A Clonagem Reprodutiva
Helena Pereira de Melo
[email protected]
Abril de 2008.
1
Professor da Universidade de
Oxford (R. Dawkins) afirma:
“O meu sentimento funda-se na pura curiosidade.
Sei aquilo em que me tornei, tendo nascido nos
anos quarenta, ido à escola nos anos cinquenta,
atingido a maioridade nos anos sessenta e assim
sucessivamente. Penso que seria fascinante, do
ponto de vista pessoal, observar uma cópia
reduzida de mim mesmo, cinquenta anos mais
nova, que iria crescer nas primeiras décadas do
século XXI. Não teria a sensação de fazer recuar o
meu relógio pessoal cinquenta anos?”
2
No Jornal Le Monde, pergunta-se:
“Como contrariar, amanhã, a
vontade de uma determinada
pessoa ceder à vertigem da
imortalidade, pedindo aos
biólogos ou aos médicos o
nascimento do seu clone,
antes ou mesmo depois da sua
morte?”
3
A morte é ultrapassada pela:
• Reprodução sexuada - o património
genético é transmitido de geração em
geração numa linha contínua, mas
assegurando a biodiversidade;
• Reprodução não sexuada - o mesmo
património genético transmite-se
imutável, até ao fim dos tempos.
4
Uma imortalidade deste
tipo é juridicamente
aceitável?
5
O que é a clonagem?
Que evoluções se têm
verificado no domínio desta
técnica?
6
Clonagem: forma de
reprodução assexuada
induzida artificialmente, com
o objectivo de produzir seres
geneticamente iguais.
7
Abrange 2 processos laboratoriais
diferentes:
• duplicação embrionária;
• transferência nuclear.
8
Duplicação embrionária:
• visa a produção artificial de gémeos univitelinos,
pela divisão de embriões que se encontram no
estado inicial do seu desenvolvimento - cada
célula de um embrião com poucas horas de
existência é capaz de originar um indivíduo
completo;
• supõe 2 progenitores;
• origina um n.º limitado de indivíduos
geneticamente idênticos - o n.º máximo de
embriões humanos que é possível obter é 4.
9
Transferência nuclear:
• mais complexa do que a duplicação embrionária;
• produz centenas de cópias geneticamente idênticas do
mesmo indivíduo;
• obtenção de um organismo completo a partir de 1 célula
não sexual de um organismo da mesma espécie - se se
induzir artificialmente o desenvolvimento de um ovo cujo
núcleo tenha sido substituído pelo núcleo de uma célula
somática de um outro indivíduo (masculino ou feminino),
nasce um ser cujo património genético é idêntico ao do
dador da célula somática;
• requer apenas um progenitor biológico, cuja informação
genética se transmite, integralmente, ao novo ser.
10
11
Avanços verificados ao longo
do século XX:
• duplicação embrionária;
• transferência nuclear.
12
Duplicação embrionária:
• gémeos naturais - sempre existiram;
• induzida artificialmente, nos últimos
quarenta anos em sapos, coelhos, ovinos,
bovinos e embriões humanos;
• em 1993, JERRY HALL e ROBERT
STILLMAN, da George Washington
University, “dividiram” 17 embriões
humanos inviáveis, em 48 embriões com
idêntica informação genética, tendo alguns
dos clones sobrevivido 6 dias.
13
14
Transferência nuclear:
• largamente difundida no mundo vegetal;
• no mundo animal, nos últimos 20 anos - realizada
em rãs, ovinos, bovinos e macacos;
• no Roslin Institute, em Edimburgo, procedeu-se
inicialmente à transferência nuclear a partir de
células embrionárias de ovelha (tendo nascido
duas ovelhas gémeas monozigóticas, Megan e
Morag) e, em 1996, a partir de células extraídas de
um animal adulto.
15
Nasceu a Dolly:
• morreu aos 7 anos;
• era escocesa;
• não teve pai - nenhum carneiro
contribuiu para a sua concepção;
• era irmã gémea da mãe biológica;
• foi mãe de um cordeiro, chamado
Bobby.
