional de sombras suaves em favor de contrastes fortes e duros, causaram um
clamor de protestos entre os artistas conservadores” (id., ibid.). Recusado no salão
oficial da época (1863), e exposto no Salão dos Recusados, Manet é motivo de
chacota e ira pelo público conservador.
Mesmo negando o papel de revolucionário, pois acredita que sua inspiração
advinha da tradição dos grandes mestres, Manet marca o que Gombrich chama de
“terceira onda de revolução na França (após a primeira onda de Delacroix e a
segunda de Courbet)” (op.cit., p.512), e caracteriza toda a arte moderna, pois se ele
se inspira na tradição, mas aceita o presente, Manet está no “começo do movimento
de fuga para o novo” (COMPAGNON, op.cit., p.34)
Tanto Courbet quanto Manet rompem sem querer romper, causam escândalo
por outra via que não aquela desejada e apresentam o “novo” sem estar a sua
procura, pois o que procuram é o presente enquanto presente, e não, o novo como o
22
presente voltado para o futuro, como retórica da ruptura e mito do começo (id., p.39),
sendo estas características buscadas pelo modernismo.
2.2.3 A fotografia e outras transformações
Podemos falar aqui de fotografia, pois a
primeira apareceu em 1826 (fig. 07), tirada por
Nicéphore Niepce (RUHRBERG, 2005, p.7), a
qual proporcionará uma revolução na arte. Com
a fotografia “muitos serviços sociais passam do
pintor para o fotógrafo (retratos, vistas de
cidades e de campos, reportagens, ilustrações
etc.)” (ARGAN, op. cit., p. 78). Não só a
Fig.07 – NIEPCE, Joseph Nicéphore
. Vista da janela em Le Grãs,1827.
Fonte:http://dcl.umn.edu/search/sho
w_details?search_string=niepce&per
_page=60&&page=1 Acessado em
26/01/11
fotografia exerceu uma grande transformação na
arte, mas também a transformação das tecnologias, a organização da produção
econômica, a tecnologia industrial ultrapassando a tecnologia artesanal (id., p.14).
Outros fatores importantes foram a ampliação do público das artes - com a
modernização dos transportes e dos meios de comunicação -, a implantação de
novas técnicas de reprodução, o crescimento de críticos em revistas especializadas,
e até o tubo de tinta em metal, inventado em 1830 e comercializado a partir de 1840,
o desenvolvimento da indústria química introduzindo novas cores no mercado e telas
já preparadas para serem utilizadas (BUENO, 1999, p.25-26). Estes foram alguns
pontos na transformação do mundo e da arte. Com a fotografia e a reprodução de
imagens, os artistas se veem na obrigação de reformular a arte pictórica, cuja
necessidade era “redefinir sua essência e finalidades frente ao novo instrumento de
apreensão mecânica da realidade” (ARGAN, op. cit., p. 75).
23
2.2.4 Os impressionistas
Seguindo os passos desenvolvidos por Manet que não era impressionista, mas foi se acercando ao
grupo após 1870 - o grupo impressionista, dentre os
mais
conhecidos
Monet
(fig.
08),
Renoir,
Degas,
Cézanne, Pissarro e Sisley, continha seus pontos de
convergência:
Fig. 08– MONET, Claude.
Impressão, nascer do sol,
1872.
Fonte:
www.
Marmottan.com Acessado em
26/01/11
1) a aversão pela arte acadêmica dos salons oficiais; 2) a orientação
realista; 3) o total desinteresse pelo objeto – a preferência pela paisagem e
a natureza-morta; 4) a recusa dos hábitos de ateliê de dispor e iluminar os
modelos, de começar desenhando o contorno para depois passar ao
chiaroscuro e à cor; 5) o trabalho en plein-air, o estudo das sombras
coloridas e das relações entre cores complementares (Id., p. 76).
A aversão pela arte acadêmica já vinha acontecendo há um bom tempo, com
Courbet e Manet rompendo com os moldes clássicos e a poeticidade romântica, mas
com a difusão da fotografia, os artistas estão libertos da tarefa de “representar o
verdadeiro”, onde a pintura “tende a se colocar como pura pintura, isto é, mostrar
como se obtém, com procedimentos pictóricos rigorosos, valores de outra maneira
irrealizáveis” (Id., p. 79), e a preferência pela paisagem e o trabalho en plein-air, que
só foram possíveis depois da invenção da tinta
em tubo e da tela pronta, comprovam como os
artistas estavam afinados com as inovações
tecnológicas e não contra elas.
No caso da fotografia, os artistas tanto
não foram contra, que fizeram uso dela (Fig. 09
Fig. 09 - COURBET,Gustave. O ateliê
do
artista,
1855.
Fonte:
http://www.musee-orsay.fr/fr/collections
/oeuvres Acessado em 26/01/11
e 10), pois sabiam as distinções que existiam
entre uma imagem pictórica e uma imagem fotográfica. “Courbet foi o primeiro a
24
captar o núcleo do problema: realista por
princípio, nunca acreditou que o olho humano
visse mais e melhor do que a objetiva; pelo
contrário, não hesitou em transpor para a pintura
imagens extraídas de fotografias” (Id., p.81), e
ainda,
“retratava
trabalhadora
o
inspirado
universo
na
da
classe
iconografia
das
representações populares” (BUENO, op. cit.,
p.22).
No caso da tinta em tubo, comprova,
Fig. 10 -DEGAS, Edgar. O Ballet
Clássico,
entre
1871
e
1874.Fonte: http://www.Musee
Orsay.fr/en/collections/works-in
focus/painting.html?
Acessado em 26/01/11
pelo menos em parcela, e serve de exemplo, a passagem da tecnologia artesanal
para a tecnologia industrial.
O Impressionismo será um prolongamento das realizações dos primeiros
modernos, Courbet e Manet, muito mais próximo deste último,
no tange à desvalorização do tema, para se deter no problema da pintura
pura; e, por outro, valorizará a cor empastada, a pincelada rápida e o
fascínio pela luz de alguns pintores românticos, bem como a noção de
pintura como vivência fenomenológica. Ao conciliar duas formas
diferenciadas de concepção artística, o enfoque que o Impressionismo dá a
arte, apesar de se referenciar ao Romantismo em sua aparência formal e ao
Realismo no que diz respeito a sua postura frente ao real, ganha um novo
sentido (SIMÃO, 1998, p. 10).
Próximo da postura frente ao real, os impressionistas mostram uma nova
possibilidade de pesquisa, pois suas pinturas aos poucos deixam de ser uma
representação do real, para se preocupar com a “representação da impressão”
(COMPAGNON, op.cit., p.56), e com o plano ou a superfície pictórica. Como dito
anteriormente, a planeidade - citada por Compagnon através dos escritos de
Greenberg e conquistada segundo este autor por Cézanne - seria o achatamento da
imagem e a justaposição dos planos e se transformaria num equivalente da
25
realidade (COMPAGNON, op.cit., p. 55). Acrescentemos a indagação de Simão:
“Mas o que inaugura no Impressionismo uma nova estética? Parece-nos que a
ruptura com a estética realista se dará no momento em que sua pintura deixará de
ser uma representação do real para se afirmar como um equivalente da realidade”
(SIMÃO, op. cit. p. 11). Porém, este equivalente da realidade não se dará com os
impressionistas, pois se suas pinturas ainda guardam a perspectiva Renascentista,
ou pelo menos algum aspecto de profundidade, a planeidade não será conquistada.
A profundidade não se vê, ela é uma construção do espírito, e a perspectiva
engana o olho. Mas, segundo uma apologia que procura paradoxalmente
tornar a nova pintura acessível nos próprios termos da arte que ela pretende
substituir, a pintura que elimina, pouco a pouco, o espaço do relevo é ainda
considerada uma imitação, imitação senão daquilo que se sabe, pelo menos
daquilo que se vê (COMPAGNON, op.cit., p. 55-56).
Esta imitação daquilo que se vê, como modo das coisas a serem imitadas,
perdurará desde Cézanne até Jasper Jonhs (TASSINARI, 2001, p. 37).
Como nem Cézanne (Fig. 11) admitia o
achatamento, a planeidade se dará em dois
momentos, a primeira parcial com a colagem
cubista e segunda total com Jasper Johns,
aproveitando aqui a citação de Steinberg por
Tassinari (2001, p. 9), a qual admite e aceita o
ano de 1955 como a passagem da Arte Moderna
para a Arte Contemporânea.
Fig.11-CÉZANNE,Paul.
O Monte Sainte-Victoire, 1902-04.
Fonte: http://www.artchive.com/
artchive/C/cezanne/mt_s-v_4.jpg.
html.Acessado em 26/01/11
Contudo, o impressionismo marca uma
espécie de “evolução em direção à autenticidade, através da supressão do artifício e
da redenção da pintura clássica” (COMPAGNON, op.cit., p. 55). O problema a partir
de agora não está voltada de no “que pintar” e sim “como pintar”, revelando um
26
procedimento operacional em si (SIMÃO, op. cit., p. 14). O problema da arte está na
própria arte. Abriu-se o caminho para o modernismo.
27
3 ARTE MODERNA : PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX
Na Arte Moderna, os artistas formam-se a partir e contra o naturalismo de
matriz renascentista ou da perspectiva artificial. Esta negação à perspectiva é dada
pela compreensão da superfície pictórica nas palavras de Maurice Denis em 1890:
“Lembrar que um quadro – antes de ser um cavalo de guerra, uma mulher nua ou
uma anedota qualquer – é essencialmente uma superfície plana recoberta de cores
combinadas numa certa ordem” (DENIS citado por TASSINARI, 2001, p.17). A
negação ao passado tradicional, o antinaturalismo ou anti-ilusionismo, também por
conta das inovações tecnológicas, o avanço industrial, o apelo à renovação estética,
a crise do artesanato e, principalmente, a crise da representação que desencadearão
ao modernismo.
Para não ficarmos em dúvida sobre as noções dos termos modernização,
modernidade e modernismo, nos distinguirá Bueno:
Modernização é um processo econômico e tecnológico, ligado à esfera
material da sociedade. Modernidade é um fenômeno societário e cultural,
que emerge em decorrência da modernização. Modernismo é um
movimento artístico, que teve lugar na Europa no inicio do século XX, se
tornando uma manifestação específica da modernidade nas artes. O
modernismo não foi a realização da condição artística moderna, apenas
uma de suas expressões (op. cit., p. 42).
Modernismo é um termo genérico que se encaixa na última década do século
XIX e na primeira do século XX. Dentro do modernismo encontramos várias correntes
artísticas, que, se antigamente a ruptura custava aparecer, aqui a ruptura se dará ao
mesmo tempo entre as correntes artísticas, ou até dentro da própria corrente. E a
partir da primeira da década do século XX é que se formarão as vanguardas
artísticas, “preocupadas não mais apenas em modernizar ou atualizar, e sim em
revolucionar radicalmente as modalidades e finalidades da arte” (ARGAN, op. cit.,
p.185). E é aqui que surgem as primeiras apropriações.
28
3.1 VANGUARDAS
O termo “Vanguarda”, derivado do francês Avant-garde, de origem militar,
utilizado no decorrer do século XIX, significa, no sentido literal, a parte à frente do
corpo principal da tropa. Seu emprego político, aplicado “desde a revolução de 1848
[...], designava tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita; aplicava-se ao
mesmo tempo aos progressistas e aos reacionários. Daí, passou ao vocabulário da
crítica de arte” (COMPAGNON, op.cit., p. 41).
