IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: AS POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS Amélia Maria Araújo Mesquita JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: AS POLÍTICAS CURRICULARES NACIONAIS Amélia Maria Araújo Mesquita RESUMO: Este artigo tem por objetivo tecer algumas análises sobre a política curricular para a inclusão educacional – especificamente a inclusão de pessoas com deficiência – que se desenha hoje na perspectiva da adaptação curricular. Assim, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, busco apresentar argumentos que sustentam a tese de que tal orientação, a despeito das suas contribuições para a qualificação da prática educativa inclusiva, acaba reforçando a inclusão-excludente na medida em que a adaptação assevera a idéia de um currículo homogenizador, portanto, não compatível com o princípio da inclusão que se anuncia na valorização da diversidade e da diferença. PALAVRAS-CHAVE: Currículo. Inclusão Educacional. Política Curricular. 1 Introdução Não obstante aos interesses internacionais, as políticas nacionais, implementadas pelo governo central brasileiro, ganharam no campo da educação versões bastante peculiares especialmente na área do currículo. Consoantes ao empenho da constituição de uma sociedade inclusiva foi (e continua sendo) desenvolvida uma política curricular que tem por objetivo controlar e regular ações educacionais nos diferentes níveis de ensino, políticas essas fortemente desenvolvidas a partir da década de 1990. A legislação educacional brasileira vem sendo desenhada pela configuração de propostas e projetos governamentais que atendem tanto às questões políticoorganizacionais da educação como a própria dimensão técnico-pedagógica. Além da LDB, das Diretrizes e dos Planos educacionais, o governo também elaborou, em nível de orientação, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), em Amélia Maria Araújo Mesquita 5292 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais 1996, e os Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares, em 1998. Esses dois documentos têm como objetivos comuns auxiliar e orientar os professores da Educação Básica a desenvolverem ações didático-pedagógicas que atendam aos fins da educação na contemporaneidade. Vale ressaltar que uma das formas de controle do governo sobre a educação se dá por meio do currículo. Para Rocha (2001, p. 109-110) [...] o currículo foi nessa nova legislação1 objeto de profundas transformações. A fim de que a política curricular pensada para o país, que é em essencial uma política do conhecimento oficial, pudesse ter a base legal que garantisse a sua implementação, o(a) legislador(a) não só tratou de investir na concepção de currículo, como também no próprio desenho que o mesmo passaria a ter. A definição de conteúdos, de disciplinas, dos objetivos e metas do ensino, além das orientações metodológicas e de avaliação se apresentam como mecanismos utilizados pelo governo a fim de consolidar seu projeto social. No campo da inclusão da pessoa com deficiência 2 esse currículo vem marcado por um adjetivo, a adaptação. Nesse sentido, cabe questionar: a adaptação curricular é um elemento orientador que possibilita de fato o desenvolvimento de uma educação inclusiva? Quais as possibilidades e limitações dessa orientação posta pela política curricular? Para tanto, este artigo se propõe a tecer algumas análises sobre a política curricular para a inclusão, que se desenha hoje na perspectiva da adaptação curricular. Assim, por meio da pesquisa bibliográfica e documental, busco apresentar argumentos que sustentam a tese de que tal orientação pode acabar reforçando a inclusão-excludente na medida em que a adaptação assevera a idéia de um currículo homogenizador, portanto contrário à diversidade. Este artigo está organizado em sessões que objetivam discutir o conceito de currículo para assim adentrarmos na discussão de política curricular para a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns das escolas 1 Está se referindo à LDB 9.394/96. 2 Neste artigo ora me referirei ao termo deficiência ora ao termo pessoas com necessidades educacionais especiais. Apesar de compreender que a deficiência compõe a identidade da pessoa, os documentos aqui analisados os denominam de pessoas/portadores de necessidades educacionais especiais. Amélia Maria Araújo Mesquita 5293 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais regulares de ensino a assim travarmos um diálogo sobre os avanços e riscos dessa orientação curricular. 2 Compreendendo o sentido e significado do currículo É extremamente complexo o conceito de currículo se considerarmos que sua formação não se restringe apenas ao desenho curricular. Etimologicamente currículo vem da palavra latina Scurrere e refere-se a curso. Para Goodson (1995, p. 31) “as implicações etimológicas são que, com isso, o currículo é definido como um curso a ser seguido, ou mais especificamente, apresentado”. A partir da etimologia da palavra currículo fica fácil desprendê-lo de qualquer influência social ficando o mesmo na dependência e definição de quem o elabora, sendo também pensado a priori. Essa exclusividade na organização curricular permitiu forjar a relação currículo/prescrição, aspecto cada vez mais fortalecido pelas políticas curriculares que, para além da intervenção administrativa, tentam intervir direta e indiretamente na prática escolar por meio da elaboração de parâmetros e diretrizes às quais visam orientar o trabalho pedagógico. As teorias do currículo, entretanto, na busca de compreender o sentido e o significado do currículo fazem o seu cruzamento com aspectos que superam os limites de sua configuração prescritiva, especialmente as teorias críticas e pós-críticas. Para Sacristán (2000, p. 13) A prática a que se refere o currículo [...] é uma realidade prévia muito bem estabelecida através de comportamentos didáticos, políticos, administrativos, econômicos, etc., através dos quais se encobrem muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de racionalidade, crenças, valores, etc., que condicionam a teorização sobre o currículo [...]. As diferentes facetas que se apresentam na configuração do sentido do currículo tornam o seu significado mais complexo. Gundy, citado por Sacristán (2000, p. 14), afirma que “o currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É antes, um modo de organizar uma série de práticas educativas”. Amélia Maria Araújo Mesquita 5294 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais Conceber o currículo a partir da experiência humana significa considerar as condições reais de seu desenvolvimento, por isso Sacristán (2000, p. 21) argumenta que entender o currículo num sistema educativo requer prestar atenção às práticas políticas e administrativas que se expressam em seu desenvolvimento, às condições estruturais, organizativas, materiais, dotação de professorado, à bagagem de idéias e significado que lhe dão forma e que o modelam em sucessivos passos de transformação. A análise do currículo dentro de uma perspectiva histórico-crítica traz a tona o controle simbólico desenvolvido pelo Estado, que regula, segundo Apple (1997), o conhecimento oficial, definindo os símbolos a serem transmitidos e os princípios que deveriam organizar essa transmissão. Nesse sentido, mais do que definir “o que”, observamos a interferência também no “como” esses conteúdos, conhecimentos, saberes devem ser repassados. A autonomia da escola fica condicionada a questões políticas, econômicas e sociais, que alimentam as políticas educacionais resultando em parâmetros e diretrizes (políticas curriculares) que objetivam menos a unidade do trabalho pedagógico do que o controle da instituição educacional. Para Sacristán (2000, p. 17) “os currículos são expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado”. Sendo o currículo expressão num dado momento histórico ele atende às necessidades desse contexto e, por isso, se reconstitui, já que, como invenção social é resultado de escolhas que concordam com valores e crenças de determinados grupos da sociedade. Para Rocha (2001, p. 206) [...] a história da seleção curricular tem sido a de se definir os conhecimentos de alguns grupos como sendo os mais dignos, os mais importantes, os mais relevantes para serem transmitidos para as novas gerações, em detrimento de conhecimentos de outros grupos que sequer são lembrados nos currículos prescritos. Mais do que isto, há todo um esforço para que os currículos selecionados sejam tornados tradição, naturalizados, cristalizados como se fossem construtos ahistóricos. Amélia Maria Araújo Mesquita 5295 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais Assim, o conhecimento oficial tende a uniformizar os saberes forçando os grupos minoritários à adequação e aceitação da cultura hegemônica, inclusive nas suas formas de aprender e ensinar. No entanto, o movimento social e político que vivenciamos atualmente é marcado pela expressão dos direitos democráticos. O discurso e as ações em prol da inclusão social, educacional e escolar são legitimados também por políticas interventivas que visam assegurar aos cidadãos, além do acesso aos bens culturais e materiais, o respeito e a dignidade humana. O currículo que, segundo Santomé (1998), durante muito tempo se configurou como mecanismo de exclusão, torna-se atualmente instrumento da política educacional inclusiva. A relação de determinação sociedade-cultura-currículo-prática explica que a atualidade do currículo se veja estimulada nos momentos de mudança nos sistemas educativos, como reflexão da pressão que a instituição escolar sofre desde diversas frentes, para que adapte seus conteúdos à própria evolução cultural e econômica da sociedade (SACRISTÁN, 2000, p. 20). Assim, a política educacional inclusiva se manifesta em projetos educacionais, como Brasil Alfabetizado, que tem por objetivo erradicar o índice de analfabetismo; apresenta-se por meio das propostas de avaliação do desempenho do estudante do ensino médio, garantindo acesso à universidade àqueles que obtiverem as maiores notas no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio); e também por meio de orientações pedagógicas para o trabalho com alunos deficiência, síndrome e conduta típica, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares, cujo objetivo é orientar o professor a trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais (NEE). Para Carvalho (2004, p. 79) a educação inclusiva pode ser considerada como um “processo que permite colocar valores em prática, sem pieguismos, caridade, filantropia, pois está alicerçada em princípios que conferem igualdade de valor a todas as pessoas”. Nesse sentido, a reformulação do processo educacional deveria garantir currículos que valorizassem a diferença como constituição da sociedade e não como deformações diante de padrões estabelecidos socialmente. As reformas educacionais, mesmo regidas pelo princípio da inclusão e de valorização da diversidade, vêm abordando a questão da diferença como tema Amélia Maria Araújo Mesquita 5296 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais transversal no currículo, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1996) que, depois de traçar propostas para trabalhar as disciplinas de base comum, lançam mão de sugestões de temas3 que podem transversalizar os debates em sala de aula. Santomé (1998, p. 148) chama atenção para os currículos que tratam as culturas dos grupos minoritários como suplementos, uma vez que “a informação sobre as comunidades silenciadas, marginalizadas, oprimidas e sem poder é apresentada de maneira deformada, com grande superficialidade, centrada em episódios descontextualizados”. Essa tônica de trabalho em sala de aula ele denomina de “currículo de turistas”4. Observa-se, portanto que a exclusão não está apenas no tipo de currículo direcionado a cada grupo social, mas a própria forma como esses grupos são tratados pelo currículo. Sendo “o currículo é uma opção cultural, o projeto que quer tornar-se na culturaconteúdo do sistema educativo para um nível escolar ou para uma escola de forma concreta” (SACRISTÁN, 2000, p. 34) é importante analisá-lo dentro de um contexto, na intenção de esclarecer as suas opções implícitas. Portanto, a política curricular da escola inclusiva, especialmente as destinadas ao trabalho das pessoas com necessidades educacionais especiais, não pode ser vista como um ato de benevolência e caridade do governo. Nelas, é importante analisar suas potencialidades e contradições uma vez que vão interferir direta ou indiretamente na prática escolar, nos objetivos da educação, nas formas de organização do ensino e no processo de formação de professores, conforme podemos observar no tópico a seguir. 3 Propostas Curriculares Nacionais para a Inclusão dos alunos com NEE Para compreender como se configura a constituição de uma política curricular é importante primeiramente defini-la a fim de se tornarem explícitas as intenções que lhes estão ocultas. De acordo com Sacristán (2000, p. 109) a política curricular é 3 Dentre os temas sugeridos pelos PCNs encontram-se os referentes a sexualidade, diversidade étnica, entre outros. 4 Fazer um currículo de turistas é trabalhar esporadicamente, por exemplo, um dia por ano, em temas como luta contra preconceitos racistas, ou dedicar-se refletir sobre as formas adotadas de opressão das mulheres, ou da classe trabalhadora, pesquisar a poluição, as guerras, os idiomas oprimidos, etc. (SANTOMÉ, 1998, p. 148) Amélia Maria Araújo Mesquita 5297 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele, intervindo dessa forma, na distribuição do conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática educativa, enquanto apresenta o currículo a seus consumidores, ordena seus conteúdos e códigos de diferente tipo. Nesse sentido, se temos uma política educativa voltada para a consolidação de uma educação e escola inclusiva, temos como conseqüência uma política curricular voltada a essa mesma perspectiva que assume um caráter próprio dentro das intenções de quem a elabora. Enquanto política, o currículo emerge de decisões gerais oriundas da ordenação jurídica e administrativa. Nesse sentido, as determinações por elas definidas não são neutras, configuram-se como intenções que fazem parte de políticas mais amplas, articulando-se a projetos sociais, econômicos, culturais fruto de determinada realidade situada historicamente, de caráter espacial e temporal (APLLE, 1997; SACRISTÁN, 1998, 2000; SANTOMÉ, 1998). Para Sacristán (2000, p. 107) A política sobre o currículo é um condicionamento da realidade prática da educação que deve ser incorporado ao discurso sobre o currículo; é um campo ordenador decisivo, com repercussões muito diretas sobre essa prática e sobre o papel e margem de atuação que os professores e os alunos têm da mesma. Apresentando-se como um mecanismo de controle (SACRISTÁN, 2000; GOODSON, 1995), as intervenções do governo incidem diretamente no cotidiano escolar. Especialmente na década de 1990, podemos observar uma série de reformulações que se desenham a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, que define no Art. 3º como alguns dos princípios básicos da educação a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o respeito à liberdade e apreço à tolerância (BRASIL, 1996). Esses princípios educacionais formulados a partir dos ideais de Educação para Todos ganharam mais consistência com as diversas diretrizes, elaboradas para os diferentes níveis de ensino (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Amélia Maria Araújo Mesquita 5298 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais Fundamental, 1996; Diretrizes Curriculares para a Educação Especial na Educação Básica, 2001; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, 2002). Esses documentos configuram-se como um conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos, com o objetivo de orientar as escolas em suas organizações, articulações, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (CNE/CB, Nº 2, 11 de fevereiro de 2001) expressam determinações e orientações voltadas ao processo de inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais, no que tange aos aspectos pedagógicos e formação de professores. No Parecer 17/2001, referente à Resolução 2/2001 A inclusão é definida como a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida (BRASIL/CNE, 2001a). Nesse sentido a educação voltada às pessoas com necessidades educacionais especiais está fundamentada nos princípios da preservação da dignidade humana, na busca da identidade e no exercício da cidadania. Práticas durante muito tempo negligenciadas no trato às pessoas que apresentassem qualquer tipo de deficiência, fosse ela física, sensorial ou cognitiva. De acordo com o Parecer, os princípios que orientam a elaboração das diretrizes têm por finalidade acabar com qualquer tipo de discriminação e garantir o desenvolvimento da cidadania. Além dos fundamentos e princípios que embasam a inclusão das pessoas com NEE nas classes regulares de ensino, das determinações sobre a organização do sistema educativo, são também desenvolvidas orientações referentes aos aspectos e componentes pedagógicos. No Art. 8º, inciso III as Diretrizes definem que as escolas devem prever e prover na organização das suas classes comuns: flexibilizações a adaptações curriculares que considerem os conteúdos básicos e instrumentais dos conteúdos básicos, metodologia de ensino e didáticos recursos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a freqüência obrigatória (BRASIL, 2001b). (grifo meu) Amélia Maria Araújo Mesquita 5299 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais Apesar das determinações oriundas da Resolução 2/2001, podemos observar orientações de forma mais nítida sobre a prática escolar nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares: atendimento às pessoas com necessidades educacionais especiais, elaborados em 1998 pela Secretaria de Ensino Fundamental em parceria com a Secretaria de Educação Especial, cujo objetivo é subsidiar os professores na sua tarefa de favorecer seus alunos na ampliação do exercício da cidadania por meio da adequação curricular orientando a prática pedagógica (BRASIL, 1998). O documento foi elaborado com base no reconhecimento da diversidade existente na população escolar e na necessidade de respeitar e atender a essa diversidade. Em sua apresentação o documento considera que: O direito da pessoa à educação é resguardado pela política nacional de educação independentemente de gênero, etnia, idade ou classe social. O acesso à escola extrapola o ato da matrícula e implica apropriação do saber e das oportunidades educacionais oferecidas à totalidade dos alunos com vistas a atingir as finalidades da educação, a despeito da diversidade na população escolar. (BRASIL, 1998) Os Parâmetros focalizam o currículo como: ferramenta básica da escolarização; buscam dimensionar o sentido e o alcance que se pretende dar às adaptações curriculares como estratégias e critérios de atuação docente; e admite decisões que oportunizam adequar a ação educativa escolar às maneiras peculiares de os alunos aprenderem, considerando que o processo de ensinoaprendizagem pressupõe atender à diversificação de necessidades dos alunos na escola (BRASIL, 1998). A política curricular materializada por meio também dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares orienta as escolas e seus professores a desenvolverem ações adequadas para atenderem a diversidade de necessidades que se apresentarem no contexto da escola e na sala de aula. Coloca tanto na gestão da escola quanto no professor a responsabilidade e o protagonismo de tais ações já que entende que As adaptações curriculares constituem, pois, possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos. Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. (BRASIL, 1998). (grifo meu) Amélia Maria Araújo Mesquita 5300 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais Para o governo as adaptações podem ser significativas, quando voltadas a modificações mais amplas, dentro da própria construção do Projeto Pedagógico da escola, e não significativas, quando se referem às alterações realizadas pelo professor em sala de aula. Essas adaptações se dão nas dimensões: 1) Organizativas organização de agrupamentos, organização didática, organização do espaço; 2) Relativas aos objetivos e conteúdos - priorização de áreas ou unidades de conteúdos, priorização de tipos de conteúdos, priorização de objetivos, sequenciação, eliminação de conteúdos secundários; 3) Avaliativas - adaptação de técnicas e instrumentos, modificação de técnicas e instrumentos; 4) Nos procedimentos didáticos e nas atividades - modificação de procedimentos, introdução de atividades alternativas às previstas, introdução de atividades complementares às previstas, modificação do nível de complexidade das atividades, eliminando componentes, sequenciando a tarefa, facilitando planos de ação, adaptação dos materiais, modificação da seleção dos materiais previstos; 5) Na temporalidade - Modificação da temporalidade para determinados objetivos e conteúdos previstos. Garcia (2005) assinala que a heterogeneização proposta pela via de processos educacionais, métodos e equipamentos diferenciados têm como referência a incapacidade do aluno, “o não acompanhamento do processo educacional”. Por isso, questiona: “a política está centrada na diversificação dos modos de acesso a educação básica no sentido de perseguir diferentes maneiras de entrar em contato com os conhecimentos, ou no sentido de racionalizar formas diversas de participação, currículos diferentes e desiguais desde o princípio?” (GARCIA, 2005, p. 7) A idéia de adaptação, posta pela política curricular revela a perspectiva não de unidade, mas homogeneizadora do currículo oficial. Do quanto a política educacional, a despeito dos avanços possibilitados pela proposta de educação inclusiva, ainda se deixa flagrar pelas contradições inerentes aos seus discursos, a exemplo da afirmativa acima “adaptação do currículo regular”. Para Ferreira e Ferreira (2004, p. 32) Embora a existência de um projeto pedagógico próprio possa ser um aspecto importante para favorecer a inclusão do aluno com deficiências na escola e na sala regular, o que temos percebido é que esse projeto é mais uma peça burocrática que foi construída pela força da lei, num sistema educacional que não desenvolveu autonomia pedagógica nem autonomia administrativa, por efeito de políticas Amélia Maria Araújo Mesquita 5301 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais centralizadoras que, portanto, não capacitou educadores na elaboração de projetos, nem na atualização destes ao administrar o processo educacional. Tais condições contribuem para que a inclusão desses alunos aconteça apenas em nível da inserção, uma vez que apenas convivem nos espaços dos alunos ditos “normais”. Roldão (2003) estabelece cinco modalidades de medidas freqüentemente adotadas: (1) criação de apoio específico; (2) organização de grupos de nível; (3) criação de subsistema de recuperação; (4) criação de currículos específicos, alternativos face ao currículo geral; (5) diferenciação nos métodos de ensino. As proposições em si são positivas, no entanto, têm contribuído para formar subsistemas dentro das escolas por rotularem e incluírem de forma marginal as pessoas excluídas, visto que se inscreve numa lógica de agrupamento de alunos orientada pela identificação de diferenças de partida, não pelos objetivos “uniformes” de chegada. Além disso, tais propostas funcionam como apêndices no projeto pedagógico e curricular de muitas escolas. Para Rodrigues (2003, p. 92) a diferenciação curricular que se procura na inclusão é a que tem lugar num meio em que não se separam os alunos com base em determinadas categorias, mas em que se educam os alunos em conjunto, procurando aproveitar o potencial educativo das suas diferenças, em suma, uma diferenciação na classe assumida como um grupo heterogêneo. O ponto de partida da inclusão deve ser um currículo acessível a todos os estudantes. Nesse sentido, teria muito mais sentido falar em diferenciação do que em adaptação curricular. Para Roldão (2003, p. 163) a “possibilidade real da diferenciação passa assim, por uma nova diferenciação – ou seja, renovar a matriz da escola sob o signo da diversidade, pois esse é o cenário social e educativo real em que hoje se vive e é sem regresso”. A educação inclusiva é um anúncio inequívoco, uma declaração pública e política e uma celebração da diferença. A diferença não é um eufemismo para o defeito, anormalidade, para um problema que deve Amélia Maria Araújo Mesquita 5302 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais ser trabalhado, através de políticas educativas de índole tecnicista e assimilacionista. A diversidade é um fato social5. Por isso mesmo, uma escola de todos e para todos, em que para cada aluno seja dada uma voz, subscreve os princípios da inclusividade, entendendo-se por inclusão o oposto de exclusão, ou seja, garantindo que a escola deixa de ser um lugar privilegiado apenas para alguns, para passar a ser um espaço-tempo em que cada um encontra o seu próprio lugar, tem direito ao seu ritmo, à sua cultura, sendo ajudado a construir uma identidade de que se possa orgulhar por a sentir respeitada (CÉSAR, 2003, p. 122, grifo do autor). Nesse sentido, é fundamental que as escolas tornem os currículos alternativos/diferenciados – não os adaptados – os gerenciadores do conhecimento e da organização educacional, contribuindo para a constituição de uma nova escola, de uma nova sociedade. 4 Notas conclusivas A superficialidade do discurso sobre questões referentes à inclusão acaba por torná-la em algo simplista, fundada num vazio teórico, fazendo das pessoas alvo do seu princípio sujeitos passivos, que necessitam de caridade, incapazes de ter autonomia sobre suas próprias vidas, passíveis de ações paliativas e conformistas como únicas formas de expressão de cidadania que possam ter. A análise da inclusão pela exclusão faz emergir uma série de fatores intrínsecos a essas questões, possibilitando a percepção das limitações e potencialidades do ideal de sociedade e educação inclusiva, sem culpabilizar este ou aquele pela sua não efetivação plena. O currículo como mecanismo de controle, segregação, discriminação, mas potencialmente de transformação, emancipação e inclusão, configura-se como instrumento estratégico, exatamente pelo seu poder de interferência sobre o meio e as mentalidades. A relação dialética vivida entre currículo e sociedade permite assim pensar o sentido da inclusão pelo currículo. Partindo do pressuposto de que a inclusão visa a valorização e o respeito à diversidade, é importante então considerá-la como um ponto de partida na aceitação da diferença, em vez de sua estigmatização. Dessa forma, começará a romper com práticas 5 Armstrong, Armstrong e Barton (2000) citados César (2003). Amélia Maria Araújo Mesquita 5303 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais segregacionistas, vislumbrando ações integrativas que vejam a “normalidade” na diferença. O século XXI nasce com um projeto social e cultural montado sobre os alicerces inclusivos, fundados em princípios democráticos que vêm tentando ganhar consistência por meio dos espaços escolares. Sendo o currículo “expressão desse projeto realizado através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si” (SACRISTÁN, 2000 p. 16) é por meio dele também que conseguiremos orientar o trabalho educativo numa perspectiva inclusiva. Nesse sentido, é importante pensar nos avanços imediatos que as adaptações curriculares podem favorecer ao trabalho pedagógico junto aos alunos com deficiência, mas sem deixar de perceber que essa orientação pela adaptação também reforça a formação de guetos por reclusão, ou seja, de uma inclusão excludente, tendo em vista que a idéia de adaptar é reforçadora de uma concepção homogeneizadora de currículo e por consequência, contrária à diversidade, à diferença. REFERÊNCIAS APPLE, Michael W. Conhecimento oficial: educação democrática numa era conservadora. Trad. Maria Izabel E. Bujes. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (9394/96). Brasília, 1997. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do ensino fundamental - Documento Introdutório. Brasília, 1997. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares: estratégia para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília, 1998. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Parecer CNE/CEB 17/2001. Diário Oficial da União, Brasília, 17 de agosto de 2001a. Seção 1, p. 46. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/cne/pdf/CEB017-2001.pdf> . Acesso em: abr. 2005. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Resolução CNE/CEB 2/2001. Diário Oficial da União, Brasília, 9 de janeiro de 2001b. Seção 1E, p. 39-40. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/cne/pdf/CEB0202.pdf> . Acesso em abr. 2005. Amélia Maria Araújo Mesquita 5304 Currículo e Educação Inclusiva: as políticas curriculares nacionais CARVALHO, Rosita Edler. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. Porto Alegre: Mediação, 2004. CÉSAR, Margarida. A esola inclusiva enquanto espaço-tempo de diálogo de todos e para todos. In: RODRIGUES, David (org.). Perspectivas sobre a inclusão: da educação à sociedade. Porto: Editora Porto, 2003. GOODSON, Ivor F. Currículo: teoria e história. Trad. Attílio Bruneta. 5ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. ROCHA, Genylton O. R. A política do conhecimento oficial e a nova geografia dos(as) professores(as) para as escolas brasileiras (O ensino de geografia segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais). São Paulo, 2001. (Tese de Doutorado) ROLDÃO, Maria do Céu. Diferenciação curricular e inclusão. In: RODRIGUES, David (org.). Perspectivas sobre a inclusão: da educação à sociedade. Porto: Editora Porto, 2003. SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3ª ed. Porto Alegre: ARTMED, 2000. SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Trad. Cláudia Schiling. Porto Alegre: Artmed, 1998. Amélia Maria Araújo Mesquita 5305 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” A INCLUSÃO ESCOLAR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA COM SURDOS Eliane Maria de Menezes Maciel JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos A INCLUSÃO ESCOLAR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA COM SURDOS Eliane Maria de Menezes Maciel RESUMO: Este texto exercita um olhar sobre a materialidade da inclusão escolar no que se refere às práticas de inclusão dos alunos surdos nas escolas regulares. Busca chamar a atenção para a necessidade de se promover uma reflexão sobre as políticas de inclusão que, como projeto gradativo, dinâmico e em transformação, exige do Poder Público o absoluto respeito às diferenças individuais dos alunos e a responsabilidade quanto à oferta e à manutenção dos serviços mais apropriados ao atendimento de todos os alunos, e no caso especial, aos alunos surdos. O contexto da inclusão no Brasil reflete apenas as aspirações e intenções dos elaboradores do Programa Nacional de Educação Inclusiva, no que se refere a escolarização dos surdos e comprova que as opiniões destes, os verdadeiros interessados, e os estudos desenvolvidos por pesquisadores da área estão sendo desconsiderados. PALAVRAS-CHAVE: inclusão, escola inclusiva, educação para surdos. A inclusão escolar é uma das dimensões do processo de inclusão social e apresenta-se como um conjunto de políticas públicas que tem como meta levar a escolarização a todos os segmentos humanos da sociedade, com ênfase na infância e juventude. Nesse contexto, recebe atenção especial a inclusão de alunos diferentes nas escolas regulares, o que envolve aspectos do ensino voltados para a formação profissionalizante e para a constituição da consciência cidadã. O termo diferente é recomendado na perspectiva pós-estruturalista, que problematiza conceitos como diferença e identidade, sem reduzí-los a uma questão de respeito e tolerância para com a diversidade. Ressalta a necessidade de inverter a lógica centrada no biológico e investir numa perspectiva política, pois elas se constroem histórica, social e politicamente. Portanto, o respeito à diferença não pode significar deixar que o outro seja como eu sou, Eliane Maria de Menezes Maciel 5309 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos mas deixar que o outro seja como eu não sou. (SKLIAR, 1999; SILVA, 2004; HALL, 1997; WOODWARD, 2004). O atendimento educacional de qualidade na perspectiva inclusiva de valorização, respeito e consideração à multiciplidade humana tem sido o grande desafio da educação na atualidade. Esta questão suscita os mais complexos debates e favorece, sobretudo, outros temas correlatos não menos importantes no âmbito educacional: identidade, diferença, preconceito, discriminação, alteridade, multiculturalismo, entre outras. No panorama educacional no Brasil há mais ou menos duas décadas, a inclusão escolar vem envolvendo uma grande parcela de teóricos, pesquisadores, educadores, técnicos educacionais, que cada vez mais têm refletido sobre as políticas publicas para a Educação. O Ministério da Educação tem o princípio da inclusão como norteador das políticas públicas para a educação. Entre suas ações para apoiar a construção de sistemas educacionais inclusivos destaca-se o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade que tem como objetivo a disseminação da política de inclusão nos 5.562 municípios brasileiros e Distrito Federal; a formação de gestores e educadores; a sensibilização da sociedade; e a formação de redes apoiadoras do processo de inclusão. Essas ações são pautadas, principalmente, nos seguintes instrumentos legais: a Constituição Federal, artigo 208, inciso terceiro, que postula que crianças com necessidades especiais sejam atendidas preferencialmente nas escolas regulares; a Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEEP, 1994); a Lei de Diretrizes e Bases, que tipifica melhor o princípio genérico da Constituição; o Plano Nacional de Educação e a Declaração da Guatemala (aprovado em 2001, o texto da "Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência", cujas voltados para a formação profissionalizante e para a constituição da consciência cidadã. O atendimento educacional de qualidade na perspectiva inclusiva de valorização, respeito e consideração à multiciplidade humana tem sido o grande desafio da educação na atualidade. Esta questão suscita os mais complexos debates e favorece, sobretudo, outros temas correlatos não menos importantes no âmbito educacional: identidade, diferença, preconceito, discriminação, alteridade, multiculturalismo, entre outras. No Eliane Maria de Menezes Maciel 5310 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos panorama educacional no Brasil há mais ou menos duas décadas, a inclusão escolar vem envolvendo uma grande parcela de teóricos, pesquisadores, educadores, técnicos educacionais, que cada vez mais têm refletido sobre as políticas publicas para a Educação. O Ministério da Educação tem o princípio da inclusão como norteador das políticas públicas para a educação. Entre suas ações para apoiar a construção de sistemas educacionais inclusivos destaca-se o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade que tem como objetivo a disseminação da política de inclusão nos 5.562 municípios brasileiros e Distrito Federal; a formação de gestores e educadores; a sensibilização da sociedade; e a formação de redes apoiadoras do processo de inclusão. Essas ações são pautadas, principalmente, nos seguintes instrumentos legais: a Constituição Federal, artigo 208, inciso terceiro, que postula que crianças com necessidades especiais sejam atendidas preferencialmente nas escolas regulares; a Política Nacional de Educação Especial (MEC/SEEP, 1994); a Lei de Diretrizes e Bases, que tipifica melhor o princípio genérico da Constituição; o Plano Nacional de Educação e a Declaração da Guatemala (aprovado em 2001, o texto da "Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência", cujas recomendações se tornaram lei de caráter nacional no Brasil; os Pareceres - o 17/2001 e o 4/2002 - e de uma Resolução - a 2/2001, dados pelo Conselho Nacional de Educação, que é a interpretação dos instrumentos anteriores; entre outros. Sendo assim, tais instrumentos apresentam-se como estratégias para a concretização de políticas compensatórias aos custos sociais, causados pelo ajuste econômico ocorrido nos países periféricos, nos anos 1980. E dizem defender uma educação igualitária, com uma escolarização em que estudantes possuem os mesmos direitos, sem nenhuma discriminação de sexo, raça, etnia, religião e capacidade, todos freqüentando os mesmos espaços, com garantias assim de uma socialização mais abrangente. No entanto, é bom lembrar que inclusão não se faz só por decreto. A sua materialidade envolve muito mais do que leis. Devem-se levar em conta as múltiplas variáveis que a permeiam, tais como: remuneração dos professores e técnicos, jornada Eliane Maria de Menezes Maciel 5311 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos de trabalho, formação inicial e continuada, número de aluno em cada sala de aula, recursos materiais e financeiros, entre outras. Esse é um processo e como tal leva tempo. Implica em mudanças estruturais na cultura, na construção de uma nova postura pedagógica, na vida social. Partindo desse pressuposto, Carvalho (2005) argumenta que inclusão deve ser entendida como princípio (um valor) e como processo contínuo e permanente, portanto não deve ser concebida como um preceito administrativo, dado a priori, que leva a estabelecer datas, a partir das quais as escolas passam a ter o estado de inclusivas, em obediência à hierarquia do poder ou a pressões ideológicas. Para a escola se tornar inclusiva é necessário que reconheça a multiciplidade que constitui seu alunado e a ela responda com eficiência pedagógica. Para responder às necessidades educacionais de cada aluno, condição essencial na prática educacional inclusiva há que se adequar aos diferentes elementos curriculares, de forma a atender as peculiaridades de cada um e de todos os alunos. Há que se flexibilizar o ensino, adotando-se estratégias diferenciadas e adequando a ação educativa às maneiras peculiares dos alunos aprenderem, sempre considerando que o processo de ensino e de aprendizagem pressupõe atender à diversificação de necessidades dos alunos na escola (BRASIL, 1995). Ainscow (2008) compreende a inclusão como um processo em três níveis: o primeiro é a presença, o que significa estar na escola; o segundo, a participação, porque o aluno pode estar presente, mas não necessariamente participando; e o terceiro, a aquisição de conhecimentos, pois o aluno pode estar presente na escola, participando e não estar aprendendo. Por isso, é preciso dar condições para o aluno estar presente, participando e, acima de tudo, aprendendo e desenvolvendo suas potencialidades. Nessa perspectiva, Glat, Pletsch e Fontes (2007) ressaltam que a educação inclusiva significa pensar uma escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, sejam substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem. Ainscow (2008) alega que além da necessidade de identificar e sobrepujar as barreiras que impedem os alunos de adquirir conhecimentos acadêmicos também é Eliane Maria de Menezes Maciel 5312 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos necessário vencer as barreiras que estão na mente das pessoas. Ele reconhece que estas são as mais difíceis de serem vencidas. Dessa forma, as escolas inclusivas devem fomentar o respeito mútuo, reconhecendo e respondendo às múltiplas dificuldades de seus alunos, acomodando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, assegurando e provendo uma educação de qualidade para todos, mediante currículos apropriados, modificações organizacionais, estratégias de ensino, recursos e parcerias com suas comunidades. Isso significa dizer: necessita-se de um esforço concentrado para a atualização e reestruturação das condições atuais, para que o ensino seja adequado à multiplicidade e às ações pedagógicas dos estudantes. Segundo Kassaki (2008), as principais características da escola inclusiva devem ser: Um senso de Filosofia e visão de que todas as crianças pertencem a escola e à pertencer comunidade e de que podem aprender juntas Liderança O diretor envolve-se com toda a escola no provimento de estratégias Colaboração e Envolvimento de alunos em estratégias de apoio mútuo (ensino de iguais, cooperação sistemas de companheiros, aprendizados cooperativos, ensino de equipe, co-ensino, equipe assistência aluno-professor) Novos papéis e Os professores falam menos e assessoram mais, psicólogos atuam juntos responsabilidades com aos professores nas salas de aula, todo o pessoal da escola faz parte do processo de aprendizagem Parceria com os Os pais são parceiros igualmente essenciais na educação de seus filhos. pais Acessibilidade Todos os ambientes físicos são tornados acessíveis e, quando necessário, é oferecida tecnologia assistida. Ambientes flexíveis Espera-se que os alunos se promovam de acordo com estilo e ritmo de aprendizagem individuais de aprendizagem e não de uma única maneira para todos. Estratégias Aprendizado cooperativo, adaptação curricular, ensino iguais, instrução Eliane Maria de Menezes Maciel 5313 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos baseadas em direta, ensino recíproco, treinamento em habilidades socais, instrução pesquisas assistida por computador, treinamento em habilidades de estudar, etc. Novas formas de Dependendo cada vez menos de testes padronizados, a escola trabalha avaliação escolar com cada aluno rumo aos respectivos objetivos. Desenvolvimento Aos professores são oferecidos cursos de capacitação contínua, visando profissional melhoria de seus conhecimentos e habilidades pra melhor educar seus continuado alunos Fonte: Sassaki (1998). Site educação on-line, checagem sobre as práticas inclusivas Crochík (2008) afirma que as crianças diferentes têm vantagens quando aprendem em conjunto com as crianças consideradas normais e essas últimas não são prejudicadas. E destaca que a maior vantagem que o aluno diferente tem se refere a sua sociabilidade. Entretanto, Laplane (2004) argumenta que ao destacar as vantagens da educação inclusiva não se pode ocultar os problemas todos que a prática da proposta impõe. Muitos problemas são enfrentados pelos profissionais da educação, especialmente os professores, diante dessa nova realidade, pois se deparam com as dificuldades impostas pelas próprias limitações, no que se refere a formação, seja inicial, seja continuada; e as condições de trabalho, que vão desde sua profissionalização até as questões físicas de acessibilidade, de materiais didáticos e curriculares disponíveis na escola. Algumas diferenças necessitam de uma série de condições que, na maioria dos casos, não têm sido propiciadas pela escola. Ao professor da sala de aula regular que recebe alunos diferentes é imprescindível, além da capacitação e de apoio, que ele esteja bem preparado para receber os diferentes, para que a inclusão não seja somente física, mas que haja uma aprendizagem significativa para todos os alunos. O documento oficial rege que: Eliane Maria de Menezes Maciel 5314 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos A educação inclusiva envolve um processo de preparação do professor que considera as diferenças e as dificuldades dos alunos na aprendizagem escolar como fontes de conhecimento sobre como ensinar e como aperfeiçoar as condições de trabalho nas salas de aula (BRASIL, 1995, p.17). Nessa perspectiva, o professor é considerado um professor inclusivo, quando ele compreende o aluno diferente e o respeita na sua diferença, reconhecendo-o como pessoa que, mesmo apresentando algumas limitações, possui outras habilidades/potencialidades que devem ser observadas, consideradas e reforçadas visando à aprendizagem. Desse modo, é necessário estar atendo para os aspectos da prática pedagógica no cotidiano escolar que revelem como está se dando o processo de aprendizagem de crianças incluídas em classes regulares, de modo que se tenha condições de avaliar todos os aspectos envolvidos, tanto na prática pedagógica quanto na inclusão propriamente dita. É importante se destacar que as contradições existentes entre os discursos que proclamam a inclusão e a realidade educacional brasileira são gritantes. Há uma grande distância entre o que está nos documentos oficiais e a execução da política de inclusão, Os resultados do IDEB 2007 (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), em sua última avaliação feita pelo Governo Federal com alunos das 4ª séries, confirmam a afirmação, pois, apesar de a maioria das escolas e municípios brasileiros terem cumprido suas metas de melhoria para 2007, só 739 escolas (2% do total) e 54 municípios (1%) já atingiram ou superaram a média 6. Os diagnósticos, resultado de testes oficiais, como o SAEB, têm sido divulgados, apresentando o baixo rendimento dos alunos em matemática e em língua portuguesa nas escolas regulares, aquelas que, paradoxalmente, têm recebido em suas salas de aulas alunos oriundos das escolas especiais. Sendo assim, as escolas não vêm atendendo plenamente nem as necessidades educacionais elementares dos já incluídos. Essa situação leva as escolas a se sentirem despreparadas para enfrentar este novo contexto, pelo qual a educação está passando, Eliane Maria de Menezes Maciel 5315 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos motivo pelo qual apenas procuram de uma forma incipiente se adequar às necessidades do momento. A maioria delas se encontra totalmente desprovida de materiais didáticos específicos, corpo técnico e professores devidamente formados e principalmente o currículo permanece o mesmo. Essa situação que se repete em quase todo território nacional faz a academia refletir também sobre como tem se dado o ensino para as parcelas da população que apresentam peculiaridades que precisam ser consideradas, como é o caso dos alunos surdos. Aqui consideraremos alunos surdos aqueles que apreendem o mundo por meio das experiências visuais e que partilham do conhecimento de mundo com seus pares através da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como meio mais eficaz de desenvolvimento cognitivo, emocional e social. No caso de inclusão de alunos surdos, além de inúmeras variáveis, é preciso considerar a sua experiência visual na construção e no acesso ao conhecimento. Diversos estudos, citados por Machado (2008), chamam a atenção sobre a realidade escolar do surdo no Brasil, através de diferentes enfoques. Ele destaca os seguintes estudos: as questões lingüísticas e cognitivas do surdo, por Eulalia Fernandes (1990, 2000), Lucinda F. Brito (1993) e Ronice M. Quadros (1997); alguns caminhos possíveis para a prática pedagógica no processo de alfabetização da criança surda e suas relações com os pares ouvintes, por Maria C. R. de Góes (1999) e Regina M. de Souza (1998); a avaliação das políticas públicas na educação de surdos, por Carlos Skliar (1995, 1997a, 1999a, 2001), entre outros (MACHADO 2008, p. 2). Outras pesquisadoras evidenciam a importância de se considerar as implicações educacionais da surdez, tais como: Gesueli e Góes (2007), Dorziat (2004), Melo (2008). Dorziat (2004) diz que se deve superar o momento atual, em que a atenção de muitos profissionais envolvidos no ensino de surdos, numa perspectiva bilíngüe, tem ficado restrita aos componentes lingüísticos de forma isolada. Estudos apontam que os surdos são intensamente afetados em relação à aquisição dos conhecimentos escolares, devido às limitações impostas historicamente pela sociedade que não considera suas possibilidades lingüístico-culturais. Sua diferença lingüística não é considerada. A imposição da língua majoritária, no Brasil, da língua portuguesa, como língua oficial de transmissão dos conhecimentos, acarretou problemas cognitivos graves, Eliane Maria de Menezes Maciel 5316 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos dificultando a aquisição de grande parte das informações necessárias à vivência em sociedade e à construção de conhecimento. A leitura do mundo que é, na perspectiva freireana, base para a cidadania, porque permite uma maior e melhor compreensão do mesmo, e deve estar intrinsecamente relacionada aos processos de domínio da leitura e da escrita, foi, no caso dos surdos, desconsiderada, uma vez que não passava pela forma visual-gestual expressa através da língua de sinais. O surdo se comunica, normalmente, por meio da linguagem gestual, por isso é necessário estar inserido em contextos que o caracterizam cultural e linguisticamente, por meio de sua língua natural, que é a língua de sinais, no caso do Brasil, a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. O surdo utiliza a visão para apreender o mundo, ainda que, com seus restos auditivos, maiores ou menores, ocasionalmente façam algum uso das pistas acústicas. Isso significa dizer que a surdez é uma experiência visual e que a organização perceptual fundamental daquele que tem uma perda auditiva se dá a partir da visão, e não da audição. Dessa forma, utilizar recursos visuais para promover o desenvolvimento da aprendizagem é uma das estratégias positivas que os professores devem utilizar no ensino de surdos. Na rede pública de ensino brasileira vigora diferentes concepções para explicar o fracasso escolar, entre elas: a Teoria da Carência Cultural e as Teorias -CríticoReprodutivistas. Considerando que 80% a 90% dos surdos do país não concluem/concluíram o ensino fundamental, Melo (2008) afirma que junto com o agravante da surdez, essas teorias desvelam fatores a mais que comprometem o desempenho escolar dos surdos. Ela também chama atenção para a existência de uma abordagem “omissa” da Educação acerca das diferenças culturais e características individuais generalizadas entre surdos oralizados e não oralizados, já que para cada um dos grandes grupos de surdos requer-se práticas pedagógicas diferenciadas; e, portanto formas avaliativas diferentes. Entretanto, parece ser unânime entre os pesquisadores da área que o fator agravante que contribui realmente para o fracasso escolar dos surdos são os problemas lingüístico-cognitivos. Gesuelli e Góes (2008) citam os estudos de Lacerda (1996); Souza (1996) e Góes e Souza (1997), para afirmarem com base nas considerações teóricas a importância do papel da linguagem no processo de interação e nos processos Eliane Maria de Menezes Maciel 5317 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos cognitivos, e dizem que, em geral, a criança surda encontra-se por demais prejudicada, em função das insuficientes oportunidades oferecidas pelo grupo social e, em termos da experiência escolar, em função do fato de professor e aluno não partilharem a mesma linguagem. Kessler (2008), por sua vez, toma Giroux e McLaren (1993) como fundamento, para afirmar que a linguagem é geradora da realidade que evoca e à qual se dirige e não apenas um elemento de mediação, e que o conhecimento é construído simbolicamente pela mente e pelo corpo através da interação social, sendo fortemente dependente da cultura, do contexto, do costume e da especificidade histórica. Considerando a importância da língua de sinais para os alunos surdos, as atuais políticas educacionais prevêem sua inclusão no sistema regular de ensino, preferencialmente em classes regulares, com a participação do intérprete de Libras. Lima (2005) reconhece que esse passo representou um avanço na educação voltada aos alunos surdos, historicamente marginalizados, mas alerta que a inclusão do intérprete nas atividades pedagógicas deve ser mais amplamente discutida. A pesquisadora cita as reflexões feitas por Fernandes (2003), que diz: Apenas garantir a presença do intérprete em sala de aula não é suficiente para suprir a passagem do conteúdo escolar para surdos, mesmo que estes dominem a língua de sinais. Todos os procedimentos que envolvem desde o planejamento, as estratégias de ensino e de aprendizagem (...) e não perdendo de vista estar sendo contemplada a língua de sinais (...) precisam ser levadas em conta, tendo em vista um ensino de qualidade (p. 86). Dorziat (2008) também tem essa compreensão e argumenta que só a utilização de língua de sinais não é uma solução para a inclusão dos surdos e para todos os problemas que se apresentam na educação pois, a língua de sinais fica restrita ao intérprete e ao surdo, desconsidera a interação com o professor e com os demais colegas, a importância Eliane Maria de Menezes Maciel 5318 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos das relações humanas, dos processos de formação de identidade e do estabelecimento de conexão entre os conteúdos escolares e as formas particulares (visuais) de apreensão e de construção de conhecimentos (DORZIAT, 2008 p.1). Para Dorziat (2004), as implicações educacionais da surdez precisam ser consideradas, superando o momento atual, em que a atenção de muitos profissionais envolvidos no ensino de surdos, numa perspectiva bilíngüe, tem ficado restrita aos componentes lingüísticos de forma isolada. Tem-se deixado de lado o desvendamento do fenômeno na sua totalidade, e, em conseqüência disso, diferentes posturas pedagógicas terminam convivendo no processo pedagógico, de forma a-crítica, reproduzindo no cotidiano de sala de aula estratégias consideradas eficazes no ensino de pessoas ouvintes ou mesmo práticas adaptadas aos surdos, sem uma base epistemológica que dê sentido às ações. Assim, existe o risco de, mesmo com a aceitação e valorização da LIBRAS nas escolas, o sistema educacional continuar privilegiando e colonizando o surdo, na medida em que sua cultura e forma própria de elaboração do mundo podem continuar sendo sufocadas no processo pedagógicos, se o currículo for direcionado para o ser considerado normal, ouvinte. Refletindo sobre essa questão Silva (2000) alerta: A inclusão do aluno surdo não deve ser norteada pela igualdade em relação ao ouvinte e sim em suas diferenças sócio-histórico-culturais, às quais o ensino se ancore em fundamentos lingüísticos, pedagógicos, políticos, históricos, implícitos nas novas definições e representações sobre a surdez. (SILVA, 2000). Tais constatações reivindicam uma revisão educacional que trace uma nova visão curricular com base no próprio surdo. Marchesi (2004) aponta os principais fatores que constitui um processo realmente inclusivo: a transformação do currículo, o desenvolvimento profissional dos Eliane Maria de Menezes Maciel 5319 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos professores, uma liderança efetiva, a modificação da cultura e da organização da escola e principalmente o compromisso com a mudança. Entretanto, é necessário entender que não há mudança educativa num sentido amplo, significativo, sem um movimento da comunidade educativa que lhe outorgue sentidos e sensibilidades (SKLIAR 2008). Outra mudança necessária é a sistêmica político-administrativa na gestão educacional que envolve desde alocação de recursos governamentais até as posturas curriculares presentes em sala de aula. Portanto é fundamental relembrar que a educação inclusiva traz no seu bojo um grande desafio: trabalhar a integralidade do ser humano, o que significa considerar os potenciais, as capacidades, os interesses dos indivíduos, tornando-os não só aceitos, mas sujeitos de seu processo de formação. Pois, não basta garantir o acesso, é necessário dar ênfase à qualidade da oferta, que passa necessariamente pela possibilidade de igualdade de atuação social, conseguida através do respeito às diferenças para que este se constitua em um real processo inclusivo. Pra finalizar levantamos algumas questões que merecem ser mais investigadas: Como vem se dando o processo inclusivo do aluno surdo, nas séries iniciais do ensino fundamental? Há indícios de que as práticas pedagógico-curriculares venham assimilando os princípios da cultura surda, buscando atender as peculiaridades da pessoa surda, que ao longo de suas vidas utilizam estratégias visuais-gestuais de apreensão e de expressão do mundo? Há propostas de modificações curriculares e/ou metodológicas, visando à implantação de programas mais apropriados às necessidades específicas da pessoa surda? As equipes técnicas das escolas tem sido trabalhadas para fornecer um atendimento mais adequado em relação ao ensino de matemática ao/à professor/a que recebe alunos/as surdos/as? Os Serviços dos Programas de Educação que trabalham com a Educação Inclusiva têm dado assistência às escolas inclusivas? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AINSCOW, M. O que significa inclusão? Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br.> Acesso em: 12/06/2008 BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer n. 17, de 03 de julho de 2001. Brasília: CNE/CEB, 2001b. Eliane Maria de Menezes Maciel 5320 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos ______. Ministério da Educação e do Desporto. O processo de integração escolar dos alunos portadores de necessidades educativas especiais no sistema educacional brasileiro. Séries diretrizes nº 11. Brasília: Secretaria de Educação Especial (SEESP), 1995. CARVALHO, Rosita Edler. Educação Inclusiva: do que estamos falando? Revista Educação Especial N° 26 UFSM 2005 CROCHÍK, José Leon. Preconceito e atitudes em relação à educação inclusiva. Disponével em: http://www.ip.usp.br/laboratorios/laep/Leon.html acesso em 26/06/2008 DORZIAT, Ana. Educação e surdez: o papel do ensino na visão de professores. Educar em Revista, v. 23, Curitiba, Editora UFPR, 2004. __________ Educação de surdos no ensino regular: inclusão ou segregação? Disponível in: http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos/inclusao_educacao_ssurdos/t exto72.pdf. Acessado em 13/09/2007 GESUELI, Zilda M. e GÓES M. Cecília R. de (2007). A Língua de Sinais na Elaboração da Criança Surda sobre a Escrita. Disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br/a_lingua_de_sinais.asp?f_id_artigo=191, GLAT, Rosana; PLETSCH, Márcia; FONTES, Rejane de Souza (2007). Educação inclusiva e educação especial: propostas que se complementam no contexto da escola aberta à diversidade Cadernos de Educação de Educação Especial Vol. 32 - No. 02 UFMS, 2007 KESSLER, Maria Cristina (2007). O papel da Matemática no processo de exclusão social: ditos, metáforas e preconceitos. Disponível em: http://www.exatec.unisinos.br/~kessler/arquivos/mitos.doc.. Acessado em 28/09/2007. LAPLANE, Adriana Lia Friszman de – Notas para uma análise dos discursos sobre inclusão escolar. In: GÓES, M.C.R.; LAPLANE, A.L.F. (Org.). Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas: Autores Associados, 2004. LIMA, Niédja Maria Ferreira de, Currículo e surdez: parâmetros para a inclusão de surdos na rede pública regular de ensino. Dissertação de mestrado apresentada ao PPGE-UFPB, 2005 MACHADO, Paulo César. Integração/ Inclusão na escola regular:Um olhar do egresso surdo . Disponivel em: http://www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/integracao_inclusao_escola_regularum_olhar_ egresso_surdo.pdf Acessado em 24/10/2208 MELLO, Anahi Guedes de. Os surdos e o fracasso escolar. Disponível em: http://www.sitiodesordos.com.ar/guedes_port1.htm . Acessado em: 03/07/2008. MARCHESI, A. Da linguagem da deficiência às escolas inclusivas. In COLL, C; PALÁCIOS, J.; MARCHESI, A. (Org.). Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. SASSAKI Romeu Kazumi, Lista e checagem sobre as práticas inclusivas na sua escola. Disponível em: Eliane Maria de Menezes Maciel 5321 A Inclusão Escolar e a Prática Pedagógica com Surdos http://www.educacaoonline.pro.br/art_lista_de_checagem.asp?f_id_artigo=68 acesso em 22/06/2008. SILVA, TomásTadeu da. Teoria Cultural e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. SKLIAR, Carlos. A inclusão que é "nossa" e a diferença que é "do outro". Os argumentos e a falta de argumentos para pensar e fazer uma escola que é (e que deve ser) para "todos". Disponível em: http://www.inedd.unisiegen.de/abteilung1/aktuell/dokumente/vortrag_carlos_skliar_port ugiesisch.doc, acessado em 17/07/2008 Eliane Maria de Menezes Maciel 5322 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” POLÍTICAS PÚBLICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA INCLUSÃO DO SURDO NO SISTEMA REGULAR DE ENSINO Elizabeth Brito Pereira JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino POLÍTICAS PÚBLICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA INCLUSÃO DO SURDO NO SISTEMA REGULAR DE ENSINO Elizabeth Brito Pereira Especialista [email protected] RESUMO: Este artigo objetiva discutir as políticas públicas focadas na inclusão educacional dos surdos no sistema regular de ensino e as adaptações curriculares. Foi feita pesquisa bibliográfica e de campo. O interesse pelo tema deveu-se a que não se observa nos alunos surdos inclusos na escola o crescimento intelectual desejável. A discussão refere-se às leis de inclusão, sua aplicabilidade e a realidade vivenciada pelo professor de sala regular. O advento da inclusão gerou a afluência às escolas de crianças e jovens com necessidades especiais, desejosos de participar ativamente das atividades escolares. Alguns dos que chegam às salas de aulas têm problemas auditivos. As políticas públicas tentam suprir as necessidades de cada grupo com ações voltadas para que estes tenham um melhor aproveitamento na sala regular, entre essas ações está a adaptação curricular. Procuramos colocar a Libras, como instrumento essencial para o desenvolvimento acadêmico do aluno com surdez. Como fundamentação teórica foram consultados os autores Dorziat, Strobel e Skliar. Os resultados da pesquisa de campo evidenciaram a necessidade de flexibilidade curricular, de capacitar professores que atuam com alunos surdos, pois a forma de comunicação utilizada por estes alunos é um obstáculo à inclusão que pode ser sanada com o aprendizado da Libras, como sua primeira língua. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Adaptação Curricular. Inclusão. Surdo. Libras. INTRODUÇÃO As políticas públicas atinentes à inclusão do surdo visam a integração deste na comunidade pela via social, educacional e profissional. Apesar da estrutura legal implementada por essas políticas, percebemos que muitas vezes esse esforço não atinge o ponto desejado. A formação educacional dos alunos com necessidades especiais tem sido objeto de estudos e pesquisas ao longo dos últimos anos. Desse modo, reconhecendo a dimensão desse problema, a escola comum foi incumbida pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), de receber esses alunos sendo, de acordo com a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), considerada o meio mais eficaz no combate a atitudes Elizabeth Brito Pereira 5326 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino discriminatórias. O desafio dessas escolas atualmente é desenvolver uma pedagogia que favoreça a educação com sucesso de toda e qualquer criança em salas regulares, independente de suas condições físicas ou origem social e cultural e promovendo as mudanças curriculares que se mostrem necessárias. Para que isso aconteça é necessário uma política que dê suporte à prática inclusiva. Isto significa uma quebra não apenas de barreiras arquitetônicas e atitudinais nas escolas, mas, também, uma revisão do número de alunos por sala de aula, um planejamento efetivo que contemple todos os alunos, levando em consideração as suas necessidades, suporte técnico para auxiliar o professor e a efetiva participação de toda a comunidade escolar nas discussões sobre as diferenças. O presente trabalho foi motivado ante a observação do aparente fracasso da escola regular em prover a inclusão do surdo, uma vez que não se presencia, via de regra, o crescimento intelectual desejável, tampouco a escola consegue propiciar a esses indivíduos, a sua autonomia. A discussão refere-se às leis de inclusão e sua aplicabilidade, mais especificamente a realidade vivenciada pelo professor de sala regular onde acontece a inclusão desses alunos. Este artigo acerca da inclusão educacional do surdo, as adaptações curriculares e as políticas públicas atinentes à inclusão deste na rede regular de ensino foi embasado principalmente nas publicações dos autores Dorziat (1998), Strobel (2006) e Skliar (1998) além de outros autores, usando-se para isso a consulta bibliográfica, ampliandose o leque da pesquisa na world wide web e também uma pesquisa através de entrevista por meio da qual foi colhida a opinião de uma especialista em educação Profª. Drª. Vanda Magalhães Leitão, tendo como objetivo saber se a escola regular é capaz de incluir o surdo na comunidade escolar e promover o seu desenvolvimento educacional. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL No decurso da história as pessoas com necessidades especiais não foram merecedoras de tratamento especial. Ao longo desse caminho de rejeição abandono e discriminação surgiram beneméritos que acolhiam e alimentavam essas pessoas que eram abandonadas por seus familiares. Apesar de terem sido fundados no século XIX o instituto para cegos e também o instituto para crianças surdas, foi somente na segunda Elizabeth Brito Pereira 5327 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino metade do século XX que os serviços educacionais foram alavancados. Até então quase todas as ações eram voltadas para o assistencialismo. (MAZZOTTA, 2005). Nesse momento da história, o governo toma para si parte da responsabilidade de cuidar dessas pessoas com necessidades especiais e passa a regulamentar leis e decretos que em muito beneficiariam a todos na sociedade. Em 1973, é criado o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, órgão do MEC, que passa a reger a educação especial no Brasil como definido no caput do artigo 2° do Regimento Interno que diz: O CENESP tem por finalidade planejar, coordenar e promover o desenvolvimento da Educação Especial no período pré-escolar, nos ensinos de 1° e 2° graus, superior e supletivo, para os deficientes de visão, da audição, mentais, físicos, portadores de deficiências múltiplas, educandos com problemas de conduta e os superdotados, visando à sua participação progressiva na comunidade, obedecendo os princípios doutrinários, políticos e científicos que orienta a Educação Especial (BRASIL, 1973). A nova Constituição Federal dá suporte legal a ações futuras concernentes à educação especial. Em seu artigo 3°, inciso IV assegura que a República Federativa do Brasil tem como objetivo: “Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988). Os legisladores, sabedores que a educação é uma poderosa ferramenta na promoção comum, contemplou-a no seu artigo 205 onde estabelece a educação como um direito de todos para que ocorra o seu pleno desenvolvimento, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. O artigo seguinte em seu inciso I, determinou a 'igualdade de condições de acesso e permanência na escola' como algo relevante para o ensino e no artigo 208, inciso III dispôs que é dever do Estado garantir o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente, na rede regular de ensino”. (BRASIL, 1988) Consoante com o artigo 206, os PCNs enfocam a flexibilidade curricular ou adaptação curricular como uma medida não de ‘abrir mão’ da qualidade do ensino, mas por serem as únicas alternativas possíveis para incluir de forma justa àqueles com necessidades educacionais especiais. É imperativo que haja essa maleabilidade curricular, ou seja, uma adaptação gradual das propostas educativas, adequando-as às necessidades educacionais dos alunos. Para Magalhães (2002), a adaptação curricular diz respeito a Elizabeth Brito Pereira 5328 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino ... uma sequencia de ações sobre o currículo escolar desenhado para uma população dada, que conduzem a modificação de uma ou mais de seus elementos básicos (que, como e quando e como ensinar e avaliar), cuja finalidade é de possibilitar o máximo de individualização didática no contexto, tornando-o mais normal possível, para aqueles alunos que apresenta qualquer tipo de necessidade educativa especial. (MANJON, 1995 apud MAGALHÃES, 2002 p.193) Tal atitude torna possível que o educando com necessidades educacionais especiais em uma escola regular, não apenas ocupe uma carteira comum, com uma professora comum, mas que se cristalize o real objetivo da inclusão que é o de tornar o indivíduo autônomo, capaz de exercer a cidadania. POLÍTICAS PÚBLICAS ATINENTES À INCCLUSÃO DOS EDUCACIONAL SURDOS O capítulo VII da Constituição Federal que trata da administração pública em seu artigo 227 é claro ao dizer que 'é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade', dentre outras coisas, 'o direito à educação'. Ao falar em direito à educação a Constituição Federal trata de uma educação de qualidade. (BRASIL, 1988). O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, criado em 1990 pela Lei nº 8.069/90, reflete a Constituição Federal por enfatizar os dispositivos constitucionais atinentes à criança e ao adolescente. Em seu artigo 53, estabelece que: A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; (...) (BRASIL, 1990). O ensino fundamental obrigatório e gratuito das crianças e adolescentes e também o atendimento educacional especializado àqueles com deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino é um dever do estado, conforme reza o texto do artigo 54, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e aos pais ou responsáveis cabe o dever de matriculá-los na rede regular de ensino, como dispõe o artigo 55 do mesmo diploma legal. (BRASIL, 1990). Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação Especial, orientando o processo de integração institucional que condiciona o acesso às classes comuns àqueles que: “(...) possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares Elizabeth Brito Pereira 5329 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais (BRASIL, 1994:19)”. Tal política não visava uma reformulação das práticas educacionais, mas que fossem valorizados os diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum. Em 1996 foi organizada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de modo que o Brasil pudesse ter uma lei que fosse condizente com sua Constituição. Essa nova LDB é mais democrática, pois objetiva um processo mais significativo de formação do indivíduo com necessidades educacionais especiais, traz inovações para a educação especial, dedicando-lhe um capítulo com a mensagem de inclusão escolar para esses alunos, além de ampliação de oportunidades como a legalização da educação infantil, incluindo a criança deficiente nesse processo educacional (BRASIL, 1996). O texto da nova LDBEN, Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), determina em seu art. 59: Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; Em 1999, a Convenção da Guatemala afirmou que: (...) as pessoas portadoras de deficiências têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que esses direitos, inclusive o de não ser submetida a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano. (OEA, 1999: 01). Com base nisso adota-se o conceito da diferenciação para promover a eliminação dos obstáculos que barram o acesso à escolarização. Para Mittler (2003, apud PONTES, 2008) o maior empecilho para que esta mudança aconteça, está dentro de nós mesmos, seja nas nossas atitudes, seja nos nossos medos. Tem-se a tendência de superestimar as dificuldades que aqueles com deficiência podem enfrentar e também temer os desapontamentos que eles podem experimentar se falharem. Elizabeth Brito Pereira 5330 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino Os PCNs ao tratarem de adaptações de acesso ao currículo, nos dão sugestões de recursos para torná-lo acessível a todos os alunos com necessidades educacionais especiais. Para contemplar os alunos com deficiência auditiva é sugerido que se tenha: - materiais e equipamentos específicos: prótese auditiva, treinadores da fala, tablado, softwarares educativos específicos, etc.; -textos escritos complementados com elementos que favoreçam a sua compreensão: linguagem gestual, língua de sinais; - sistema alternativo de comunicação adaptado às possibilidades do aluno: leitura orofacial, gestos e língua de sinais; - salas-ambientes para treinamento auditivo, de fala, rítmico, etc.; - posicionamento do aluno na sala de tal modo que possa ver os movimentos orofaciais do professor e dos colegas; - material visual e outros de apoio, para favorecer a apreensão das informações expostas verbalmente. (BRASIL1999) Ao tratar do educando surdo é relevante colocar a importância da língua de sinais, pois como colocado pela escritora Laborrit [s.l, s.d], eles podem expressar tudo que o surdo deseja transmitir sem nenhuma perda de conteúdo. Podendo estes, dependendo da necessidade, serem agressivos, diplomáticos, poéticos, filosóficos, matemáticos. Quando colocamos o domínio da língua de sinais como sendo de fundamental importância para a escolarização do aluno com surdez, não estamos negando que ele necessite de outros instrumentos. Como bem disposto por Damásio (2007), existe também a necessidade de ambientes estimuladores que possam explorar as capacidades e desafiar o pensamento desses alunos. Por sua vez, a língua de sinais propicia aos surdos a sua inclusão social também no mundo dos não ouvintes, outro universo social, com cultura própria e em pleno desenvolvimento. Se nas escolas especiais os alunos são prejudicados por receberem pouca informação para a vida real, por sua vez, nas escolas regulares o seu desenvolvimento acadêmico é prejudicado, uma vez que, o sistema educacional voltado para inclusão está muito aquém do desejável para satisfazer as necessidades reais do educando surdo. Como bem pontuado por Leão ao dizer que: A educação inclusiva é a prática de inclusão de todos os alunos independentemente de suas deficiências em escolas e salas de aulas adequadas, de modo que haja o aprendizado do conteúdo acadêmico por eles. O desafio deste ensino é o de desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de educar a todo e qualquer aluno no ensino regular, independentemente de suas condições físicas ou origem social e cultural com sucesso (BUENO, 2001 apud LEÃO, 2004). Elizabeth Brito Pereira 5331 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino Na opinião de Mantoan (2008), a questão da inclusão escolar e o respeito do direito à educação estão acima da lei, pois tratam da ética educacional, que ao tratar de acolher os alunos nas escolas não admite restrições ou exclusões. Foi sancionada em janeiro de 2001 a Lei n° 10.172 que regeria a educação brasileira nos próximos dez anos. No capítulo destinado à educação especial a lei é clara ao mencionar o grande desafio que é a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino. Entre as dificuldades vislumbradas pelo legislador destacam-se: (…) a sensibilização dos demais alunos e da comunidade em geral para a integração, as adaptações curriculares, a qualificação dos professores para o atendimento nas escolas regulares e a especialização dos professores para o atendimento nas novas escolas especiais, produção de livros e materiais pedagógicos adequados para as diferentes necessidades, adaptação das escolas para que os alunos especiais possam nelas transitar, oferta de transporte escolar adequado, etc. (BRASIL, 2001). Entre os objetivos e metas desse novo plano (BRASIL, 2001) está o de implantar, em cinco anos, e generalizar em dez anos, o ensino da Língua Brasileira de Sinais para os alunos surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para aqueles que compõem a unidade escolar, formando monitores, em parceria com organizações não-governamentais. Mas, entendendo a existência de dois universos paralelos, o universo dos ouvintes e o universo dos surdos, é que, no que tange à educação do surdo, o ano de 2002 foi um marco histórico com a aprovação da Lei nº 10436/02 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio legal de comunicação e expressão e determina que “sejam garantidas formas institucionalizadas de aprovar seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de Libras como parte integrante do currículo nos cursos de formação de professores e de fonoaudiologia”. Em 2005, o Decreto 5.626/05 (BRASIL, 2005) regulamentou a lei de Libras. Tal Decreto prevê a formação de turmas bilíngues, onde estão inseridos alunos surdos e alunos ouvintes. Esse Decreto define também que a Libras é a primeira língua para os alunos com surdez ficando a Língua Portuguesa como segunda língua. O Decreto prevê a formação inicial e continuada dos professores e também a formação de intérpretes para a tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa. O que se constata hoje é que as pessoas com necessidades especiais começam a ser conduzidos para sua inclusão forçada, por decreto, nos órgãos regulares, sob a égide Elizabeth Brito Pereira 5332 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino da inclusão, porém, sem dotar esses órgãos de condições mínimas para o acolhimento desses novos alunos (BRASIL, 2001). Por educação entende-se que a Constituição Federal trata de uma educação de qualidade. Compreendendo-se como tal educação aquela que proporcione aos educandos uma formação capaz de dotá-los de condições de prosseguir o seu desenvolvimento intelectual e social, seja no campo familiar, no profissional ou político, como indivíduos capazes de atuar positivamente no tecido social, se bastando para sua própria sobrevivência, participando ativamente na construção da sociedade. Apesar do direcionamento político das leis que enfocam a inclusão dos que necessitam de uma atenção especial, o observado segundo Dorziat (1998) é que convivemos hoje com uma exclusão sutil que pode ser facilmente percebida nos fracos resultados acadêmicos, pois, malgrado as estatísticas mostrarem que, praticamente, todas as crianças estão matriculadas na escola, esta escola não consegue desempenhar seu papel a contento. Este sofrível desempenho acadêmico, principalmente entre os estudantes das escolas públicas, se dá por vários fatores. Como bem colocado por Dorziat (1998), esta situação só se agrava quando transformamos esse mau desempenho em 'respeito às diferenças individuais e diferentes culturas'. No que diz respeito aos surdos eles possuem uma identidade linguística e cultural própria, que os diferencia dos outros. Skliar postula que: Um dos problemas, na minha opinião, é a confusão que se faz entre democracia e tratamento igualitário. Quando um surdo é tratado da mesma maneira que um ouvinte, ele fica em desvantagem. A democracia implicaria, então, no respeito às peculiaridades de cada aluno – seu ritmo de aprendizagem e necessidades particulares (SKLIAR, 1998:37). As escolas públicas municipais são dotadas de Sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Contudo, na prática percebemos que ali o aluno surdo não encontra uma identificação com relação à sua identidade surda. É certo que apenas o uso da língua de sinais não dará a ele a aprendizagem na esfera mais ampla. Entretanto para que o surdo se aproprie de outros saberes e possa de fato produzir, tirar proveito e interagir é necessário que ele tenha não apenas o conhecimento, mas o domínio da sua língua. O surdo tem uma cultura própria que só conseguirá absorvê-la se tiver a oportunidade de estudar em uma escola de surdos e ser inserido em espaços onde possa se comunicar e ser entendido adequadamente. O ideal segundo Strobel para que a inclusão dos surdos nas escolas de ouvintes aconteça é que: Elizabeth Brito Pereira 5333 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino (…) a inclusão nas escolas de ouvintes, é que as mesmas se preparem para dar aos alunos surdos os conteúdos pela línguas de sinais, através de recursos visuais, tais como figuras, língua portuguesa escrita e leitura, a fim de desenvolver nos alunos a memória visual e o hábito de leitura; que recebam o apoio de um professor especialista conhecedor da língua de sinais e enfim, proporcionando intérpretes de língua de sinais, para o maior acompanhamento das aulas (STROBEL, 2006). Consoante com este anseio, o Decreto nº 6.571/08, dispõe sobre o atendimento educacional especializado ao dizer que será implantada salas de recursos multifuncionais, ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para o atendimento educacional especializado. Para que estas salas funcionem a contento o governo assegura no Artigo 3°, inciso I: “formação continuada de professores para o atendimento educacional especializado.” Os governantes brasileiros e parte da sociedade levantam a bandeira da inclusão de muitos grupos como forma de transformação social, e isto é belíssimo. No entanto, se contradiz quando impõe ao surdo uma educação no sistema regular de ensino sem preparar democraticamente a escola para recebê-lo. O que se percebe atualmente, é que os alunos surdos estão chegando às escolas e estas estão fazendo grosseiras adaptações com essa nova realidade, ou seja, fazendo de conta que estão ensinando. Notamos que, ainda hoje, o professor do ensino regular é um dos principais recursos no processo educacional e, sendo assim, um dos maiores desafios enfrentados para que a educação inclusiva verdadeiramente ocorra diz respeito à preparação do professor do ensino regular. A qualificação profissional é fundamental para o desenvolvimento da EI. É necessário desenvolver programas de formação em serviço que qualifiquem os professores e outros profissionais para trabalharem com EI. Muitos países têm incentivado a criação de parcerias entre escolas ou agrupamentos de escolas e instituições de ensino superior que possam fazer formação continuada e supervisão das políticas e práticas das escolas. (…) O acréscimo de recursos humanos é também importante para o desenvolvimento de uma política de EI. Não deve haver a tentação, por parte dos sistemas educativos, de pensar que EI é uma forma de baratear a educação (RODRIGUES, 2008:38). O Plano Nacional de Educação de 2001, apontava a qualificação do professor de sala regular como um percalço a ser suplantado para que se construísse uma escola inclusiva, garantindo o atendimento à diversidade humana. O presente trabalho, que consiste em um estudo das políticas públicas voltadas para inclusão educacional do surdo, nos possibilita ter uma idéia da dimensão desse problema e o que tem sido feito para amenizá-lo. Elizabeth Brito Pereira 5334 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino Foi o arrojo de pessoas visionárias que pressionou a sociedade e esta ao Estado o qual passou a esboçar os primeiros passos na institucionalização e regulamentação, primeiro de forma assistencialista e em um segundo momento passando a empregar verbas públicas para a inclusão desses indivíduos, através de sua educação, possibilitando que alguns dentre eles assumissem a condição de cidadãos autosuficientes e produtivos, que é o principal objetivo da inclusão. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente artigo trata das políticas públicas atinentes e as adaptações curriculares para a inclusão educacional do surdo no sistema regular de ensino. Para a realização desse trabalho foi feita uma pesquisa bibliográfica principalmente nas publicações de Dorziat (1998), Strobel (2006) e Skliar (1998), além de outros autores, usando-se para isso a consulta em livros, ampliando-se o leque da pesquisa na world wide web. Também foi realizada pesquisa através de roteiro de perguntas elaborado pela própria autora, por meio do qual foi colhida a opinião de uma especialista em educação e respondido em uma entrevista informal com a Profª. Drª. Vanda Magalhães Leitão. Na visão da entrevistada a inclusão proposta deve ser a que atenda as reais demandas educacionais das crianças com necessidades especiais. Isto implica numa transformação da escola tanto em seu projeto pedagógico quanto no aspecto físico. Observa também que as políticas de inclusão são gerais, fazendo-se necessário um foco mais acurado. Apesar de existir uma política voltada para a inclusão do surdo na escola regular, esta inclusão não acontece de forma satisfatória. Ela colocou que: As leis contemplam de forma geral a todos aqueles com necessidades educacionais especiais. Tais políticas pretendem ser suficientes para que a inclusão aconteça, mas a criança surda continua sendo excluída na escola dada as barreiras linguísticas. (SIC) Em seu ponto de a inclusão do surdo na escola regular não possibilita a este, ao final do ensino fundamental, estar lendo e produzindo textos como os demais alunos, dada as barreiras linguísticas que tornam inviável a comunicação eficaz e, consequentemente, o desenvolvimento da linguagem. Conceituando que essa barreira linguística é o principal obstáculo ao sucesso da inclusão do surdo e considerando que o surdo é, em suma, um estrangeiro em sua terra Elizabeth Brito Pereira 5335 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino natal e que a sua primeira língua é a língua dos sinais, sendo através dela que se comunica com seus pais, fato reconhecido por Skliar (2005:27), o qual identifica a importância dos sinais usados pelos surdos, quando ressalta que: Pôr a língua de sinais ao alcance de todos os surdos deve ser o princípio de uma política linguística, a partir da qual se pode sustentar um projeto educacional mais amplo. Mas este processo não deve ser considerado apenas como um problema escolar e institucional, tampouco como uma decisão que afeta tão-somente um certo plano ou certo momento da estrutura pedagógica, e, muito menos ainda, como uma questão a ser resolvida a partir de esquemas metodológicos. É um direito dos surdos e não uma concessão de alguns professores ou de algumas escolas. Então, com base na premissa de que a Libras é a primeira língua do surdo, a entrevistada acredita que a escola deve reconhecer que a Libras é a primeira língua do indivíduo surdo, desta forma efetivamente incentivar a valorização desse diferencial por abrigar em seu corpo docente professores surdos, ou professores ouvintes com domínio de Libras. O ideal seria que os professores de salas regulares, por ser maioria, fossem estimulados a aprender a língua de sinais. Pois, é através desse portal que a comunidade surda tem acesso ao seu conhecimento. Dessa forma sobressai a responsabilidade social do Estado, que precisa considerar essa língua como importante, uma vez que é fundamental para o desenvolvimento linguístico e cognitivo e também para a interação do surdo, tanto com os seus pares quanto com as demais pessoas. Ao nos reportarmos se é válida a inserção universal de Libras no currículo das escolas regulares, comentou, a entrevistada, que é de grande valia a inclusão da Libras no currículo das escolas e já há um indicativo nesse sentido, conforme se depreende do teor do Decreto nº 5626/2005 que regulamentou a lei de Libras e o Decreto N° 6571/2008, que trata do Atendimento Educacional Especializado – AEE. Então o seu posicionamento é pela inclusão do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, no currículo das escolas regulares, dessa forma, tornado imprescindível o ensino dessa língua para todos os alunos. Pontes (2008) pontua que é necessário haver mudanças nas escolas, nas atitudes, nos pensamentos e no ambiente como um todo, pois inclusão significa transformação e, sem que haja essa mudança no panorama escolar, não há inclusão. Quanto à matrícula de um aluno surdo numa sala de ensino regular cujo professor desconhece Libras, a entrevistada considera que não faz muito sentido, não Elizabeth Brito Pereira 5336 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino representa um ganho substancial para este e para a sociedade como um todo, a matrícula dele na escola regular com um professor que não conhece a Libras. Segundo a entrevistada quando isto ocorre o que se percebe é uma enorme violência para com a criança surda e uma profunda frustração para o professor da sala regular, comprometido com suas atribuições, pois, estando completamente fora de seu alcance, ele nada poderá fazer para favorecer ou facilitar o desenvolvimento linguístico do educando surdo. Sobre a formação do professor de sala regular para que possa atender de forma eficiente ao aluno surdo, em sua opinião torna-se necessária a capacitação desse profissional. Tal capacitação perpassa a esfera da sensibilização. Ele precisa ter o conhecimento de Libras, saber a estrutura da língua. Isto não significa que todos os professores devem ser proficientes na língua de sinais, mas é importante que eles tenham um contato de pelo menos um semestre com a Libras e com a cultura surda. A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) legislou sobre o atendimento desses educandos em salas regulares. Dessa forma, faz-se necessário, de acordo com os PCNs (BRASIL, 1999), que os docentes tenham sua formação tanto inicial como continuada para que a inclusão de todos se concretize com o êxito esperado. Pontes (2008) diz que: Os professores precisam se conscientizar de que o seu papel é educar os seus alunos. Não os que ele escolhe, mas os que a ele chegam. Os diretores das escolas públicas também têm que assumir a sua função, cobrando do Executivo os suportes necessários para a concretização deste novo paradigma educacional. As Secretarias de Educação têm que incluir em suas prioridades a formação continuada dos docentes, pois não se deseja transferir o desafio unicamente para o professor. Estudiosos reconhecem a importância da língua de sinais como primeira língua para os surdos. Dorziat (2009:51) pontua que: (...) os estudos revelam que a LS, como a base para toda a estruturação de pensamento da criança, deve ser adquirida como primeira língua. Sedimentada na criança surda, devem-se promover situações de aprendizagem de língua majoritária, como segunda língua. Sobre a questão dos avanços reais que foram conseguidos com a implantação das políticas públicas que tratam da inclusão, a entrevistada reconhece que nos últimos anos têm acontecido alguns avanços significativos para que a inclusão educacional do surdo aconteça de modo satisfatório. Entre estes estão o reconhecimento legal da Libras como sendo a primeira língua do surdo por meio da Lei N° 10436/02 e sua regulamentação através do Decreto N° 5626/05; a divulgação da Libras para milhões de pessoas através da televisão; a conscientização de que existe um universo de pessoas Elizabeth Brito Pereira 5337 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino surdas que tem os mesmos direitos que os ouvintes; a política do atendimento educacional especializado; a inserção das Libras nos cursos de licenciatura. Percebemos através dessa entrevista que: “(...) a comunicação é fundamental para o engenho da alma. É por ela, em suas mais diversas materialidades, que o indivíduo surdo pode tornar-se sujeito de si e sujeito dos outros” (FOUCAULT, 1997 apud LOPES, 2007: 49). CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos que apesar das políticas públicas postas atualmente em prática possuírem um foco generalizado, não se aprofundando às especificidades inerentes às diferentes necessidades especiais, como no caso dos surdos, têm trazido melhorias, como no reconhecimento da Linguagem Brasileira de Sinais, Libras, como sendo a primeira língua dos surdos, inclusive, inserindo-a no currículo dos cursos de licenciatura, medida de vital importância que se refletirá em um futuro próximo com o aumento do universo de professores que, apesar de não serem proficientes em Libras, sem dúvida, alguns deles serão multiplicadores. No atual estágio, foi detectado que as políticas públicas ainda não conseguiram atingir o objetivo proposto por seus idealizadores. Os níveis de adaptações curriculares vislumbram o âmbito do projeto pedagógico, orientando ações adaptativas, com intuito de flexibilizar o currículo em sala de aula e também individualmente, de acordo com as necessidades educacionais de cada aluno. No caso em pauta, a inclusão do aluno surdo na sala de ensino regular, não atende a sua real necessidade uma vez que a escola regular não conta com a estrutura necessária para prover a estes alunos as condições ideais para seu progresso como indivíduo e, principalmente, seu progresso acadêmico. Falta aos professores o conhecimento de Libras, bem como da metodologia de abordagem e didática direcionada para o aluno surdo. Assim, constatamos que as políticas públicas voltadas para a inclusão dos alunos com necessidades especiais atingem parcialmente seus objetivos. Existe hoje uma maior conscientização da necessidade de que aqueles com necessidades especiais sejam incluídos na sociedade, por força de lei há uma maior participação deles em atividades laborativas, na indústria, no comércio e nos próprios órgãos estatais. Elizabeth Brito Pereira 5338 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino Cumpre ressaltar que a inclusão do surdo na escola regular não se limita apenas em matriculá-lo, mas em rever toda estrutura dessa escola, passando desde a capacitação do corpo docente até as mudanças atitudinais por parte de todos aqueles que a formam. As informações colhidas na presente pesquisa mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a inclusão aconteça da forma prevista nas leis que a regulam. REFERÊNCIAS BRASIL, Constituição Federal – Brasília/1988 ______, Decreto nº 5626/05. Brasília/2005 ______, MEC, Centro Nacional de Educação Especial – CENESP. Regimento Interno. São Paulo/1973. _______, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Lei 8069/90. Brasília/1990 _______, Política Nacional de Educação Especial. Brasília/1994. _______, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LDBEN. Lei 9394/96. Brasília/1996. ______, Parâmetros Curriculares Nacionais. PCNs. Brasília/1999. ______, Decreto 3956/01. Brasília/2001. ______, Decreto 5626/05. Brasília/2005. ______, Decreto 6571/08. Brasília/2008 ______, Lei nº 10.436/02. Brasília/2002. ______, Plano Nacional da Educação – PNE. Lei nº 10.172/01. Brasília/2001 DAMÁSIO, Mirlene Ferreira Macedo. Atendimento Educacional especializado-pessoa com surdez. 2007. Acesso em: <portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_da. pdf> Acesso em 22/07/2009. DORZIAT, Ana. Educação de surdos no ensino regular: inclusão ou segregação? Foz do Iguaçu 1998. Disponível em: http://www.sj.cefersc.edu.r/ ñepes/doc/midiateca_ artigos/inclucao_educacao_ssurdo/texto72.pdf>. Acesso em 14/04/2009. Elizabeth Brito Pereira 5339 Políticas Públicas e Adaptações Curriculares para Inclusão do Surdo no Sistema Regular de Ensino ________. O outro olhar da educação – Pensando a surdez com base nos temas identidade/diferença, currículo e inclusão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. LABORIT, Emmanuelle. [s.l, s.d]. LEÃO, Andreza Marques de Castro. O processo de inclusão: a formação do professor e sua expectativa quanto ao desempenho acadêmico do aluno surdo. (2004) LOPES, Maura Corcini. Surdez e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa Paiva. Reflexões sobre a diferença: uma introdução à educação especial. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002. MAZZOTTA, Marcos J.S. Educação Especial no Brasil – História e Políticas Públicas. 5 ed. São Paulo. Cortez, 2005. OEA, Convenção da Guatemala. 1999. PONTES, Patrícia Albino Galvão. Criança e adolescente com deficiência: impossibilidade de opção pela sua educação exclusivamente no atendimento educacional especializado. Disponível em: <http://www.ampid.org.br/artigos/direitos_ pais_patrícia_albino.php>. Acesso em 16/07/2009. RODRIGUES, David. Questões preliminares sobre o desenvolvimento de políticas de Educação Inclusiva. Revista Inclusão, v.4. Nº 1, p. 38. Janeiro/junho 2008. SKLIAR, Carlos. Bilinguismo e biculturalismo: Uma análise sobre as narrativas tradicionais da educação dos surdos. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro. Nº 8, 1998. ________. A surdez: um olhar sobre as diferenças. 3ª Ed. Porto Alegre: Mediação, 2005. STROBEL, Karin Lilian. A visão histórica da in(ex)clusão dos surdos nas escolas, artigo, 2006. UNESCO, Declaração de Salamanca. Resolução das Nações Unidas/1994 Elizabeth Brito Pereira 5340 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” EDUCAÇÃO PARA A VELHICE BEM-SUCEDIDA: REFLEXÕES SOBRE O ENVELHECIMENTO HUMANO NA ESCOLA Everaldo Robson de Andrade JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola EDUCAÇÃO PARA A VELHICE BEM-SUCEDIDA: REFLEXÕES SOBRE O ENVELHECIMENTO HUMANO NA ESCOLA. Everaldo Robson de Andrade Doutorando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN Pesquisador do Grupo de Estudo Corpo e Cultura de Movimento – GEPEC RESUMO: As reflexões contidas neste texto é um recorte da nossa tese de doutorado, em fase de conclusão, intitulada História de idosos: sementes para cultivarmos uma educação para velhice bem-sucedida, que refletiu sobre o envelhecimento a partir da história de vida de dez idosos considerados bem-sucedidos . Discutimos, neste artigo, a temática da velhice levando em consideração que está fase da vida pode ser vivida de modo bem-sucedido. Ponderamos, ainda, sobre como a educação formal pode incluir a temática do envelhecimento bem-sucedido em seus diferentes componentes curriculares de modo que as crianças, os jovens e os próprios idosos compreendam que a velhice e uma fase da vida como qualquer outra, na qual as inevitáveis perdas decorrentes, principalmente, do natural declínio das nossas reservas de ordem biológica por ocasião do envelhecimento não justificam as atitudes de preconceito e descriminação que, comumente, são direcionadas aos idosos em nossa sociedade. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas. Adaptação Curricular. Inclusão. Surdo. Libras. As reflexões contidas neste texto é um recorte da nossa tese de doutorado, em fase de conclusão, intitulada História de idosos: sementes para cultivarmos uma educação para velhice bem-sucedida, que refletiu sobre o envelhecimento a partir da história de vida de dez idosos considerados bem-sucedidos . Discutimos, neste artigo, a temática da velhice levando em consideração que está fase da vida pode ser vivida de modo bem-sucedido. Ponderamos, ainda, sobre como a educação formal pode incluir a temática do envelhecimento bem-sucedido em seus diferentes componentes curriculares de modo que as crianças, os jovens e os próprios idosos compreendam que a velhice e uma fase da vida como qualquer outra, na qual as inevitáveis perdas decorrentes, Everaldo Robson de Andrade 5344 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola principalmente, do natural declínio das nossas reservas de ordem biológica por ocasião do envelhecimento não justificam as atitudes de preconceito e descriminação que, comumente, são direcionadas aos idosos em nossa sociedade. Reflexões introdutórias: Muito embora saibamos que o envelhecimento humano é uma realidade natural e universal que faz parte da própria condição de estarmos vivos, este processo ainda é um fenômeno que necessita ser melhor compreendido, sobretudo porque as diferentes teorias que buscam explicá-lo - ora o relacionando a fatores genéticos-biológicos ora a determinantes sócio-culturais – ainda não foram capazes de responder às crescentes e constantes indagações suscitadas sobre o fenômeno em discussão. Nesse sentido, se torna difícil responder com precisão questões do tipo: o que é o envelhecimento? porque envelhecemos? ou ainda, o que caracteriza o processo de envelhecimento? Compreendemos que não há uma única resposta que atenda satisfatoriamente cada uma das indagações anteriormente levantadas. Contudo, entendemos que para uma reflexão substancial sobre o envelhecimento devemos conjugar, em um único contexto, os indicadores culturais, sociais, biológicos e psicológicos, todos influenciadores do natural processo de envelhecer, ou seja, sustentamos a idéia de que o envelhecimento é um processo complexo e, como tal, deve ser estudado e/ou compreendido levando-se em considerações todos os aspectos que o determina. Assim sendo, mesmo que ao envelhecermos algumas alterações orgânicas, morfológicas e funcionais sejam evidenciadas - como por exemplo, cabelos brancos, diminuição do vigor físico, pele enrugada, entre outras - estas não se configuram como os únicos indicadores do envelhecimento humano. Diríamos, portanto, que o processo ora analisado é vivenciado de maneira extremamente diversificada pelos indivíduos que a ele estão submetidos, além de estar relacionado à história de vida de cada um deles. A teoria do curso de vida e velhice bem-sucedida Sustentamos a compreensão de que a velhice pode ser vivida de diferentes maneiras, nos detemos, nesse estudo, na reflexão sobre esse fenômeno, à luz de uma Everaldo Robson de Andrade 5345 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola visão particular do que seja envelhecer: o envelhecimento bem-sucedido. Para tanto, nos apoiamos, sobretudo, na teoria do curso de vida, em especial, nos estudos desenvolvidos sobre esse assunto pelo grupo de pesquisadores liderado pelo alemão Paul Baltes que compreende o envelhecimento humano como sendo uma realidade contextualizada, histórica e cultural. De acordo com Baltes e Baltes (1990) a idéia do curso de vida para o estudo do envelhecimento humano possibilita superar a visão que tradicionalmente vem sendo delineada a respeito da velhice, que comumente a considerada como uma fase de perdas e decadência. Nesse sentido, a teoria do curso de vida, que se desenvolveu a partir da década de 1970, tem orientação dialética e representa uma mudança em relação às concepções tradicionais destinadas a explicar tal processo, pois a teoria do curso de vida defende a idéia de que a velhice apresenta um equilíbrio entre ganhos e perdas. Os mesmos autores atestam, ainda, que durante a velhice mantemos preservado nosso potencial pessoal de desenvolvimento, e este obedece a limites da plasticidade individual que se relaciona a aspectos ambientais, sociais e históricos que são pertinentes a cada indivíduo. De acordo com Baltes e Baltes (1990) a velhice bem-sucedida, na perspectiva do curso de vida, parte das seguintes proposições: existem importantes diferenças entre o envelhecimento normal, o envelhecimento ótimo e o envelhecimento patológico1; a velhice é uma realidade heterogênea que depende das circunstâncias históricas e culturais de cada individuo; o idoso, considerando a sua plasticidade individual, permanece potencialmente apto para o desenvolvimento; existem perdas na plasticidade comportamental ou adaptabilidade; na velhice o conhecimento especializado e o uso da tecnologia podem compensar os déficits das funções intelectuais básicas que estão relacionadas ao avanço da idade; na velhice ocorre uma redução no equilíbrio entre os ganhos e as perdas. O equilíbrio entre perdas e ganhos como importante elemento definidor do envelhecimento bem-sucedido é orquestrado pelo processo adaptativo que envolve as três categorias: a seleção, a otimização e a compensação. A seleção diz respeito à capacidade do indivíduo focalizar sua atenção naqueles domínios nos quais os déficits funcionais são mais acentuados. A seleção requer uma redução ou restrição no número Everaldo Robson de Andrade 5346 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola de atividade com a conseqüente reorganização dos objetivos pessoais no sentido de priorizar os aspectos mais importantes na vida cotidiana. O mecanismo de otimização consiste em um esforço pessoal que envolve recursos internos e externos com o objetivo de expandir ou aprimorar as capacidades individuais úteis na superação das perdas decorrentes do processo de envelhecimento. A compensação relaciona-se à otimização e se caracteriza pela conquista ou ativação de novas estratégias, internas ou externas, como forma de compensar as perdas funcionais que são decorrentes do envelhecimento (BALTES; BALTES, 1990). Compreendemos, portanto, que velho bem-sucedido é aquele indivíduo que encontra mecanismos adaptativos que permitem o equilíbrio entre os ganhos e as perdas, que são comuns ao sujeito que envelhece, de modo a proporcionar o bem-estar físico, psicológico e social. A velhice bem-sucedida se caracteriza pela disponibilidade de nos mantermos envolvidos com a vida; pela capacidade de manutenção das capacidades funcionais, inclusive cognitiva, e com a vivência em práticas corporais que permitam um bom estado saúde. Elementos para pensarmos uma educação para a velhice bem-sucedida. Compreendemos que tanto as experiências educativas vividas dentro do ambiente escolar quanto fora dele, são fatores preponderantes para a viabilização da velhice bem-sucedida. Entendemos, também, que toda educação ou ação educativa tem como conseqüência a geração de aprendizado e que este só é possível na convivência com o outro. Dito de outro modo, afirmamos que: O educar se constitui no processo em que a crianças ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência. O educar ocorre, portanto, todo o tempo de maneira recíproca (MATURANA, 1998, p. 29) Pelo exposto, acreditamos que uma educação direcionada para a velhice bemsucedida deve pautar-se no oferecimento de ações pedagógicas que incentivem e propiciem a criação de espaços de convivência entre as pessoas, pois, somente assim, conseguirá alcançar seus objetivos, nesse caso específico permitir aos indivíduos condições necessárias pra uma viver bem-sucedido durante todo o seu processo de Everaldo Robson de Andrade 5347 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola envelhecimento. Contudo, destacamos que a convivência que consideramos essencial para a viabilização de uma educação para a velhice bem-sucedida deve ser caracterizada pela interação harmoniosa entre as pessoas, na qual o respeito recíproco seja observado. Cabe esclarecer que entendemos que “o respeito por si mesmo e pelo outro surgem nas relações de aceitação mútua e no encontro corporal, no âmbito de uma confiança mútua e total (MATURANA; VENDER-ZÖLLER, 2004, p. 21). Ressaltamos, ainda, que a aceitação e a confiança entre os envolvidos em qualquer que seja o processo educativo concorre para o surgimento de sentimentos de afeição, respeito e amor, essenciais para que indivíduos aprendam a conviver em harmonia. Nesse sentido, entendemos que os tais sentimentos são cultivados durante toda a nossa história de vida, ou seja, relações de afeto e de amor é uma condição cultural, e como tal deve ser aprendida. Tal perspectiva justifica-se quando identificamos que [...] os seres humanos não são ‘naturalmente’ tão solidários quanto parecem supor nossos sonhos de uma sociedade justa e fraternal. Por isso,não convém colocar num segundo plano, ou no rol dos pressupostos tácitos, o complicado problema da educação - melhor dito: da conversação! -, individual e coletiva, imprescindível para que existam predisposições para uma solidariedade afetiva, já que está não conta como ‘instintos naturais’ adequados (ASSMANN, 1998, p.20). Ao ressaltamos a convivência interpessoal, fundamentada no amor e na aceitação mútua, como um dos principais fundamentos que devem alicerçar a educação para a velhice bem-sucedida acentuamos que: Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. [...] Quem não ama não compreende o próximo, não o respeita (FREIRE, 1979, p. 29). No que concerne à convivência interpessoal como promotora da aprendizagem necessária para a velhice bem-sucedida, compreendemos que esse tipo de convivo deve contemplar todos os sentidos. Ou seja, permitir que os indivíduos submergidos nesse processo gerador de aprendizagem estejam corporalmente envolvidos. Isto porque, entendemos que a aprendizagem é Everaldo Robson de Andrade 5348 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola [...] antes de mais nada, um processo corporal. Que ela venha acompanhada de sensação de prazer, não é de modo algum, um aspecto secundário. [...] Quando esta dimensão está [o prazer] ausente vira um processo meramente instrumental (ASSMANN, 1998, p. 29). Desse modo, aceitar a aprendizagem como inscrição corporal implica acreditar que as suposições investigativas que objetivam pensar sobre uma educação para velhice bem-sucedida devem considerar as diferentes práticas corporais como estratégias de promoção de convivência e, por conseguinte, que esta desperte o interesse, a alegria e o prazer nos indivíduos que a vivenciam. Compreendemos, portanto, que uma educação para a velhice bem-sucedida, além de considerar os encontros corporais, através de uma convivência alegre e prazerosa, deve atentar, também, para os desejos, anseios, temores, possibilidades e limites dos indivíduos que participam das ações educativas propostas. Em outras palavras, queremos dizer que para o sucesso de uma educação para o envelhecimento bem-sucedido aconteça o primeiro passo a ser dado é considerar os indivíduos como atores principais, envolvendo-os em todo o processo de ensino e aprendizagem. Tal perspectiva torna-se importante pelo fato das pessoas serem diferentes e possuírem objetivos, competências e particularidades individuais que necessitam serem observadas para possam apreender de acordo com suas potencialidades. Assim sendo, entendemos que a educação se constitui numa [...] busca realizada por um sujeito que é homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. [...] Essa busca deve ser feita com os outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras consciências, caso contrário se faria de umas consciências, objetos de outras (FREIRE, 1979, p.27-28). Compreendemos que a observância freiriana sobre a necessidade dos sujeitos buscarem contatos sociais que viabilizem sua própria aprendizagem, torna-se fundamental para pensarmos uma educação para a velhice bem-sucedida. Isto porque entendemos que essa modalidade educativa deve conceber os idosos como sujeitos capazes de decidir e gerenciar sua própria vida, inclusive escolhendo quais os processos de aprendizagens que pretendem se envolver. Tal escolha, no entanto, não deve ser feita mediante imposição ou pelo desejo em atender a necessidades de outros, como por exemplo, professores e familiares. Everaldo Robson de Andrade 5349 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola Sobre a aprendizagem, é importante, ainda, destacar que a compreendemos como um processo que acontece durante toda a vida, e por isso reforçamos a nossa idéia de que o idoso também aprende, confirmando, assim, o aforismo: “viver é conhecer (viver é ação efetiva no existir como ser vivo)” (MATURANA; VARELA, 2001, p. 194). Em outras palavras,dizemos que a capacidade de aprender não se extingue com a velhice, uma vez a aprendizagem é um processo permanente e coexistente com o nosso próprio viver. A compreensão da aprendizagem como um processo que acontece durante toda a vida nos encoraja a pensar em ações educativa voltadas para a velhice bem-sucedida, pautadas, sobretudo, no estímulo da convivência interpessoal, no sentido de que é possível, tanto os idosos quanto os não-idosos, aprenderem ser velhos bemsucedidos. Ao analisarmos as histórias de vida dos idosos que entrevistamos por ocasião da nossa pesquisa de doutoramento identificamos significativos elementos que consideramos importantes de serem observados na perspectiva de uma educação direcionada para a velhice bem-sucedida. Em outras palavras: os idosos que fazem parte da nossa tese, considerados bem-sucedidos, vivenciam e/ou vivenciaram processos educativos que fazem com que esses indivíduos possuam indicadores que consideramos fundamentais para a viabilidade da velhice bem-sucedia, como por exemplo: autoestima elevada; alto grau de autonomia e independência; participação ativa em atividades de lazer, trabalho e demais relacionamentos sociais; e, ainda, são pessoas que conhecem e aceitam suas possibilidades e limites. No que se refere à auto-estima, consideramos que os idosos que investigamos apresentam apreço e valorização por si mesmos, o que nos revela possuírem uma elevada auto-estima, esta aqui entendida como sendo [...] a opinião que se tem de si mesmo e baseia-se em vários indicadores , tais quais o valor como pessoa, as conquistas, o trabalho, a percepção como os outros nos vêem, o propósito da vida, as fraquezas e forças pessoais, o status social e relação com os outros, e o grau de independência (GUIMARÃES, 2006, p.85). Acreditamos que as experiências educativas de caráter desafiador permitem que os idosos se sintam ainda capazes de realizar novas conquistas, e isto auxilia para que esses indivíduos compreendam que a velhice não é uma fase inferior da vida. Consideramos que “acreditar-se capaz” é uma atitude fundamental para a elevação da Everaldo Robson de Andrade 5350 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola auto-estima dos idosos. Compreendemos, portanto, que o amor-próprio dos idosos pode ser engrandecido à medida que estes indivíduos possam participar de vivências corporais que lhe permitam a superação dos seus limites pessoais, fato este que concorrerá para o conseqüente aumento da confiança que mantêm em si mesmo. Entendemos, portanto, implementar ações educativas que promovam a auto-estima do idoso é importante, por sabermos que a baixa auto-estima “tem um impacto negativo no estoque de saúde, até porque provoca sentimento de perda de propósito para com a vida, o que não motiva qualquer investimento em si” (GUIMARÃES, 2006, p.85). Pelo exposto, entendemos que a educação para a velhice bem-sucedida deve oferecer aos idosos ações educativas com exigências e objetivos diversificados, de modo que todos possam vivenciar situações de aprendizagem que não estejam aquém dos seus limites, nem tão pouco lhe exijam competências que estão além das suas possibilidades. Isto porque, para vivermos uma velhice bem-sucedida torna-se primordial sabermos equilibrar perdas e os ganhos que são inerentes a essa fase da vida (BALTES; BALTES, 1990). Assim sendo, afirmamos, intervenções educativas que não atentam para as reais possibilidades dos idosos tendem ao fracasso, influenciando, inclusive, negativamente para a permanência desses indivíduos nas atividades programadas. Outro indicativo que avaliamos importante encontrado nas histórias de vida dos idosos que fazem parte da nossa pesquisa de doutorado diz respeito à autonomia e independência que esses indivíduos vivenciam na atual fase de suas vidas. Ao falarmos de autonomia estamos nos referindo a “habilidade de controlar, tomar e arcar com decisões pessoais sobre como se deve viver diariamente de acordo com suas próprias regras e preferências” (OMS, 2002, p.15). Por sua vez, compreendemos por independência como sendo a habilidade de executar funções relacionadas a vida diária – isto é, a capacidade de viver independentemente na comunidade com alguma ou nem ajuda de outros (OMS, 2002, p.15). Ao analisarmos os conceitos de autonomia e independência propostos anteriormente identificamos certa semelhança entre as duas definições. Porém, destacamos que as capacidades inerentes ao indivíduo autônomo estão relacionadas a fatores subjetivos, como por exemplo, decidir de modo consciente do que fazer do seu Everaldo Robson de Andrade 5351 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola tempo livre, ou ainda, ser capaz de emitir opiniões sobre situações relacionadas ao contexto social no qual atua. Todavia, observamos que a independência encontra-se atrelada a indicadores objetivos, como por exemplo: ser capaz de manter a higiene pessoal, se alimentar e fazer compras. Em nosso estudo verificamos que os velhos podem, sim, continuarem executando tarefas da vida diária com grau de autonomia e independência bem próximo daquele apresentado em outras fases de suas vidas. Nesse sentido, por exemplo, constatamos que a maioria dos idosos que investigamos movimentam suas contas bancárias e se locomovem sozinhos para ir ao médico, fazer supermercado, entre outras tarefas. Do mesmo modo, estes mesmos indivíduos continuam a tomar decisões sobre aspectos subjetivos de suas vidas, como por exemplo, decidir em continuar ou mercado de trabalho; ou ainda, escolher o destino turístico a ser visitado. Ainda no que se refere à autonomia e independência pudemos observar que grande parte dos idosos que estudamos se envolvem regularmente em algum tipo de atividade física. Compreendemos que o envolvimento em atividades dessa natureza se constitui em um importante elemento influenciador para fazer desses sujeitos pessoas autônomas e independentes, principalmente no que refere à mobilidade corporal. Ao refletirmos sobre a autonomia e independência dos idosos, a partir dos indicativos presentes na história de vida dos sujeitos que investigamos, entendemos que a educação para a velhice bem-sucedida deve incluir como uma de suas metas, ações que desperte o interesse dos idosos para a prática regular de atividade física, uma vez que, como já refletimos em partes anteriores deste texto, o envolvimento nesse tipo vivência é considerado importante meio de manutenção da saúde e das valências físicas, como por exemplo, a capacidade aeróbica, a força e a flexibilidade, condições essenciais para que o idoso possa se locomover e realizar, desde as suas tarefas da vida diária, como se alimentar e manter a sua higiene corporal, até aquelas mais complexas, como controlar suas finanças, dirigir seus carros ou utilizar o transporte público para acessar diferentes pontos da cidade (OKUMA, 1998; MATSUDO, 2001; DEPS, 1993). Constamos, ainda, que os idosos que investigamos vivenciam na atual fase de sua vida experiências educativas decorrentes de intenso envolvimento social que faz parte da vida da maioria dos sujeitos que compõem a nossa tese. Assinalamos que os idosos em questão são pessoas socialmente participativas, uma vez que observamos, Everaldo Robson de Andrade 5352 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola através de seus depoimentos, que eles se envolvem em diferentes atividades sociais, com a prática coletiva de atividade física, viagens de lazer em grupos de amigos, e, até mesmo, participam regularmente de atividades relacionadas ao trabalho, quer seja voluntário ou não. Entendemos, portanto, que as vivencias pessoais que colaboram para o idoso permanecer socialmente ativo são fundamentalmente importantes por contribuírem “para reforçar o sentimento de valor pessoal, facilitando o manejo de situações estressantes com as quais o idoso se depara em decorrência do declínio de suas forças físicas e perdas pessoais e financieiras” (DEPS, 1993, p. 64). A mesma autora reforça a idéia, a qual também defendemos, de que tanto as atividades físicas quanto as sociais desempenham efeitos preventivos e terapêuticos sobre as reações em frente ao estresse e possíveis doenças que acometem o idoso nessa fase de sua vida. Identificamos em nossa tese, o fato de poder participar ativamente do contexto social do qual fazem parte é apontado pelos idosos como um importante meio de satisfação e de desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, os indivíduos que investigamos nos confidenciam que o fato de conviverem com um maior do número de pessoas, em diferentes espaços sociais, como por exemplo, no trabalho e nas turmas de hidroginásticas, permite a ampliação no número de amigos e o conseqüente aumento das possibilidades de envolvimento em atividade não pensadas por eles até então. Compreendemos que a educação para a velhice deve incluir em suas metas o desenvolvimento de atividades, que estimulem e favoreçam a interação social dos idosos, uma vez que entendemos que a participação desses indivíduos em diferentes esferas sociais concorrerá para que eles saiam da reclusão de seus lares e vivenciem experiências que lhes auxiliarão na conquista de uma velhice bem-sucedida. Pelo exposto, reforçamos a nossa compreensão de que a educação para a velhice bem-sucedida deve promover ações que estimulem a convivência social dos idosos. Porém, compreendemos que, se por um lado é inegável a importância dos grupos de convivência específicos para idosos, por permitirem a troca de experiências entre aqueles que compartilham das mesmas dificuldades e juntos encontrarem meios que os permitam a superação dos desafios apresentados na atual fase das suas vidas, entendemos, por outro lado, que a convivência social na velhice não deve ser exclusiva entre indivíduos da mesma faixa etária. Ou seja, entendemos que as relações Everaldo Robson de Andrade 5353 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola intergeracionais podem se constituir em uma exemplar oportunidade de crescimento na velhice. Isto porque, este tipo de convivência permite [...] o estabelecimento de vínculos afetivos, o reconhecimento do outro como pessoa e suas particularidades, possibilitando a quebra de estereótipos por ambas as partes e facilitando o estabelecimento de interações profundas e verdadeiras” (SANTOS, 2003, p.51). Ressaltamos que em nossa compreensão as relações intergeracionais não são salutares apenas para os idosos que delas participam. Dito de outra forma: entendemos que o convívio entre gerações proporciona desenvolvimento pessoal, tanto para os velhos quanto para as crianças e os jovens que constituem o relacionamento em questão. Nesse sentido, compactuamos com o pensamento de Oliveira (1999), que, ao estudar o cotidiano de cinco avós e oito netos, reuniu indícios significativos que apontam para a viabilidade de uma educação co-participativa, decorrente do relacionamento instergeracional. A educação co-participativa é entendida pelo referido autor como sendo um processo através do qual os velhos e as crianças aprendem e ensinam mutuamente, sendo que isto acontece nos pequenos gestos do dia-a-dia. Assim sendo: Não é apenas uma geração que dá algo de si enquanto a outra, passivamente, fica sendo receptora inerte das dádivas. Um convívio de gerações, nesta perspectiva, não comporta linearidade e, portanto, não se resume na passagem de sabedorias dos velhos para as crianças. Estas, mesmos que nem que sequer saibam, também pode transmitir muito às gerações mais velhas (OLIVEIRA, 1999, p. 26). Ao destacarmos a importância dos relacionamentos intergeracionais tanto para desenvolvimento de idosos quanto para as crianças e jovens, confiamos que educação para a velhice bem-sucedida deve direcionar sua atenção também para os indivíduos não-idosos, na perspectiva de que estas pessoas necessitam aprender desde a mais tenra idade, que a velhice faz parte da vida, e que necessitamos aprender, no presente, a sermos, no futuro, velhos bem-sucedidos. Compreendemos que ensinar a ciclocidade da vida se constitui em um dos principais objetivos da educação para a velhice bem-sucedida, perspectivando o atendimento das pessoas não-idosas. Esse público deve aprender, por exemplo, que o viver humano é composto por fases, nas quais estamos sujeitos aos limites e as possibilidades que são inerentes a cada uma delas. As experiências educativas Everaldo Robson de Andrade 5354 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola idealizadas nesse sentido devem, também, ser capazes de permitir que os sujeitos entendam que estas diferentes etapas do viver não devem obedecer à ordem da hierarquização, principalmente ensinando-os que não há fase melhor ou superior que outra, no sentido de que todas devem ser vividas com a intensidade que lhe é permitida e, sobretudo, que em cada uma delas estamos predispostos ao desenvolvimento e a aprendizagem. Ao reafirmarmos a importância de uma educação para a velhice bem-sucedida tanto para os idosos quanto para os não–idosos objetivamos a viabilidade de uma velhice autônoma, independente, socialmente ativa e na qual o idoso seja feliz e conhecedor dos seus limites e possibilidades pessoais, de modo que permita aos jovens e crianças compreendam que o seu próprio corpo passará por contínuas transformações que fazem parte do natural processo de desenvolvimento e envelhecimento, e que, por isso mesmo, necessitam aceitar e entender que a velhice é inerente à própria vida. Indagamos, portanto: como a educação escolarizada pode incluir em seu fazer pedagógico ações favorecedoras da educação para a velhice bem-sucedida? Antes mesmo de tentar responder a questão suscitada, defendemos que, legalmente a temática do envelhecimento humano já deveria fazer parte das discussões problematizadas nos diferentes níveis que compõem a educação em nosso país, visto que, de acordo com a Lei Federal 8842/94, no seu Art. 10, determina que uma das competências dos órgãos e entidades públicas é “inserir nos currículos mínimos, nos diversos níveis do ensino formal, conteúdos voltados para o processo de envelhecimento, de forma a eliminar preconceitos e a produzir conhecimentos sobre o assunto” (BRASIL, 1994). Porém, entendemos que, mesmo já sendo prerrogativa oficial que a temática do envelhecimento humano se faça presente no cotidiano das escolas localizadas em território nacional, este ainda é um assunto que, efetivamente, pouco se discute no âmbito da educação escolarizada em nosso país. Sobre a relação estabelecida entre a educação para a velhice bem-sucedida e a escola, entendemos que não apenas a temática do envelhecimento, mas também o próprio idoso, poderia ser incluído no espaço escolar, perspectiva esta favorecedora tanto para a discussão de subsídios teóricos a respeito da velhice, como também para a instalação de um espaço de convivência intergeracioal, considerado por nós uma significativa oportunidade geradora de aprendizagens recíprocas. Everaldo Robson de Andrade 5355 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola Consideramos a possibilidade de discussão e problematização da velhice e do envelhecimento pelos diferentes componentes curriculares, de acordo com as especificidades pertinentes aos conteúdos de cada disciplina, como outra importante iniciativa que viabilizaria a efetivação de ações pedagógicas direcionadas para a velhice bem-sucedida. Tal perspectiva nos ajuda a responder o questionamento feito anteriormente, qual seja, como a escola poderia problematizar ações educativas, de modo a favorecer a velhice bem-sucedida. Nesse sentido, entendemos que um dos caminhos possíveis seria compreender o envelhecimento numa perspectiva de transversalidade, ou seja, uma temática que perpassasse as diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar, inclusive a educação física. O envelhecimento humano, como tema transversal, justifica-se, pela importância que essa temática representa nos dias atuais, suscitando interesse e conseqüências em diferentes esferas do viver humano, e por isso mesmo devendo ser estudado por áreas do conhecimento como a biológica, a social e econômica. Considerações finais Pelo exposto, confiamos que o envelhecimento humano ser problematizado pelos diferentes componentes curriculares no espaço escolar, permitirá a compreensão da velhice como uma realidade multifacetada e que é inerente à própria vida. Acreditamos que a aceitação desse fato contribui para que, tanto crianças como os jovens e os próprios idosos, posam se interessarem em vivenciar experiências que lhes permitam aprender a serem velhos e velhas bem-sucedidos e, sobretudo, favorecer a implantação de um novo modos de pensarmos a velhice, desta feita não mais como uma condição na qual a reclusão no ambiente doméstico se apresente com única possibilidade. Referências ASSMAN, Hugo. Reencatar a educação: rumo á sociedade aprendente. Vozes: Rio de Janerio, 1998. Everaldo Robson de Andrade 5356 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola BALTES, Paul; BALTES, Margret. Successful aging: perspective from the behavioral sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. BRASIL. Lei 8.842. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília-DF, 1994. DEPS, Vera Lúcia. A ocupação do tempo livre sob a ótica de idosos residentes em instituições: Análise de uma experiência. In. Anita Liberalesso. Neri (org.). Qualidade de vida e idade madura. Campinas: Papirus, 1993. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz na Terra, 1979. GUIMARÃES, Renato Maia. O envelhecimento: um processo pessoal?. In: FREITAS, Elizabete Viana et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: UFMG, 1998. MATURAMA, Humberto. VARELA, Francisco J. R. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Parlas Athenas, 2001. MATURANA, Humberto; VENDER-ZÖLLER. Introdução. In: MATURANA, Humberto; VENDER-ZÖLLER, Gerda (Org.) Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004. MATSUDO, Sandra Mahecha. M. Envelhecimento e atividade física. Londrina: Midiograf, 2001. OKUMA, Silene Sumire. O idoso e a atividade física. Campinas: Papirus, 1998. OLIVEIRA, Paulo Salles. Vidas compartilhadas: cultura e co-educação de gerações na vida cotidiana. São Paulo: Hucitec-Fapesp, 1999. OMS. Envelhecimento ativo: um projeto de política e saúde. Madri: OMS, 2002. Everaldo Robson de Andrade 5357 Educação para a Velhice Bem-Sucedida: reflexões sobre o envelhecimento humano na escola SANTOS, Silvia Maria Azevedo. Infância e velhice: o convívio que nos abre caminhos. GUSMÃO, Neusa Maria Mendes (Org). Infância e velhice. Campinas: Alínea, 2003 Everaldo Robson de Andrade 5358 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” ADAPTAÇÕES CURRICULARES: UMA NECESSIDADE PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS Francileide Batista de Almeida Vieira JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos ADAPTAÇÕES CURRICULARES: UMA NECESSIDADE PARA A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS SURDOS Francileide Batista de Almeida Vieira Universidade Federal do Rio Grande do Norte RESUMO: A inclusão escolar de alunos surdos requer, por parte dos educadores e gestores, uma postura pautada por parâmetros que favoreçam a aprendizagem e o desenvolvimento de todos. As adaptações curriculares são medidas que dão sustentação à necessidade de um currículo comum, mas que considera e respeita as diferenças individuais. O presente trabalho faz uma abordagem sobre a importância e a necessidade da realização de adaptações por parte das escolas regulares que trabalham em uma perspectiva inclusiva. Os dados apresentados estão relacionados a um dos objetivos de nossa pesquisa de mestrado, que consiste em analisar as adaptações curriculares realizadas por professores dos anos iniciais do ensino fundamental, que trabalham com alunos surdos em classes regulares. A investigação se deu em uma escola pública regular, localizada no município de Assu-RN, tendo como opção metodológica a abordagem qualitativa do tipo etnográfico. Os instrumentos adotados para a coleta de dados foram a observação participante, a entrevista semi-estruturada e a análise de documentos. Na realidade investigada pudemos perceber que os professores e a escola realizavam poucas adaptações para que os alunos surdos conseguissem, de fato, ter acesso ao currículo. Por isso, não se beneficiavam daquilo que é seu direito inalienável na escola, a aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Adaptações curriculares. Inclusão. Alunos surdos. 1 INTRODUÇÃO A educação inclusiva objetiva superar a segregação entre os educandos, possibilitando-lhes o convívio comum, o acesso ao mesmo currículo e idênticas oportunidades educativas, independentemente das características individuais. Consoante essa prerrogativa, encontramos em Stainback e Stainback (1999, p. 21) a compreensão de que “o ensino inclusivo é a prática da inclusão de todos – independentemente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou origem cultural – em escolas e salas provedoras, onde todas as necessidades dos alunos são satisfeitas”. Assim, a inclusão Francileide Batista de Almeida Vieira 5362 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, como é o caso de alunos surdos, requer, por parte dos educadores, uma postura pautada por parâmetros que favoreçam a aprendizagem e o desenvolvimento de todos. O presente texto faz uma abordagem sobre a importância e a necessidade da realização de adaptações por parte das escolas regulares que trabalham numa perspectiva inclusiva, compreendidas não apenas como aquelas que realizam a matrícula de todos os alunos que a buscam, mas àquelas que, tendo estes alunos matriculados, envolvem-se e mobilizam-se para possibilitar-lhes o saber, a fim de que se sintam verdadeiramente integrantes de um grupo comum. O texto é um recorte de nossa pesquisa realizada durante o mestrado, em que buscamos compreender de que modo os professores têm desenvolvido a sua prática pedagógica, numa perspectiva inclusiva, frente a alunos com surdez. A pesquisa teve como opção metodológica a abordagem qualitativa, do tipo etnográfico, respaldados teoricamente em BOGDAN e BIKLEN (1994); MINAYO (1999); ANDRÉ (2005); TRIVIÑOS (1987), dentre outros. Utilizamos, como instrumentos de coleta de dados, a observação participante, a entrevista semi-estruturada e a análise de documentos, tendo como sujeitos quatro professores das séries iniciais do Ensino Fundamental de uma escola pública regular da rede estadual de ensino, localizada no município de Assu-RN. Os dados analisados neste texto se se referem a um dos objetivos que traçamos em nossa pesquisa, que consiste em analisar as adaptações curriculares realizadas tanto em nível escolar quanto pelos professores, visando à aprendizagem dos alunos surdos. 2 PRÁTICA PEDAGÓGICA E ADAPTAÇÕES CURRICULARES A partir das considerações de Zabala (1998), podemos definir a prática pedagógica como uma atividade profissional, educativa, que envolve variáveis, tais como: seqüências didáticas, planejamento, papel do professor e dos alunos, organização social da aula, utilização dos espaços e do tempo, organização do conteúdo, materiais curriculares e outros recursos didáticos, além da avaliação. Todos esses elementos são dotados de uma grande complexidade, tanto em número quanto em grau de interrelações que se estabelecem entre eles, o que requer do professor uma boa formação Francileide Batista de Almeida Vieira 5363 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos para que possa controlar sua prática de uma forma consciente e racional. Mesmo considerando tal complexidade, Zabala (1998, p. 15) diz que “[...] a melhora de qualquer das atuações humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variáveis que intervêm nelas”. No campo educacional, percebemos um aumento significativo, no que se refere ao ingresso de pessoas que têm deficiência aos espaços comuns de educação/ensino, como classes e escolas regulares. Entretanto, tal acesso precisa ser acompanhado – muitas vezes – de adaptações curriculares, como uma estratégia básica para dar resposta à diversidade e para que se possam favorecer os meios necessários à permanência na escola e ao sucesso escolar desse grupo de pessoas. Não obstante, acentuamos que essas adaptações não devem representar uma forma totalmente diferenciada de trabalho educativo, ofertado ao grupo de alunos com alguma deficiência. Ao contrário, a esses educandos deve ser favorecido o mesmo currículo proposto aos demais alunos de sua classe. Para tanto, é necessário acionar os meios que, efetivamente, possibilitem a permanência, com qualidade, do aluno na escola e seu acesso a esse currículo. Entendemos por currículo “o conjunto de experiências (e sua planificação) que a escola, como instituição, põe a serviço dos alunos com o fim de potenciar o seu desenvolvimento integral” (MANJÓN, 1995, p. 53). Sendo uma construção histórica e cultural de cada estabelecimento de ensino, o currículo não pode ser visto como algo fechado ou fixo, mas como um instrumento participativo, resultante das aspirações socioculturais de um determinado grupo, que traduz a importância da diversidade na escola e responda à sua real demanda. Carvalho (1999) aponta que, quando a escola regular não permite o acesso do aluno que apresenta alguma diferença às situações educacionais comuns, ou seja, que são propostas aos demais colegas, pode ocorrer uma série de dificuldades. Sempre que um aluno apresenta necessidades especiais, estas devem ser atendidas por meio do currículo regular, com as devidas adaptações, sempre que se fizer necessário. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999) orientam que as adaptações curriculares constituem possibilidades educacionais de atuação diante das dificuldades de aprendizagem dos alunos. Como já enfatizamos anteriormente, isso Francileide Batista de Almeida Vieira 5364 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos pressupõe a realização de adaptações no currículo comum, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. No que concerne ao currículo escolar, as adaptações referem-se a medidas de ajuste do currículo como um todo, que não necessariamente precisam resultar em adaptações individualizadas. Devem focalizar, especialmente, a organização escolar e os serviços de apoio, que se efetivarão em condições estruturais para que possam ocorrer no nível da sala de aula. No nível individual ocorrerá quando for necessária uma programação específica para o aluno. Essas decisões curriculares devem envolver a equipe da escola para avaliar e identificar as necessidades especiais e providenciar o apoio correspondente para o professor e para o aluno, evitando, ao máximo, transferir responsabilidades de atendimento para profissionais fora do âmbito escolar ou exigir recursos externos à escola. Sobre o desenvolvimento desse currículo na sala de aula, as medidas são realizadas pelo professor e destinam-se, principalmente, à programação das atividades desenvolvidas na classe. Centram-se na organização e nos procedimentos didáticopedagógicos. Essas adaptações têm o objetivo de possibilitar a real participação do aluno e a sua aprendizagem no ambiente da escola regular. Leva-se em conta, também, a organização do tempo, incluindo as atividades destinadas ao atendimento especializado fora do horário normal de aula, quando é necessário ao aluno. Por fim, no nível individual, as adaptações estão relacionadas à atuação do professor na avaliação e no atendimento do aluno. Cabe a ele definir o nível de competência curricular do educando e a identificação de fatores que interferem no seu processo de aprendizagem. Essas adaptações distinguem-se em duas categorias: adaptações de acesso ao currículo e adaptações nos elementos curriculares. As adaptações de acesso ao currículo correspondem ao conjunto de modificações nos elementos físicos e materiais do ensino, como também aos recursos pessoais do professor e seu preparo para o trabalho com os alunos. Já as adaptações nos elementos curriculares referem-se às formas de ensinar e avaliar, como também aos conteúdos a serem trabalhados. Compreendem as alterações realizadas nos objetivos, conteúdos, critérios e procedimentos de avaliação, atividades de metodologias para atender às diferenças individuais dos alunos. Francileide Batista de Almeida Vieira 5365 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos Sassaki (2003) também faz referência à necessidade de adaptação nas salas comuns para proceder à inclusão de alunos com deficiência. Segundo ele, as adaptações devem ser feitas sem ostentação e com muita boa vontade dos profissionais e, de forma alguma, deve-se dar ênfase à deficiência, nem tampouco negá-la. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 Adaptações realizadas em âmbito escolar Na escola investigada, uma das principais adaptações realizadas, que pode ser considerada de grande porte, foi a implantação da Sala de Apoio Pedagógico Especializado, solicitada pela direção. Em decorrência da implantação dessa sala, duas professoras foram designadas para desenvolver suas atividades profissionais, apoiando o trabalho dos demais professores e oferecendo serviços especializados para os alunos que deles necessitam. Outra medida decorrente da implantação da Sala de Apoio foi a aquisição de materiais específicos para a realização de atividades pedagógicas, tais como jogos, dicionários em Libras, vídeos e computador. Uma outra ação concretizada, que pode ser assinalada como adaptação de grande porte, foi a realização do curso de Libras, providenciado e organizado pela direção da escola, com o objetivo de apoiar os professores no desenvolvimento de sua prática. Um aspecto que gostaríamos de acentuar é que, ao analisarmos o PPP da escola, considerado como o documento que traduz a linha filosófica, a missão, as metas e os objetivos traçados pela escola, observamos que ele não contempla nenhuma referência à inclusão escolar de alunos com deficiência. Nesse sentido, registramos que há uma discrepância entre o PPP e a realidade escolar, sentimos que ainda há uma compreensão restrita sobre a relevância de tal documento para a vida da escola. Diante da abertura que a escola tem feito, no sentido de possibilitar o acesso de alunos com deficiência – dentre os quais os alunos surdos – seria indispensável que esta temática estivesse definida claramente, na fundamentação filosófica, na missão, nas metas e nos objetivos traçados pela escola, inclusive com previsão de adaptações necessárias, tanto administrativa, quanto financeira e pedagogicamente. Durante as entrevistas, perguntamos se havia algum trabalho sistemático desenvolvido pela escola, que incluísse a equipe gestora e/ou pedagógica considerando Francileide Batista de Almeida Vieira 5366 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos a presença das alunas surdas como também, de outros alunos com deficiência que se encontravam matriculados. Sobre essa questão, as professoras fizeram as seguintes considerações: Não. Só tem aquela sala de apoio, mas aquela sala de apoio não está funcionando nem pra nós, professores – porque eu acho que também devia ser para nós – e nem para os alunos. Porque é assim... elas dizem que funciona. Eu digo: não, mulher, não diga a mim que funciona, sabe por quê? Porque se ela funcionasse. Eu já pedi. Por que vocês não levam Juliana pra lá, assim como levam outro aluno normal? (Janaina). Mesmo que, durante a fala, a professora Janaina tenha deixado algumas frases incompletas, pudemos inferir, tanto pelo próprio contexto da entrevista, como apoiados por outros elementos percebidos durante as observações, que ela não está satisfeita com a atuação da Sala de Apoio. Na sua compreensão, a referida sala está atendendo somente aos alunos considerados normais, ou seja, aos alunos com dificuldades de aprendizagem, deixando de prestar este serviço aos alunos com deficiência. Em acréscimo, ela acentua que a sala também não está funcionando para os professores, ou seja, não proporciona nenhum tipo de ajuda para que esses profissionais trabalhem com alunos surdos. Ainda sobre o mesmo aspecto, a professora Solange disse que, na escola, não existe nenhuma reunião para estudos e discussões sobre a prática pedagógica desenvolvida em uma perspectiva inclusiva. Quando indagamos se a matrícula das alunas surdas tinha desencadeado a organização de atividades dessa natureza, ela reafirmou que não e acrescentou, ainda, as seguintes considerações: O trabalho pedagógico que é desenvolvido com essa aluna está resumido, aqui, a mim. Porque nesse ano de 2006 é que nós tivemos aquele pequeno curso, mas por iniciativa da diretora, porque ela queria colocar a educação especial aqui. Através disso foi que ela arranjou um professor pra vir. Mas em nenhum momento mais houve (Solange). Em primeiro lugar, queremos esclarecer que a professora se referiu ao curso realizado na escola, sem explicar mais detalhes sobre ele porque sabia que nós tínhamos tido a oportunidade de participar do referido curso. Ela estava se referindo a um curso de Libras realizado durante o mês de maio, na escola. Francileide Batista de Almeida Vieira 5367 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos Ainda sobre a fala da professora Solange, podemos perceber que ela afirma, por mais de uma vez, que não há um trabalho coordenado pela equipe pedagógica, citando apenas as iniciativas da diretora. Mesmo sendo composta por seis professores, a equipe de apoio pedagógico ainda não vem desenvolvendo um trabalho que realmente contribua para a melhoria da prática dos professores. Indagamos, então, sobre o trabalho realizado pela equipe pedagógica, visando contribuir para a melhoria do trabalho inclusivo da escola. Sobre esse aspecto, ouvimos a seguintes afirmações: A gente está deixando ainda muito a pecar neste aspecto. Porque a gente ainda não tem, assim... A gente conversa. Não é semanalmente, está sendo assim, diariamente. Quando o professor chega e diz: olha, eu não estou conseguindo trabalhar com esse aluno, como é que eu faço? A gente, as vezes a gente vai na sala de aula visitar [...]. A gente não pára só com aquela professora. A gente pára quinzenalmente para fazer o planejamento geral da escola, o planejamento diário da turma. Agora nesse planejamento, também é perguntado, o que eu faço com aquela criança? E a gente conversa. A gente ajuda assim, de acordo com as possibilidades da gente (Jeane). Não. A gente não tem assim, digamos, planejamentos só pra isso, e estudos, grupo de estudos só pra essas coisas não. A menina da DIRED, ela vem, ela dá apoio na Sala de Apoio Pedagógico, ela nos ajuda nos nossos planejamentos e, no caso, caberia aos professores da sala de apoio, dá esse apoio aos outros professores. Mas não em termos, assim, de dar estudos. Porque a gente também não sabe tannnto pra dar estudos (Cristina). Assim, identificamos que tanto a professora Cristina, que atua na Sala de Apoio Pedagógico Especializado, como a professora Jeane, que compõe a equipe de supervisão, confirmaram que não existe, na escola, um trabalho sistemático que contribua para a superação das dificuldades que surgem no cotidiano da escola, principalmente no tocante ao trabalho empreendido pelas professoras que têm alunos com deficiência incluídos nas suas salas de aula. Entretanto, sabemos que esse trabalho precisa ser aperfeiçoado, pois não poderia se dar da forma espontânea como elas narraram, conforme pudemos observar no período da pesquisa. Ficou claro que não há reunião para a discussão de tais questões e que, quando uma professora se sente angustiada, procura a supervisora, sendo que esta vai à sala procurar saber o que a professora está precisando, oferecendo ajuda, de acordo Francileide Batista de Almeida Vieira 5368 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos com suas possibilidades. Seria importante que a equipe de apoio pedagógico proporcionasse condições para um aprofundamento teórico-prático, e procurasse atuar de uma forma mais sistemática, dialogando com todos os professores e os demais profissionais da educação que atuam na escola, já que o trabalho coletivo e a colaboração, envolvendo o maior número de profissionais da escola e até agentes externos, têm sido apontados como excelentes estratégias para o sucesso da educação em uma dimensão inclusiva. Para tanto, é necessário que haja muita reflexão sobre concepções e atitudes relativas à inclusão, que deverão culminar com a adoção de uma nova visão sobre o trabalho escolar, a aprendizagem e os aspectos sociais relativos à educação de todos os alunos, inclusive daqueles que têm deficiência. Para a conquista da mudança apontada, torna-se necessária a criação de espaços para que todos os profissionais tenham a oportunidade de se reunir, de discutir as questões que se colocam como dificuldades no exercício de sua prática cotidiana. 3.2 Adaptações realizadas em sala de aula As medidas adaptativas realizadas em sala de aula são feitas pelo professor e se referem, principalmente, à programação das atividades cotidianas tais como a organização dos alunos e distribuição do mobiliário, os procedimentos didáticopedagógicos, o modo de trabalhar, ou seja, como fazer na prática pedagógica, a organização temporal dos componentes curriculares e dos respectivos conteúdos, bem como o uso de materiais didáticos e os procedimentos adotados para a avaliação. Com base em tais considerações, procuramos saber se as professoras costumavam realizar adaptações em suas salas de aula, considerando a presença de alunos surdos, como também que tipo de adaptações eram realizadas. Por tratar do trabalho desenvolvido nas salas de aula, este item contém somente análises das falas das professoras que nelas atuam, sendo que as duas professoras que exercem outras funções se fazem presentes nas demais partes do texto. No que se refere ao planejamento, interpretamos que não existe um trabalho coletivo para discussão nesse sentido. Sobre esse item, buscamos identificar que medidas adaptativas são previstas por elas no planejamento diário e obtivemos as seguintes informações: Francileide Batista de Almeida Vieira 5369 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos Cada um faz o seu planejamento, mas tem o planejamento geral. Elas sentam com a gente e a gente faz, cada um faz o seu. Elas querem que faça o diário e a gente faz. Agora, só em termos...para o aluno deficiente, não. Só o geral (Janaina). Fazer um planejamento exclusivo, assim...pra ela, numa aula de Ciências, de Geografia, não.[...] Agora, eu procuro assim...na hora da aula eu explico, explico pra eles, mas aí eu me volto pra ela, mando que os meninos batam, assim, nela que é pra ela olhar pra mim e eu poder ficar falando com ela, mostrando o que é que eu estou falando. Fazer a chuuuva, sabe? Tudo eu venho mostrando pra ela (Solange). Da mesma forma que não há um trabalho em âmbito escolar para que o planejamento contemple ações diferenciadas para os alunos surdos, as professoras que têm essas alunas em suas classes também afirmam que não fazem adaptações em seu planejamento. A professora Janaina diz que cada uma faz o seu planejamento diário, sendo que o planejamento anual e os bimestrais são feitos de forma coletiva, com a participaçao da equipe pedagógica. Entretanto, deixa claro que, mesmo nesses momentos em que ocorrem os planejamentos coletivos, não são discutidas e nem pensadas atividades específicas para os alunos com deficiência, restringindo-se à elaboração de atividades gerais para toda a turma. Por outro lado, a professora Solange diz que, no momento da execução do planejamento, ou seja, durante a aula, tenta fazer adaptações que, segundo o nosso entendimento, ocorrem através da exploração do sentido da visão, pelo uso de mímicas e de gestos, como no exemplo da chuva citado por ela. Enquanto falava “chuva” ela fazia o gesto com a mão aberta em movimento de cima para baixo, encenando a forma como a chuva cai. Em relação à inexistência de um planejamento que contemple adaptações curriculares para as alunas surdas, compreendemos ser um fator bastante negativo na prática das professoras, considerando a perspectiva inclusiva. Fazemos tal afirmação a partir das contribuições de Zabala (1998), quando aborda a necessidade da unidade que deve existir entre todas as variáveis que compõem a prática educativa; para ele, o que ocorre na aula deve ser examinado na própria interação entre todos os elementos que nela interferem. Em acréscimo, argumenta que, dentro de uma perspectiva dinâmica, para que uma prática seja considerada reflexiva, não pode ser reduzida ao momento em que são produzidos os processos educacionais na aula. Francileide Batista de Almeida Vieira 5370 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos Ainda segundo Zabala (1998, p. 17), a [...] intervenção pedagógica tem um antes e um depois que constituem as peças substanciais em toda prática educacional. O planejamento e a avaliação dos processoes educacionais são uma parte inseparável da atuação docente, já que o que acontece nas aulas, a própria intervenção pedagógica, nunca pode ser entendida sem uma análise que leve em conta as intenções, as previsões, as expectativas e a avaliação dos resultados (grifos do autor). Como explicitamos anteriormente, compreendemos ser de grande relevância para a melhoria da prática pedagógica inclusiva o cuidado e a atenção para a realização das adaptações, que deveriam ocorrer desde o planejamento. Nas propostas de atividades para a turma, seria necessário o cuidado com a presença de alunos com deficiência, principalmente quando se trata de alunos surdos que demandam uma forma de comunicação diferenciada, para que todos sejam contemplados na programação. Por outro lado, tratando de adaptações referentes à metodologia, ouvimos as seguintes declarações: Não. Se eu for fazer uma tarefa que envolva Juliana, eu tenho que me voltar somente para ela [...]. Pra os outros vai ser uma tarefa normal, mas aí, ela recebe aquela tarefa normal e eu vou ficar só acompanhando [...], eu vou trabalhar com ela mais delicadamente porque eu vou ter que ir pra frente dela, vou ter que falar com ela, vou ter que mostrar a ela, porque ela não pode ficar solta (Janaina). Adaptação mesmo, não. Mas eu procuro levar um recurso que ela possa ver, entender. E eu procuro falar com ela na hora que eu estou explicando, dizendo a ela na hora que eu estou explicando, dizendo a ela o que é que eu estou falando, e mostro na figura. E vou assim, tentando incluí-la, e ela faz os gestos de aprovação, que entendeu.[...] se eu for dá uma aula de Ciências ou de Geografia eu tenho que levar um recurso visual em consideração a ela. E aos outros também, porque todo mundo gosta, né? (Solange). Percebemos, no depoimento das duas professoras, a afirmação inicial de que elas não fazem adaptações. Entretanto, logo em seguida, descrevem algumas atividades e posturas que desenvolvem, no intuito de possibilitar àquelas alunas o acesso ao conhecimento, que representam tentativas – embora ainda incipientes – na busca de construir alguns caminhos para dar respostas às necessidades das alunas. Francileide Batista de Almeida Vieira 5371 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos Um aspecto que consideramos relevante, na fala da professora Solange, diz respeito aos recursos visuais que ela utiliza em consideração à presença de Vitória, e complementa dizendo que todo mundo gosta, pois eles tornam a informação que procura transmitir mais acessível para a turma toda. Esse fato comprova o que já foi dito por Sassaki (2003), quando aponta os benefícios da educação inclusiva para todos os estudantes e não apenas para aqueles que apresentam deficiências. Ao indagarmos a respeito da realização de atividades em grupo, na entrevista, ela declarou: É porque não são muitos. Só é ela. É pior ainda. Porque se fossem mais, dois, três. Aí eu poderia juntar eles três, fazer um grupo [...]. Quem sabe se iam se relacionar melhor. Só que é só ela. Aí fica mais difícil por isso, porque fica só ela. Aí é que é trabalhoso a gente trabalhar ela (Janaina). Pelo exposto, entendemos que a professora gostaria de formar um grupo isolado em sua sala de aula, constituído apenas por alunos que apresentam a mesma deficiência. Isso reflete o tratamento diferenciado que ela dispensa a Juliana, em virtude de suas características diferenciadas. Podemos inferir que Janaina não incentivava a colaboração dos pares, ou seja, a atuação dos colegas que não apresentam limitações sensoriais, como se não fosse possível o trabalho coletivo entre os considerados “normais” e aqueles que têm alguma deficiência. Dessa forma, ela parece sugerir a criação de uma espécie de “minissala” especial dentro da sala comum, dita inclusiva. Embora durante nossos contatos nas salas de aula tenhamos presenciado pouco uso de materiais específicos, que facilitassem a aprendizagem das alunas surdas, como também dos demais alunos, nos diversos componentes curriculares, consideramos necessário ouvir o ponto de vista das professoras a esse respeito, uma vez que não estivemos observando a prática por elas desenvolvidas durante todo o ano letivo. Perguntamos, inicialmente, se as professoras consideravam necessário o uso de recursos específicos para trabalhar pedagogicamente com alunos surdos, e o que seria necessário, nesse sentido, para melhorar o processo de ensino, mediante a inclusão desses alunos: Quem tem essa deficiência precisa de material, por exemplo, esse material que eu já disse. Porque ela não escuta, aí ela precisava saber Francileide Batista de Almeida Vieira 5372 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos alguma coisa em Libras, ter material específico pra ela, é preciso (Janaina). Eu acho que teria que fazer, por exemplo, a questão do dominó, que é importante. Recursos, cartazes, historinhas que você pudesse trabalhar, no dia-a-dia a ordem, a seqüência lógica...Isso aí seria muito importante pra trabalhar com eles, dentre outras coisas (Solange). Com base nas afirmações das professoras, entendemos que elas consideram indispensável a utilização de recursos materiais específicos no processo de ensino que se destinem a alunos surdos. De fato, uma das importantes variáveis da prática educativa compreende materiais curriculares e outros recursos didáticos que possam contribuir para a melhoria de tal prática. Segundo Zabala (1998), os materiais curriculares são meios que ajudam os professores a oferecer respostas aos reais problemas que surgem nas diferentes fases de planejamento, execução e avaliação do processo de trabalho pedagógico, o que pode ser ampliado quando se refere a propostas mais especificamente direcionadas, como por exemplo aquelas elaboradas para alunos com necessidades educativas especiais. É importante que tenhamos como princípio a necessidade de organização e estruturação da instituição escolar para que ocorra a inclusão de qualquer pessoa com reais possibilidades de inserção no contexto educacional, a que todos os homens têm direito. Se não houver esse cuidado, incorreremos no erro de pensar que o aluno surdo é incapaz de aprender na escola regular, quando, na verdade, a escola deve se adequar para incluí-lo, o que deve acontecer, também, com relação às demais pessoas que têm necessidades diferenciadas. O Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005), estabelece que a educação de surdos no Brasil deve ser bilíngüe, ou seja, deve envolver pelo menos duas línguas no processo educacional. Segundo Quadros e Schmiedt (2006), a forma de organização da educação bilíngüe varia bastante, de acordo com as decisões político-administrativas de cada estado, que define as regras para a sua implementação. Na grande maioria, o critério adotado é o uso da Língua Brasileira de Sinais como primeira língua e, portanto, como a língua de instrução, e a Língua Portuguesa trabalhada como a segunda língua. Entretanto, em alguns estados ou localidades, os professores desconhecem Libras e as escolas não têm estrutura ou recursos humanos para garantir aos alunos surdos o acesso a essa língua essencial para a sua formação. Francileide Batista de Almeida Vieira 5373 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos Tal realidade ainda se faz presente na escola investigada. Das quatro professoras participantes desta pesquisa, apenas uma possui alguma noção de Libras, da qual fazia uso na sala de aula. Mesmo tendo participado de cursos de Libras, embora de curta duração, as demais professoras não conseguiam, ainda, introduzir essa forma de comunicação nas suas práticas pedagógicas. Com relação à utilização dos referidos materiais, gostaríamos de retomar a experiência da professora Solange, que confeccionou dominós para, através deles, fazer a avaliação da competência em leitura pela aluna Vitória, incluída na sua sala de aula. Tal fato já foi descrito no item que trata das estratégias apontadas pelas professoras como facilitadoras da aprendizagem de tais alunos, em que foi defendida a necessidade de realização de atividades diferenciadas. Nesse sentido, embora acumulem-se inúmeras tarefas a serem cumpridas na sala de aula e fora dela, e exista bastante material disponível, apontamos a atitude da professora como um aspecto muito positivo dentro do contexto de uma escola que se propõe a ser inclusiva. Ela revela a iniciativa criativa e reflexiva que deve ser inerente aos professores frente aos problemas que se colocam no cotidiano das escolas. A professora Janaina, por sua vez, queixou-se de que a escola não dispõe desses materiais, embora tenhamos constatado a existência de alguns jogos e livros adequados ao trabalho com alunos surdos, adquiridos pela escola, principalmente após a criação da Sala de Apoio Pedagógico Especializado, conforme afirmamos anteriormente. Com base nas idéias de Zabala (1998), podemos argumentar que o fato de fazermos uso de materiais elaborados por outras pessoas, como aqueles que chegam prontos à escola, não significa uma dependência total e nem a incapacidade de produzirmos os materiais de que precisamos, segundo os nossos objetivos e metas de trabalho. Nesse mesmo sentido, Quadros e Schmiedt (2006) dizem que os recursos didáticos a serem utilizados na educação de surdos são inúmeros e variados e que a criatividade do professor é, sem dúvida, um aspecto que faz toda a diferença. Diante das necessidades do aluno para acessar a informação de uma forma mais plena no dia-a-dia da escola, muitos recursos surgem: fichário, dicionário Libras/Português, caixa de gravuras, caixa de verbos, caixas com histórias em seqüência, diário coletivo, cartaz de aniversário, mural Libras/Português, canto da leitura, dentre outros. Elas alertam, ainda que, muitas vezes, esses recursos não se encontram prontos para serem adquiridos, o Francileide Batista de Almeida Vieira 5374 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos que pode ocorrer tanto pela sua especificidade, quanto pelas limitações financeiras de muitas escolas e professores. Segundo as autoras, é bastante comum entre os professores a angústia gerada pela falta de material, por isso é muito importante o trabalho coletivo no que diz respeito à discussão, elaboração e divulgação de recursos didáticos. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora, no Brasil, as políticas e os documentos venham orientando que a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais deve ser dada, preferencialmente, nas escolas e classes regulares, percebemos que muitas escolas ainda não se encontram preparadas para possibilitar o atendimento educacional especializado aos alunos com necessidades específicas, como é o caso dos alunos surdos. As adaptações realizadas nas salas de aula estavam mais relacionadas à postura das professoras, que procuravam falar de frente para as alunas, a fim de que estas pudessem compreendê-las pela leitura labial, o que é insuficiente para garantir a aprendizagem. O apoio dos colegas não vinha sendo potencializado, uma vez que o trabalho cooperativo não foi utilizado como estratégia de ensino. Sobre esse aspecto, trazemos algumas considerações de Stainback e Stainback (1999), quando advertem que a escola deve desenvolver um trabalho que ultrapasse a tradicional aprendizagem acadêmica básica, primando, em seu currículo, pelos aspectos relativos a atitudes, interesses e habilidades que os alunos utilizarão durante toda a vida. Sem dúvida, o processo educativo desenvolvido para alunos surdos requer, prioritariamente, como principal adaptação, a provisão de um profissional habilitado em Libras, para que eles usufruam o direito de adquiri-la, uma vez que é a língua do surdo. O ensino da Língua Portuguesa, bem como dos demais componentes curriculares, pressupõe a aquisição da Língua Brasileira de Sinais (QUADROS; SCHMIEDT, 2006). Em acréscimo, outras possibilidades de adaptações curriculares se referem ao uso de textos escritos, complementados com elementos que favoreçam a sua compreensão, tais como linguagem gestual, mímicas e outros. Podem, ainda, ser utilizados materiais visuais e de apoio, que favoreçam a apreensão das informações expostas verbalmente. É importante frisar que as adaptações curriculares não podem ser percebidas como um currículo modificado e empobrecido para que os alunos que apresentam Francileide Batista de Almeida Vieira 5375 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos limitações possam cumprir etapas acadêmicas. Pelo contrário, com base nas ideias de González (2002), compreendemos as adaptações curriculares como afirmações conceituais que dão sustentação à necessidade de um currículo comum, como resposta curricular à diversidade, bem como de respeito pelas diferenças individuais, cujo ponto de partida encontra-se na garantia de um currículo único para todos os alunos. Nessa perspectiva, a intervenção pedagógica está centrada na capacidade de aprendizagem do aluno incluído, conforme suas características individuais, deixando, portanto, de considerar apenas as diferenças como fator de incapacidade. REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. 12. ed. Campinas: Papirus, 2005. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: adaptações curriculares. Brasília: MEC/SEF/SEESP, 1999. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. CARVALHO, Erenice Natália S. de. Adaptações curriculares: uma necessidade. In: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. Educação Especial: tendências atuais. Salto para o Futuro. Brasília: MEC/SEED, 1999. GONZÁLEZ, José Antonio Torres. Educaçao e diversidade: bases didáticas e organizativas. Traduçao de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002. MANJÓN, D. G.; GIL, J. R.; GARRIDO, A. A. Adaptaciones curriculares: guía para su elaboración. Coleción Educación para la diversidad. Granada: Aljibe, 1995. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/Abrasco, 1999. QUADROS, Ronice Muller de; SCHMIEDT, Magali L. P. Idéias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC/SEESP, 2006. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 5. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003. Francileide Batista de Almeida Vieira 5376 Adaptações Curriculares: uma necessidade para a inclusão escolar de alunos surdos STAINBACK, Susan; STAINBACK, Willian. Inclusão: um guia para educadores. Tradução de Magda França Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998. Francileide Batista de Almeida Vieira 5377 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” PEDAGOGIA FREIREANA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA – REPENSANDO OS SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA DOCENTE Geiza Maria Cavalcante Brasil JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente PEDAGOGIA FREIREANA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA – REPENSANDO OS SABERES NECESSÁRIOS À PRÁTICA DOCENTE Geiza Maria Cavalcante Brasil1 RESUMO: O presente trabalho é um estudo de cunho bibliográfico sobre a relação entre a visão e proposições da educação inclusiva e o pensamento de Paulo Freire. Tem o propósito de apontar aproximações entre a pedagogia freireana e a educação inclusiva, no âmbito das condutas necessárias à prática docente no convívio do quotidiano educativo. Visa contribuir para o delineamento das características desse educador inclusivo, tomando por base alguns teóricos da educação inclusiva, bem como os saberes apontados por Freire como necessários à prática docente. Busca facilitar a aproximação de educadores de uma forma geral a essas idéias e práticas, de modo a reafirmar a importância do papel da formação do educador e para fortalecer a visão de que a educação deve ser de fato inclusiva. Pois a realidade social se apresenta mediada pelas relações interpessoais, onde o respeito à diversidade, deve ser incentivado e cultivado desde cedo por meio da convivência na escola. PALAVRAS-CHAVE: Educação Inclusiva, Pedagogia da Autonomia, Prática Docente, Pedagogia Freireana. ABSTRACT: This article present as a bibliographic study about the relation between the vison and propose of the inclusive education and the Paulo Freire’s thought. Have as a propose to point approaches between Freire’s pedagogy and inclusive education in the scope of the necessary characteristics to the practical professor in the conviviality of the educative quotidian. It aims at to contribute for delineation of characteristics of this inclusive educator, taking for base some inclusive education’s theorists, as well as the knowledge pointed for Freire as necessary for practical professor. Search to facilitate the approach of edutators of a general form to these practical and ideas, in order to reaffirm the importance of the paper of the formation of educator an to fortify the vision of this education must be really inclusive. Therefore, the social reality presents mediated for the interpersonal relations. Where to respect to the diversity, since early it must be stimulated by means of the conviviality in the school. KEY-WORDS: Inclusive Education, Knowledge for Educational Practice, Freire’s pedagogy. 