Clonagem: problematização ética M. Patrão Neves Clonagem (reprodução assexuada) é o meio, natural ou artificial, através do qual se desenvolve uma população de células ou de organismos vivos a partir de uma célula ou de um indivíduo único e sem que estejam implicadas as características da reprodução sexual. “clone” (klôn = gomo, rebento) é um conjunto de células ou de indivíduos provenientes de um ancestral comum e que possuem um conjunto de genes idênticos A formação de Eva a partir de Adão Dolly, 5 de Julho de 1996 (27-02-1997) Ian Wilmut Instituto Roslin A clonagem de mamíferos é possível! Explosão de sentimentos tendencialmente contra a clonagem. O termo reveste-se de uma conotação negativa que inquina a reflexão ética. Esta é de ordem racional, construindo-se a partir de factos objectiva e rigorosamente apreciados. Acerca da clonagem (níveis da natureza em que pode ocorrer) natural (fenómeno) clonagem artificial (técnica) plantas animais humanos Acerca da clonagem (entidades em que pode ocorrer) genes clonagem natural células organismos (bactérias, plantas, animais inferiores) Clonagem artificial Acerca da clonagem genes células organismos divisão embrionária (gemelação) células embrionárias transferência nuclear células adultas partenogénese (clonagem do ovo) Clonagem de Plantas natural frequente: plantas que provêm de uma só por desagregação vegetativa clonagem artificial 1952: demonstra-se que alguns tecidos vegetais têm a capacidade de desenvolver in vitro plantas inteiras Benefícios: horticultura e agronomia, através de selecção de plantas Riscos: diminuição da variabilidade genética e disseminação de organismos geneticamente alterados Clonagem de Plantas Problematização ética - diminuição de variabilidade genética não é significativa - disseminação de organismos geneticamente alterados por engenharia genética (transgénicos, modificação do genoma por adição de genes estranhos à espécie) Clonagem de Animais s.l. natural clonagem frequente: bactérias não frequente: animais inferiores raro: mamíferos transferência nuclear artificial clonagem de genes (terapia génica) Benefícios: zootecnia e medicina (farmacologia), através da selecção de animais e da sua manipulação genética Riscos: diminuição da variabilidade genética disseminação de organismos geneticamente alterados Clonagem de Animais s.l. Problematização ética - diminuição de variabilidade genética não é significativa - disseminação de organismos geneticamente alterados por engenharia genética - violação dos direitos dos animais - artificialização dos animais Clonagem Humana natural rara (4%) artificial transferência nuclear somática clonagem Transferência nuclear somática 1. Disponibilização de ovócitos (gâmeta feminino); 2. Remoção do DNA nuclear do ovócito de forma a produzir um ovócito enucleado (ooplasto); 3. Inserção do núcleo de uma célula adulta dadora num ooplasto, de forma a produzir uma estrutura celular híbrida; 4. Activação da estrutura celular híbrida através de estímulos eléctricos ou químicos para que este inicie a divisão celular. Produto da transferência nuclear somática Pode ser manipulado: com finalidade reprodutiva, para obtenção de um indivíduo geneticamente idêntico ao que lhe deu origem para fins de investigação biomédica, para extracção de células estaminais e desenvolvimento da terapia celular Transferência nuclear somática Transferência nuclear somática (SCNT) com finalidade reprodutiva Tem por objectivo a produção de embriões, com o mesmo ADN nuclear que o indivíduo a partir do qual o núcleo da célula somática foi recolhido; o embrião deverá ser transferido para o útero de uma mulher a fim que se dê a nidação, desencadeando o processo natural de gravidez. Benefícios: ultrapassar situações de esterilidade total, substituição da morte acidental de um filho, etc. Riscos: conhecimento científico insuficiente para garantir a integridade física do futuro clone SCNT com finalidade reprodutiva Riscos físicos: produção do embrião, cujas taxas de sucesso são muito baixas, implicando uma recolha intensiva de ovócitos; desenvolvimento do embrião e do feto, sujeitos a inúmeras complicações que resultam, na maior parte dos casos, em abortos espontâneos; vida do futuro ser, afectado por sérias anomalias, incluindo deformação de membros, órgãos ou vias sanguíneas, ocorrência frequente de tumores e envelhecimento precoce. Riscos psicológicos e sociais: ansiedade dos pais, expectativas em relação ao filho; eventual impacto da informação na criança clonada. SCNT com finalidade reprodutiva Problematização