De 1848 a 1870, na vanguarda com atribuição à uma metáfora estética,
houve um deslocamento da arte à serviço do progresso social, tornando-se arte
esteticamente à frente de seu tempo, sendo o primeiro com seus temas e o segundo
com suas formas (id., ibid.). Porém não podemos confundir a Modernidade dos
primeiros modernos com a Vanguarda, como se os dois aparecessem ao mesmo
tempo e possuíssem o mesmo dilema. Pois a Modernidade se identifica com o
presente no presente contexto, já a Vanguarda “supõe uma consciência histórica do
futuro e a vontade de se ser avançado em relação ao seu tempo” (id., p. 40). A
Modernidade como termo abstrato, ”designa o conjunto dos traços da sociedade e
da cultura que podem ser detectados em um momento determinado em uma
determinada sociedade” (CAUQUELIN, 2005, p. 25). Os primeiros modernos
estavam na sua modernidade, enquanto nós que aqui escrevemos esta pesquisa
estamos na nossa. Os primeiros modernos assumiram uma atitude vanguardista,
sem sê-los. Pois, na verdade, uma vanguarda artística traz em si o progresso, o
avanço diante daquele que já foi. Se Courbet e Manet progrediram ou causaram
escândalo ao apresentarem a sua novidade, não foi pela intenção de ser. Uma
vanguarda artística julga a sua prática artística, com um ponto de vista crítico
29
integrado à esta prática e com a intenção de estar à frente de seu adversário
(COMPAGNON, op. cit., p. 43). Segundo Compagnon, os primeiros a reinvidicarem
ou se considerarem uma vanguarda foram
os neoimpressionistas (Fig. 12), que julgam
a sua prática artística em termos de uma
política
da
arte
(id.,
ibid.).
Os
neoimpressionistas consideram-se à frente
do impressionismo, a vanguarda deste. “Do
sentido
militar
ao
estético,
o
termo
vanguarda, entendido como antecipação,
Fig.12 - SEURAT,Georges. Um domingo
na Grande Jatte, 1884.
Fonte:http://www.artic.edu/artaccess/
AA_Impressionist/pages
Acessado em 26/01/11
evolui de um valor espacial para um valor temporal”, e Compagnon completa,
“depois do impressionismo, todo o vocabulário da crítica de arte torna-se temporal. A
arte se apega desesperadamente ao futuro,
não tenta mais aderir ao presente, mas a
antecipá-lo, a fim de inscrever-se no futuro”
(Id., p. 44). Para os vanguardistas é preciso
romper com o passado e com o próprio
presente a fim de não querer ser superado.
Para Argan, o primeiro movimento que se
pode chamar de vanguarda é o Futurismo
Fig.13 -BALLA,Giacomo. Dinamismo
de um cão na coleira ,1911. Fonte :
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna.
São Paulo: Companhia das Letras,
1992, p. 444
italiano (1910) (Fig.13), entendendo o termo vanguarda como aquele que
[...] investe um interesse ideológico na arte, preparando e anunciando
deliberadamente uma subversão radical da cultura e até dos costumes
sociais, negando em bloco todo o passado e substituindo a pesquisa
metódica por uma ousada experimentação na ordem estilística e técnica
(op. cit., p. 310)
30
Por sua vez, o Futurismo (Fig.14), que no
seu início utilizava uma linguagem divisionista,
“onde o movimento é dado pelas reverberações
luminosas que envolvem os corpos, multiplicando
as vibrações e dilatando-as no espaço” (DE
MICHELI, 2004, p. 224), por volta de 1911, sua
orientação torna-se cada vez mais próxima do
sintetismo de tendências cubistas (Fig. 15). O
cubismo analítico que surgiu um ano antes do
Futurismo, já havia revolucionado o mundo da arte
influenciando um sem número de artistas. Picasso e
Fig.14-CARRÁ,Carlos.
Demonstração para intervenção
na
guerra
(manifesto
Intervencionista), 1914.
Fonte:
AGUILAR,
Gonzalo
Moisés.
Poesia
concreta
brasileira: as vanguardas na
encruzilhada modernista. São
Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2005
Braque não tinham este espírito da revolução e da
polêmica igual aos futuristas, por isto, por vezes não
são chamados de artistas vanguardistas. Aqui, nós
atribuiremos o Cubismo Sintético à uma vanguarda
positiva, a qual foge das intenções extremamente
radicais da vanguarda negativa, porém questiona o
sistema
de
representação
vigente
desde
o
Renascimento, com a imagem disposta a partir de uma
Fig.15-SEVERINI, Gino .
Natureza
morta
com
revista literária "Nord Sud"
(Homenagem à Reverdy),
circa
,1917
Fonte:
http://www.christies.com
Acessado em 26/01/2011;
perspectiva central (BÜRGER, 2008, p. 203). Com o
advento de suas colagens em 1912 é que Picasso e Braque marcam um gesto ou
um passo essencial para a história da pintura (COMPAGNON, op. cit., p. 59 e
TASSINARI, op. cit., p. 37).
3.1.1 Colagem
31
No modernismo, os primeiros a romperem quase completamente com a
representação, numa tentativa de apresentar a realidade ao invés de representá-la,
serão os cubistas Picasso e Braque, mais precisamente, na fase do Cubismo
Sintético.
A
primeira
“Natureza-morta
colagem
com
palhinha”
de
Picasso,
(Fig.16),
foi
realizada em maio de 1912, e em setembro,
Braque utiliza a técnica da papier collé numa
natureza morta. No mesmo ano, Boccioni propõe
introduzir na arte a dimensão real. “Cubismo e
Futurismo haviam introduzido no interior da
matéria
pictórica
e
escultórica
materiais
Fig.16-PICASSO, Pablo. NaturezaMorta com palhinha, 1912. Fonte :
ZIMMERMMAN, Beate;
BUCHHOLZ. Elke Linda. Picasso .
Cológna: Könemann, 2001. p. 41
heterogêneos, provenientes do universo industrial e da sociedade de massa, dando
vida à colagem e à escultura polimatérica” (FABRIS, 2003, p.11). O ano de 1912 será
o marco da apropriação na arte. Difícil é estabelecer quem fez a primeira colagem,
pois, enquanto um associa a primeira à Picasso (Id., ibid.), outro associará à Braque
(GREENBERG,1959, p.95). Porém a maioria não fará esta distinção (ARGAN, 1992;
SCHAPIRO, 2002; RUHRBERG, 2002; DE MICHELI, 2004; GOLDING, 1967;
TASSINARI, 2001), atribuindo ao cubismo sintético, ou seja, à ambos, a invenção da
colagem. Porém, é preciso estabelecer uma distinção entre as colagens realizadas
em ambos: Picasso (Fig. 18) é o inventor da colagem, e Braque (Fig. 17) inventor do
papier collé.
É indicativo das diferenças de temperamento e de talento entre os dois
pintores que Picasso tivesse sido o descobridor da colagem, a qual pode
ser descrita como a incorporação de qualquer material estranho à superfície
do quadro, enquanto Braque foi o inventor do papier collé, uma forma
particular de colagem, em que tiras ou fragmentos de papel são aplicados à
superfície da pintura ou desenho (GOLDING, 1967, p.46).
32
Ainda pode parecer a mesma coisa, mas a
diferença é que a colagem é a introdução de um
elemento real numa representação da realidade, e o
papier
collé
é
um
elemento
independente
da
composição que pode ser constituída como base
cromática ou “pode receber intervenções gráficas,
funcionando
tanto
como
fundo
quanto
como
representação ilusionista no primeiro plano” (FABRIS,
Fig. 17 -BRAQUE, Georges
Still Life with Tenora, 1913.
Fonte: http://www.moma.org/
collection/provenance/provena
nce_object.php?object_id=383
30 Acessado em 26/01/11
op. cit., p.12). O que isto quer dizer é que, se um pedaço
de jornal para Picasso pode se transformar numa
guitarra na sua pintura, para Braque o pedaço de jornal
será um pedaço de jornal em sua pintura. Se os
fragmentos de Braque são utilizados de maneira lógica,
ainda naturalista, os de Picasso são utilizados de
maneira
paradoxal,
pois
convertem
e
extraem
significados diferentes daquele conhecido, e seu uso não
servirá de maneira representacional do elemento. “Cada
Fig 18-PICASSO, Pablo.
Violino, 1912. Fonte:
http://
collection.centrepompido
u.fr/Navigart/images/
Acessado em 26/01/11
fragmento de jornal forma o signo de um significado
visual; então quando junta sua extremidade à de outro, ele se re-forma e o
significado muda” (KRAUSS, 2006, p.43). Portanto, Picasso é quem mais se
aproxima do rompimento total com a representação.
A colagem picassiana funde figura e fundo, coisas e espaço, não
apresentando mais aquela linha perspectiva que desde o Renascimento controlava a
nossa visão. Se, como falávamos, que desde os artistas realistas e dos
impressionistas, o artista tende à aproximação da arte com a realidade, mesmo que
33
de forma paradoxal, a colagem de Picasso é a que mais se aproximara desde então.
Só não se apresenta como objeto participante da nossa realidade, porque as
colagens estão aplicadas sobre um fundo. “É um fundo raso. E se ainda é
apropriado pensá-lo como um fundo é porque, apesar dos papéis colados ou das
linhas riscadas sobre ele, ou, ainda, em razão dessas mesmas linhas e recortes, ele
recua para uma profundidade, ainda que rasa, óptica” (TASSINARI, op.cit., p. 39).
Para exemplificar esta questão, poderemos citar a janela renascentista. No
Renascimento, com sua perspectiva aplicada, um quadro dá a ilusão de ser uma
janela aberta, a qual os nossos olhos adentram para este outro espaço, uma outra
realidade.
Agora,
se
fecharmos
a
vidraça
desta
janela,
chegamos
aos
impressionistas que pintam este vidro de modo que deixam transparecer o outro
espaço, a outra realidade. Já com a colagem cubista, a vidraça está fechada com os
recortes colados no seu anverso, e no reverso do vidro está aplicada uma demão de
tinta que cobrirá todo o vidro.
O vidro/tela é tido como pintura/objeto. A colagem é a figura que está na
superfície. A demão de tinta é o fundo. A distância da
figura e do fundo é da espessura do “vidro”. Raso. Porém,
um fundo.
3.1.2 Ready-made
Em 1913, Marcel Duchamp apresenta seu primeiro
ready-made (objeto pronto) retificado, que consiste em
uma roda de bicicleta acoplada a uma cadeira de
madeira (“Roda de Bicicleta”) (Fig.19). Em 1914 é a vez
de um “ready-made sem assistência” (WOOD, 2002, p.
Fig.19– DUCHAMP,Marcel
Roda de Bicicleta, 1913.
FONTE: MINK, Janis.