16
17
Teve três mães:
• a que deu a célula somática (à qual Dolly é
geneticamente idêntica), a que deu o ovo e a mãe
de substituição, que a deu à luz;
• porque a equipa de IAN WILMUT colheu um ovo
não fertilizado numa ovelha adulta, retirou-lhe o
núcleo, introduziu no lugar deste o de uma célula
colhida numa glândula mamária de outra ovelha
adulta, e implantou-o no útero de uma terceira
ovelha, prosseguindo o desenvolvimento
embrionário até se dar o nascimento de Dolly - o
1º mamífero clonado não a partir de um embrião,
18
mas de um animal adulto.
No período entre 1996 - 2007:
• Centro de Investigação de Primatas de Oregon clonou, a partir de células embrionárias, 2
macacos;
• Universidade de Monash, em Clayton - obteve por
clonagem, 470 embriões de bovinos, a partir de 1
ovo fertilizado;
• Roslin Institue - nasce Polly, uma ovelha
transgénica que tem genes humanos em cada
célula do seu corpo, o que possibilita que seja
extraída do seu leite uma proteína humana de
interesse terapêutico;
• Universidade do Hawaii – são clonados ratos a
partir de células adultas;
19
• Japão - clonados oitos vitelos a partir
de células colhidas numa vaca adulta;
• Ian Wilmut - obtem células
indiferenciadas humanas através de
técnicas de clonagem, que poderão ser
utilizadas para o tratamento da Doença
de Parkinson, da Diabetes…
O ser humano quando será clonado?
20
Clonagem humana:
• tecnicamente possível - “em princípio,
o que é possível fazer com um
mamífero é possível fazer com outro”;
• “a única barreira que podemos opor à
clonagem é a barreira política, a
barreira ética” (GRAHAM
BULFIELD, director do Roslin
Institute).
21
Médico italiano, Severino
Antinori:
anuncia que uma mulher está
na oitava semana de gravidez
de um embrião clonado.
22
É a clonagem eticamente
desejável?
A clonagem da Dolly conduziu à discussão, à escala
internacional, da aplicação da
clonagem à espécie humana.
23
É necessário distinguir entre:
clonagem de animais e
clonagem de seres humanos.
24
Clonagem de animais:
• vantagens para o diagnóstico e tratamento de
doenças humanas;
• possibilita a produção em série de animais
transgénicos ou de animais cujos órgãos podem
ser utilizados para transplantes em seres humanos;
• permite aperfeiçoar as práticas seculares de
selecção de vegetais e animais, permitindo
“copiar” os animais que apresentem as
características genéticas consideradas desejáveis, o
que possibilita que a humanidade tenha mais e
melhores alimentos.
25
Exemplos:
• Tracy, uma ovelha transgénica, nascida em
Edimburgo, que tem genes humanos em
cada uma das suas células, o que viabiliza a
produção de medicamentos, de uso humano,
a partir do seu leite;
• porcos sujeitos a processos de
“humanização” que lhes permitem tornar-se
em fornecedores de “matéria prima” para
transplantes cardíacos em seres humanos.
26
Questões suscitadas na matéria:
• Quantos genes humanos necessita uma ovelha ou
um porco, de apresentar no seu património
genético para ser sujeito de direitos e de
obrigações?
• Quais os riscos de aceitar o desaparecimento das
barreiras entre espécies?
• Quais os reflexos da clonagem sobre a
biodiversidade, uma vez que constitui uma técnica
que a evolução evita cuidadosamente - fazer
cópias rigorosas apresenta o perigo de as tornar
sensíveis às mesmas infecções, que matariam
27
todos os clones.
Atenta a utilidade das aplicações
médicas decorrentes da clonagem de
animais e observados os princípios
ético-jurídicos por que se rege a
experimentação animal, não há
motivo para proibir a clonagem de
animais.
28
29
Clonagem humana:
• Qual o interesse em clonar ovelhas, se
elas já são, à partida, tão parecidas
entre si?
• Qual o interesse em clonar seres
humanos, se eles já são tão
semelhantes entre si, perguntariam as
ovelhas.
• Qual o interesse em clonar ou em não
clonar seres humanos?
30
31
Posição favorável à clonagem
humana:
• abre novas e importantes oportunidades no que se
refere à pesquisa científica, nomeadamente
médica;
• é imperioso respeitar a liberdade de investigação e
criação científicas, permitindo a clonagem uma
melhor compreensão do ser vivo;
• tem importantes aplicações de índole diagnóstica e
terapêutica - a clonagem de células humanas
constitui um procedimento de rotina na pesquisa
sobre o cancro.