ética Rejeição absoluta (proibição): argumentos da identidade (determinismo, eugenia, contingência), da instrumentalização e da dignidade humana Rejeição provisória (moratória): argumentos da não-maleficência e da precaução Aceitação: argumentos da liberdade reprodutiva e da beneficência Transferência nuclear somática (SCNT) para fins de investigação biomédica Tem por objectivo a produção de células estaminais embrionárias, com o mesmo ADN nuclear que o indivíduo a partir do qual o núcleo da célula somática foi recolhido, células indiferenciadas e pluripotentes, capazes de dar origem a todas as variedades de células a serem posteriormente utilizadas para transplante sem o risco de rejeição. Benefícios: desenvolvimento da terapia celular e da medicina regenerativa Riscos: conhecimento ainda insuficiente no controlo do processo de diferenciação celular SCNT / para fins de investigação biomédica Multiplicação de células estaminais Especialização in vitro Algumas perspectivas terapêuticas SCNT / para fins de investigação biomédica Benefícios: desenvolvimento do conhecimento científico (fisiologia e embriologia); utilidade para a humanidade pelo seu potencial terapêutico e, consequentemente, pela diminuição do sofrimento; impacto no domínio da transplantação, doenças neurodegenerativas, recuperação motora, abrandamento do processo de envelhecimento. SCNT / para fins de investigação biomédica Problematização ética Aprovação e implementação: argumentos da utilidade, do imperativo científico e da propriedade Reprovação e abandono: argumento da inviolabilidade ou da dignidade do embrião humano Natureza do produto da transferência nuclear somática Qual a sua identidade biológica, ontológica e ética? Será um embrião? Será um artefacto? Natureza do produto da transferência nuclear somática Critérios para avaliação: - Origem - Funcionalidade - Destino ou Finalidade Natureza do produto da transferência nuclear somática Quanto à sua origem: Embrião singamético Embrião clonado Processo de singamia (reprodução sexuada) dos gâmetas feminino e masculino (realidade única) Processo técnico (reprodução assexuada) de fusão de uma célula somática e um ooplasto (cópia) Natureza do produto da transferência nuclear somática Quanto ao seu destino ou finalidade: Embrião singamético Embrião clonado Transferência para um útero, nidação, desenvolvimento num ser humano Extração de células estaminais e produção de linhas celulares para investigação com objectivos terapêuticos Natureza do produto da transferência nuclear somática Quanto à sua funcionalidade: Embrião singamético Embrião clonado Desenvolver-se-à naturalmente num novo ser humano Experiências com primatas superiores fracassaram Natureza do produto da transferência nuclear somática Problematização ética - é um embrião, pelo que inviolável (argumento da potencialidade) - é um embrião, mas pode ser utilizado (argumento da individualidade e perspectiva gradualista) - não é um embrião, é um artefacto e pode ser utilizado (argumento da diferente origem e também funcionalidade) Clonagem Humana Não é um fim, mas apenas um meio de obtenção de células estaminais. Clonagem Humana As células estaminais podem obter-se também em: - Adultos (EA, multipotentes) - Embriões e fetos abortados (EG, pluripotentes) - Embriões excedentários (ES, pluripotentes) Ou podem obter-se por: - Reprogramação - Embriões inviáveis - Partenogénese de ovócitos imaturos - SCNT e engenharia genética - Aplicação da técnica de DGPI Parecer o CNECV é de parecer que 1. A clonagem com finalidade reprodutiva e a clonagem para fins de investigação biomédica suscitam problemas éticos específicos. 2. Independentemente da viabilidade da clonagem com finalidade reprodutiva, esta deve ser proibida porque viola a dignidade humana. 3. A prática da clonagem para fins de investigação biomédica poderia ser recomendada ao abrigo dos princípios da utilidade e da solidariedade vistos os potenciais benefícios terapêuticos para os seres humanos. Contudo, o juízo ético sobre o uso da clonagem depende da natureza que for atribuída ao produto da transferência nuclear somática: 3.1. se for considerado um embrião não pode ser usado porque tal constituiria uma violação da sua intrínseca dignidade; 3.2. se for considerado um artefacto laboratorial pode ser usado em investigação biomédica sem suscitar problemas éticos além dos inerentes à utilização de material biológico humano, nomeadamente o da não comercialização. 