Marcel Duchamp
Germany: Taschen, 1996.
p. 50
34
12), quer dizer, um objeto retirado do seu âmbito original e colocado sem
interferência alguma do artista, num local expositivo, sendo este apenas um suporte
de metal para garrafas (“Suporte para Garrafas”) (Fig. 20). Na verdade, somente em
1915 que Duchamp nomeou estes objetos como ready-mades, pois, segundo o
artista, antes serviam apenas como forma de distração (DUCHAMP in CABANNE,
2002, p. 79). Se, como sugere Farias,
a colagem é o gênero o ready-made é a espécie. Embora tenha surgido um
ano depois da colagem, em 1913, o ready-made, isto é, a apropriação e recontextualização no âmbito da arte de um objeto qualquer produzido em
escala industrial, de autoria anônima, cuja ordem funcional supera qualquer
pretensão estética, joga o problema para um território muito mais amplo, do
qual a colagem é apenas um caso particular, e denominado posteriormente
por alguns teóricos, como assemblage (2007, p. 6).
Foi somente em 1917 que Duchamp propôs seu
ready-made mais conhecido e provocativo, a “Fonte” (Fig.
21), um urinol comprado numa loja de ferragens. Na
realidade, não o expôs, visto que o Comitê de Seleção do
Salão dos Independentes de Nova York retirou o objeto da
exposição. Duchamp fazia parte do Comitê, mas inscreveu
seu ready-made com a assinatura “R. Mutt” para despistar
a sua presença na exposição. “O nome de Duchamp, de
fato, não apareceu como tendo sequer contribuído para a
Fig. 20 –DUCHAMP, Marcel.
Suporte de Garrafas, 1914,
réplica,1964.
Fonte:www.abcgallery.com.
Acessado em 26/01/11.
exposição de 1917. Ele foi, no entanto, responsável pela obra mais famosa da
mostra – uma obra que o público jamais viu” (TOMKINS, 2004, p.204).
A “Fonte” rompe com o passado tradicional, onde a mais importante
característica era a visualização de uma obra de arte, a sua feitura, a sua técnica,
acabando com o deslumbre visual e com as “retinas viciadas”, como nas palavras do
próprio artista:
35
Desde Courbet acredita-se que a pintura é endereçada à retina; este foi o
erro de todo mundo. O frisson retiniano! Antes, a pintura tinha outras
funções, podia ser religiosa, filosófica, moral (...) É absolutamente ridículo.
Isso tem que mudar; não foi sempre assim” (DUCHAMP in CABANNE, op.
cit., p. 73).
O ready-made não é uma obra de arte é uma “antiobra”. Esta “antiobra” tem
o efeito de provocar a história da arte e as instituições que apresentam essas obras,
a priori, porque não é o objeto de Duchamp que é a sua obra, e sim, o seu ato, a sua
idéia, a sua ação de pôr tal objeto em um local, e a posteriori, porque este mesmo
local tem por costume tornar sagrado um trabalho artístico.
O ready-made, dentro de sua concepção de antiarte, nega toda
possibilidade de julgamento estético fundado no objeto, situando-o para
além do juízo da fealdade e da beleza. A noção de estética neste caso se
confunde com o próprio ato reflexivo acerca do valor da arte. A partir desta
iniciativa, Duchamp afirma que tudo ou qualquer coisa poderá vir a ser arte,
mas nem tudo de fato o é. (SIMÃO, op. cit., p.3)
Tanto que a escolha dos ready-mades se dá pela
indiferença estética, que tal objeto não acarrete a
nenhuma emoção estética, numa total ausência de bom
ou mau gosto (DUCHAMP in CABANNE, op. cit., p. 80).
É assim que Duchamp quebra as relações que
entendíamos sobre a arte, matéria e obra, o autor e obra,
espaço institucional e museológico e obra. É a
apropriação do objeto como negação da manualidade,
da unicidade, da individualidade, da autoria, por
Fig.21–DUCHAMP, Marcel.
Fonte, 1917. Réplica, 1964.
Fonte: MINK, Janis. Marcel
Duchamp. Germany: Taschen,
1996. p. 66
conseguinte, a retirada do estatuto de valor artístico do objeto.
Duchamp abriu mão da sua condição de artista, compreendido como aquele
que “cria” obras de arte, em troca do artista como aquele que se apropria,
uma estratégia capaz de provocar o colapso do meio artístico fundamentado
em valores como o caráter artesanal da obra de arte, cujo primeiro e
principal corolário era justamente a figura do autor. Tomando o objeto feito
anonimamente, Duchamp desferia um golpe mortal na noção clássica de
arte. (FARIAS, op. cit., p. 7-8)
36
O “artista” em Duchamp se transforma em sujeito artista, sendo aquele que
existe antes do trabalho artístico. Ele participa de uma rede, a qual legitima a sua
posição enquanto artista, sendo que este legitimará um objeto como sendo artístico
(SIMÃO, op. cit., p. 3).
Como afirma Cauquelin, instaura-se um novo método no qual o artista passa
a escolher o material para fazer arte, "não cria mais, ele utiliza material" (op. cit., p.
97). Nas próprias palavras de Duchamp, "fazer alguma coisa é escolher um tubo do
azul, um tubo do vermelho (...). Esse tubo foi comprado por você, não foi feito por
você. Você o comprou como um ready-made: todas as telas do mundo são readymades 'acrescentados' e trabalhos de montagem" (DUCHAMP citado por
CAUQUELIN, 2005, p. 97).
O ready-made foi uma alternativa que Duchamp encontrou para quebrar a
esfera representacional que, “mesmo com a extraordinária abertura propiciada pela
colagem e a conseqüente utilização de materiais extra-artísticos” (FARIAS, op. cit.,
p. 7), os cubistas ainda insistiam. Não podemos colocar Duchamp em relação com
aquela linearidade a qual estávamos falando anteriormente, em que os artistas
vinham se aproximando da arte com a realidade e rompendo aos poucos o caráter
representacional do objeto pictórico, pois a leitura dos objetos não entra em
concordância com os trabalhos dos artistas lidos até então. Pois, como afirma
Bürger:
Os ready-mades de Duchamp não são obras de arte, e sim manifestações.
Não é a partir da totalidade forma-conteúdo dos objetos individuais
assinados por Duchamp que se pode fazer uma leitura do sentido de sua
provocação, mas unicamente a partir da oposição entre objetos produzidos
em série, por um lado, e assinatura e exposição de arte, por outro (op. cit.,
p. 110)
O trabalho artístico de Duchamp está em seu ato ou gesto. “Valorizando o
gesto casual e não o gesto movido pelo eventual interesse estético de um objeto
37
dado, Duchamp valoriza o conceito, a idéia que preside toda ação (FARIAS, op. cit.,
p. 7). E seu gesto implode no sistema artístico, alterando todo um pensamento que
vinha rastejando há séculos. Troca todos os sentidos estéticos de feitura, material,
gosto, autoria, por questionamentos “com potencial ontológico (‘o que é arte?’),
epistemológico (‘como saber se é?’) e institucional (‘quem determina?’)” (KRAUSS,
2004, citada por FARIAS, 2007, p.8).
Tanto este gesto quanto o processo de 'escolher' coisas já existentes estão
intimamente ligados às idéias de apropriação, que influenciaram um grande número
de artistas na arte contemporânea, não sendo 'escolhidos' somente elementos do
mundo, mas também se valendo de imagens de obras próprias ou alheias ou até
mesmo a própria obra de um outro artista, concreta e materialmente.
3.1.3 Fotomontagem
Com a invenção da colagem e a vanguarda provocativa e o grito de
liberdade dos futuristas, como também os ready-mades duchampianos, surge em
Berlim com o movimento dadaísta a Fotomontagem em 1918. A data gera
controvérsia entres os participantes, pois enquanto uns como Hannah Höch e Raoul
Hausmann tomam para si a ideia da fotomontagem em 1918, para outros como
George Grosz e John Heartfield dizem que a invenção foi realizada por eles em
1916. A defesa de Grosz, é que, as correspondências que ele tinha com Heartfield,
eram realizadas com recortes dos mais variados tipos como:
[...] anúncios publicitários, rótulos de garrafas e fotografias de revistas,
recortados arbitrariamente e montados de maneira absurda. Essa estrutura
gerou cartões postais feitos à mão que os dois amigos trocavam entre si,
nos quais as imagens justapostas diziam aquilo que as palavras não podiam
afirmar por razões de censura (FABRIS, 2003, p. 16)
38
Fig.22-HAUSMANN,Raoul.
ABCD, 1923-24.
Fonte:
http://www.metmuseum.org.
Acessado em 26/01/11
Fig.23-HÖCH, Hannah.
Cortado com a Faca de
Cozinha DADA Através da
Pança de Cerveja da
Última Época Cultural da
Alemanha de Weimar,
1919.Fonte:http://www.artr
es.com/c/htm/CsearchZ
Acessado em 26/01/11
Porém nenhum destes cartões sobreviveu e por falta de evidência concreta,
intitula-se como a primeira fotomontagem a “Cinema sintético da pintura” (perdida),
realizada por Hausmann de 1918 (id., ibid.). Independentemente de quem a
inventou, a fotomontagem pertence ao grupo dadaísta, mais especificamente o de
Berlim.
O Dadaísmo, como movimento, surgiu no ‘Cabaret Voltaire’ em Zurique com
o manifesto de 1916 de Hugo Ball, continuado em Paris por Tristzan Tzara e Francis
Picabia com o ‘Dadá Manifesto’ em 1918 e depois em Berlim com o ‘Berlim Dadá’
por John Heartfield (Fig. 24), George Grosz, Raoul Hausmann (Fig. 22) e Hannah
Höch (Fig. 23) em 1920.
Diferente da vanguarda positiva a que atribuímos ao Cubismo, o Dadaísmo
se assumirá como uma vanguarda negativa, (posto dado pelos Futuristas). O
positivo para o Cubismo está para questionar a arte mas não para negá-la. A sua
atitude de antecipação, apresentação do novo, estará ligada aos desdobramentos
da arte enquanto progresso. Já uma vanguarda negativa assume a proposição da
negação e o prefixo “anti” como norma. Uma vanguarda negativa é antiartística,
39
antiliterária, antipoética, etc.; vai contra a beleza, contra as leis da lógica, contra a
perfeição, contra ao que é universal, contra a ordem, etc.; contudo é a favor da
liberdade do indivíduo, da espontaneidade, do imediato, do atual, do aleatório e
principalmente da contradição. O Dadá é tudo isto e mais um pouco. Seus gestos,
mais do que obras de arte, assumem a provocação, o choque e o escândalo como
instrumento de expressão (DE MICHELI, op. cit., p. 135). Como o dadaísmo nasceu
após as outras manifestações que já haviam se afirmado, tornar-se-á anticubista,
antifuturista, antiabstracionista, porém operando com os meios, as invenções e
inovações destes movimentos. O Dadá é a miscelânia destes movimentos, agindo
nas suas contradições (id., p. 137).
No caso do Dadá de Berlim, o ingrediente que se servirão os artistas está na
colagem cubista. Apenas como ingrediente, não como afirmação. Sua forma é de
subversão e seu conteúdo é revolucionário. A fotomontagem age nos extremos da
arte e da política. Lembremos que o período é de Primeira Guerra Mundial e de
censura. E como bons dadaístas, os artistas de Berlim irão contra a censura e contra
ao militarismo, tornando-se cada vez mais politizados.
O fato de Heartfield e Grosz trabalharem em estreita colaboração com
órgãos de oposição ao governo deve ser analisado num quadro de
politização da cultura, que é a marca distintiva do grupo dadaísta de Berlim.