1 Aluna concluinte do I Curso de Especialização em Psicologia na Educação do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais do Centro de Educação da UFPE, Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela UFPE, Professora da Rede Municipal de Jaboatão dos Guararapes. [email protected] Geiza Maria Cavalcante Brasil 5381 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente Introdução A escolha do pensamento de Paulo Freire como contribuição teórica para a reflexão sobre o objeto de estudo da Educação Inclusiva (a ser definida mais adiante), ocorreu durante o período de atuação da autora no Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas da Universidade Federal de Pernambuco, com as leituras e diálogos sobre sua obra e a sua contribuição para o re-pensar a postura do educador de maneira distinta daquela que considera o papel do professor, numa visão vertical, como o detentor do saber e o aluno recipiente. No curso desta pesquisa toma-se como norte os princípios da Educação Inclusiva apresentados por vários autores como Mantoan (2002a; 2002b), Karagiannis, Stainback & Stainback (1999), Carvalho (2003; 2004), buscando apontar as suas contribuições para auxiliar na compreensão de um objetivo principal: evidenciar e delimitar os saberes e qualidades necessárias aos educadores para a atuação efetiva na prática docente inclusiva. Foram focalizados textos freireanos como aporte bibliográfico para a formação de educadores populares. O que permitiu ao presente estudo de cunho bibliográfico apontar as confluências entre estudos teóricos sobre Educação Inclusiva e mostrar quais os saberes profissionais necessários à prática docente inclusiva, à luz do pensamento do educador Paulo Freire, tomado como referência os saberes docentes indicados na sua obra Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 2003). Este estudo tem como propósito contribuir para a reflexão sobre a Inclusão, na perspectiva da Pedagogia de Paulo Freire, bem como explicitar e analisar mediante a Educação Inclusiva, os principais saberes, atributos e qualidades necessários aos educadores segundo a proposta freireana voltada a efetivar a referida Inclusão na prática da escola. A decisão pela obra Pedagogia da Autonomia como principal aporte deste trabalho deu-se, sobretudo, devido à forma sintética com que o autor expõe seu pensamento sobre as questões voltadas para formação do educador e os saberes necessários para a sua atuação eficaz na educação numa perspectiva progressista. Nesta obra, Freire assinala que o seu intuito é refletir sobre a formação de professores e sobre a importância dos saberes que devem fazer parte dessa formação e prosseguir com o educador por toda sua atuação, e como o próprio autor coloca, muitas das características Geiza Maria Cavalcante Brasil 5382 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente aí apontadas não são exclusivamente pertencentes aos que se dedicam a educar nesta perspectiva progressista. Pois ao se pesquisar a bibliografia de Freire fez-se clara uma convergência entre a visão progressista freireana sobre o educador e os saberes que, segundo o autor, são necessários, para se apontar as qualidades evidenciadas por meio do diálogo entre a obra freireana e a Educação Inclusiva. Este estudo busca destacar os principais saberes profissionais necessários à prática docente inclusiva bem como evidenciar e discutir as confluências entre o pensamento de Freire e as necessidades apontadas nos estudos teóricos sobre a Educação Inclusiva. De acordo com o Seminário Internacional do Consórcio da Deficiência e do Desenvolvimento (International Disability and Development Consortium - IDDC) sobre a educação inclusiva, realizado em março de 1998 em Agra na Índia (1998), Educação Inclusiva é a ampliação da participação de todos, onde se reconhece que todo o educando pode aprender. Se respeita e reconhece diferenças entre os educandos (quanto à idade, sexo, etnia, língua, deficiência/inabilidade, classe social, estado de saúde ou qualquer outra condição). Oferecendo estruturas, sistemas e metodologias de ensino que atentam as necessidades de Todos, ao passo que faz parte de um plano maior que objetiva promover uma sociedade inclusiva. Não deve se limitar por por falta de recursos materiais nem salas de aula numerosas. Após o IDDC (1998), no ano de 2000 esta definição foi incorporada quase que literalmente, no Relatório Branco Sulafricano sobre educação inclusiva. (South African White paper on inclusive edutation). (SASSAKI, 2005) De pronto, Escola inclusiva diferencia-se substancialmente da instituição escolar homogeneizadora e homogeneizante a que a população está habituada. Define-se aqui escola inclusiva como aquela em que cada pessoa participante encontra-se aberta a conviver com o outro, que não exclui ninguém de suas classes, onde a convivência e as relações não discriminam as pessoas permitindo a aceitação mútua e simples entre elas. Nesse convívio da escola inclusiva, Todos são beneficiados. Este Todos, com T maiúsculo, se distingue do “todos” da linguagem comum onde nem sempre cabem verdadeiramente todos. Esta convivência, por sua vez, deve ser marcada pela busca do melhor caminho para Todos, pois dentro de um ambiente onde deve ser privilegiada a Geiza Maria Cavalcante Brasil 5383 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente construção de sujeitos críticos, éticos e cidadãos, a convivência com a diferença deve ser tão privilegiada quanto o é o conhecimento. A transição para esta Educação Inclusiva não pode ocorrer apenas no tocante a estrutura física, administrativa ou técnica, mas, na sua base filosófica, que deve ser difundida em sua totalidade e expressa na prática, nas situações mais simples. O presente estudo e suas proposições finais não constituem um parecer a ser imposto ou um perfil de condutas a serem seguidas sem a requerida reflexão sobre a realidade e personagens a que se aplica; é seu intuito, sim, contribuir como subsídio inicial para a formação reflexiva de professores que desejem e se disponham a compreender a relação entre as características do educador apontado por Freire e as do educador disponível e sensível à Educação Inclusiva. Revisão Bibliográfica É importante de pronto ressaltar neste estudo, a importância da compreensão do conceito de Inclusão como sendo a capacidade de entender e reconhecer o outro através da vantagem do compartilhamento e convivência com pessoas diferentes de nós. (MANTOAN, 2002). De acordo com Sassaki (2005) o paradigma da Inclusão surge através de uma organização não-governamental criada por pessoas com deficiência em 1981, a Disabled Peoples’ International (DPI), desde então vários documentos foram redigidos sobre o tema. Mas, apenas no início dos anos 90 é que esse paradigma ganha força no âmbito da educação. A Educação Inclusiva de acordo com a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) afirma que pessoas com necessidades educacionais especiais (PNEE) são todas as crianças e jovens cujas necessidades decorrem de sua capacidade ou de suas dificuldades de aprendizagens. Esta Declaração foi a primeira declaração a tratar em todo o seu texto sobre a educação inclusiva. Ela foi aprovada por aclamação na Espanha, na cidade de Salamanca em 10 de junho de 1994. Pelo texto desse documento diversos grupos de crianças experienciam variadas dificuldades de aprendizagem e têm, portanto, necessidades educacionais especiais em algum momento de sua escolarização. O direito à educação é independente das diferenças individuais. Geiza Maria Cavalcante Brasil 5384 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente Consta da referida Declaração (UNESCO,1994), o propósito de recordar “que a educação para as pessoas com deficiência deve ser assegurada como parte integrante do sistema educativo”, compreendendo-se a educação como vinculada a este sistema, pois este é um direito fundamental; enfatiza que devem ser dadas a todas as pessoas, oportunidades de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem, respeitando suas características, interesses, capacidades e ainda suas necessidades, no ensino regular, através de adequação, numa pedagogia centrada na criança. Trata-se então, não apenas da macro-esfera educacional, mas principalmente das influências das relações existentes dentro de seu menor e mais importante cenário, a sala de aula, onde evidentemente, as práticas inclusivas são efetivadas e tangíveis: todas as ações pedagógicas aí desenvolvidas devem ser construídas e legitimadas a partir da postura da prática docente assumida pelos educadores que nela atuam. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 9.394 de dezembro de 1996, afirma que é direito de Todos o acesso a educação, garantindo ainda que esse processo deva ser mediado por profissionais com especialização adequada, formados inicialmente e/ ou capacitados para atuar com e integrar esses alunos nas classes comuns. (p.3) Essa afirmação do direito social à Educação vem corroborar o que indica a Constituição Federal Brasileira de 1988 em seu Título III, DO DIREITO À EDUCAÇÃO E DO DEVER DE EDUCAR, artigo 4º, inciso III (1998, p.41), que diz: “Educandos com necessidades especiais são aqueles que possuem necessidades incomuns e, portanto, diferentes dos outros alunos no que diz respeito às aprendizagens curriculares compatíveis com suas idades”. Segundo esse documento, estes educandos precisam de recursos metodológicos e pedagógicos apropriados. Mas, estes recursos devem ser aplicados não necessariamente em um modelo segregacional, e sim, preferivelmente, em sala da rede regular de ensino. Esse direito à educação, consta ainda do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 1990), onde é tratado como sendo um direito fundamental de todos os sujeitos. (2007, p.47 ? ). A Declaração de Washington, documento publicado pelos líderes do Movimento Vida Independente e daquele dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, representantes dos 50 países participantes do encontro “Perspectivas Globais em Vida Independente para o Próximo Milênio”, realizado entre 21 e 25 de setembro de 1999, Geiza Maria Cavalcante Brasil 5385 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente em Washington, DC, USA, em celebração às conquistas mundiais do Movimento Vida Independente, também trata de Educação Inclusiva como um princípio igualitário para promoção humana, onde existam iguais oportunidades de emprego, tecnologias, acessibilidade de transporte e do meio ambiente. A Declaração de Sapporo, documento da UNESCO aprovado em 18 de outubro de 2002 por 3.000 pessoas, em sua maioria com deficiência, representando 109 países, por ocasião da 6ª Assembléia Mundial da Disabled Peoples Internacional – DPI, realizada em Sapporo no Japão, defende que desde cedo a convivência de Todas as crianças na escola trazem benefícios recíprocos: A participação plena começa desde a infância nas salas de aula, nas áreas de recreio e em programas e serviços. Quando crianças com deficiência se sentam lado a lado com outras crianças, as nossas comunidades são enriquecidas pela consciência e aceitação de todas as crianças. Devemos instar os governos em todo o mundo a erradicarem a educação segregada e estabelecer uma política de educação inclusiva. (UNESCO, 2002). A partir dessas afirmações documentais compreende-se como a Educação Inclusiva é algo mais amplo e fundamental para a construção do sujeito. Que esta não seja apenas compreendida como processo de desenvolvimento da intelectualidade, mas, como uma postura política e de atuação cidadã e, sobretudo na relevância do papel da escola como espaço de oportunidades para Todos. A Educação Inclusiva De acordo com pesquisas realizadas nos Estados Unidos por HUNT, STAUB, AWEL & GOETZ (1994, p. 40) indica que: “They concluded general education students who worked with peers who had severe disabilities saw no adversed effects on their level of academic achievement.”. HELMSTETTER and Colleagues (1994), “found that inclusion help general education students develop positive attitudes towards classmates with disabilities”. (HELMSTETTER & colleagues,1993 Apud BARBOSA, 2009) E ainda a pesquisa de STAUB & PACK (1994) realizada em escolas onde existe a experiência da inclusão, tem demonstrado que os ganhos com essa convivência são experienciados não apenas pelo aluno, mas por todos os que estão envolvidos no Geiza Maria Cavalcante Brasil 5386 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente processo de inclusão, pois, os alunos ganham no desenvolvimento da convivência com a diversidade social, aprendendo a conviver com a diferença e que estes tornam-se mais sensíveis a outras questões de discriminação existentes na sociedade. Sobre esses fatos é importante ressaltar que diversas pesquisas já realizadas anteriormente demonstram a riqueza da convivência em grupos comuns, desde a mais tenra infância, estabelecendo relações entre indivíduos, como a pesquisa realizada por Helmstetter, Peck e Giangreco (1994) onde entrevistaram 166 alunos de escolas americanas que conviviam em classes inclusivas e destacaram as principais habilidades que foram desenvolvidas com esta convivência. Em outra pesquisa Giangreco e seus colegas (1993) entervistaram 19 professores de salas de aula regulares que tinham no mínimo um aluno com "necessidades especiais" em suas classes. Estes professores afirmaram que os alunos diagnosticados com "necessidades especiais" aumentaram suas capacidades de atenção, de comunicação e de participação em atividades educativas em um espaço de tempo consideravelmente menor do que se estes fossem educados em salas de aula segregadas – especiais. Para Stainback & Stainback (1999), que conceituam educação inclusiva partindo da premissa de que a sociedade é composta por uma imensa variedade de seres humanos e que a escola é um contexto social no qual todos tem direito ao acesso. É nela (a escola) que se dá o processo de ampliação das relações sociais entre os sujeitos bem como, as regras para esta convivência social mais ampla, não sendo possível, portanto, não contemplar em seus espaços a diversidade. Os autores apresentam um levantamento dos ganhos que cada um dos segmentos escolares recebe ao se incluírem de fato, em sala de aula, alunos com deficiência, e que com a inclusão todos os alunos ganham ao desenvolver, em si próprios, diversas qualidades importantes reciprocamente, não apenas para a vida acadêmica como também para a própria convivência em sociedade, pois os valores criados nesses grupos vão formar o indivíduo para a vida em sociedade. Mas não obstante isso, está a importância de todos os segmentos da escola contribuirem para a efetivação da inclusão, sobre isso destacamos o que afirma Daniel Geiza Maria Cavalcante Brasil 5387 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente Sage (1999) sobre o papel do diretor como apoio principal do professor que apresenta pensamentos e ações cooperativas a serviço do processo de inclusão que É comum que os professores que tentam a inovação e assumem riscos sejam encarados de forma negativa e com desconfiança pelos pares que estão aferrados aos modelos tradicionais. O diretor é de fundamental importância na superação dessas barreiras previsíveis e pode fazê-lo através de palavras e ações adequadas que reforçam o apoio aos professores. (p.138) Ainda sobre a formação dos profissionais ressaltamos que, o que está em questão no ensino inclusivo não é se os alunos devem ou não receber, de pessoal especializado e de pedagogos qualificados, experiências educativas apropriadas, ferramentas e técnicas especializadas, das quais necessitam. A questão está em oferecer a esses alunos os serviços dos quais necessitam, mas em ambiente integrado, e em proporcionar aos professores atualização de suas habilidades. Apontando para a relevância da convivência entre pessoas diferentes, e mais enfaticamente, entre educandos diferentes, é um ganho para o próprio grupo, que será mais predisposto à tolerância, ao respeito à diversidade, e sobretudo, no tocante à aprendizagem, auxiliará estes indivíduos de forma ampla, cultural, social, pedagógica e humanista. Este convívio traz a contribuição das relações de troca entre os sujeitos e produz conhecimento individual, que lhe servirão socialmente ao longo da vida. (CARVALHO, 2001; MANTOAN, 2001). O modelo escolar que é pautado por classificar seus alunos num modelo bipolar de quem sabe e quem não consegue ou não sabe fazer, e como este segundo sendo ‘menos’ valorizado na classificação, vem cada vez mais reforçando a exclusão e o fracasso escolar que comumente acompanham estes educandos e culpabiliza a eles próprios imputando-lhes a responsabilidade por este fracasso. (MENEZES, 2008) Pois, para esta escola, o aluno deve se “adequar às fôrmas” que modelam os sujeitos que ali se encontram, e ao passo que estes sujeitos não se adequem as fôrmas, são excluídos do processo, – lembrando assim mito do leito de Procusto – acumulando consigo fracassos em diversos campos, mas principalmente o rótulo de “incapaz”. Mas, esta escola, que não analisa sua própria postura em relação a responsabilidade na formação do educando, não percebe que o princípio motriz do problema pode estar na Geiza Maria Cavalcante Brasil 5388 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente própria forma em que o aluno foi inserido, isto é, através de sua metodologia, da organização escolar ou ainda no próprio currículo inadequado. A educação aqui concebida refere-se a uma educação para Todos, independentemente de seu talento, necessidade ou origem. A construção da escola inclusiva dá-se horizontalmente, referendada por disponibilidades sociais de todas as esferas, pois, a escola e as salas de aula inclusivas são o locus onde as necessidades de aprendizagem dos alunos deverão ser satisfeitas. (STAINBACK & STAINBACK,1999). É efetivamente na escola que muitas das aprendizagens humanas ocorrem, daí a importância de também nela se aprender a conviver com a diferença, levando de fato a criança a se sentir incluída no grupo social. A razão mais importante para a inclusão é o valor social, é a criança sentir-se integrada no seu grupo, com todas as condições de aprendizagem, apesar da diferença, sentir-se valorizada. O desejo da inclusão está justamente em como atender e facilitar seu aprendizado. A arte de facilitar a inclusão envolve criatividade, desejo de mudanças, elevação da auto-estima do educando, redimensionamento de ações e a luta para vencer os medos que provocam os limites. (BECHTOLD, 2003). PEDAGOGIA FREIREANA Paulo Freire em sua vida toda esteve envolvido com o educar para a vida, preocupando-se com a formação de um indivíduo crítico, criativo e ativo socialmente. E por isso, ao nos referimos às idéias dele, logo lembramos de Educação Popular. Para o pensamento freireano o ser humano é um sujeito que não deve apenas “estar no mundo”, mas, “com o mundo”, isto é, não apenas vivendo, mas, fazendo parte deste mundo através da construção da sua própria identidade e intervenção para melhoria de suas condições como cidadão que busca o direito de construir uma cidadania mais igualitária e com justiça. (BATISTA, 2008; SCOCUGLIA, 1999). De acordo com Nascimento (2008), a pedagogia freireana propõe um ensino baseado na liberdade, no diálogo, e na busca incansável do conhecimento participativo e transformador. Quando são consideradas as suas vivências, sua realidade, local de moradia, e mais ainda sua forma de ver e ler o mundo, concomitantemente valoriza-se o Geiza Maria Cavalcante Brasil 5389 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente ser humano como sujeito de sua própria aprendizagem. Assim na pedagogia freireana destaca-se dois importantes princípios da educação o respeito aos saberes de todos, e a valorização da formação de indivíduos críticos e conscientes de seu papel enquanto cidadãos, de maneira que ao mesmo tempo valorize o ser humano como sujeito de sua própria aprendizagem. A educação freireana abrange todos os cidadãos, a despeito das suas características quaisquer que sejam elas. Freire desejou uma escola cujos princípios de humanização é vocação dos homens, “afirmada no anseio de liberdade, de justiça, da luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanidade roubada.” (FREIRE, 2000a, p. 30). Assim, a educação para Freire se destaca como fomentadora da “consciência’, pois, para Nascimento (2008), a pedagogia freireana não é apenas o repassar da informação, mas, tem por obrigação valorizar e resgatar as potencialidades individuais do ser humano, com o objetivo de construir o conhecimento coletivo, onde a experiência de um correlaciona com vivência de outro. Entenda-se aqui que a pedagogia freireana compreende a educação num sentido mais amplo socialmente, não apenas a educação formal atribuída a escola. Por toda sua vida Freire sonhou e trabalhou por uma educação que não abrisse mão do ensino dos conteúdos, mas que não se preocupasse tão somente com eles, e que “não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres ‘vazios’ a quem o mundo ‘encha’ de conteúdos (...) não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a problematizarão dos homens em relação ao seu mundo”. (FREIRE, 2000a, p. 87). A despeito da educação inclusiva, Rosita Edler Carvalho (2004) dentre outros, defende que o processo de inclusão perpasse pela reestruturação das políticas, das culturas e práticas sociais da escola como sistema e que precisa (re)pensar suas atitudes excludentes. Em escolas inclusivas, o ensinar e aprender constituem-se em processos dinâmicos nos quais a aprendizagem não fica restrita aos espaços físicos das escolas e nem aos alunos, como se fossem atores passivos, receptáculos do que lhes transmite quem ensina. (EDLER CARVALHO, 2004, p.115). Geiza Maria Cavalcante Brasil 5390 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente Essa educação tem por obrigação, cumprir seu papel fundamental na transformação da sociedade, propiciando o exercício igualitário da cidadania, acesso à cultura, e acima de tudo condições materiais e pedagógicas de desenvolver adequadamente estes educandos, e que este processo educativo seja visto como um direito, e não como alguma benevolência. A educação é um ato de conhecimento. E na educação escolar, através da relação dialógica entre professor, educando e objeto cognoscível a proposta pedagógica de Freire centraliza-se na dimensão do conhecimento. Para Freire não há unilateralidade no processo educativo, não há um “saber maior” ou um “saber menor”, mas saberes diferentes uns dos outros, que se complementam e que interagem dentro da relação pedagógica sem temer os possíveis conflitos entre eles. Conceber a educação escolar formal efetivamente como um espaço de construção do conhecimento é condição para a ressignificação da própria educação escolar, como também, da ação docente e discente. Neste sentido, o pensamento de Freire, traz elementos provocadores e desafiadores nesta perspectiva, reafirmando a educação escolar como possibilidade para desencadear um processo de construção do conhecimento, respeitando suas peculiaridades. Pois de acordo com a proposta pedagógica freireana, é necessário que o educador seja um educador problematizador, posto que se trate de uma pedagogia da pergunta, [...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou sua construção (FREIRE, 2003, p. 52). O processo educativo é baseado no diálogo, pois sem diálogo não há educação. A educação é um processo de conhecimento onde todos ensinam e todos aprendem. Num processo de criação e recriação. Os sujeitos que interagem dialogicamente se abrem para o novo e sabem que há sempre algo a interpretar, descobrir, aprender, dizer, a compartilhar. São abertos a questionamentos e não temem conflitos. Quanto mais o sujeito pergunta, mais sente que a sua curiosidade não se esgota (FREIRE, 2000a). Geiza Maria Cavalcante Brasil 5391 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente Materiais e Métodos A estratégia adotada para o desenvolvimento do estudo, foi a realização de uma revisão da literatura disponível sobre a relação da Inclusão e o pensamento de Freire, ou seja, a estratégia de pesquisa privilegiada em todo o trabalho tem sido a investigação, à luz da Educação Inclusiva, da obra Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire. A linha de ação adota o mapeamento dos conceitos-chave, presentes na obra, sendo este centrado em apontar qualidades, características e saberes necessários aos educadores que atuam na educação inclusiva. Destarte, a construção de registros, resumos, fichamentos, esquemas e quadros foi de grande relevância para realização do estudo em questão, portanto, apresenta-se nesse estudo a intenção de demonstrar as convergências entre os pensamentos, apoiar-se em resumos das obras analisadas em diálogo com o pensamento de Freire. Apresentação e Análise dos Dados Em seguida apresentaremos as principais contribuições de cada autor dentro da perspectiva inclusiva para a construção do perfil docente para estes. Resultados (Quadro Analítico) Diante da perspectiva do educador progressista, apresentado por Freire (2003), o educador é apontado como um ser dialógico e, encontra-se inserido dentro das relações existentes dentro e fora do âmbito escolar. Freire (2003) indica em sua obra as exigências que são impelidas ao educador que se dispõe a assumir tal papel em relação às dimensões que ele ocupa. Em sua obra, Freire norteia sua reflexão sobre três pilares, primeiro a importância da formação sólida, entendendo sua formação como alicerce para prática reflexiva e comprometida na prática educativa, (ver quadro 1). Geiza Maria Cavalcante Brasil 5392 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente Quadro 1 EXIGÊNCIAS DO ATO DE EDUCAR FREIRE (2003) Na relação entre docente-docente Na relação entre docente-discente Na relação docente – conhecimento docente Buscar não apenas se apropriar do conhecimento, mas se inquietar, investigar, criar, aproximar-se do objeto. Respeitar o saberes do educando relacionando com o saber curricular. Ser consciente da inconclusão do ser, e assim reconhece as limitações e condições. Respeitar a autonomia do educando Ter criticidade, discernimento, de forma ética, correlacionar teoria e pratica através de seus atos. Arriscar-se aceitando o novo rejeitando qualquer forma de discriminação mas não negando as peculiaridades do velho, mas renovando-as. Refletir criticamente sobre a pratica educativa reconhecendo e assumindo a identidade cultural. Educação Inclusiva STAINBACK (1999) Geiza Maria Cavalcante Brasil Aproximações na Aproximações na concepção relação entre da relação docente – docente-discente conhecimento docente a importância da relação de troca entre os sujeitos para o avanço na aprendizagem; mudança na visão da escola em relação as dificuldades enfrentadas pelos alunos; valorização das relações afetivas como pontes para o desenvolvimento das competências, distinto do regime de tutela, mas no modelo desta. promoção do respeito pelas diferenças indiviuais e sua aceitaçao complementação com atividades no contraturno; Apoio de todos os seguimentos da escola, no desenvolvimento do trabalho docente; visão criada dentro de uma comunidade de pessoas que defendem a mudança; currículo/didática baseados localmente; desenvolvimento de equipes de trabalho integrado; 5393 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente MANTOAN (2002) Valorização do sujeito em sua subjetividade; A parceria de redes facilitando o aprendizado; Reflete sobre a postura do docente para Todos; Defende o acompanhamento em paralelo visando aumentar o desempenho dos aluno; faz uma critica veemente ao modelo segregacionista de ensino; A boa avaliação é aquela que serve para Todos; CARVALHO (2003) - discute acerca do respeito a diferença e valorização da mesma dando ênfase a educação como formadora das mudanças necessárias para a vigencia da sociedade de Todos. A formação dos professores deve ser conjunta entre os professores do ensino especializado e o regular (negando a separação existente) para uma atuação conjunta; Defende um professorpesquisador que pode atuar com Todos os alunos; Considerações Finais Baseando-se nos estudos realizados, é importante destacarmos que é comum entre os autores listados a importância da o bom senso, podemos afirmar que a prática inclusiva está intimamente ligada ao bom senso, sensibilidade, ética com relação a STAINBACK(1999), CARVALHO (2003, 2004, 2008), FREIRE (2003), MANTOAN (2002, 2006) Este estudo possibilitou ultimar que o trabalho, com o objetivo de implementar uma educação inclusiva, que atenda a todos os alunos, com e sem Geiza Maria Cavalcante Brasil 5394 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente deficiência, indistintamente, no ensino regular não é missão impossível, mas trata-se de um desafio superável. É uma questão de pensar e querer, pensar e fazer através de um trabalho coletivo, de troca mútua, entre a escola e entre os alunos, confronte formas desiguais de pensamento e de estilo de vida, busque metodologias interativas e faça do reconhecimento das diversas estratégias para uma nova aprendizagem. A relevância do papel do professor como mediador entre o aluno e sua relação dialógica com o conhecimento, deve ser compreendida como possível, pois educar, no sentido freireano, é algo que compete primeiramente a este profissional e que diante dos estudos realizados, pode e deve assumir essa função contando com o apoio de toda uma rede de apoio. Enfim, esse educador que reúne todas estas qualidades, é essencialmente humano. Referências Bibliográficas AZEVEDO, M. S. Um olhar sobre a Pedagogia Freireana. BARBA, Patrícia Carla de S. Della. De que Inclusão estamos falando? A percepção de educadores sobre o processo de Inclusão Escolar em seu local de trabalho?- Disponível em: http://www.profala.com/arteducesp66.htm acessado em 21/02/2009. BARBOSA, H. Por que Inclusão. In: Agenda para a promoção da Inclusão.São Paulo:s.n. 2009. BECHTOLD, Patrícia B. A inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais no mercado de trabalho. Revista Leonardo Pós – Órgão de Divulgação Cientifica e Cultural do ICPG, Vol.1 n.3 – Ago. – Dez. / 2003. VIEIRA, J. L. Constituição da República federativa do Brasil. Brasília, Edipro. 2007. BRASIL, MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. disponível em: http://www.pucminas.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI2004120214 1358.pdf ________________. Lei 8069/ 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, MEC. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm Geiza Maria Cavalcante Brasil 5395 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente BRASIL, G. M. C. A ausência de informação visual e o aluno surdo no Centro de Educação da UFPE. UFPE. Recife: Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Pedagogia, 2006. CARVALHO, Rosita E. Inclusão, educação para todos e remoção de barreiras para a aprendizagem. Tecno. Inep, Brasília. 2003. _____________. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. Porto Alegre, Mediação, 2004. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica docente.São Paulo: Paz e Terra, 2003. ____________. Conscientização: Teoria e Prática da Libertação: Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3ª ed., São Paulo, Editora Moraes, 1980. ____________. Pedagogia do oprimido. 29ª ed. São Paulo, Paz e Terra, 2000a. ____________. A educação na cidade. 4ª ed. São Paulo, Cortez Editora, 2000b. ____________. A pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora Unesp, 2001a. _____________. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. _____________. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. GIANGRECO, M. F., DENNIS, R., CLONINGER, C., EDELMAN, S., & SCHATTMAN, R. (1993). I've counted Jon: Transformational experiences of teachers educating students with disabilities. Exceptional Children.1995. GIANGRECO, M. F. Foundational concepts and practices for educating students with severe disabilities. In: M. E. Snell & F. Brown (Eds.), Instruction of students with severe disabilities (6th ed., pp. 1–27). Upper Saddle River, NJ: Pearson Education/Prentice-Hall. 2006. HELMSTETTER, E., PECK, C.A., GIANGRECO, M. F. Outcomes of interactions with peers with moderate or severe disabilities: A statewide survey of high school students. Journal of The Association for Persons with Severe Handicaps, 19, 263-276. (1994). Geiza Maria Cavalcante Brasil 5396 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente JENNINGS, Matthew. Leading effective meetings, teams, and work groups in districts and schools. Illustrated Edition. ASCD, 2007. MANTOAN, Maria Teresa Egler. Ensinando a turma toda – as diferenças na escola – Pátio – revista pedagógica –ARTMED/Porto Alegre, RS, Ano V, 2002. _______________. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? 2.ed. São Paulo: Moderna, 2006 MARQUES, Suely Moreira. Pensar e agir na inclusão escolar de crianças com necessidades educacionais especiais decorrentes de uma deficiência, a partir de referenciais freirianos: rupturas e mutações culturais na escola brasileira. 2008. Tese de Doutorado. USP. São Paulo. SP, s. n. 2007. Acessada em 03/02/2009. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/ 48/48134/tde-05102007-142916/ MENDES, E.G. Perspectivas para a construção da escola inclusiva no Brasil. In: PALHARES, M. & MARINS, S. (orgs.) Escola Inclusiva. São Carlos: EdUFSCar, p. 61-85, 2002. MENEZES, M. A. de. Escola inclusiva é escola cidadã. São Paulo: UNIBAN. Artigo para a revista reVés do aVesso. 2008. MRECH, Leny Magalhães. O que é Educação Inclusiva? São Paulo: MEMNON, 2002. NASCIMENTO, Genoveva B. do. Pelas veredas de Paulo Freire e Pierre Lèvy: Compilando pensamentos na (re)construção de uma Educação Popular. Artigo para a revista MORPHEUS Informação e Sociedade: Universitária/ UFRJ: Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: http://www.unirio.br/morpheusonline/Genoneva%20Batista.htm . Acessado em 23/04/09. PECK, C.A., CARLSON, P., & HELMSTETTER, E. (1992). Parent and teacher perceptions of outcomes from typically developing children enrolled in integrated early childhood programs: A statewide survey. Journal of Early Intervention, 16(1), 53-63. PETRECHEN. Eli de Haro. Inclusão escolar e a atuação de professores de deficientes mentais do estado de São Paulo, Universidade Federal de São Carlos. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 5.ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003. _____________. Inclusão:o paradigma do século 21. In: INCLUSÃO: Revista da Educação Especial Ano 1 - Nº 01, MEC, Brasília - Outubro de 2005. SCOCUGLIA, Afonso Celso. A história das idéias de Paulo Freire e a atual crise de paradigmas. 2. ed. João Pessoa: Universitária/UFPB, 1999. Geiza Maria Cavalcante Brasil 5397 Pedagogia Freireana e Educação Inclusiva – repensando os saberes necessários à prática docente SKLIAR, Carlos. Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação. 1999. STAINBACK, Susan Bray; STAINBACK, William C. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artmed, 1999. TORRES, Carlos Alberto. Democracia, educação e multiculturalismo: dilemas da cidadania em um mundo globalizado. Petrópolis: Vozes. 2001. UNESCO. Declaração de Salamanca. Salamanca: UNESCO. 1994. ______________. Declaração de Sapporo. Sapporo, Japão: UNESCO. 2002a. ______________. Declaração de Washington. Washington: UNESCO. 2002b. Geiza Maria Cavalcante Brasil 5398 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” PERFIL PROFISSIONAL NOS CURSOS DE PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO DIRECIONADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA Izaura Maria de Andrade da Silva JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência PERFIL PROFISSIONAL NOS CURSOS DE PREPARAÇÃO PARA O TRABALHO DIRECIONADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA Izaura Maria de Andrade da Silva1 RESUMO: Esse artigo tem como objetivo analisar o perfil profissional e os itinerários formativos possíveis de serem percorridos pela pessoa com deficiência em seu processo de educação para o trabalho. Nesse estudo buscamos responder questões tais como: Que tipo de profissional se pretende formar? Os itinerários formativos, oferecidos em uma instituição ou através de parcerias entre duas ou mais instituições, permitem o acesso dos alunos com deficiência aos diversos níveis e modalidades da educação profissional? Os cursos oferecidos estão em sintonia com a demanda da economia regional? Quais formas de articulação entre formação geral, profissional e o atendimento educacional especializado? Para responder a essas perguntas, realizei um estudo na legislação nacional e na estadual sobre a interface entre educação profissional e especial. Simultaneamente, foi realizado um mapeamento da oferta de educação profissional para pessoa com deficiência no Brasil e de forma mais detalhada na região metropolitana de Belo Horizonte. Os resultados mostram que oferta da educação profissional para pessoa com deficiência encontra-se concentrada nos programas iniciais de formação para o trabalhador, desenvolvidos por meio de oficinas pedagógicas em instituições especiais. Os programas desenvolvidos nas oficinas estão desvinculados das demandas do mercado de trabalho e enfatizam o aspecto instrumental e operacional da educação profissional. PALAVRAS-CHAVE: Educação especializado. Pessoa com deficiência. profissional. Atendimento educacional Introdução Esse artigo é resultado de uma pesquisa em andamento sobre as políticas de educação profissional para pessoa com deficiência. Para esse trabalho, realizamos um recorte da pesquisa, cujo objetivo é analisar o perfil profissional e os itinerários formativos possíveis de serem percorridos pela pessoa com deficiência em seu processo de educação para o trabalho. Nesse estudo buscamos responder questões tais como: Que tipo de profissional se pretende formar? Os itinerários formativos, oferecidos em uma instituição ou através de parcerias entre duas ou mais instituições, permitem o acesso 1 Bolsista internacional da Fundação Ford. Izaura Maria de Andrade da Silva 5402 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência dos alunos com deficiência aos diversos níveis e modalidades da educação profissional? Os cursos oferecidos estão em sintonia com a demanda da economia regional? Quais formas de articulação entre formação geral, profissional e o atendimento educacional especializado? Para responder a essas perguntas, realizei um estudo na legislação nacional e na estadual sobre a interface entre educação profissional e especial. Simultaneamente, foi realizado um mapeamento da oferta de educação profissional para pessoa com deficiência. O Mapeamento foi realizado tendo como base os microdados do censo escolar 2005/2006/2007, disponibilizados pelo INEP e pela Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), além disso, utilizamos informações coletadas nas escolas estaduais e nas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES) da região metropolitana de Belo Horizonte. Inicialmente, vamos apresentar algumas tendências, princípios e diretrizes que regulam a educação profissional e a especial no Brasil e na região metropolitana de Belo Horizonte. Desafio da educação profissional na atualidade: expansão, inclusão da diversidade e integração entre o básico e técnico Na década de noventa, as políticas de educação profissional assumiram novas configurações para se adequarem às mudanças ocorridas no mundo do trabalho e, notadamente, para atender às demandas do processo de acumulação flexível. As transformações, ocorridas na base técnica do trabalho e na organização da gestão, exigiram um novo perfil de trabalhador. Elas não estão restritas ao âmbito da empresa ou das relações produtivas; repercutem em todas as relações sociais. As novas determinações do mundo produtivo aprofundaram a desigualdade social, expressas no desemprego estrutural e na flexibilização de direitos trabalhistas, entre outras formas de exclusão social. Nesse contexto a educação profissional não pode ser reduzida as competências que um trabalhador deve possuir para atuar em uma determinada ocupação ou área. Esse deve ser um dos objetivos: formar o técnico. Além disso, a educação profissional deve formar indivíduos capazes de atuar politicamente no sentido Izaura Maria de Andrade da Silva 5403 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência de superar as desigualdades sociais e intervir na direção das políticas nos diversos âmbitos sociais. Dore Soares (2001) destaca que, na perspectiva gramsciana de escola unitária, a Central única dos Trabalhadores defende a organização da educação profissional tendo como base, a formação fundamental e média (unitária) e universalizada. A educação profissional nessa perspectiva deve proporcionar uma sólida formação básica e específica, articulando a educação geral com a profissional com objetivo de capacitar o trabalhador pra lidar com as transformações no âmbito produtivo e no político. No entanto, a recente legislação tem reforçado a dualidade entre elas. Apesar da LDB 9394/96 estabelecer a educação profissional como modalidade da educação básica, o decreto 2208/97 define trajetórias separadas para o ensino médio e à educação profissional. O decreto 2208/97 foi revogado, no atual governo, pelo decreto 5154/2004. No entanto este reproduziu, com outros termos, a ambiguidade da educação profissional presente no decreto anterior, prevalecendo a constituição de um lugar próprio para a educação técnica profissional direcionada para a demanda do mundo empresarial. O Decreto 5154/04 estabelece que a educação profissional deve ser desenvolvida por meio de cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, de educação profissional técnica de nível médio, e de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação. Nesse estudo restrinjo a minha análise ao itinerário formativo disponível para pessoa com deficiência nos cursos e programas de formação inicial e na educação técnica de nível médio. Os cursos e programas de formação inicial possuem organização curricular livre e de duração variável. Destinam-se a maioria dos jovens e adultos trabalhadores independentes de sua escolaridade, podendo ser ministrados por múltiplas instituições sociais, como: escolas, sindicatos, organizações não governamentais, empresas, entre outras. É bom salientar que o decreto 5154/04 recomenda que os cursos de formação inicial sejam, preferencialmente, articulados com a educação de jovens e adultos. Nesse sentido o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) avança ao estabelecer um percurso pedagógico integrado de formação básica e profissional. Izaura Maria de Andrade da Silva 5404 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência Na educação profissional técnica, os cursos têm uma carga horária mínima de 800 horas, uma proposta curricular definida e ingresso vinculado à conclusão do ensino fundamental, sendo ministrados apenas por instituições credenciadas pelo Ministério da Educação. Eles podem ser organizados de forma concomitante, subsequente ou integrada ao ensino médio. Entendo que a organização da oferta de educação profissional deve possibilitar ao aluno realizar um percurso de formação em determinado eixo tecnológico desde os cursos iniciais até a pós-graduação. A expansão da oferta deve ser acompanhada pela possibilidade de itinerário múltiplo, desde que se preserve, nesses diferentes percursos, a qualidade de ensino. Nessa perspectiva, Kuenzer (2001) assinala que o planejamento integrado entre instituições educacionais devem garantir a oferta de módulos que permitam aos alunos a mudança de opção ou complementação de acordo com as demandas do mercado de trabalho. O planejamento da educação profissional deveria assegurar a possibilidade de integração de percursos e aperfeiçoamento profissional. Nesse modo, as escolas devem estabelecer com clareza, em seus projetos pedagógicos e planos de cursos, os critérios para aproveitamentos de estudos anteriores e reconhecimento de competência desenvolvidos no exercício do trabalho. O atendimento educacional especializado: No que diz respeito ao atendimento educacional especializado, duas concepções, se confrontam pela direção das políticas educacionais direcionadas para pessoa com deficiência no Brasil e Minas Gerais; A primeira, podemos caracterizar em linhas gerais como paralela e substitutiva ao ensino comum e a segunda como inclusiva e transversal a esse ensino. A Legislação educacional apresenta a questão de forma dúbia e permite a implementação dos dois modelos de educação especial. A ambiguidade está presente na Lei de diretrizes e Base da educação 9394/06, quando estabelece que a educação da pessoa com deficiência deve ser oferecida, preferencialmente, pela rede regular de ensino (art. 58), admitindo, assim, a rede especial de ensino. As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica define educação especial como Izaura Maria de Andrade da Silva 5405 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência modalidade de educação escolar que deve assegurar o atendimento educacional especializado complementar, suplementar e substitutivo dos serviços educacionais comuns. As diretrizes, ao consentir o desenvolvimento de atendimento especializado substitutivo, se contrapõem à proposta de educação inclusiva. A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação inclusiva (MEC/SEESP (2004) enfatiza o modelo inclusivo e transversal de educação especial quando estabelece que o atendimento educacional especializado deve ser disponibilizado ao aluno incluído nas turmas comuns do ensino regular. O referido documento compreende o atendimento educacional especializado como aquele que ... Identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela... (p.16) Essa compreensão redimensiona o conceito de atendimento educacional especializado ao destacar o caráter complementar e suplementar do atendimento educacional especializado à formação dos alunos no ensino regular, em vez do caráter substitutivo, como historicamente predominou na prática educacional direcionada à pessoa com deficiência no Brasil. O referido documento salienta também que o atendimento especializado deve estar articulado com o projeto pedagógico da escola e constitui-se como oferta obrigatória do sistema de ensino em todos os níveis e etapas da educação básica. No âmbito das políticas de educação profissional estão presente ambos os modelos de educação especial: o substitutivo e o inclusivo. A resolução n. 02/2001 determina que a rede de educação profissional deve possibilitar o acesso e a permanência do aluno com deficiência em suas escolas por meio da adequação do espaço físico, do mobiliário, dos equipamentos utilizados nos laboratórios e da linguagem, além de promover a flexibilização do currículo, a capacitação de recursos humanos e o encaminhamento para o trabalho (Resolução CNE/ CP Nº. 2/01). Porém, ao mesmo tempo, afirma: Izaura Maria de Andrade da Silva 5406 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência A educação profissional do aluno com necessidades educacionais especiais pode realizar-se em escolas especiais, públicas ou privadas, quando esgotados os recursos da rede regular na provisão de resposta educativa adequada às necessidades educacionais especiais e quando o aluno demandar apoios e ajudas intensos e contínuos para seu acesso ao currículo. Nesse caso, podem ser oferecidos serviços de oficinas pré-profissionais ou oficinas profissionalizantes, de caráter protegido ou não. O programa de apoio à educação profissional de pessoas com deficiência da Secretaria de Educação Especial (MEC, 2007) se propõe a desenvolver ações em três âmbitos: nas escolas do sistema público e das organizações não governamentais por meio do redimensionamento das oficinas pedagógicas; na rede Federal de educação tecnológica com o objetivo de incluir alunos com necessidades educacionais especiais nos cursos de qualificação profissional, técnicos e tecnológicos de suas escolas e no sistema S, através da articulação com as instituições que o compõem, para incluir as pessoas com deficiência nos cursos de qualificação profissional. O aludido texto destaca que o redimensionamento das oficinas pedagógicas será implementado através da expansão da oferta e melhoria da qualidade dos cursos preparatórios de educação profissional. Para alcançar esse objetivo a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação prevê a obtenção de equipamentos para as novas oficinas pedagógicas e melhorias da funcionalidade daquelas que já existem, além da capacitação dos professores para atuarem nesses cursos. O documento da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (2000) assinala que as oficinas pedagógicas surgiram fundamentadas no princípio da normalização. De acordo com esse princípio, para que a pessoa com deficiência pudesse ser integrada na vida social, ela precisava ser normalizada. A integração da pessoa com deficiência só era admissível, se a mesma conseguisse se adaptar à organização social vigente. Desta forma foram criados serviços para adequar o indivíduo com deficiência à estrutura escolar existente: Serviços como classes especiais e oficinas pedagógicas. Desse modo “a pessoa com deficiência era mantida em ambiente segregado, para ser re-colocada no espaço comum da sociedade somente quando fosse considerada «pronta»” (BRASIL/MEC, 2000 p.21). Na verdade, as oficinas pedagógicas se propunham a normalizar/ajustar o indivíduo às condições excludentes de acesso e Izaura Maria de Andrade da Silva 5407 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência permanência nas escolas de educação profissional regular e no mundo do trabalho. O referido documento enfoca que as oficinas pedagógicas pré e/ou profissionalizantes surgiram com a finalidade de desenvolver hábitos de trabalho no aluno com deficiência, antes de adquirir uma capacitação especifica. O documento (BRASIL/MEC, 2000) propõe um redimensionamento das oficinas pedagógicas, tendo com base o paradigma da inclusão. Elas perdem o caráter de substituição da ‘profissionalização’ e reassumem com mais força seu caráter preparatório: de desenvolver atividades-meios para o ensino de competências e habilidades básicas voltadas “para o funcionamento do aluno em todas as instâncias da vida em comunidade, e especificamente, na instância do mundo ocupacional” (p. 23). Nessa perspectiva, a oficina pedagógica assemelha-se na sua finalidade à classe especial na escola regular, tendo como propósito preparar o educando para ser incluído na rede regular de educação profissional e no mundo do trabalho. As oficinas pedagógicas são organizadas em turmas exclusivas de pessoas com deficiência em escolas especializadas ou em escolas comuns. Elas, como as classes especiais são uma forma de organização as quais aproximam mais do paradigma da integração, pois se orientam pelo princípio da normalização. Em relação ao Estado de Minas Gerais, as oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional integram os serviços de atendimentos educacionais especializados, disponibilizados pela Secretaria de Estado de Educação (SEE/MG) em escolas públicas em instituições filantrópicas da Associação de Pais e Amigos do Excepcional. A SEE/MG define atendimento educacional especializado como: Recursos educacionais e estratégias de apoio e complementação colocados à disposição dos alunos com deficiências e condutas típicas, proporcionando diferentes alternativas de atendimento, de acordo com as necessidades educacionais especiais de cada aluno, representando procedimentos que são, necessariamente, diferentes do ensino escolar para melhor atender às especificidades desses alunos (p. 1-2) A Orientação SD nº 01/2005 prescreve que os atendimentos educacionais especializados ofertados na escola comum devem ser realizados para apoiar e complementar a escolarização do aluno com necessidades educacionais especiais. Entretanto, a norma prevê não só os atendimentos educacionais especializados de apoio e complementação escolar, mas tembém os serviços de substituição da Izaura Maria de Andrade da Silva 5408 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência escolarização em espaços exclusivos, destinados aos alunos com graves deficiências por meio da classe e escola especial. Interpretação de LIBRAS. professor de apoio, itinerância, guia intérprete, instrução de LIBRAS, instruções de códigos aplicáveis, orientação e mobilidade são atendimentos educacionais especializados de apoio. Tais atendimentos devem ser oferecidos no mesmo turno da escolarização com objetivo de possibilitar ao aluno acesso ao currículo. Esses serviços podem ser disponibilizados no interior da escola ou fora dela. O atendimento educacional especializado caracterizado como complementar são as salas de recursos e as oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional, devendo ser realizados em turno inverso ao da classe comum na qual o aluno está matriculado. Segundo a Orientação SD nº 01/2005, as Oficinas Pedagógicas de Formação e Capacitação Profissional são destinadas aos alunos com deficiências ou condutas típicas. Elas têm como objetivo o desenvolvimento de aptidões, habilidades e competências, mediante atividades práticas e laborativas nas diversas áreas do desempenho profissional. As oficinas podem ser oferecidas em escolas comuns ou especiais, com turmas compostas de 08 a 20 alunos com idade acima de 14 anos. A carga horária das oficinas deve ser de 50 minutos até 4 horas diárias e de acordo com o plano de desenvolvimento individual do aluno. Pelo estudo da legislação nacional e estadual, podemos concluir que a oficina pedagógica é um atendimento educacional especializado complementar, articulado educação básica. Na sua condição de atendimento educacional complementar, o seu papel não é de substituir a educação profissional, mas suplementar e apoiar o aluno com deficiência na escola comum de educação profissional. Porém, na verdade, historicamente e ainda nos dias atuais, ela praticamente tem sido o modelo de oferta de educação profissional para pessoa com deficiência. No gráfico1, podemos verificar que 96% das matriculas de pessoas com deficiência na educação profissional estão em uma categoria, denominada pelo censo escolar de 2005, de educação profissional básica. que se realiza predominantemente por meio das oficinas pedagógicas em escola ou classes especiais. Izaura Maria de Andrade da Silva 5409 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência Considerando a expressividade de matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais nos programas de educação profissional básica (96%), podemos afirmar que a finalidade das oficinas pedagógicas não tem sido a de complementar o ensino comum, mas sim de substituí-lo. Ela tem se constituído, praticamente, com a única possibilidade de acesso das pessoas com deficiência à formação para o trabalho. Outro aspecto que reforça seu caráter substitutivo ao ensino regular, é que esse atendimento educacional especializado não está vinculado a nenhum programa de educação profissional comum a todos os alunos. Educação profissional da pessoa com deficiência em Minas e na região metropolitana de Belo Horizonte. No que diz respeito à situação da formação profissional das pessoas com deficiência no Estado de Minas Gerais, a situação não é muito diferente daquela que se apresenta no resto do país. Em 2005, encontravam-se matriculados em cursos técnicos de educação profissional 86.168 alunos. Destes, apenas 10 tinham deficiência e estavam incluídos em classes comuns da escola regular de ensino técnico. Nenhum desses alunos dispunha de atendimento educacional especializado de apoio. Confirmando a tendência em nível nacional, a concentração das matrículas de alunos com deficiência se encontrava na educação profissional básica, na qual foram identificadas 5.5042 matrículas em escolas especiais. No Estado mineiro, a política de educação profissional voltada para pessoa com deficiência ocorre por meio do programa de educação profissional especializada, desenvolvida pelas Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES); Por meio do ‘projeto incluir’ da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, através da oferta de atendimento educacional especializado, principalmente, mediante as oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional ofertadas em escolas estaduais de ensino fundamental especializada ou comum. 2 Para chegar a esse resultado foram subtraídas dos dados referentes as matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais na educação profissional (básica), oferecida na escola exclusiva de educação especial, e as matrículas dos alunos com conduta típica (transtornos emocionais) por não serem pessoas com deficiência. Izaura Maria de Andrade da Silva 5410 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência As instituições das APAES no Estado de Minas gerais integram a rede estadual de ensino e oferecem, na área educacional, a educação infantil, o ensino fundamental preliminar, educação de jovens e adultos e a educação profissional especializada, além de outros atendimentos educacionais especializados. O programa de educação profissional da APAES está dividido em três etapas: Avaliação e Iniciação para o trabalho, Qualificação Profissional e Colocação no Trabalho. As oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional integram o programa no nível básico de formação inicial e continuada do trabalhador na primeira etapa de inicialização para o trabalho/pré-profissionalização e na segunda etapa, de qualificação profissional. No entanto, a preparação desenvolvida pelo programa não confere ao concluinte certificado reconhecido que possibilite o aproveitamento e a continuidade dos estudos em outras instituições ou a inserção no mercado de trabalho. O programa, também, não prevê terminalidade, havendo um número significativo de alunos os quais ficam retidos nas oficinas pedagógicas e ou produtivas das APAEs. Na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), no ano de 2007, de acordo com o censo escolar, apenas 3 escolas regulares de ensino técnico tinham alunos com deficiência matriculados. Nenhum deles dispunham de atendimento educacional especializado de apoio. Já as oficinas pedagógicas de formação e capacitação profissional eram oferecidas em 08 escolas estaduais de educação especial e em 21 APAES. Não foi identificada na, RMBH, oferta de oficinas em escola comum. No quadro 1, apresentamos as oficinas pedagógicas segundo o eixo tecnológico, desenvolvidas nas APAES e nas escolas especiais da região metropolitana de Belo Horizonte. Organizei esse quadro, de acordo com a nova classificação em eixos tecnológicos para educação profissional apresentada no parecer CNE/CBE N 11/2008. Utilizo essa classificação na busca de visualizar as possibilidades de construção de competências similares no âmbito das diferentes etapas do processo de formação profissional; dos cursos iniciais a pós-graduação. A nova classificação reorganiza as 20 áreas profissionais em 12 eixos tecnológicos. No quadro1 podemos constatar que 50% dos cursos oferecidos nas oficinas da região metropolitana situam-se no eixo tecnológico de produção cultural e design, seguidos de produção alimentícia e da produção industrial com 13,3% cada, respectivamente, e de recursos naturais com 12,%. Izaura Maria de Andrade da Silva 5411 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência Para verificar se há consonância entre os cursos oferecidos nas oficinas pedagógicas e os desenvolvidos na escola comum; apresento o levantamento dos dados do censo escolar de 2006 sobre cursos com maior expressividade de matrícula na região metropolitana de Belo Horizonte/MG. Esse levantamento foi realizado pelo grupo de pesquisa sobre evasão escolar no ensino técnico, na qual a minha investigação tem algumas interfaces. Nele foi constatado que a maior incidência de matrículas se encontra em cursos vinculados às seguintes áreas profissionais: Saúde (48%), Indústria (24, 2%), gestão (6 6%) e informática (5,3). No quadro 2 (em anexo) podemos constatar os cursos oferecidos nestas 4 áreas profissionais. A predominância de matrícula, nessas áreas, sinaliza nos que são campos profissionais em crescimento na região metropolitana de Belo Horizonte. Mesmo sabendo que a correspondência entre área profissional e eixo tecnológico não é exata, entendo que a leitura dos quadros 1 e 2 nos apresenta indicativos para avaliarmos se o programa de formação oferecido nas oficinas pedagógicas, está em sintonia com os programas de educação profissional em nível médio com mais expressividade na região estudada. Entendo que a consonância entre as etapas iniciais da formação profissional com as etapas posteriores possibilita a integração de percurso e o aperfeiçoamento profissional. Comparando o quadro 1 e 2, podemos constatar que, enquanto, nas instituições regulares de educação profissional prevalece a área de saúde, indústria, gestão e informática, nas oficinas pedagógicas predominam as áreas de artesanato, produção alimentícia, produção industrial e recursos naturais. Apenas uma área coincide nos dois quadro: a produção industrial. Isso mostra que algumas escolas estão preocupadas com sintonia dos cursos oferecidos com demanda da economia local; no entanto, não é o que predomina. O discurso oficial3 ressalta que a organização das oficinas pedagógicas deveria considerar a demanda do mercado local e as potencialidades dos indivíduos. Na condição de etapa inicial na formação do trabalhador, as oficinas deverian possibilitar a 3 A secretaria de educação Especial do MEC destaca que a, “A expansão da oferta e melhoria da qualidade dos cursos preparatórios para a educação profissional, deve considerar à demanda do mercado de trabalho e as potencialidades dos alunos.” (BRASIL/MEC/SEESP, 2007) E ainda, “Há também que se considerarem, na avaliação profissional, os fatores de empregabilidade, o perfil do mercado de trabalho local, suas demandas e exigências.” (BRASIL/MEC/SEESP, 2000) Izaura Maria de Andrade da Silva 5412 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência construção de itinerários formativos em uma determinada área profissional. No entanto não é essa a realidade identificada nas oficinas pedagógicas oferecidas a pessoas com deficiência na região metropolitana de Belo Horizonte. Não há consonância entre as áreas predominantes na educação regular e aquelas desenvolvidas nas oficinas. A proposta da educação básica unitária não dispensa a inclusão das demandas empresariais no âmbito de formação do trabalhador, já que um dos seus objetivos é a preparação do indivíduo para inserção produtiva. Nessa perspectiva, Dore soares (2001) assinala “vivemos numa sociedade capitalista e as atividades de trabalho nas quais precisamos nos engajar, como cidadãos e cidadãs, estão relacionados a esse modo de produção. Por isso, a oferta das oficinas pedagógicas deveria estar sintonizada com as principais áreas profissionais da economia local, seja na perspectiva de sondagem de aptidões, seja na condição de qualificação profissional. As oficinas pedagógicas articuladas ao ensino fundamental, sintonizadas com as demanda da economia local, não deveriam ser exclusivas dos alunos com deficiência. Elas, de certa forma, integram o princípio do trabalho no processo educacional. Nesta perspectiva, a oficina pedagógica pode contribuir na construção de um projeto de educação básica unitária. No entanto, não foi possível verificar, ainda, a relação entre o currículo desenvolvido na educação fundamental e o desenvolvido nas oficinas pedagógicas, Será ele, de fato integrado? Ou são processos realizados de forma estanque? Todas 72 oficinas pedagógicas identificadas na região metropolitana de Belo Horizonte estão em escolas exclusivas para pessoa com deficiência, com programa de formação desvinculado do mercado de trabalho. O caráter dos programas oferecidos enfatiza o aspecto instrumental e operacional da educação profissional. A oferta das oficinas pedagógicas, no modelo que vem sendo desenvolvido nos diversos programas institucionais, como demonstramos no decorrer desse texto, não coadunam com o paradigma da inclusão. Acentuando a concepção de atendimento educacional especializado, como paralelo e substitutivo ao ensino comum. O quadro apresentado aponta a necessidade de redefinir a organização da oferta de atendimento educacional especializado, notadamente, no âmbito do ensino médio e da educação profissional, no sentido de garantir os suportes necessários os quais Izaura Maria de Andrade da Silva 5413 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência viabilizem a inclusão dos alunos com deficiências nas escolas comuns de educação profissional. Referência bibliográfica BRASIL/MEC/SEESP. Apoio a Educação profissional. Disponível em portal. mec.gov.br/seesp/index.php?option=content&task=view&id=72&Itemid=201 acesso em Nov. 2007. BRASIL. Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para educação especial na educação básica. Brasília: MEC; SEESP, 2001. BRASIL/MEC/INEP. Micro dados do censo escolar de 2005. Brasília, 2006 a. 1 CDROM. BRASIL/MEC/SEESP. Oficinas Pedagógicas: Um espaço para o desenvolvimento de competências e habilidades na educação profissional In:__________ Projeto Escola Viva - Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola - Alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília, 2000 BRASIL MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação inclusiva. Brasília, 2008. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf Acesso em agosto de 2008. KUENZER, Acácia (org.) Ensino médio: Construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. 2º edição. São Paulo: Cortez, 2001 SOARES, R.D. Escola média no Brasil: por que não unitária?. 