32
Relativamente à clonagem que visa o
nascimento de seres humanos e não apenas a
cultura de células:
• aumenta a probabilidade de uma gravidez
evolutiva nas mulheres que recorrem à FIV,
aumentando, através da duplicação embrionária, o
n.º de embriões disponíveis para implantação no
útero;
• permite criar embriões “supra-numerários”, que
seriam crio-conservados e ulteriormente
implantados no útero da mãe, se o ciclo inicial da
FIV não permitisse obter uma gravidez evolutiva,
o que evitaria repetir actos médicos dolorosos para
a mulher, como a punção dos ovócitos.
33
E, ainda:
• efectuar o diagnóstico pré-implantação num dos clones,
implantando-se o outro, se o resultado fosse no sentido de
o embrião não ser portador da doença geneticamente
determinada em causa;
• ter gémeos idênticos separados por um determinado
período de tempo;
• permitir a um adulto, ter um gémeo monozigótico, que
criaria como se um filho se tratasse;
• permitir a um casal em que um dos membros fosse
portador do gene responsável por uma doença hereditária
(por exemplo, a hemofilia), ter descendência saudável,
produzida com base apenas no património genético do
outro;
34
• aumentar o leque das opções reprodutivas à
disposição das pessoas, “permitindo-lhes cumprir
uma das mais básicas das leis enunciadas por
DARWIN … a preservação das espécies”;
• criar “embriões de reserva”, podendo cada pessoa
ter-se a si própria “em reserva”, com tecidos
compatíveis com os seus que se poderiam enxertar
em qualquer momento depois de uma simples
cultura em laboratório;
• crio-conservar um “embrião de reserva”, como
potencial substituto de uma criança que viesse a
falecer;
35
• povoar o mundo com pessoas
geneticamente superiores,
produzindo centenas de “cópias”
de seres especialmente dotados;
• produzir clones para dar e vender;
• ressuscitar os mortos, clonando-os
a partir de células colhidas em vida
e mantidas em cultura.
36
O facto de se ter um duplo genético não afecta
o sentimento se se ser “único” porque:
• os gémeos monozigóticos apresentam
personalidades diferentes;
• o património genético constitui apenas um
dos factores constituintes da personalidade
da pessoa, sendo esta o resultado da
confluência de factores geográficos (local
de nascimento), históricos (época do
nascimento), culturais (cultura em que se
vive), familiares….
37
• cada clone seria o sujeito da sua própria história,
sendo impossível produzir um clone idêntico ao
ser clonado - por exemplo, clones que fizessem 20
ou 30 anos de diferença seriam tão diferentes que
poderiam nem se reconhecer;
• a clonagem constitui um instrumento essencial
para o estudo das relações existentes entre o inato
e o adquirido ao longo da vida;
• é preferível para a criança ter nascido, ainda que
por clonagem, do que nunca ter nascido;
• tal como nos habituámos às famílias
monoparentais, também nos poderemos habituar,
por força da evolução das mentalidades e dos
38
costumes, à existência de clones.
Do “outro lado do espelho”:
Posição desfavorável à
clonagem humana.
39
A clonagem de seres humanos é
inaceitável porque:
• a liberdade de investigação científica tem limites,
não devendo prevalecer sobre a dignidade e os
direitos fundamentais da pessoa humana;
• não se conhece qualquer objectivo legítimo que
justifique o recurso à clonagem em seres
humanos;
• a duplicação embrionária, reduzindo a dimensão
do embrião, por força da divisão efectuada, pode
causar lesões nos clones, reduzindo a
probabilidade de estes se implantarem no útero;
40
• nada se sabe sobre a doença e a saúde dos
clones, dado ser diferente a forma como se
dá a fusão dos núcleos do processo natural
de fertilização - embora tudo leve a crer que
deverão apresentar características genéticas
idênticas às do organismo clonado, pode
haver surpresas, que apenas a análise
sistemática de grandes séries poderá revelar;
• um erro de laboratório poderá determinar
efeitos biológicos desconhecidos, que
poderão conduzir ao nascimento de clones
apresentando um “defeito de fabrico” cujas
consequências serão imprevisíveis;
41
• essa produção envolve o risco de
diminuição da diversidade genética,
uma vez que não se dá a miscigenação
de dois patrimónios genéticos;
• representa mais um passo na direcção
da progressiva dissociação entre
sexualidade e reprodução;
• a produção de indivíduos em série
atenta contra o carácter único e
irrepetível do ser humano.