Antiprussiano, antiburguês e antiliberal, o grupo de Berlim opõe-se à
República de Weimar e demonstra simpatia pela linha revolucionária da
Liga Spartacus, na qual militavam Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. A
Primeira Guerra Mundial é o grande aglutinador das atitudes
anticonvencionais de Herzfelde, Heartfield e Grosz, que desenvolvem ações
desestabilizadoras da ordem a fim de protestar contra o militarismo e o
patriotismo alemães (FABRIS, op. cit., p. 19).
E no caso artístico, lembremos que a fotomontagem só foi possível em
conjunto com a proliferação da fotografia, a reprodução técnica e os meios de
comunicação e cultura de massa.
coincide
O início das vanguardas e da fotomontagem
40
[...] com esse momento crucial da história no qual, sob o impacto da
crescente participação das massas na produção coletiva, os modelos
tradicionais, que contribuíram para a formação do caráter do indivíduo
burguês, foram rejeitados em favor de modelos que reconheciam os fatos
sociais de uma situação histórica na qual o sentido de igualdade se havia
intensificado a tal ponto, que essa igualdade poderia ser adquirida até
mesmo a partir de um único, graças aos meios de reprodução (BUCHLOH,
2000, p. 181).
Os dadaístas de Berlim viram que a
fotografia tinha um potencial muito maior do que um
simples instrumento burguês. E se a questão é
negar a função interpretativa da arte, estabelece-se
uma convergência dos meios de reprodução técnica
com os dispositivos operadores de arte. E se os
meios de comunicação atingem uma massa, ou
seja, um maior número de espectadores, a
alternativa da provocação e do choque cria um
estranhamento no público em relação às situações
Fig. 24 - HEARTFIELD , John
.Adolf, O Super-Homem –
Engole Ouro e Vomita Lixo
1932, impresso após1942.
Fonte:http://cybermuse.gallery.
ca/cybermuse/
Acessado em 26/01/11
experimentadas no dia-a-dia (FABRIS, op. cit., p. 48), como também serve de alerta,
como denúncia, as notícias falsas sobre a guerra pela imprensa burguesa (id., p.
23).
Por mais non sense que fosse o Dadá, os artistas sabiam o que estavam
fazendo. Sabiam tanto, que sabiam negar a si próprio. Dada como antidadá. Pois
eles sabiam que a estratégia da provocação e do choque, quando vira um esquema,
da segunda vez que se tenta provocar o choque, não choca mais.
3.1.4 Termos genéricos
Preferimos chamar de termos genéricos alguns termos que correspondem
ou se assimilam com aqueles que acabamos de relatar. Tal preferência se dá por
41
uma questão linear e pelo fato que, se abrirmos uma
subseção para cada termo, podemos cair na redundância.
O que chamaremos de genéricos são os termos: objet
trouvé e a assemblage.
O objet trouvé, derivado do francês “objeto
encontrado”,
designa
a
maior
parte
dos
objetos
surrealistas e surgem por volta de 1920. Muito próximo do
termo ready-made inventado por Duchamp, o objet trouvé
consiste
em
encontrar
objetos
pelo
Fig.25- RAY, Man. O
presente, 1921, replica
1972.
Fonte:http://www.tate.
org.uk/tateetc/issue12/
unholytrinity.htm.
Acessado em 26/01/11
acaso,
escolhidos pelas suas funções estéticas e fazer a
junção destes, provocando um estranhamento pelas
associações inconciliáveis. Se o objet trouvé joga
com os mesmos procedimentos do ready-made e
da colagem, como a apropriação e a subtração do
sentido,
fragmentação
e
justaposição
dos
Fig.26-GIACOMETTI, Alberto.
Disagreeable Object. 1931.
Fonte: WoodParishttp://
artanddesign.lelaluxe.com/200
9/06/momas-collection-oferotic-surrealism.html
Acessado em 26/01/11
fragmentos, a diferença maior está na escolha do
tal objeto. Enquanto os ready-mades estão para a
indiferença visual do objeto e a recusa da emoção
estética, o objet trouvé reconhece no objeto achado
um objeto estético, portanto um critério de gosto e
de beleza, mesmo que está beleza seja um tanto
estranha, pois a beleza surrealista se afirmará
através do enunciado de Lautréamont: “Belo como
Fig. 27 - OPPENHEIM, Meret.
Le Déjeuner en Fourrure, 1936.
Fonte:
SCHNECKENBURGER,
Manfred. Escultura. In:
WALTHER, Ingo F. (org.). Arte
do século XX. Vol. 2. Lisboa:
Taschen, 2005
o encontro casual de uma máquina de costura e um
guarda-chuva sobre uma mesa cirúrgica” (DE MICHELI, op. cit.,161).
42
Continuando o legado dos primeiros ready-mades
duchampianos,
onde
dois
ou
mais
objetos
são
justapostos, os primeiros objets trouvés assumiram um
caráter, através do automatismo, de irritabilidade das
faculdades do espírito (id., p. 162). Invés da indiferença
duchampiana, o objet trouvé surrealista agirá como
provocador óptico, tanto que viraram referência para os
objets desagréables (objetos desagradáveis) tendo como
exemplo os trabalhos de Man Ray (Fig.25) e Alberto
Fig. 28 : PICASSO,Pablo
Cabeça de touro, 1942.
Fonte:http://gramatolo
gia.blogspot.com/2008
_04_01_archive.html
Acessado em 26/01/11
Giacometti (Fig26).
Ao longo dos anos 30 do século XX, os objetos surrealistas (Fig.27) se
proliferam de modo que cada objeto será classificado pela sua categoria: “’objetos
transubstanciados’, de origem afetiva; ’objetos a serem projetados’, de origem
onírica; ‘objetos-modelos’, de origem hipnagógica; e outros mais” (id., ibid.).
Tomado por modelos e significados díspares, o objet trouvé ao longo dos
anos da História será atribuído a tudo que carrega este procedimento: “acoplamento
de duas realidades aparentemente inconciliáveis num plano que aparentemente não
é conveniente para elas” (ERNST citado por DE MICHELI, op. cit., p. 161). Por isto
veremos em textos o termo atribuído, mesmo que erroneamente, para ready-mades
duchampianos até objetos que se comportam para representar algo, como é o caso
da ‘Cabeça de touro’ (Fig. 28) de Pablo Picasso. É o termo generalizado para tudo
que se parece com o procedimento. O mesmo acontece com o termo ‘Assemblage’.
O termo assemblage é cunhado por Jean Dubuffet (Fig. 29) em 1953,
orientado pela “estética da acumulação”, para fazer referência aos trabalhos que vão
além das colagens, onde qualquer tipo de material pode ser incorporado à uma obra
43
de arte (ASSEMBLAGE..., 2008). Oriundo de todas as categorias as quais já
relatamos aqui, como colagem cubista, ready-made, fotomontagem, objet trouvé,
etc., a assemblage
[...] é uma modalidade de construção plástica na qual se enquadra a
colagem, simples ou complexa, não importa, mas que se define por ser
composta de materiais distintos quanto as suas características físicas como
também quanto ao uso que dele se fazia [...] e, como tais, portadores de
temporalidades, informações e conceitos diversos (FARIAS, op. cit., p. 10).
Não
se
valendo
apenas
de
materiais
industrializados ou da comunicação, os materiais para
confeccionar uma assemblage podem ser de origem
natural, como areia, pedra, madeira, asas de borboleta,
etc.. A partir de materiais banais, mas sem retirar a sua
identidade física e funcional, Dubuffet os utiliza de
maneira informal, para, diferente da colagem cubista,
enfatizar
as
qualidades
visuais
e
táteis
fragmentos aplicados em uma obra de arte.
destes
Fig.29-DUBUFFET, Jean.
Butterfly-Wing Figure,1953
Fonte:http://hirshhorn.si.ed
u/visit/collection_object.as
p?key=32&subkey=2718
Acessado em 26/01/2011
O termo de Dubuffet se expandiu com a exposição “The Art of Assemblage”,
no MOMA de Nova York em 1961. A exposição incluiu 140 artistas internacionais,
incluindo Braque, Cornell, Dubuffet, Picasso, etc. num mesmo pacote. Fazendo com
que o termo se misturasse com as outras categorias das quais já relatamos. Por isto
o termo assemblage vira histórico, sendo aplicado, por vezes, tanto para colagens
cubistas, aos objets trouvés (sendo este a matéria-prima para a assemblage), etc.,
como também para aquilo que veio depois do termo, como as esculturas junk de
John Chamberlain, que fazem uso de refugo industrial, sucatas e materiais
descartados de todo tipo; os trabalhos dos membros do Nouveau Réalisme como o
artista Arman, que se apropria das coisas que pertencem ao contexto fenomênico do
44
mundo moderno e as acumulam como se fossem presas (ARGAN, op. cit., p. 558);
as ‘combine paintings’ de Robert Rauschenberg e as pinturas de Jasper Johns, as
quais não retrataremos por hora, pois estamos a um passo da Arte Contemporânea.
45
4 ARTE CONTEMPORÂNEA: SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
Não entenderemos por hora, como se a Arte Contemporânea não se
dispusesse de um tempo de constituição, ou melhor, como se a Arte
Contemporânea fosse atemporal, podendo ser retratada entre recortes de ida e
volta,
assinalando
certos
artistas
da
Arte
Moderna
pertencentes
à
Arte
Contemporânea, como descreve Cauquelin (2005). Claro que entendemos que um
artista como Duchamp será um agente ativo em que se espelhará a
contemporaneidade, e que sua “Fonte” ganha força ou reconhecimento a partir dos
anos 50. Porém, um objeto como a ‘Fonte’, na Arte Contemporânea, ganha aspectos
contrários daqueles que lhe foram propostos. A ‘Fonte’ ganha estatuto de obra de
arte e se transforma em um objeto histórico e estético, como teria dito Rauschenberg
afirmando “nunca ter visto uma escultura tão bonita como o urinol de Marcel
Duchamp” (HONNEF, 2004, p.8).
Por isto entenderemos a passagem da Arte Moderna para uma Arte
Contemporânea seguindo três fatores: 1) a obra de arte deixando de representar
algo para participar da realidade, como vínhamos relatando - com Jasper Johns e o
fim da ilusão (STEINBERG, 2008, p.32); 2) a apropriação deixa de ser material para
se transformar em uma imagem – novamente com Johns (BUCHLOH, op. cit., p.
182) e depois com a Pop Art; 3) quando a arte moderna se transforma em história –
com as vanguardas tardias e a pós-vanguarda1 (FABBRINI, 2003).
Para o primeiro fator, como já vínhamos relatando, que, desde o
Renascimento, através da perspectiva, os artistas representavam uma realidade, a
1
Deixemos claro que para Fabbrini (2003), a periodização da arte neste presente contexto se divide
num imaginário da modernidade artística, dos artistas vanguardistas, ou seja, do fim do século XIX
aos anos 1960 e 1970, e num imaginário contemporâneo, ou pós-vanguardista, a partir do final dos
anos 70, o que não concorda com o ponto de partida da Arte Contemporânea aplicada por Archer
(2001) e Tassinari (2001).
46
qual nossos olhos eram guiados para dentro da imagem. Com os artistas modernos,
aos poucos, aquela distância vai se aproximando do plano pictórico. Na Arte
Contemporânea a representação da realidade é posta de lado, para o objeto artístico
ser uma realidade. Se um quadro ia para dentro, agora ele salta para fora. Se
antigamente a tridimensionalidade era realizada através da ilusão óptica num
espaço bidimensional, agora a tridimensionalidade passa a ser real.