4. Na presente situação de ausência de unanimidade ou ampla convergência científica e filosófica acerca da natureza do produto de transferência nuclear somática, considera-se dever aplicar o princípio ético da precaução: 4.1. incentivando a investigação em células estaminais obtidas sem recurso à clonagem por transferência nuclear somática e de acordo com o Parecer 47/CNECV/05, ao abrigo do princípio da beneficência; 4.2. incentivando igualmente a investigação na reprogramação celular, a qual poderá permitir a prossecução da investigação em curso com células estaminais sem a produção de qualquer neo-estrutura biológica susceptível de ser identificada como embrião humano. Lisboa, 11 de Abril de 2006 Obrigada Clonagem humana com finalidade terapêutica (CHT) (questionamento ético) estatuto do embrião ontológico: qual a natureza ou essência deste ser? ético: qual a modalidade de acção a que obriga? jurídico: qual o grau de protecção a que tem direito? A técnica de CHT e de CHR é idêntica pelo que a autorização da primeira conduzirá à prática da segunda Clonagem humana com finalidade reprodutiva (CHT) (questionamento ético) negação de alteridade a clonagem negaria a dignidade do clone privando-o de uma identidade própria. a identidade biológica dos clones não é absoluta em virtude das diferenças ligadas ao ADN das mitocôndrias, das interacções entre os genes e das interacções entre os genes e o ambiente, interacções estas que podem implicar mutações. a identidade biológica não constitui a identidade do indivíduo enquanto ser humano, a qual é uma identidade psicológica, social, cultural. a questão da identidade acabaria por se reportar apenas a problemas de auto-percepção e de percepção social. Clonagem humana com finalidade reprodutiva (CHT) (questionamento ético) instrumentalização a clonagem negaria a consideração do ser humano como um fim em si mesmo ao ser produzido para fins específicos e particulares (coincidindo também com a negação da sua autonomia) falar-se-ia de instrumentalização do clone se se explorasse a sua produção para: reservatório de órgãos, como clones eugénicos ou clones funcionais, etc. outra situação seria a de produção de um clone para substituição de uma outra pessoa: por morte acidental de uma criança, morte iminente de uma criança por falta de um dador compatível de medula, etc.; ou ainda para preencher uma função como no caso de esterilidade total, sendo a produção de clones limitada a uma ou outra motivação particular. Porém, mesmo numa maternidade/paternidade sexuada, os pais tendem a instrumentalizar parcialmente os filhos, sem que a criança deixe de conquistar a sua autonomia Clonagem humana com finalidade reprodutiva (CHT) (questionamento ético) objectivação a clonagem negaria a autonomia do clone em virtude do determinismo que encerraria falar a clonagem, suprimindo a lotaria da hereditariedade com a sua incontornável incerteza afectaria a liberdade do homem, se bem que, de facto, o determinismo fosse, mais uma vez, limitado à dimensão biológica. afirma-se também que um clone seria previsível porque o seu modelo seria conhecido o que não se verificaria certamente se a clonagem fosse feita a partir de uma criança morta e seria pouco provável, noutros casos, que a criança-clone repetisse os mesmos erros do pai-dador. Clonagem humana com finalidade reprodutiva (CHT) (questionamento ético) interesse científico: de acordo com a maioria dos investigadores não tem interesse científico; viabilidade económica: a ausência de interesse científico deverá determinar a ausência de viabilidade económica; bondade ética: o eventual bem a realizar seria pontual e não justificável na sua ponderação com o investimento necessário. Scanner 1 1. Disponibilização de ovócitos (gâmeta feminino); 2. Remoção do DNA nuclear do ovócito de forma a produzir um ovócito enucleado (ooplasto); 3. Inserção do núcleo de uma célula adulta dadora num ooplasto, de forma a produzir uma estrutura celular híbrida; 4. Activação da estrutura celular híbrida através de estímulos eléctricos ou químicos para que este inicie a divisão celular; 5. Manutenção do desenvolvimento do embrião clonado até um estádio adequado à sua transferência para um útero devidamente preparado para o receber; 6. Nascimento de um animal geneticamente idêntico, excepto no que se refere ao DNA mitocondrial, ao animal que doou o núcleo da célula adulta. Clonagem Humana Não é um fim, mas apenas um meio de obtenção de células estaminais; As células estaminais podem obter-se também em: - Adultos (EA, multipotentes) - Embriões e fetos abortados (EG, pluripotentes) - Embriões excedentários (ES, totipotentes) - Reprogramação