42
A criação deliberada e dirigida de
uma pessoa por outra implica:
• a reificação do clone - que seria
programado de acordo com as
características desejadas, produzido
“como quem escolhe o barco ou o
automóvel” e não gerado;
• a produção de seres humanos com
características genéticas prédeterminadas, como sempre defendeu
o eugenismo;
43
• a possibilidade de produzir embriões em
função de interesses narcisistas, não
dirigidos para o bem-estar do embrião JACQUES TESTART afirma que “je
préfère l’enfant que serait issu de moi seul à
celui procrée avec un partenaire; ou, pour
le dire moins durement: ce que j’aime dans
mon enfant, c’est moi”;
• a diminuição do respeito devido à pessoa
enquanto ser digno e livre, porque esta
poderia ser facilmente substituída, tornarse-ia num bem fungível;
44
• a distinção entre seres humanos de “1.ª
classe” (os clonados) e seres humanos de
“2.ª classe” (os clones), dado que uma cópia
é, em princípio, algo de menos valioso que
o original;
• a ofensa da dignidade do ser humano por
este ter sido produzido como cópia de
alguém;
• a ofensa da liberdade das gerações futuras,
uma vez que não é possível obter o prévio
consentimento do clone para ser concebido
através da clonagem.
45
• o enfraquecimento das relações sociais,
sobretudo familiares;
• a utilização comercial da clonagem,
com a elaboração de catálogos
contendo fotografias e informações
sobre os seres humanos cujas cópias
crio-conservadas se encontram
disponíveis em stock, com a
consequente fixação do preço em
função das características genéticas
apresentadas.
46
O clone se tivesse conhecimento do seu
processo de fabrico sentir-se-ia:
• manufacturado;
• objecto de pressões familiares e
sociais no sentido de corresponder
ao modelo clonado;
• olhado pelos outros como um
objecto.
47
Quais foram as posições
jurídicas assumidas a nível
internacional e nacional?
48
UNESCO:
Declaração Universal sobre o
Genoma Humano e os Direitos do
Homem, de 11 de Novembro de
1997: “as práticas contrárias à
dignidade humana, como a clonagem
de seres humanos, não devem ser
permitidas” (art. 11º).
49
OMS:
Resolução adoptada na 50ª
Assembleia Mundial de Saúde,
realizada em 14 de Maio de
1997: “a utilização da clonagem
para reproduzir seres humanos
não é aceitável no plano ético e é
contrária à integridade da pessoa
humana e à moral”.
50
Declaração das Nações Unidas sobre
Clonagem Humana:
• aprovada pela Resolução da
Assembleia-Geral de 8 de Março de
2005;
• convida os Estados membros a proibir
todas as formas de clonagem humana
na medida em que sejam
“incompatíveis com a dignidade
humana e com a protecção da vida
humana”.
51
Conselho da Europa:
• Recomendação da Assembleia Parlamentar do
Conselho da Europa nº 1046, sobre a utilização de
embriões e fetos humanos para fins de
diagnóstico, terapêuticos, científicos, industriais e
comerciais, de 24 de Setembro de 1986;
• Princípios Orientadores em matéria de procriação
artificial humana, formulados pelo Comité ad hoc
de Peritos sobre os Progressos das Ciências
Biomédicas do Conselho da Europa, em 1989;
• Protocolo Adicional à Convenção sobre os
Direitos do Homem e a Biomedicina sobre a
interdição da clonagem em seres humanos, de 12
de Janeiro de 1998.
52
Recomendação 1046º e
Princípios Orientadores:
convida os Governos dos Estados
membros a “proibir a criação de
seres humanos idênticos por
clonagem ou por outros métodos,
com fins de selecção de raça ou
não”.
53
Protocolo Adicional à CDHB:
o art. 1º proíbe “toda a
intervenção que tenha por fim
criar um ser geneticamente
idêntico a outro ser humano vivo
ou morto”, entendendo-se por
“geneticamente idêntico” o terem
ambos em comum o “conjunto
dos genes nucleares”.
54
União Europeia:
•
•
•
•
Parlamento Europeu;
Comissão Europeia;
Conselho Europeu de Amesterdão;
Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia.