Para isto, tomemos como ponto de partida - tanto do ponto de vista de
Tassinari (2001) quanto do ponto de Michael Archer (2001) com o livro “Arte
Contemporânea” - os artistas neodadaístas, Robert Rauschenberg e Jasper Johns.
4.1 NEO-DADÁ2
Os trabalhos de Robert Rauschenberg e Jasper Johns, a partir dos anos 50,
foram denominados por Neo-dadá devido ao “uso particular de temas derivados do
mundo cotidiano” (ARCHER, 2001, p. 2). O termo, continua Archer, está mais
voltado para os trabalhos de Duchamp do que as atividades do Cabaret Voltaire de
1916 (id., p. 3). Estes ‘temas derivados do mundo cotidiano’ apresentam-se como
qualquer tipo de objeto que pode ser utilizado para fazer um trabalho artístico,
seguindo a risca e ampliando a idéia da assemblage. Archer completa o conceito de
“assemblage” com duas idéias-chaves:
A primeira é a de que, por mais que a união de certas imagens e objetos
possa produzir arte, tais imagens e objetos jamais perdem totalmente sua
identificação com o mundo comum, cotidiano, de onde foram tirados. A
segunda é a de que essa conexão com o cotidiano, desde que não nos
envergonhemos dela, deixa o caminho livre para o uso de uma vasta gama
de materiais e técnicas até agora não associados com o fazer artístico (id.,
p.3-4)
2
Optamos pelo termo Neo-dadá, mesmo que desprezado por Steinberg (2008) e por Argan (1992),
pelo simples fato destes artistas se encontrarem a meio caminho do Expressionismo abstrato à Pop
Art.
47
Seguindo este pensamento podemos associar o
uso do cotidiano com a aproximação da arte com a vida
tão desejada por Rauschenberg (Fig. 30).
A partir de 1953, Rauschenberg produziu uma
série de pinturas a qual ele denominou de ‘Combine
Paintings’, que através de combinações como fragmentos
de pintura gestual expressiva (ensinamentos do provindos
do Action Painting) com animais empalhados, sinais de
trânsito, fotografias, etc., formam uma assemblage, tanto
Fig.30-RAUSCHENBERG,
Robert. Cama,1955.Fonte:
http://www.moma.org/collecti
on/. Acessado em 26/01/11
na apropriação e no uso de materiais heteróclitos, quanto
uma assemblage de categorias apropriacionistas das quais relatamos anteriormente:
colagem, ready-made, objeto surrealista, etc., tudo numa mesma obra. Porém, de
forma alguma, “meramente uma aglomeração vital e arbitrária como uma
representação de uma cena de rua, mas sim um tecido polifônico com referências
formais, iconográficas e políticas cruzadas” (SCHNECKENBURGER, 2005, p.510).
Nestas pinturas, em que objetos vão sendo depositados e acabam
representando algum motivo genérico, numa mistura ‘desorganizada’ desenvolvemse “campos de tensão entre os territórios do artístico e do real” (HONNEF, op. cit., p.
22). Como bem entendia Rauschenberg sobre o processo artístico:
A pintura está ligada à arte e à vida. Nenhuma delas pode ser feita. (tento
agir no espaço que se encontra ambas.) Um par de meias não é menos
adequado para fazer um quadro do que a madeira, pregos, terebentina, óleo
e tecido. Uma tela nunca está vazia (RAUSCHENBERG citado por
RUHRBERG, 2005, p. 314).
Se Rauschenberg age entre o intervalo da arte e da vida, seu amigo Jasper
Johns opta pela relação arte e realidade.
48
Ao contrário de Rauschenberg, Johns é reconhecido pelas suas pinturas que
se apropriam de imagens banais e que são tratadas isoladamente como um alvo,
uma bandeira, um conjunto de números. Para muitos sem muito objetivo. “Em
grande parte, o objetivo dessas imagens é a sua falta de objetivo – o espectador
procura um significado específico, o artista está mais preocupado em criar uma
superfície” (LUCIE-SMITH, 2006, p. 95). As pinturas de Johns, aproveitando uma
imagem já preestabelecida, como uma bandeira, já não é uma bandeira, como
também não é uma bandeira pintada, e sim uma questão sobre pintura. Com muita
ironia, o artista renova as questões provocadas pelos ready-mades. Ao utilizar estas
coisas vulgares, descontextualizá-las do seu primeiro sentido, com suas formas já
existentes sem a necessidade de inventá-las, o artista se interessa pelo fato de “uma
coisa não ser o que é, de ela se tornar qualquer coisa diferente daquilo que é”
(JOHNS citado por RUHRBERG, op. cit., p. 311). Uma bandeira se transformando
em uma superfície pintada. A realidade da coisa pintada esbatendo-se com a
realidade da pintura (RUHRBERG, op. cit., p.310).
Johns, como havíamos dito, será o artista que encerrará uma linha histórica
que tentou romper a noção da representação da realidade. Uma pintura como ‘Flag’
(Bandeira) de 1955, marca dois pontos de transformação na arte em que devemos
nos concentrar.
O primeiro é a ruptura com a noção de representação da realidade. Isto se
dá, a grosso modo, por não haver temas sublimes ou uma ilusão óptica e pela
ambivalência da pergunta quando estamos diante dela: “É isto uma bandeira ou uma
pintura?”. Se é uma pintura, é uma pintura abstrata, empastada, e muito banal. Se é
uma bandeira, é uma imagem representando uma bandeira. Se continuar a
apresentar uma dicotomia entre as coisas, não se chega a lugar nenhum. Pois, é
49
com a relação da pintura com a coisa pintada que se investiga o fenômeno da coisa
percepcionada como realidade. “Johns construiu um idioma pessoal no qual objeto e
emblema, quadro e tema convergem indivisivelmente. O
tema
está
de
volta
não
como
preenchimento
ou
adulteração, não em algum tipo de parceria, mas como
condição mesma da pintura” (STEINBERG, op. cit., p. 49).
A pintura, que já por sua técnica se apresenta como
objeto, ao se apropriar de uma ‘imagem’ ou um ‘ícone’, ou
seja, na sua condição abstrata da coisa, se transformará
em uma estrutura rígida, não havendo meios que se
Fig.31 - JOHNS,
Jasper, Números em
cores,1958-1959.
Fonte: http://
www.superstock.com.
Acessado em 26/01/11
traspassem à tela. Quando uma ‘imagem’ é tratada como ‘imagem’ e não sobre
aquilo que ela representa, aceitasse a ‘imagem’ de uma maneira planificada. Se
antigamente uma pintura apresentava uma leitura arredondada que nossos olhos
escorregavam para dentro do quadro, a pintura de Johns é a mesma coisa de ponta
a ponta3. Archer faz esta relação para a pintura com números (Fig.31):
No caso de Johns isto era a solução do problema – originado no
Expressionismo Abstrato – de pintar com igual ênfase sobre toda tela, em
lugar de fazê-lo no centro, onde o assunto principal normalmente aparecia,
e arredondar as margens para dar sustentação. Uma sequencia numérica
que começava no canto superior esquerdo e terminava no inferior direito era
um sistema apropriado para a obtenção do resultado desejado (op. cit., p. 910)
Se continuarmos com o exemplo que fizemos anteriormente para a colagem
cubista, onde a perspectiva renascentista daria a ilusão de uma janela aberta, a qual
os nossos olhos adentram para uma outra realidade; com os impressionistas a
vidraça da janela é fechada e pintada de modo que deixam transparecer a outra
realidade. Posteriormente, com a colagem cubista, a vidraça permanecerá fechada
3
Página seguinte: Fig.32 - JOHNS,Jasper. Bandeira, 1954-1955.
Fonte: http://www.moma.org/collection/ Acesso em: 26/01/11.
50
51
com os recortes colados no seu anverso e, no reverso do vidro, estará uma
aplicação de uma demão de tinta que cobrirá todo o vidro, restando apenas um
mínimo de profundidade; no trabalho de Jasper Johns, o artista vai até a janela e
fecha a cortina (STEINBERG, 2008, p.68) (Fig. 33).
Se Jasper Johns fecha algo histórico,
também abre uma outra questão, que corresponde
ao nosso segundo ponto de transformação da arte:
quando a apropriação deixa de ser material para se
transformar em imagem.
Se, antes a apropriação estava destinada
ao uso de materiais palpáveis, no caso de Johns,
como também em Rauchenberg, pois este realizou
inúmeras
pinturas
através
da
serigrafia,
a
apropriação estará destinada ao uso de uma
Fig. 33 – JOHNS, Jasper. Cortina,
1959.
Fonte: STEINBERG, Leo. Outros
critérios: confrontos com a arte do
século XX. São Paulo: Cosac
Naify, 2008.p. 69
imagem pré-concebida, como melhor afirmara
Buchloh:
...a Flag, de Jasper Johns, 1955, não apenas marcou o início da recepção
de Duchamp na arte americana, e portanto o começo da pop art, como
introduziu, para sermos mais precisos, um método pictórico até então
desconhecido pela Escola de Nova York: a apropriação de um
objeto/imagem cujos aspectos de estrutura, cor e composição determinaram
as escolhas do pintor durante a execução do quadro (op. cit., p. 182).
Johns não pega uma bandeira de verdade e cola sobre a superfície do
quadro, ele reproduz uma bandeira. Com isto, ao utilizar a apropriação da imagem,
abre um caminho para os artistas da Pop Art. Porém, devemos lembrar que a
apropriação de imagens não se tornará uma regra, tanto que os trabalhos de Johns
dos meados da década de 60 apresentarão objetos incorporados em sua pintura.
52
4.2 POP-ART
A Pop Art surgiu na Inglaterra em 1956 com Richard Hamilton, e quase ao
mesmo tempo, a partir das invenções de Rauschenberg e de Johns, nos Estados
Unidos, com este último obtendo mais sucesso. Se atentarmos ao fato, veremos que
dois pólos distintos apresentam uma proposta igualada, mesmo com finalidades
distintas, concomitantemente. Isto se dá por duas questões importantes na
transformação do mundo da arte: a consolidação da mudança da capital da arte, de
Paris para Nova York, e a globalização da arte (BUENO, op. cit., p. 193). A mudança
da capital da arte se dá, a grosso modo, a partir de três fatores históricos
conseqüentes. O primeiro com o Armory Show em 1913.
A ideia de realizar uma grande exposição retrospectiva do movimento
moderno foi resultado da iniciativa de 25 artistas, oriundos da Ash Can e do
grupo de Stieglitz, que, em 1913, organizaram a primeira mostra de arte
moderna de repercussão nacional: ‘The International Exibition of Modern
Art’. Ocupando as instalações do 69th Regiment Armory de Nova Iorque,
ficou conhecida como Armory Show (Id., p. 60).
A proposta da mostra, a princípio, era divulgar e promover a pintura
americana, porém, como a maioria dos trabalhos era européia e de grandes e
renomados artistas, posta ao lado, a pintura americana só serviu para ser
ridicularizada pela maior parte do público (id., p. 62). Além da revelação e do
sucesso da obra européia, muitos artistas, ao visitarem a América, viram uma
potência inovadora no âmbito artístico naquele local. Além de que, Nova York seria
um bom reduto para escapar da Primeira Guerra. Mas após o fim desta, os artistas
retornam à Paris.