55
Parlamento Europeu:
• Resolução sobre os Problemas Éticos e Jurídicos da
Manipulação Genética, de 16 de Março de 1989 - “a
proibição penal é a única reacção possível à eventual
criação de seres humanos por clonagem, bem como de
todas as experiências que tenham por objectivo a produção
de seres humanos por clonagem”;
• Resolução sobre Clonagem, de 12 de Março de 1997 pede a proibição mundial da clonagem de seres humanos,
não podendo esta ser “em nenhuma circunstância
justificada ou tolerada por uma sociedade humana, porque
implica uma violação grave dos direitos fundamentais do
homem, é contrária ao princípio da igualdade dos seres
humanos uma vez que permite uma selecção eugénica da
espécie humana e ofende a dignidade do ser humano”; 56
• Resolução sobre a clonagem de seres
humanos, de 7 de Setembro de 2000 –
reitera o seu apelo a cada Estado
membro para que adopte uma
legislação vinculativa a proibir a
investigação sobre clonagem humana,
cujo incumprimento seja punido
através de sanção penal.
57
Directiva do Parlamento Europeu e
do Conselho n.º 98/44/CE:
• de 6 de Julho de 1998, sobre a
protecção jurídica das invenções
biotecnológicas;
• art. 6.º - consideram-se não
patenteáveis os processos de clonagem
de seres humanos, por a sua exploração
comercial ser “contrária à ordem
pública e aos bons costumes”.
58
Comissão Europeia:
• JACQUES SANTER - solicita, em
Fevereiro de 1997, ao Grupo de
Conselheiros para a Ética da Biotecnologia,
que estude as implicações éticas da
aplicação das técnicas de clonagem;
• Parecer do Grupo, de 28 de Maio de 1997 o recurso à clonagem para produzir
indivíduos idênticos é inaceitável, atentos
os perigos de instrumentalização do homem
e de eugenismo.
59
Conselho Europeu de Amesterdão:
• de 16 e 17 de Junho de 1997;
• Declaração sobre a proibição da
clonagem humana, na qual se sublinha
“a vontade dos Estados membros de
adoptarem todas as disposições
necessárias à proibição da clonagem
humana”.
60
Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia:
• proclamada em Dezembro de
2000;
• no art. 3.º determina “a
proibição da clonagem
reprodutiva dos seres
humanos”.
61
Portugal:
• Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida - Parecer sobre as
implicações éticas da clonagem, de 1
de Abril de 1997;
• Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de
Setembro - aprovou a Quarta Revisão
Constitucional;
• Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho sobre
PMA .
62
CNECV:
“A clonagem de seres
humanos, pela gravidade dos
problemas que põe à
dignidade da pessoa humana,
ao equilíbrio da espécie
humana e à vida em sociedade
é eticamente inaceitável e
deve ser proibida”.
63
Lei Constitucional nº 1/97:
adita ao art. 26º da CRP um novo
nº 3, no qual se preconiza que “a
lei garantirá a dignidade pessoal e
a identidade genética do ser
humano, nomeadamente na
criação, desenvolvimento e
utilização das tecnologias e na
experimentação científica”.
64
Lei nº 325/2006:
• proíbe,
no art. 7º, nº 1, “a
clonagem reprodutiva tendo
como objectivo criar seres
humanos geneticamente
idênticos a outros”;
• pune-a no art. 36.º com pena
de prisão de 1 a 5 anos.
65
Resolução da Assembleia da
República n.º 1/2001, de 3 de
Janeiro:
aprova, para ratificação, o
Protocolo Adicional à CDHB
que proíbe a clonagem de
seres humanos.
66
Espanha:
• Ley 14/2006, de 26 de mayo, sobre técnicas
de reproducción humana asistida - constitui
infracção muito grave “a prática de técnicas
de transferência nuclear com fins
reprodutivos” (art. 26º);
• Código Penal - penaliza “a criação de seres
humanos idênticos por clonagem ou
quaisquer outros procedimentos que visem a
selecção racial” (art. 161º, nº 2).
67
Bélgica:
• Loi relative à la recherche sur les
embryons in vitro du 11 mai 2003;
• proíbe no art. 6.º a clonagem
reprodutiva humana;
• pune a sua realização, no art. 12.º, com
pena de prisão até 5 anos e / ou de
multa até 10.000 euros.
68
Itália:
• Legge 19 febbraio 2004, norme in
materia di procreazione
medicalmente assistita;
• proíbe e pune com pena de prisão e
de multa, no art. 13.º, a clonagem
reprodutiva.
69
França:
• Loi n.º 2004-800 du 6 août
2004 relative à la bioéthique;
• parecer do Comité Consultatif
National d’Éthique pour les
Sciences de la Vie et de la
Santé.
70
Loi n.º 2004-800:
• art. 16-4 do Código Civil – “é proibida toda
a intervenção que tenha por objectivo fazer
nascer uma criança geneticamente idêntica a
uma outra pessoa viva ou morta”;
• art. 214-2 do Código Penal – pune as
aludidas intervenções com 30 anos de
prisão e 7500000 €;
• art. L. 611-18 do Código da Propriedade
Intelectual – não são patenteáveis as
técnicas de clonagem de seres humanos. 71
CCNECVS:
“A substituição, na espécie
humana, da procriação por um
método de reprodução assente
nas técnicas de clonagem
constituiria, no plano biológico,
simbólico e filosófico, uma
ruptura considerável, que
ofenderia gravemente a dignidade
da pessoa humana”.
72
Reino Unido:
• Human Reproductive Cloning Act
2001;
• proíbe e pune com prisão até dez anos
e / ou com multa, a implantação no
útero de uma mulher de um embrião
humano que tenha sido criado por
outro processo que não o da
fertilização de um ovócito por um
espermatozóide.
73
Human Fertilisation and Embryology
Authority:
• autoridade que autoriza e acompanha a
realização de projectos de investigação
embrionária (§ 8.º da Human
Fertilisation and Embryology Act
1990);
• autorizou, em 2004, a tentativa de
criação de clones humanos, por
transferência nuclear.
74
Alemanha:
a Lei alemã sobre a protecção do
embrião (Embryonenschutzgesetz),
de 1990, proíbe a transferência de
informação genética de um ser
humano vivo ou morto, de um feto
ou de um embrião, para outro
embrião (§ 6º).
75
Grécia:
• Lei n.º 3089 sobre reprodução
humana medicamente assistida;
• proíbe no art. 1455.º do Código
Civil, na redacção dada por esta
lei, “a reprodução humana através
da técnica da clonagem”.
76
Suíça:
• Loi fédérale relative à la recherche sur les
cellules souches embryonaires, du 19
décembre 2003;
• proíbe, no art. 3.º, a criação de um clone;
• exclui da patenteabilidade, no art. 27.º, “os
processos de clonagem de seres humanos e
os clones através deles obtidos”, por
contrariedade à ordem pública e aos bons
costumes.
77
Austrália:
• Prohibition of Human Cloning Act
2002;
• pune com pena de prisão até 15
anos a criação intencional de um
human embryo clone.
78
Japão:
• The Law Concerning Regulation
Relating to Human Cloning Techniques
and Other Similar Techniques (Law n.º
146, 2000);
• proíbe, no art. 3.º, a transferência para
o útero de um humano ou de um
animal de um human somatic clone
embryo.
79
Estónia:
• Lei sobre a inseminação
artificial e a protecção
embrionária, de 11 de Junho de
1997;
• proíbe, no § 35, a clonagem por
transferência nuclear.
80
EUA: Bill Clinton:
• considerou que os avanços ocorridos na
clonagem suscitam graves questões éticas;
• salientou que “cada vida humana é única,
nascida de um milagre que ultrapassa a
ciência laboratorial”, pelo que devemos
resistir à tentação de fazermos duplos
genéticos – “we’re in the business where
people are trying to play God”;
• solicitou parecer à National Bioethics
81
Advisory Commission.
National Bioethics Advisory
Commission (Junho de 1997):
“é moralmente inaceitável tentar criar
uma criança através do recurso à
clonagem por transferência nuclear,
uma vez que a informação científica
disponível indica que esta técnica não
oferece as necessárias garantias de
segurança para poder ser aplicada a
seres humanos”.
82
Human Cloning Prohibition Act of
2001:
• aprovado pelo Senado em 26 de
Abril;
• pune com prisão até 10 anos ou
multa a clonagem com fins
reprodutivos.
83
Qual a posição das várias
religiões na matéria?
84
Igreja Católica:
• Instrução sobre o Respeito à
Vida Humana Nascente e a
Dignidade da Procriação
(1987);
• Osservatore Romano, de 27 de
Fevereiro de 1997.