O segundo fator foi o êxodo dos artistas europeus em direção à América,
devido a Segunda Guerra, na passagem dos anos 30 para os 40, e muitos se
instalando de vez (Id., p.91). Após a guerra uma nova geração de artistas
53
americanos vai caminhando com os próprios pés, sem sofrer muita influência dos
europeus ou querendo romper de vez com eles, começando uma nova identidade:
segmentada, atomizada e mutante (id., p. 93). Durante a guerra surge o fenômeno
da internacionalização, que para a população consistia no desejo da preservação da
paz entre seus iguais, porém, no seu miolo, consistia na dominação política de
liderança americana (id., p.110). Para melhor entendermos a noção de
internacionalização, nos explicará Bueno:
A internacionalização consiste na exportação, para além das fronteiras
nacionais, de modelos econômicos, políticos, filosóficos, modos de ser e
viver, conteúdos artísticos e culturais, produzidos em nações política e
economicamente fortes para adquirirem hegemonia internacional em alguns
ou em muitos setores (id., p. 111).
A internacionalização será um passo para a sociedade globalizada que
então
conhecemos.
A
globalização
implica
nas
mesmas
questões
da
internacionalização, como a expansão, a queda de fronteira, a aproximação de
culturas, etc., porém opera de forma distinta. Ao invés de operar na
homogeneização
da
humanidade,
como
num
processo
civilizatório
de
ocidentalização mundial e de domínio americano, como é o caso do conceito da
internacionalização, a globalização implicará na heterogeneização da sociedade,
que, da mesma forma que amplia as relações sociais e um repertório simbólico
comum, ainda guarda uma pluralidade de visões (id., 112). Porém, isto se dará
apenas após a guerra.
O terceiro fator que consolidará de vez a mudança da capital da arte está, de
forma simbólica, no ano de 1956.
Em 1956, começa a transparecer a influência dos americanos com a
exposição Modern Art in United States, na Tate Gallery, em Londres. O
impacto sobre os artistas da nova geração gerou um deslocamento do foco
das inovações artísticas na Inglaterra, de Paris para Nova Iorque (id., p.
157).
54
Se uma coisa deixa de ser influenciada e passa a influenciar é porque virou
ponto de referência. Com o expressionismo abstrato, os Estados Unidos viraram
ponto de referência e influenciaram um mundo já globalizado. Outra questão
importante neste momento, é que as exposições tornam-se intercambiantes e
algumas exposições, que concentram artistas de todo o mundo, são Instituições há
pouco tempo, como a Bienal de Veneza (mais especificamente sua reabertura em
1948), Bienal de São Paulo em 1951 e a Documenta de Kassel em 1955 (Id., p.150153).
No mesmo ano da exposição ‘Modern
Art in United States’, em Londres, Richard
Hamilton expõe a sua colagem intitulada ‘O
que torna os lares de hoje tão diferentes, tão
atraentes?’ (1956) (Fig. 34) na mostra ‘This is
Tomorrow’ (Este é o amanhã), organizada
pelo Independent Group (Id., 161). O título da
mostra já proclama o que virá pela frente. A
Pop
Art.
Termo
inventado
pelo
crítico
Fig. 34 - HAMILTON,Richard. O que
torna os lares de hoje tão diferentes, tão
atraentes?,1956. Fonte
:http://www.kunsthalle-tuebingen.de/
Acessado em 26/01/11
Lawrence Alloway, mesmo não querendo se
referir às obras que apresentavam elementos da cultura pop, e sim, aos produtos de
mass media (HONNEF, op. cit., p. 6). Mas o apelido pegou.
Oito anos após esta exposição, na Bienal de Veneza de 1964,
Rauschenberg, levando a titulação de artista pop por ser um dos precursores, ganha
o grande prêmio, estabelecendo e conferindo aos Estados Unidos o título de
expoente da Arte Contemporânea. A Pop Art, nascida na Inglaterra, ganha o mundo
como invenção americana (BUENO, op. cit., p. 193).
55
A Pop Art americana, com seus renomados artistas - primeiramente com
Rauschenberg e Johns, e posteriormente com Roy Lichtenstein (Fig 35), Claes
Oldenburg, James Rosenquist, Tom Wesslmann e Andy Warhol - leva a alcunha de
avant-garde da arte contemporânea, num sentido livre e quase insignificante, pois
não traziam a carga e o espírito das
primeiras vanguardas, mas abalando o
mundo da arte (HONNEF, op. cit., p. 7). A
Pop Art retoma a figuração, enclausurada
pelo expressionismo abstrato, e toda a
Fig.35 - LICHTENSTEIN, Roy . Whaam!, 1963
Fonte:http://www.tate.org.uk/servlet/ViewWork
Acessado em 26/01/2011
sua produção estará voltada para a apropriação da imagem.
A partir de meados dos anos 50, os modos de apropriação, bem
equilibrados e moderados, e a bem-sucedida síntese de radicalismo e
convencionalismo relativos delimitam a posição da pop art americana. Esse
programa sempre se caracterizou por uma reconciliação liberal e um
domínio eficaz do conflito entre prática individual e produção coletiva, entre
as imagens da cultura popular produzidas em série e o ícone de
individuação que cada pintura constitui (BUCHLOH, op. cit., p. 182).
Como ready-mades, a imagem apropriada pela Pop Art se dirige à cultura de
massa, retirada de revistas, de jornais, da televisão, da fotografia, e reproduzidas
mecanicamente como “condições abstratas universais” (id., ibid.). Esta imagem
apropriada é utilizada enquanto imagem, o que cria um paradoxo. Pois, se o retorno
da figuração está no uso da imagem enquanto imagem, isto é, na sua ‘condição
abstrata universal’, cria uma confusão mental entre questões perceptivas e
terminológicas. Isto se dá desde a bandeira de Johns: “isto é uma bandeira ou uma
pintura?”.
Na Pop Art, como também em Rauschenberg e Johns, os problemas antigos
da pintura como forma-conteúdo, representação, etc., problemas típicos das escolas
de belas-artes, encontram um distanciamento ou rompimento para obter problemas
metalinguísticos.
56
A sua ofensiva traz em seu bojo uma questão adversa ao formalismo
moderno e indiferente aos problemas da linguagem plástica e seus campos
de domínio semântico. O que temos aqui não é mais uma arte preocupada
com as questões do plano pictórico, mas com a recuperação de uma certa
visualidade que incorpore a frivolidade de nossa existência. Podemos nos
referir a ela como sendo uma estratégia de metalinguagem, uma vez que se
apropria da linguagem da mass media para articulá-la na linguagem alta das
artes plásticas. Apresenta-se como um amontoado de imagens processadas
pelos meios de comunicação e reutilizadas, trazendo em seu bojo um grau
de abstração e impessoalidade, tais que artificializam por completo o
suposto “sentir” da vida cotidiana (SIMÃO, op. cit., p. 26).
Espelhada nas mensagens do ready-made duchampiano, a Pop Art ao se
apropriar da linguagem da mass media, transfigura os problemas das ‘Belas-Artes’
em problemas da ‘Arte em Geral’:
Chamemos essa situação de arte em geral, arte no sentido genérico do
termo. A arte em geral é algo totalmente diferente da reunião das práticas
artísticas sob o guarda-sol das belas-artes ou das artes plásticas. É algo
que não determina apenas que se possa ser artista sendo pintor, poeta,
músico, escultor ou cineasta, etc., mas também que se possa ser artista
sem ser pintor, nem poeta, nem músico, nem escultor, nem cineasta, etc.
Artista em geral (DE DUVE, 2002, p. 182).
Para De Duve (op. cit., p.183), a arte em geral não substitui os meios
tradicionais como a pintura e escultura, como também não substitui os gêneros
tradicionais, tudo faz parte da ‘arte em geral’, não exclui nada e pode incluir tudo e
qualquer coisa. “De fato, o teor da expressão é o seguinte: fazer arte com tudo e
com qualquer coisa é hoje tecnicamente possível e institucionalmente legítimo [...]
Decerto, nem tudo é arte. A priori, porém, qualquer coisa pode sê-lo” (id., ibid.).
Fig.36- WARHOL, Andy. Campbell's Soup Cans, 1962.
Fonte: http://www.moma.org/collection
Acessado em 26/01/2011.
57
Tomemos como partido agora o ‘artista em geral’ de maior sucesso da Pop
Art: Andy Warhol. A sua primeira exposição, em 1962, consistia nas já conhecidas
“Latas de Sopa Campbell’s” (Fig. 36). Eram 32 serigrafias, repetindo o mesmo
motivo, dispostas lado a lado, (ARCHER, op. cit., p. 10). Nesta descrição temos três
fatores importantes: o primeiro é a reprodução da imagem obtida por um meio
mecânico, a serigrafia; o segundo é a repetição da imagem; e o terceiro a disposição
lado a lado, como a obra de arte avaliada como mercadoria.
Através da apropriação de imagem e a reprodução desta, Warhol se
aproxima tanto das referências de Johns quanto as de Duchamp. A do primeiro
consiste na apropriação do banal, destituído de significado, e a do segundo na
renúncia autoral4 e manual. Cauquelin apresenta os detalhes: “Como Duchamp,
Warhol abandona a estética, deixa seu ofício de desenhista, renuncia ao estilo, à
habilidade manual, e se dedica à Arte – esfera que se dissocia das questões de
gosto, de belo e de único”, e como Johns, continua Cauquelin, “os objetos que
mostrará serão banais, kitsch, de mau gosto. Serão objetos de consumo usual” (op.
cit., p.109). Ao empregar o uso da serigrafia, Warhol conquista tanto a multiplicidade
da imagem, deixando de lado a ‘unicidade’ que o ready-made se transforma, quanto
a reprodução sem precisar da manualidade, deixando de lado a pincelada de Johns.
A repetição do motivo em Warhol está ligada ao efeito de saturação que ela
provoca, o que acaba anulando o seu caráter de coisa imediata. “É o impacto sobre
o público que importa; é preciso cobrir as paredes, repetir incessantemente, saturar.
Porque a comunicação funciona como tautologia, como redundância” (id., p.113).
Com a repetição, o motivo passa a pertencer àquele que repete: ‘A sopa de Warhol’.
Em qualquer lugar do mundo, o motivo acaba sendo associado à ele. Sem falar
4
Vale lembrar do “paradoxo de despersonalização hiperpersonalizada” que Cauquelin (op. cit., p.110)
atribui à Warhol. Pois “renúncia autoral” não quer dizer que Warhol atue ‘por debaixo dos panos’. Pelo
contrário.
58
como Warhol entendia muito bem da absorção da comunicação através da repetição
e do mundo globalizado (ou melhor, a internacionalização do produto):
‘Uma lata de sopa Campbell’s é uma lata de sopa Campbell’s é uma lata de
sopa Campbell’s’. Os McDonald’s são McDonald’s são McDonald’s: ’O que
há de mais bonito em Tóquio é o McDonald’s, o que há de mais bonito em
Estocolmo é o McDonald’s, o que há de mais bonito em Florença é o
McDonald’s. Pequim e Moscou ainda não têm nada de bonito’ (WARHOL
citado por CAUQUELIN, op. cit., p.113).
Esquecemos de falar da ironia também.