85
Na Instrução afirma:
• “as tentativas destinadas a obter um ser
humano sem conexão alguma com a
sexualidade, mediante clonagem, devem ser
consideradas contrárias à moral, por se
oporem à dignidade da procriação humana”;
• “ninguém pode reivindicar, antes de existir
um direito subjectivo a iniciar a existência;
todavia, é legítimo afirmar o direito de a
criança a ter uma origem plenamente
humana através da concepção conforme à
86
natureza pessoal do ser humano”.
No Osservatore Romano, refere:
“o Ser Humano tem direito a
nascer de forma humana e não
num laboratório”, sendo
“fortemente desejável” que os
países adoptem leis que proíbam
a clonagem de seres humanos.
87
Igreja Muçulmana:
é lícito recorrer à clonagem,
uma vez que esta constitui um
simples progresso no sentido
de um melhor conhecimento
da natureza pelo homem.
88
Budistas:
“O que fez a ovelha numa
vida anterior que determinou
que fosse clonada?” (Donald
Lopez)
89
Existe um amplo consenso na
UE quanto a ser ética e
juridicamente inaceitável o
recurso à clonagem
reprodutiva de seres humanos.
90
Se se tornar realidade?
Quais as suas implicações éticojurídicas?
Em que medida a produção de
múltiplas cópias de seres
geneticamente idênticos pode
afectar a nossa percepção do que
significa ser-se “humano”?
91
Implicações no conceito de
pessoa:
• Boécio - persona est rationalis naturae
individua substantia;
• São Tomás de Aquino – existência em
si e por si e que não se comunica a
nenhuma outra;
• Emmanuel Mounier – “aquilo que não
pode ser repetido duas vezes”.
92
Repensar o conceito de pessoa
presente na cultura ocidental porque:
• a pessoa poderia facilmente deixar
de ser única e irrepetível do ponto
de vista genético;
• de criatura feita à imagem e
semelhança de Deus, de ser único e
livre – até um simples código
genético.
93
Clonagem afectaria o nosso
conceito de humanidade.
Afectaria o respeito devido à
pessoa enquanto fim em si
mesma?
94
Dignidade da Pessoa Humana:
• “Age de tal maneira que uses a humanidade,
tanto na tua pessoa como na pessoa de
qualquer outro, sempre e simultaneamente
como um fim e nunca como um meio”
(Kant);
• valor básico em que assenta a ordem
jurídica portuguesa;
• art. 1º da CRP - “Portugal é uma República
soberana, baseada na dignidade da pessoa
humana”.
95
• fonte ética de todo o sistema de
direitos fundamentais;
• impõe o reconhecimento de que
cada pessoa é portadora de um
valor absoluto, que impede que
possa ser tratada como meio,
instrumentalizada em ordem a
qualquer fim, por muito
interessante para a investigação
científica que este se possa
afigurar.
96
Clonagem é ofensiva da dignidade dos
seres humanos, porque:
• visa a concepção planificada de uma criança
que encaramos como um produto cujo
fabrico é possibilitado pelo mercado, a
acrescentar à casa, ao carro...
• a criança não é um fim em si mesma, mas
um meio para satisfazer o interesse do
progenitor em ter um filho que seja portador
de determinados caracteres genéticos.
97
Ofende igualmente:
• o direito de cada ser humano a ser
irrepetível;
• o direito a um património genético não
artificialmente modificado das gerações
futuras;
• o princípio jurídico fundamental de que “o
bem da pessoa humana deve prevalecer
sobre os interesses da ciência e da
sociedade” (art. 2º da CDHB).
98
Depois de nascido qual seria o
estatuto jurídico do clone
segundo o Direito Português?
99
Como qualquer outra criança que
nasça em Portugal, o clone seria:
• pessoa em sentido jurídico no período
compreendido entre o momento do
nascimento completo e com vida e o
momento da morte (art.s 66º e 68º do
Código Civil);
• cidadão português de pleno direito,
“irmão gémeo mais novo” de outro
cidadão.
100
Problemas jurídicos, por
exemplo,
no âmbito das relações
jurídicas familiares.
101
Por exemplo:
• A, mulher, decide dar à luz um clone
de B, seu pai, já falecido;
• A é mãe do clone – segundo a lei
portuguesa, “relativamente à mãe, a
filiação resulta do facto do
nascimento”;
Quem é o pai?
102
Se A for:
• Casada – a lei presume que o pai é
o seu marido;
• Solteira – o clone constituirá um
filho nascido fora do matrimónio.
103
Caso em que não é possível:
• o reconhecimento da paternidade por
perfilhação, uma vez que a
“perfilhação só é válida se for posterior
à concepção” e B faleceu sem ter tido
conhecimento de que o clone iria ser
concebido;
• intentar a acção de averiguação
oficiosa da paternidade, dado que A e
B são pai e filha, são parentes em linha
recta.
104
O clone, à luz da lei em vigor,
pode não ter pai.
105
A, homem, desejando produzir
um gémeo verdadeiro seu, para
criar como filho, pede a B
(mulher), que aceite gerar um
clone seu.
De quem é filho o clone,
quando nasce?
106
A mãe é B, que o deu à luz.
O pai é:
• o marido de B, se esta for casada;
• A, se B, por exemplo, fizer a declaração do
nascimento com a indicação de que o filho
não é do marido, e A o perfilhar. Caso em
que o clone terá um pai e uma mãe, que o
deu à luz, mas, na realidade só terá pai.
Ou será o pai o progenitor biológico de A?
107
Terceiro exemplo:
• A (homem) e B (mulher), casados, com
dois filhos;
• B é portadora do gene responsável pela
hemofilia;
• A e B decidem que o terceiro filho será
um clone de A, que será idêntico, do
ponto de vista genético, ao pai.
108
O clone nasce e, face à lei
portuguesa:
• é filho de A e B e irmão dos outros filhos do casal;
• é irmão germano ou bilateral destes, uma vez que
procedem todos do mesmo pai e da mesma mãe.
Mas, atendendo a que o seu património genético é
uma cópia do do pai, a lei não teria de ser alterada
em termos de considerar que ele é apenas irmão
consanguíneo dos outros dois, dado que procedem
apenas do mesmo pai? Ou que é irmão do próprio
pai? Tal teria consequências no plano sucessório.
109
Clone:
• “gémeo de outra geração” de alguém
vivo ou já falecido;
• a sua existência implicaria alterações
no conceito jurídico de parentesco,
enquanto “vínculo que une duas
pessoas, em consequência de uma
delas descender da outra ou de ambas
procederem de um progenitor comum”.
110
Das questões suscitadas pela
clonagem:
• actualização das normas jurídicas;
• saber se os clones seriam ou não
rigorosamente iguais ao ser
clonado;
• saber qual o peso relativo da
hereditariedade e do ambiente.
111
A mais importante:
decisão de construir uma
sociedade em que uma criança,
tal como representado na
mitologia grega, segundo a qual
Baco nasceu de uma perna de
Júpiter, possa ser produzida a
partir de uma só pessoa, pela
reprodução assexuada.
112
Depois de termos assistido a:
• gémeos concebidos in vitro serem
implantados no útero da mãe com
meses de intervalo;
• crianças serem geradas com o
objectivo de obter tecidos para
transplantar nos seus irmãos doentes,
Significará a clonagem apenas um passo
em frente?
113
O que oferece dúvidas:
• Não – que o clone ao nascer gozará do
estatuto jurídico de pessoa;
• Não – que será credor do respeito
devido a todo o ser humano pelo
simples facto de ser pessoa;
• Sim – o modo da sua produção, o
modo como a genética o pode
desenhar, a partir do quase nada.
114
JACQUES TESTART
Ève ou la Répétition
1998, Paris: Éditions Odile Jacob.
115
François Roussel:
•
•
•
•
é geneticista e sabe clonar seres humanos;
considera que o mais importante na sua
vida é o amor que sente pela mulher,
Pauline;
decide fazer um clone seu e um clone de
Pauline, para imortalizar esse amor;
implanta o clone de Pauline em Pauline e
o seu clone na porteira do prédio em que
vive, que era infértil e portuguesa;
116
Os clones nascem e crescem:
• François entretanto morre;
• o seu clone, Robert, apaixona-se por
Pauline, com quem se casa e de quem
tem dois filhos;
• o clone de Pauline, Ève, apaixona-se
por um colega de trabalho, chamado
Bertrand ...
117
J. L. Borges:
“Aconselhar ou discutir era
inútil, porque o seu inevitável
destino era o de ser aquilo em
que se tornou”.
118
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Problemas Éticos e Jurídicos da Clonagem