A provocação de Warhol ao colocar 32 serigrafias lado a lado, como se
latas de sopa estivem numa prateleira, está relacionada à arte como mercadoria.
Warhol joga explicitamente com a arte sendo regida pela sociedade de consumo e
pelas leis de mercado dos produtos, a qual também estará destinada (CAUQUELIN,
op. cit., p. 107). É uma faca de dois gumes: de um lado critica, do outro não lamenta
seu quinhão.
A partir dos anos 30, como diz Bueno (op. cit., p. 213), a figura do artista
pertencente ao mundo boêmio passa, aos poucos, a pertencer ao mundo do
trabalho por três fatores: primeiro pelos novos hábitos e exigências de consumo das
grandes cidades; o segundo está relacionado com o desenvolvimento da educação
artística, “a vanguarda não havia apenas se afastado da boêmia, mas se
academizado” (id., p. 216); e o terceiro a profissionalização do artista, “uma fábrica
de carreiras deveria garantir a estabilidade das reputações que produzia e convertia
em capitais” (id., ibid.). Da boêmia para o trabalho, nos anos 60, com o mundo
capitalista em expansão, nada mais justo do que o artista do mundo de trabalho
pertencer ao mundo da administração. Com isto, Andy Warhol abre a Factory, a
primeira em 1964, a fábrica de fazer obras de arte. Uma fábrica exige produção em
massa, publicidade, clientela e negócio.
59
O negócio é garantido pelo Nome, que se autoproclama, pela ubiqüidade
(internacionalização) do produto, pelo tamanho da empresa e de suas
múltiplas filiais, pelos papéis desempenhados simultaneamente pelos
agentes da empresa. São esses elementos que tornam verossímil, em
outras palavras, que transformam a ilusão da realidade em realidade de
uma ilusão (CAUQUELIN, op. cit., p. 119).
Estas são algumas das considerações a cerca de Andy Warhol e a Pop Art,
dentre várias. Diante de tudo que foi exposto até então nesta pesquisa, encontramos
após a Pop a conversão das vanguardas em instituição (FOSTER, 1996, p. 41).
Fabbrini, por convenção, adota os meados dos anos 70 (com o minimalismo e o
hiperrealismo), como os últimos gritos vanguardistas (2005, p. 122). Como também,
a estratégia da apropriação virando gênero da tradição. Se tudo girava em torno das
noções do novo, da ruptura, da provocação e do choque, todos foram guardados na
sua condição histórica.
4.3 NEOVANGUARDA e PÓS-VANGUARDA
A partir do período pós-guerra de 45, as vanguardas artísticas, com aquilo
que se identifica pertencente a uma - como a busca incessante do novo, a
anunciação de como seria a arte do futuro ou o próprio futuro (FABBRINI, 2002, p.1),
o progresso, a provocação e o choque - vão entrando em decadência e em meados
dos anos 70 ocorre o ocaso das vanguardas. Isto se dá quando as vanguardas
artísticas viram vanguardas históricas, ou seja, virando modelo ou referência para se
fazer arte. Se antes a visão do artista estava direcionada para o futuro, nos anos 70,
com as vanguardas tardias (minimalismo, conceitualismo e hiperrealismo), um olho
está no futuro, enquanto o outro está no passado.
Para essa interpretação, as vanguardas tardias seriam elos de uma lógica
imanente da forma artística que remonta ao início do século - no sentido,
por exemplo, de que o expressionismo abstrato teria radicalizado a técnica
do automatismo-psíquico do surrealismo francês dos anos 1920; ou de que
60
o minimalismo americano teria levado ao extremo a abstração geométrica
de Piet Mondrian ou Kasimir Malévitch que, por sua vez, teria radicalizado o
cubismo de Georges Braque e Pablo Picasso, que, por seu turno, teria
explicitado a geometria apenas indiciada na pintura de Paul Cézanne (id.,
p.4).
Nesta lógica imanente da forma artística, encontraremos, desde os
impressionistas, um lugar de partida no passado, a ruptura com o que está presente
e visando o que vinha a ser no futuro. Nesta lógica encontraremos que o
rompimento com a tradição artística desencadeou uma nova tradição, ”a ‘tradição do
novo’, na expressão de Harold Rosemberg; ou a ‘tradição da ruptura’, nos termos de
Octavio Paz” (id., p. 3). Também encontraremos um esmaecimento da parte utópica
que gerava as vanguardas, porém “mesmo dissociadas das ideias de revolução e
utopia continuaram a revolucionar os códigos artísticos“ (id., ibid.). Por sua vez, se
as vanguardas no meados de 70 ainda apresentavam uma experimentação formal,
mesmo que destituída da função utópica - por isto ‘tardias’ - no início dos anos 80,
“críticos e artistas, de diferentes países diagnosticaram o fim da própria ideia de
vanguarda, uma vez que não identificavam no cenário cultural um novo movimento
artístico internacional ou estilo moderno” (id., p. 5). Quando o artista se apresenta
como indivíduo não pertencente a um grupo de ruptura, ou quando a vanguarda vira
uma teoria, ou quando a noção do novo vira novidade, ou quando a negação da arte
pela vanguarda como anti-arte vira arte institucionalizada (BÜRGER, 2008), teremos
então, até os anos 70, duas nomenclaturas, a neovanguarda para Peter Bürger
(2008) ou vanguarda tardia para Ricardo Fabbrini (2005), e posterior a ela, a pósvanguarda, também de Ricardo Fabbrini (2005). Nós utilizaremos as três, conforme
for necessário, ao se tratar desta arte realizada dos anos 70 em diante. Optamos por
este recorte como meio delimitador para citar apenas algumas obras realizadas até
os anos 80, pois, a partir deste momento a estratégia da apropriação prolifera-se até
os dias de hoje, necessitando de uma nova pesquisa específica para tal momento.
61
Exporemos então, o que podemos chamar de uma outra categoria de apropriação, a
apropriação da apropriação, de modo que, está categoria possibilita o entendimento
de uma parcela da produção contemporânea, mas, é claro, não toda ela.
Como vimos durante este presente texto, a apropriação sempre esteve
ligada ao desejo de embaralhamento da arte com a vida ou da arte pertencer ao
plano real desde os primeiros modernos, como também estratégia das vanguardas
como operação de choque e provocação. A partir dos anos 80, a apropriação se
divide em duas questões: tanto para corresponder a apropriação de objetos ou de
signos, quanto procedimento abstrato mediante o qual o conteúdo específico ou o
significado é transferido para uma forma cultural genérica ou para se comportar
como estilo (FOSTER, op. cit., p. 221). Para a primeira questão, e voltando a citar a
‘Arte em geral’ de De Duve, todos os objetos e imagens não são arte mas podem vir
a sê-lo, disto tendo como mensageiro Duchamp. O uso de materiais heteróclitos ou
signos da cultura de massa já não são utilizados como forma de provocação ou de
choque. Viraram corriqueiros e aprovados enquanto arte (talvez para alguns não, por
não aceitar as proposições de Duchamp enquanto artísticos). O uso destes, como
diria Bourriaud (2009, p.21-22), está relacionado na problemática do processo
criativo da Arte Contemporânea - para nós neste momento na neovanguarda e na
pós-vanguarda – onde o ato de escolher é suficiente para fundar a operação
artística, e que, sua finalidade não questiona os limites da arte, mas sim, utilizá-las
como arte no interior de uma rede de signos, usá-las para interpretá-las. O artista
contemporâneo pós-vanguardista é aquele que opera com materiais préestabelecidos, abolindo “a distinção tradicional entre produção e consumo, criação e
cópia, ready-made e obra original. Já não lidam com uma matéria-prima” (id., p.8).
Se a apropriação de coisas ou signos na pós-vanguarda está para o uso e a
62
interpretação, e não para a provocação do choque, como estranhamento pela noção
do ‘novo’, ou como repetição do ato das vanguardas ou como crítica à arte, está
como fato consumado, não chocando mais ninguém e confirmando estes materiais
enquanto arte. Aproveitando a ’Fonte’, como exemplo, Bürger nos apresenta outro:
“Se, hoje, um artista assina e expõe um cano de estufa, de forma alguma ele está
denunciando o mercado da arte, mas a ele se incorpora; não destrói a ideia da
criatividade individual, mas a confirma” (op. cit., p.110).
Isto servirá como meio
delimitador, pois não precisaremos ‘interpretar’ todos os objetos e imagens que
foram apropriadas durante a Arte Contemporânea pós-vanguardista. Pois a
apropriação para esta primeira questão está voltada para uma espécie de gênero
artístico. Como por exemplo, um objeto como uma ‘cadeira’ pode ser utilizado e
interpretado por inúmeras vezes em inúmeras versões encontradas na arte. O fato
não está na problemática de fazer da cadeira uma obra de arte, isto já virou um
axioma.
A segunda questão para apropriação na pós-vanguarda está na sua
condição abstrata. Ela é mais complexa do que a primeira questão, pois enquanto a
primeira se transformou numa questão trivial, a segunda implica na apropriação da
apropriação na sua condição abstrata.
Para isto tomemos como exemplo dois trabalhos em situações distintas: o
primeiro o “Desenho de De Kooning apagado” de Robert Rauschenberg, e o outro
“Sobre Walker Evans” que consiste em uma série fotográfica de Sherrie Levine.
63
O primeiro, o “Desenho de De Kooning
apagado” (Fig. 37), foi realizado por Rauschenberg
em 1953, quando este obteve um desenho de
Willem de Kooning, informou-lhe sobre o projeto de
apagá-lo e convertê-lo em tema de seu trabalho.
“Após o cuidadoso exercício de apagá-lo, deixando
vestígios de lápis e a impressão visível das linhas
desenhadas como pistas para o reconhecimento
visual, o desenho foi colocado em uma moldura
dourada”
(BUCHLOH,
op.
cit.,
p.182),
Fig. 37 – RAUSCHENBERG,
Robert. Desenho de De Kooning
Apagado, 1953.
Fonte: WOOD, Paul. Arte
Conceitual. São Paulo: Cosac &
Naify, 2002. p. 20.
numa
plaquetinha de metal, Rauchenberg intitula seu trabalho “Desenho de De Kooning
apagado”. Nesta época, como havíamos dito, o expressionismo abstrato estava no
seu auge, sendo difundido por todo o mundo. E Rauschenberg, através dos reflexos
de Duchamp, confronta duas questões: tanto no seu programa a gestualidade do ato
de apagar o que poderia afirmar os procedimentos dos expressionistas abstratas
como tal, quanto negá-los.
O procedimento de produção (gesto), a expressão, e o signo
(representação) parecem ter adquirido congruência material e semântica.
Enquanto os dados sensíveis estão ocultos ou foram removidos da
superfície tradicional de exposição, o gesto de apagar desvia o foco de
atenção para o processo histórico apropriado (id., ibid.)
Rauschenberg, que pertencia ao Neodadá, ainda vanguardista, apresenta
algo novo e provocador, mesmo tendo o reflexo das proposições de Duchamp.
Questionando os limites da autoria e da autenticidade, Rauschenberg joga entre os
acordos do gesto para extinguir o gesto, desfaz um conjunto de sentidos e impõemlhe outros, retorna a obra de arte a seu local de origem, o papel em branco (WOOD,
64
op. cit., p.19). Rauschenberg abre um bom caminho para arte conceitual e para a
arte contemporânea em geral.
O segundo caso é a série fotográfica
do começo da década de 80 de Sherrie
Levine, “Sobre Walker Evans” (Fig. 38). A série
é composta de várias fotografias sem retoques
das fotografias de um fotografo já ilustre
Walker Evans, e eram “os exemplos mais
puros de apropriação, uma síntese de prática
difundida de pilhar imagens da história da arte
Fig. 38 – LEVINE, Sherrie. Sobre Walker
Evans nº2, 1981.
Fonte:www.metmuseum.org/toah/hd/pcg
n/ho_1995.266.2.htm. Acessado em
26/01/2011.
e da mídia para uso na obra de arte contemporânea” (HEARTNEY, 2002, p. 38). Por
mais que sejam as mesmas imagens, a idéia e o conceito da obra são outras, como
nos conta Heartney, “ela insistiu na idéia de que se tornaram obras diferentes por
meio de seu ato de reivindicá-las” (Id., ibid.).
Porém, colocando a série de Levine ao lado de Rauschenberg, ela se
apresenta igualada nos questionamentos de Rauschenberg. É aqui que se apresenta
a apropriação da apropriação na sua condição abstrata, pois Levine não se apropria
apenas de Walker Evans, mas, como também, da idéia e do conceito (aqui que se
encontra a abstração do fato) de Rauschenberg. É aqui que se dá o maior exemplo
da pós-vanguarda, que não só apenas se apropria de objetos e imagens, mas
também do conceito de outrem.
Este é o estilo de grande parte da arte de hoje em dia [...] Há dez anos,
Harold Rosenberg viu o advento de tal arte: ele a batizou de dejavunik, com
o que ele queria designar a arte que joga com o nosso desejo de ser
levemente chocado, espicaçado de fato pelo que já foi assimilado e se
apresenta travestido de novo (FOSTER, op. cit., p. 46).
65
A apropriação da apropriação (que é diferente da apropriação na sua
condição abstrata, pois é mais explícita) foi difundida na década de 80, pelos que
foram chamados posteriormente de apropriacionistas, como a própria Sherrie
Levine, apropriando-se da imagem do urinol de Duchamp e realizando uma
instalação cheia de “fontes” douradas, para remeter a sacralização do objeto antiartístico; como Mike Bidlo, que realiza uma instalação intitulada Not Andy Warhol
(Não Andy Warhol), em 1991, a qual é composta por várias caixas da “Brillo”,
fazendo referência a instalação de Andy Warhol em 1969 e não a “Brillo Box”
original; etc.
Um outro exemplo de apropriação da apropriação (agora, também, na sua
condição abstrata) foi realizada por Elaine Sturtevant, que apropriou-se da imagem
de Mona Lisa remetendo-a ao trabalho de Duchamp “L.H.O.O.Q.” (Fig. 39) - que, se
soletrada a inscrição em francês encontramos uma frase obscena: elle a chaud au
cul (Ela tem fogo no rabo) - a qual Duchamp, em 1919, acrescenta um bigodinho na
Mona Lisa. A versão de 1971 - o que adianta aos apropriacionistas - de Sturtevant
tinha por título Duchamp Rasée L.H.O.O.Q. (Duchamp Barbeada L.H.O.O.Q.) e
mostrava a pintura original de Leonardo da Vinci da Mona Lisa, “citando o original (L.
da Vinci) do original (Duchamp), Sturtevant está a devolver a imagem à sua
condição original” (WEGE in GROSENICK, 2005, p. 317). Esta proposta já tinha sido
realizada pelo próprio Duchamp em 1965, reapropriando-se “L.H.O.O.Q. rasée” (Fig.
40) (TOMKINS, op. cit., p.484), porém Sturtevant confere à Duchamp a Mona Lisa,
submetendo a imagem de um artista a outro, porém apresentando como autoria
própria.
66
.
Fig. 39 – DUCHAMP, Marcel.
L.H.O.O.Q., 1919. Fonte:
http://arthistory.about.
com/od/dada/ig/DadaatMoMA
Paris/dada_paris_01.htm.
Acessado em 26/01/2011.
Fig.40–DUCHAMP, Marcel.
L.H.O.O.Q. Rasée, 1965.
Fonte: http://www.moma.org/
collection/object.php?object_
id=37231 /
Acessado em: 26/01/2011.
Os temas da antiarte foram apropriados pelos artistas pós-vanguardistas.
Estes exemplos são estratégias que permearão toda a Arte Contemporânea.
O artista atual encena, para interpretar, aquilo que uma vez, no contexto
das vanguardas, apresentou-se como ruptura. São encenações que,
reiteradas, transformam a ruptura em procedimento, antiarte em arte,
dadaísmo como gesto estético em estilo vanguardista; aquilo que intentava,
enfim, ser linha-de-corte, converteu-se em linguagem: uma série de gestos
únicos. (FABRINNI, 2005, 124)
Estas re-reapropriações que não conferem mais o efeito de choque, nem
trazem consigo a noção do novo, podem não causar a mesma polêmica como da
primeira vez, “mas continuam a estimular a reflexão sobre o estatuto ou as
possibilidades da arte contemporânea” (id., p. 125). Se a atitude não está no
‘progresso’ da arte, está no desdobramento desta, dando “vida longa às operações
modernistas devidamente institucionalizadas” (id., 133). Parafraseando Fabbrini (id.,
p.137), poderíamos dizer que os artistas da pós-vanguarda visam ao aggiornamento
das vanguardas mais radicais - uma combinação de dadá, neodadá e conceitual –
não podendo ser interpretadas como mera citação de signos, pois assim, evitando a
fetichização do moderno, os artistas pós-vanguardistas “procuram inscrever, pela via
67
das apropriações estilísticas, a arte de vanguarda (do ready-made e da proposição
conceitual) no presente, assegurando-lhe assim a existência possível em novas
condições históricas” (id., ibid.).
Parafraseando novamente a ‘arte em geral’ de De Duve (id., 182), se na
transição da arte moderna para arte contemporânea, e das vanguardas para a pósvanguardas, tudo pareceu ser possível e por conseguinte os limites foram
alcançados, porém não podemos aceitar está preposição, pois se tudo é possível, a
arte nos parece ilimitada.
68
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temos então, o encerramento de uma pequena parcela sistematizada e
sintetizada de um problema chamado Apropriação. Tendo em vista o que foi
exposto, podemos considerar que a apropriação é a arte de apropriar-se para si,
podendo ser algo de origem material, icônica ou do próprio conceito de apropriação.
O termo citação se diferencia do seu mais próximo, pois enquanto a apropriação
expõe o seu ato de modo explícito e altera o primeiro sentido do que foi apropriado,
a citação é o ato de fazer referência a algo, sem alterar o seu primeiro sentido e
pode passar despercebida. Vimos também neste primeiro momento que a
apropriação se deu pelo desejo, entre outros, dos artistas modernos em embaralhar
a arte com a vida, na tentativa de romper com o passado tradicional. Como também
a aproximação da arte com realidade, a qual se arrastou até os vanguardistas do
século XX, cuja conquista foi parcial, e terminando na Arte Contemporânea, com os
trabalhos de Jasper Johns.
Em um segundo momento, além do desejo de acabar com a representação,
os vanguardistas foram guiados pela noção do novo e da ruptura, como também
adiantaram as estratégias do choque e da provocação. Neste ínterim surgem as
primeiras apropriações com as colagens cubistas, estendendo-se para outras
categorias já conhecidas, como ready-made, fotomontagem, objet trouvé e
assemblage. Vimos que cada uma tem as suas abordagens individuais, mas que o
ato acaba sendo agregado ao termo da apropriação. Quase ocorrendo todas ao
mesmo tempo, pode-se concluir que de uma forma ou de outra a apropriação iria
surgir para questionar o mundo da arte.
No terceiro instante vimos que na Arte Contemporânea aconteceram três
69
importantes questões, sendo a primeira o rompimento total com a representação, a
qual a obra de arte começa a pertencer à realidade e não a representá-la; a segunda
quando a apropriação deixa de ser apenas material e passa também a ser imagem,
onde antes havia o recolhimento de materiais, na arte contemporânea ela é refeita
sob forma de signo. E a última questão tendo a Arte Moderna se transformando em
história.
Neste mesmo instante, vimos também com a Pop Art, a afirmação da
mudança da capital da arte, de Paris para Nova York. Como também, e mais
precisamente com Andy Warhol, o artista deixando a manualidade e a fatura para
tornar-se um administrador; a reprodução mecânica da imagem apropriada; a
repetição do motivo como efeito de saturação e anulação, sendo uma estratégia
para que a coisa apropriada e repetida passe a pertencer e ser atribuída àquele que
apropriou.
A Arte Contemporânea, podemos dizer que, está dividida em três metades.
A primeira pertencendo ainda às vanguardas, claro que já sem a mesma força, a
segunda uma vanguarda tardia, onde começa a se repetir as propostas
vanguardistas, mas que ainda conferem uma experimentação formal, mesmo que
destituída da função utópica, e a terceira pós-vanguardista, que surge devido a um
possível fim das vanguardas e por tomar esta como histórica, podendo então repetir
sua proposição. Pela repetição dos atos vanguardistas, a pós-vanguarda não
contribui para a insurgência vanguardista e não apresenta nada como novo, e sim,
repete o que era novo mascarado como novidade e não produz o mesmo efeito
esperado como da primeira vez, o de choque. Vimos que na pós-vanguarda, a
apropriação torna-se gênero e que pode ser apropriada: a apropriação da
apropriação.
70
Pode parecer um fim, já que a arte fica se repetindo e não amplia seu
desenvolvimento. Porém, se aceitarmos a dica de Ferreira Gullar (2005, p. 54-55), a
qual diz que a arte não evolui ou retrocede, muda, eliminando uma concepção
darwinista da arte, mas oferecendo um desdobramento de linguagens, estamos
longe de chegar ao fim.
Esta pesquisa se deu por um projeto extenso, o qual foi fatiado e guardadas
inúmeras questões. Vimos durante as investigações que podemos estender as
noções do novo e do choque, como também, uma melhor diferenciação da
apropriação com base material da Arte Moderna com a base semiótica da Arte
Contemporânea. A questão sobre a natureza alegórica que envolve as apropriações
pode ser explorada futuramente. Vimos também, que na passagem da Arte Moderna
para a Contemporânea, surgem alguns questionamentos acerca da arte, como ‘O
mundo da arte’ com Arthur Danto, ‘Quando há Arte?’ com Nelson Goodman, ou
sobre o fim da arte, novamente com Danto e Hans Belting. Na última parte do último
capítulo, na pós-vanguarda, tivemos que fazer um recorte histórico, acabando nos
anos 80, pois senão esta pesquisa tornar-se-ia infindável para aquilo que estava
destinada, o que possibilita uma nova pesquisa especificamente sobre a produção
artística a partir da pós-vanguarda até os dias de hoje. Ao longo da pesquisa, como
vimos, surgiram outras inúmeras ramificações que podem ser exploradas
futuramente. Tivemos o cuidado para não cair nessas ramificações durante esta
pesquisa, porém uma vez ou outra, nos deixamos ser levados pelo fluxo. Temos em
vista muita coisa pela frente, ou pelo menos, ser explorada e revista. Como a Arte.
71
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Hugo Alexandre da Silva