2001. Disponível em: <http://www.br.monografias.com/trabalhos2/escola-media-brasil/escola-mediabrasil.shtml> Acesso em: 29 Abr.2009. MINAS GERAIS/SEE. Atendimentos Educacionais Especializados. Disponível em http://200.198.28.154/sistema44/banco_objetos/%7B9DB64EA0-BDCF-48CB-BB12F68C5F6B2506%7D_ATENDIMENTO%20EDUCACIONAL%20ESPECIALIZADO. pdf. Acesso em: 29 Abr.2009. MINAS GERAIS/SEE. ORIENTAÇÃO SD nº 01/2005 - orienta o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais decorrentes de deficiências e condutas típicas. PUBLICADA NO DIÁRIO OFÍCIAL DE MG EM 09 DE ABRIL DE 2005. Disponível em http://200.198.28.154/sistema44/banco_objetos/%7B6B48795E-8C574951-9DE1-32EF5E8F1739%7D_ORIENTAÇÃO%20SD%2001_2005.pdf Izaura Maria de Andrade da Silva 5414 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência OLIVEIRA, Maria Helena A. (coord.) Educação profissional e trabalho para pessoas com deficiências intelectual e múltipla: plano orientador para gestores e profissionais. FENAPAES/MTE, Brasília, 2007. Fonte: Microdados do censo Escolar de 2005 Izaura Maria de Andrade da Silva 5415 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência Quadro 1 - Oficinas pedagógicas desenvolvidas na região metropolitana de Belo Horizonte – 2008 EIXO TECNOLÓGICO OFICINAS PEDAGÕGICA Produção Alimentícia Produção cultural e design Produção industrial Gestão e negócio Informação comunicação Ambiente, segurança e saúde, Recursos naturais Culinária Cozinha experimental Auxiliar de padaria, Auxiliar de cozinha sorveteria Artesanato Bijuteria Reciclagem Embalagem Tapeçaria Cartonagem Emborrachado Dobraduras, Bordado e crochê Pintura Papel artesanal Marcenaria Encadernação Costura Auxiliar de produção Gestão trabalhista Auxiliar de escritório Empacotador Atendente Auxiliar de limpeza Editorização eletrônica Informática Salão Coméstico Horta Jardinagem Floricultura Agroecologico TOTAL Izaura Maria de Andrade da Silva % 13,3 % 50% 13,3% 6,0 2,4 3.6 12,0 100% 5416 Perfil Profissional nos Cursos de Preparação para o Trabalho Direcionados à Pessoa com Deficiência Quadro 2 – cursos por área profissional, com maior expressividade de matrícula na região metropolitana de Belo Horizonte/MG – 2006 ÁREA PROFISSIONAL SAÚDE INDÚSTRIA GESTÃO INFORMÁTICA 4 CURSOS4 Acupuntura; Auxiliar técnico de enfermagem* Biodiagnóstico Enfermagem* Esteticista Farmácia Higiene dental Instrumentação Laboratório de prótese dentária Massoterapia Nutrição e dietética Ótica Patologia clínica Prótese dentária Radiologia Radiologia médica – radiodiagnóstico* Segurança no trabalho* Automação industrial Automobilística Biotecnologia Eletromecânica* Eletrônica* Eletrotécnica* Manutenção de aeronaves Manutenção de componentes periféricos Manutenção de máquinas Manutenção mecânica Mecânica* Mecânica de manutenção industrial Mecânica industrial Mecatrônica Projetista de moldes para plástico Administração / gestão* Administração de empresas* Administração de empresas (negócios) * Administração e negócios* Contabilidade* Contabilidade e finanças Gestão de processos industriais Secretariado Informática - configuração de redes Informática* Informática empresarial Informática industrial* Sistemas de informação Os cursos com asteriscos são os tiveram maior incidência de matrícula. Izaura Maria de Andrade da Silva 5417 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” DIFERENÇA, DIVERSIDADE E DEFICIÊNCIA: UMA TRAJETÓRIA CURRICULAR Kátia Patrício Benevides Campos JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular DIFERENÇA, DIVERSIDADE E DEFICIÊNCIA: UMA TRAJETÓRIA CURRICULAR Kátia Patrício Benevides Campos RESUMO: O objetivo desse texto é discutir a diferença e a deficiência a partir de uma construção cultural inscrita na diversidade da espécie humana. Como construção histórica, revela-se por uma trajetória curricular. O texto apresenta inicialmente, o Currículo como elemento central de uma política cultural, produtora de significados, inscritos nos indivíduos a partir da produção da diferença/deficiência. Em seguida, na perspectiva da construção da deficiência, discutiremos seus efeitos a partir da marginalização do indivíduo social marcada pela sua não incorporação e/ou inserção desqualificada nas relações sociais e políticas. Ainda nessa direção, abordaremos a produção de estigmas posta no indivíduo com deficiência. Por fim, a partir das reflexões abordadas ao longo do texto discutiremos sucintamente a história da Educação Especial, sua importância enquanto suporte pedagógico para o indivíduo com deficiência, bem como os ganhos trazidos pela Educação Inclusiva. PALAVRAS-CHAVE: diferença - diversidade - deficiência - currículo. O currículo está no centro das relações políticas, atuando na construção de uma política cultural como elemento de significação. Nele habitam filosofias, visões de mundo, significados que, materializados nas políticas curriculares, constroem identidades sociais e culturais. Entendido desse modo o currículo é seleção, pois a produção imbricada é sempre resultado de uma política de representação. Esta política consiste na produção de saberes, já que culturalmente fomos ensinados a recebê-los como verdades científicas as quais estão presentes em diversos artefatos culturais, a exemplo dos que constituem o espaço escolar, livros, revistas, cartilhas (BERTICELI, 2001 ). Como produtores de saberes, estes deixam marcas na medida em que ditam normas, constroem sua política de representação, elegendo o “outro” como diferente, Kátia Patrício Benevides Campos 5421 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular anormal, etc. Assim, artefatos culturais produzem e são produzidos por saberes que se constituem em dispositivos culturais, transformando-se em “práticas, reguladoras e reguladas, ao mesmo tempo produzidas e produtivas” (COSTA , 2001, p. 43). Nesse bojo, compreendemos as políticas curriculares como efeitos de discurso os quais nos propicia elementos para considerarmos sua produção uma invenção. Como tal, ela legitima práticas, produz sujeitos, fixa “verdades”, ordena o mundo, regula e controla populações. Desse modo, o conhecimento contemplado pelo/no currículo passa a ser visto como cultura que, por meio de representações produzidas nas relações de poder, tornase campo de disputas de sentidos. Assim, os significados em torno destas questões constroem relações e identidades, tornando-se um processo constante de transformação. Nesta direção, a cultura deixa de ser fixa, uma vez que sua constituição se dá sob processo de movimento, ou seja, “A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos sociais, situados em posições diferentes de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla” (SILVA, 1999, p. 133-4). Ou seja, há uma grande luta dos diferentes grupos para o reconhecimento das diferentes formas de vida dos diferentes grupos. Tal possibilidade, consiste na disseminação da diversidade do conhecimento, em toda parte, de acordo com as diversas culturas. Partindo da compreensão de que há uma relação entre sujeito e conhecimento, entendemos que o currículo não contempla apenas conteúdos formais e atividades, mas também a construção de relações intersubjetivas, de atitudes e de visões de mundo através da socialização realizada pela escola. Como lembra Charlot (2000, p. 63), Não há sujeito de saber e não há saber senão em uma certa relação com o mundo, que vem a ser, ao mesmo tempo e por isso mesmo, uma relação com o saber. Essa relação com o mundo é também relação consigo mesmo e relação com os outros. Implica uma forma de atividade e, acrescentarei, uma relação com a linguagem e uma relação com o tempo. Nesse sentido, compreendemos que o currículo nos forma e nos transforma, nos ensina a ser indivíduos; inclui não apenas conteúdos e atitudes, mas também a forma como lidamos com as diferenças inscritas na diversidade entre indivíduos na escola. Na escola os efeitos dessa política curricular explicitam-se nas formas de constituição das relações entre indivíduos e conhecimentos. Desse modo, há toda uma fabricação de formas de validação do conhecimento, como também as formas de Kátia Patrício Benevides Campos 5422 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular produção e aquisição destes, em contraposição a outras. Assim, a política curricular, metamorfoseada em currículo, efetua, enfim, um processo de inclusão de certos saberes e de certos indivíduos, excluindo outros. Vale salientar que os saberes produzidos pela escola, ao longo de sua trajetória, são constituídos político e culturalmente, por relações de poder, através de narrativas que interpelam os indivíduos, regulam suas vidas, determinando formas de ser e de agir de toda uma população. O indivíduo é produzido a partir do que dele é falado. A própria narrativa vai o construindo esse a ponto de tornálo “real” (COSTA, 2001). Vale lembrar, que embora este seja construído culturalmente, este também colabora para sua construção, considerando que sua identidade é produzida individual e coletivamente (CASTELLS, 2002) Neste caso, destacamos a instituição escola como um dos espaços de excelência, encarregada do processo educativo de crianças, jovens e adultos (as), constituindo-se num dos lugares de práticas curriculares. Ou seja, lugar de construção de experiências, de formação e transformação de indivíduos a partir de concepções de homem e sociedade. Referimo-nos à escola surgida na Modernidade cujo movimento consiste na formação de sujeitos a partir de padrões estabelecidos socialmente. Esta escola desenvolveu-se numa perspectiva de homogeneização de indivíduos no sentido de normalização de corpos e mentes. A não correspondência do que é considerado normal para a escola é significado por ela como diferente, precisando ser “normalizado”. Nessa direção, a igualdade passa a ser um problema, uma vez que os indivíduos não são idênticos e, por isso, a luta pela igualdade entre eles reafirma a diferença. A esse respeito Scott(1988) apud Louro (2000, p. 46) afirma que “a igualdade é um conceito político que supõe a diferença”. Ou seja a luta deve ser pela equivalência entre os indivíduos. Nesse contexto, o par diferença/igualdade somente tem sentido, se compreendida, como igualdade de oportunidades inscrita na singularidade dos indivíduos. Vale lembrar que a relação igualdade/diferença está impressa nas relações sociais e na apropriação, por parte de determinados grupos, dos recursos materiais e simbólicos da sociedade. Isto é evidenciado na própria história da escola, conforme fica demonstrado no texto abaixo: Diferenças, distinções, desigualdades... A escola entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde seus inícios, a instituição escolar exerceu uma Kátia Patrício Benevides Campos 5423 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular ação distintiva. Ela se incumbiu de separar os sujeitos – tornando aqueles que nela entravam distintos dos outros, os que a ela não tinham acesso. Ela dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento. A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Ela também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela imediatamente separou os meninos e meninas ( Louro, 2001, p. 57 ). É importante reconhecer que dentre diversas instituições produtoras de diferenças entre sujeitos, destacamos a escola ocidental moderna que contribuiu com a produção cultural das diferenças a partir da diversidade da espécie humana. As diferenças inscrevem-se nos sujeitos que se diferenciam do padrão de normalidade marcados pela diferença física, cognitiva, comportamental, considerados culturalmente sujeitos com deficiências. Nesse sentido, discutiremos a seguir a deficiência como construção cultural na relação com a produção da diferença. A construção social da deficiência Numa concepção de deficiência como construção social sabemos que, historicamente, os indivíduos em situação de deficiências têm sido submetidos a diversas situações de marginalização social por serem tomados como grupos desviantes, em decorrência de diferenças orgânicas e/ou comportamentais. Considerando o padrão social de um indivíduo dito normal, estes são julgados como incapazes, inclusive, de participarem dos diferentes espaços e atividades sociais a exemplo de escolas, festas, mercado de trabalho e, outros. Tidos como improdutivos, grande parte desses indivíduos depara-se com situações que os impedem de transitar nas diversas instâncias públicas o que implica, a negação dos direitos humanos básicos a exemplo da apropriação digna a saúde, a educação, a cultura, ao lazer e outros. Na dimensão social, a deficiência inscreve-se como categoria específica para identificar diferenças individuais. Tal termo, após a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), foi substituído por necessidades especiais. Assim, evidenciamos a deficiência na relação com a produção da diferença, que construída, inscreveu a exclusão dos indivíduos sob diversas formas, presentes nos diferentes marcadores sociais: gênero, etnia, classe, aparência física, deficiência e, outros. De acordo com Omote (2004, p. 288), Kátia Patrício Benevides Campos 5424 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular Como fenômenos naturais, a diversidade ou a variabilidade intra-específica e as diferenças interindividuais representam um grande patrimônio, do qual pode depender a adaptabilidade da espécie em seu meio, assegurando, em última instância, a sua sobrevivência. Entretanto nem todas as características diferentes são intrinsicamente vantajosas. O caráter vantajoso ou desvantajoso as características adquirem em interação com o meio. (...) Assim, do ponto de vista dos processos naturais, as diferenças e a diversidade apresentadas pelas pessoas podem ser funcionais ou não em diferentes extensões e em diferentes situações (OMOTE, 2004, p. 288). Como fenômeno natural, a diversidade se dá na variedade da espécie humana produzida pelas diferenças orgânicas (patologias, traumatismos, etc) e ambientais ( físico-químico e psicossocial (Ibidem, 2004). A compreensão da diversidade da natureza humana inscrevem-se nos olhares das culturas. Cada uma delas constrói suas regras sociais com base no conceito de normalidade produzindo a diferença a partir das identidades classificatórias (LONGMAN, 2002). Tais identidades produzem a marginalização do indivíduo social marcada pela não incorporação e/ou inserção desqualificada dos sujeitos nas relações sociais e políticas Trata-se da negação desses indivíduos na igualdade de oportunidades, justificada pelo não enquadramento destes nos padrões sociais de normalidade. A esse respeito, Logman (2002, p. 1) faz as seguintes interrogações a partir de algumas situações de deficiência: Por que nomeá-lo ‘deficiente auditivo’, ‘deficiente visual’? Por que considerar deficiente aquele que sabe olhar e ver através de outros sentidos, ou tem uma experiência mais auditiva e/ou táctil do mundo? Por que considerar deficiente aquele que vê vozes ou tem uma experiência visual do mundo? Por que considerar deficiente aquele que tem uma outra cognitiva de pensar, que não estão inseridos na ‘norma/média’dos modelos piagetianos de resolver problemas? Por que ser singular é ser deficiente? Qual o cruel e escuso processo transformou uma diferença em falta, em negação, em inferioridade, fora da média, em deficiente? Tecer essas perguntas significa problematizar os modelos naturalizados da deficiência e tentar romper com modelos construídos na sociedade como verdades absolutas em que padrões de normalidade condicionam toda a vida social. Por não se adequarem aos modelos vigentes, os indivíduos classificados como deficientes carregam Kátia Patrício Benevides Campos 5425 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular os estigmas1 da incompetência e improdutividade inscrevendo o sujeito no descrédito e inferioridade moral e social (Ibidem, 2002). Entendemos que as diferenças inscritas nestes sujeitos são produções culturais, uma vez que, as sociedades em geral têm grande dificuldade em conviver com a diversidade humana. A possível quebra da normalidade produz o processo de marginalização social justamente para enquadrar os mais capazes ao sistema produtivo, deixando a margem aqueles considerados inapropriados para o sistema (FERNANDES, 1998). Nesse sentido, o autor refere-se a Gofman (1978) e Foucault (1977) quando analisam o nascimento das instituições como manicômios, prisões e outros, como uma das formas de proteger a sociedade contra os indivíduos que ameaçavam a ordem vigente. No século XIX, estas instituições objetivavam adapta-los ao sistema normalizador. Tais instituições são localizadas e analisadas por Foucault (1991) como um dos lugares onde o poder disciplinar é exercido, uma vez que, nesses lugares, são investidas estratégias políticas colocando em funcionamento um discurso disciplinar produzindo um regime de “normalidade”. Assim, as normas sociais são estabelecidas pelas diferentes culturas, com exceção, “as que se referem às deficiências orgânicas ou físicas” (FERNANDES, 1998). Para a autora, as anormalidades devem ser analisadas nas relações entre os indivíduos, considerando a implicação do Estado nos seus deveres e nas suas relações de classe, uma vez que, tais relações são produzidas socialmente nas esferas econômica, política e cultural. Compreendemos que a importância da diferença, consiste no reconhecimento de singularização dos indivíduos. A esse respeito, Louro (2001, p. 46) referindo-se a Scott, afirma: “a igualdade é um conceito político que supões a diferença. Segunda ela (Scott), não há sentido em reivindicar a igualdade para os indivíduos que não são idênticos, ou que são os mesmos”. Dessa forma a luta deve ser em torno da equivalência entre eles, no sentido de direitos e deveres iguais para todos. Tal compreensão implica em ver a igualdade na diferença como possibilidade de construção de relações mais democráticas, em que as diferenças entre os indivíduos possam ser consideradas como outras possibilidades de relações a partir do diverso. Pensar a diferença inscrita na 1 Os estigmas são construções culturais inscritas nos sujeitos. Marcados socialmente por faltas, geralmente, estão à margem das condições dignas de sobrevivência, tornando-os muitas vezes, desacreditados (OMOTTE, 2004 apud GOFFAMAN, 1993). Kátia Patrício Benevides Campos 5426 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular deficiência significa problematizar as identidades dos indivíduos, que se encontram em situações de desigualdade social perante os considerados normais. Entendemos que a identidade traduz significado e vivência de um povo construída na relação entre o eu e o outro caracterizada pelo particular e universal das variadas culturas. A identidade se constrói a partir de um processo de significação com base no conjunto de elementos culturais portadores também de significados (CASTELLS, 2002). A identidade corresponde ao processo de individuação e internalização gerada na construção de significado pelo indivíduo. Tais significados também são construídos a partir das instituições as quais negociam os papéis sociais. Os papéis sociais diferenciam-se das identidades, pois são construídos pelas organizações sociais a partir de negociação entre instituições e indivíduos. Nas palavras de Castells (2002, p. 23), A importância relativa aos papéis no ato de influenciar o comportamento das pessoas depende de negociações e acordos entre os indivíduos e essas instituições e organizações. Identidades, por sua vez, constituem fontes de significado para os próprios atores, por eles originadas, e construídas por meio de um processo de individuação. Embora [...] as identidades também possam ser formadas a partir de instituições dominantes, somente assumem tal condição quando e se os atores sociais as internalizam, construindo seu significado com base nessa internalização. Desse modo, a compreensão acerca de identidades é significada a partir de diversos marcadores sociais (raça, gênero, sexualidade, aparência física, deficiência etc.), uma vez que constituem e são constituidores de identidades sociais múltiplas, formadoras de indivíduos, relacionando-se com diversas instâncias e instituições, convivem com diferentes grupos e negociam situações. Nesse caso, destacamos a deficiência como reconhecimento da diversidade humana em que as diferenças entre os indivíduos foram produzidas, quase sempre, de modo pejorativo. Diante do exposto, apresentamos numa dimensão curricular da Educação Especial um pouco da trajetória social do indivíduo com deficiência no contexto social. Marcada, historicamente, por quatro grandes períodos, encontraremos diferentes compreensões sobre o indivíduo com deficiência na relação com concepção de humanização, bem como as intervenções atribuídas a este, de acordo com os tempos históricos, políticos, econômicos e culturais. Importante esclarecer que ao tratar de Kátia Patrício Benevides Campos 5427 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular períodos, devemos compreendê-los como momentos predominantes em cada época e lugar. A Educação Especial: uma trajetória curricular No contexto da Educação Especial, identificamos quatro períodos no desenvolvimento do atendimento a indivíduos com deficiências em países da Europa e América do Norte (KIRK e GALLAGHER, 1979: MENDES, 1995; SASSAKI, 1997, apud MIRANDA, 2004 ). O período pré-cristão e cristão dividido em dois momentos: o primeiro marcado pela negligência, abandono e eliminação dos indivíduos com deficiências. A sociedade naturaliza tais atitudes por se tratarem de indivíduos que viviam a parte do contexto social considerado “normal”. Em outro momento, o tratamento dava-se de acordo com as compreensões sobre castigo ou caridade, obedecendo as diferentes concepções culturais das comunidades (Ibidem, 2004) Nos séculos XVIII e meados do século XIX, é marcado pelo período da institucionalização, em que o processo de segregação significava proteção do indivíduo com deficiência. Tais práticas aconteciam em instituições residenciais. O terceiro período, final do século XIX e meados do século XX se constitui pelo surgimento de escolas e/ou classes especiais em escolas públicas, objetivando desenvolver o trabalho diferenciado da educação na escola regular. Sua ênfase se dava a partir de um serviço especializado que comportava recursos, profissionais, técnicas e métodos para o trabalho com o ensino e aprendizagem dos alunos de acordo com as especificidades de cada um, em ambiente próprio. O último período, final do século XIX, década de 1970 voltado para a concepção de integração tendo como propósito a integração do aluno com deficiência em ambientes escolares, considerando a importância da aproximação e inserção desse indivíduo. No Brasil, a partir da década de 1990, a Educação Especial responde pela necessidade educacional especial advinda do aluno na relação com o contexto históricocultural de aprendizagem. Sua preocupação pedagógica considera o aluno a partir das condições reais de aprendizagem no tocante ao aluno e aos sistemas escolares, portanto, não somente as questões de alunos com deficiência e/ou com Transtornos Invasivos do Kátia Patrício Benevides Campos 5428 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular Desenvolvimento, o que sugere uma vasta compreensão sobre necessidades educacionais especiais, inclusive uma maior problematização da proposta pedagógica das unidades escolares. Esta compreensão abre espaço para uma relação de ensino pautada numa dimensão mais democrática uma vez que a análise da relação ensinoaprendizagem passa ser contextualizada. Nesse processo, o currículo escolar, o aluno, o espaço e tempo escolar, a metodologia, as concepções de ensino e, outros elementos são considerados fundamentais para o processo educativo. Considerando a abrangência da Educação Especial voltado para aqueles que, ainda, se encontram à margem do processo educacional inclusivo, destacamos o seu valor enquanto diretriz importante para a compreensão do ensino-aprendizagem do indivíduo em situação de deficiência. Desse modo, discutiremos a Educação Inclusiva como importante política para o processo de redemocratização das relações o que implica na luta pela Educação Especial como garantia e suporte para aqueles que necessitam de um atendimento especializado de acordo com as suas singularidades. A Educação Inclusiva: uma possibilidade A Educação Inclusiva se constitui para os indivíduos com deficiência um espaço de acesso e permanência de todos na escola. Consiste em criar mecanismo de trabalho considerando o espaço escolar, o conteúdo programático, os ritmos de aprendizagem, uma melhor formação do professor, os recursos necessários e, outros que favoreçam um melhor processo educativo. Nas palavras de Figueiredo (2002, p. 68) Inserir na escola aqueles que dela foram excluídos, sem que esta seja redimensionada dentro de um novo paradigma, é dar continuidade ao movimento de exclusão, visto que, se a escola permanece com práticas excludentes e concepções políticos-pedagógicas conservadoras, esses alunos serão excluídos ou permanecerão sem obter nenhum sucesso em sua aprendizagem e no seu desenvolvimento. Implica na necessidade de desconstrução de práticas pedagógicas conservadoras as quais colaboram para a discriminação dos indivíduos com deficiência. Assim, Figueiredo (2002) afirma a importância de problematizar concepções e valores de Kátia Patrício Benevides Campos 5429 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular modelos segregacionistas e preconceituosos, bem como sair do registro de soluções paliativas para o processo educativo. No contexto de negação dos direitos sociais, várias são as lutas em torno da democratização das relações o que implica na política de inclusão social. É pertinente reconhecer que a inclusão social significa, dentre outros: 1) o acesso do sujeito aos diferentes espaços; 2) minimização dos mecanismos de marginalização e; desenvolvimento de estratégias de beneficiamento para o indivíduo com deficiência de forma que possibilite o desenvolvimento das diferentes habilidades e capacidades de acordo com singularidades de cada sujeito (Ibidem, 2002). Nessa perspectiva a Educação Inclusiva passa a fazer parte da agenda das nações resultando em Políticas Públicas de Educação. Assim, a inclusão desses indivíduos na escola comum a partir da década de 1990 passa a ser diretriz importante em diversos países, inclusive no Brasil. De acordo com Glat e Blanco (2007, p. 16) A política da Educação Inclusiva diz respeito à responsabilidade dos governos e dos sistemas escolares de cada país com a qualificação de todas as crianças e jovens no que se refere aos conteúdos, conceitos, valores e experiências materializadas no processo ensino-aprendizagem escolar, tendo como pressuposto o reconhecimento das diferenças individuais de qualquer origem. Reconhecemos um avanço significativo expresso por algumas políticas públicas sociais as quais representam ações em torno da luta pelo direito à dignidade do indivíduo com deficiência. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas (O.N.U., 1948), reconhece os direitos e valores relativos à dignidade humana a todos os membros da família, estabelecendo direitos iguais independente de raça, nacionalidade, sexo ou qualquer diferença, ampliando os espaços políticos e sociais, o que significa incorporação do conceito de indivíduo no respaldo institucional legal do ocidente. Aranha (2004) aponta ainda: 1) A Constituição Federal do Brasil (1988) que garante o direito aos indivíduos com necessidades especiais na rede regular de ensino; 2) O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que assegura no Artigo III o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1990); 3) a Declaração Mundial, em 1990, tratada na Tailândia sobre Educação, a qual estabelece um Plano de Kátia Patrício Benevides Campos 5430 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular ação para suprir as necessidades básicas de aprendizagem ao indivíduo com deficiência explicitando, no item 5 do Art. 3ª a necessidade de se (...) Tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e quaisquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo (UNESCO, 1990) e; 4) a Declaração de Salamanca, em 1994, firmando o compromisso dos governos no tocante à inclusão dos indivíduos com deficiência nos sistemas de ensino apelando para medidas. Como projeto político, a Educação Inclusiva tende a se fortalecer reafirmando o direito de acesso e permanência de todos os alunos na escola, independente da origem social, etnia, aparência física, deficiência, identidade sexual e outras marcas sociais (BRITZMAN, 1998). Sob esta perspectiva é a Educação Inclusiva constitui-se uma espaço aberto à política de representação de diferentes grupos sociais que lutam para reconhecimento dos seus diferentes modos de expressão de seus valores, comportamentos, atitudes, ou seja, diversas formas de manifestações culturais, políticas e sociais. Na atual dimensão do contexto escolar, a Educação Inclusiva traz importantes reflexões exigindo o repensar das compreensões e práticas sobre o ensinoaprendizagem, considerando que o acesso ao conhecimento como uma condição necessária para o desenvolvimento humano na contemporaneidade, uma vez que, a sociedade exige cada vez mais a aprendizagem de diferentes habilidades e tipos de conhecimentos. Como direito de todos à aprendizagem passa a ser uma das ferramentas mais importantes nos processos de socialização, do desenvolvimento cognitivo, econômico, cultural e psicossocial dos indivíduos. Assim, estudos voltados à Educação mostram sua importância para/na efetivação da inclusão social como uma possibilidade de acesso aos diversos saberes relacionados à vida cotidiana. Ou seja, referimo-nos ao direito de escolha, de participação dos problemas familiares e escolares, a tomada de decisões sobre determinada situação, a resolução de situações simples e complexas como escolher uma roupa para vestir e/ou participar de uma discussão política na escola ou em outro ambiente. Tais questões englobam o indivíduo na subjetividade e praticidade da sua vida, o que vem colaborar para o processo em construção de uma sociedade mais democrática quando tratamos da inclusão de indivíduos com deficiência (BRAUN & GLAT, 2007). Kátia Patrício Benevides Campos 5431 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular É importante ressaltar que a Educação Inclusiva, historicamente, tem feito parte das agendas de lutas das camadas populares, no tocante ao acesso e permanência a escola e a outros espaços educativos, ao direito ao conhecimento, ao reconhecimento das diversas formas de representações culturais de diversos grupos, entre outros. Luta, que se dá mais fortemente, a partir do século XIX quando estes grupos compreenderam que o acesso ao saber constitui-se num importante instrumento para a mudança da vida, econômica, cultural e social. Considerações Finais A perspectiva de currículo como construção, cuja compreensão se dá a partir de realidades sociais e culturais, passa a entendido como importante instrumento filosófico, político, econômico e cultural. Impresso nas variadas identidades corporifica visões de homem, mundo e sociedade as quais são legitimadas pela prescritividade materializada em/por diferentes instituições. Na Educação, a prescritividade comporta ideários de educação, sendo resignificada e disseminada em diversas instituições, principalmente na escola considerada principal instituição responsável pelo processo educativo formal. (SILVA, 1999). Assim, o currículo revela o seu poder de liderança das questões sociais, políticas, econômicas e culturais que determinam e legitimam tipos de sociedades. Nessa direção, urge a necessidade de uma compreensão de currículo que contemple identidades sociais e culturais, pois as questões curriculares estão diretamente relacionadas com a produção de identidades e subjetividades. Tal produção permeia o espaço escolar, o qual não atende mais às demandas de um mundo social onde o currículo foi formado. Significa dizer que o currículo está intrinsecamente comprometido com uma sociedade em transformação, que não mais comunga com formas de dominação ligadas à opressão, à exclusão, e aos preconceitos. Nesse sentido, a Educação Especial no contexto da Educação Inclusiva, tem como função o atendimento especializado, uma vez que passa a ser suporte para as escolas regulares, objetivando atender as diferentes especificidades demandadas pelos alunos. Assim, um dos ganhos da resignificação da sua função consiste na problematização do contexto de aprendizagem como um dos elementos fundamentais, Kátia Patrício Benevides Campos 5432 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular podendo contribuir para a diminuição da condição do fracasso do aluno na escola.. Compreendemos que como suporte importante para o processo educativo escolar, a Educação Especial, se levada a sério, poderá ajudar a mapear e redefinir condições de aprendizagem mais justas, de acordo com as necessidades educacionais especiais, não somente do indivíduo com qualquer tipo de deficiência. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ARANHA, M.S.F. Educação Inclusiva: Transformação social ou retórica?. In: OMOTE S. (Org.). Inclusão – Intenção e Realidade – Conferência proferida durante a VII Jornada de Educação Especial, UNESP – CAMPUS Marília: Fundep, 37-60, 2004. BERTICELI, Ireno Antônio. Currículo: tendências e filosofia. In. COSTA, Marisa Vorraber. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 159-76. BRASIL. Constituição Federal. República Federativa do Brasil, 1988. BRITZMAN, D. P. Sexualidade e cidadania democrática. In. SILVA, Luiz Heron (Org.). A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. CASTELLS, M. Paraísos Comunais: identidade e significado na sociedade em rede. In. ______ . O poder da identidade. (A era da informação: economia, sociedade e cultura). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. Capítulo 4. COSTA, Marisa Vorraber. Etnia. raça e nação: o currículo e a construção de fronteiras e posições sociais. In. COSTA, Marisa Vorraber. (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.69 - 83. FIGUEIREDO, R. V. de. Políticas de inclusão: escola-gestão da aprendizagem na diversidade. In: D. E.G. Rosa & V. C. D. S. (Orgs.). Políticas organizativas e curriculares, educação inclusiva e formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002, p. 67-77. FERNANDES, A. V. M. Educação especial e cidadania tutelada. In: SILVA, C. B. da; MACHADO, L. M.; MACHADO, A. V.. (Orgs.). Nova LDB: trajetória para a cidadania? São Paulo: Arte & Ciência, 1998. FOUCAUT, Michel . Vigiar e punir. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1991. Kátia Patrício Benevides Campos 5433 Diferença, Diversidade e Deficiência: uma trajetória curricular GLAT, R. & BLANCO, L. de. M. V. Educação Especial no contexto da Educação Inclusiva. In: GLAT, R. (Org.). Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 15-35, 2007. GOFFMAN, E. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução: Mathias Lambert. LOCAL, ED, 1980. LOURO, Guacira Lopes. Sexualidade e gênero na escola. In: SCHIMIDT, Sarai. (Org.). A educação em tempos de globalização. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 69-73. ______ . Corpo, escola e identidade. Educação & Realidade. Porto Alegre: UFRGS/FACED, v. 25, n. 2, p. 59-75, jul./dez. 2000. LONGMAN, L. V. Classificação: uma Pedagogia da exclusão. In: Revista Gestão em Rede, outubro, 2002. MIRANDA, A. A. B. História, Deficiência e Educação Especial. Revista Histedbr. On-line, Campinas, nº 15, p. 1-7, 2004. OMOTE S. Inclusão: da intenção à realidade. In: OMOTE S. (Org.). Inclusão – Intenção e Realidade. Marília: Fundep, 113-143, 2004. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UNESCO. Declaração Mundial sobre educação para todos. 1990. Resultado da Conferência sobre Educação para Todos – satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, Tailândia, 5 a 9 de março de 1990. ______. Declaração de Salamanca e enquadramento da ação na área das Necessidades Educativas Especiais. Espanha, 1994. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte. Kátia Patrício Benevides Campos 5434 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” O CURRÍCULO EM TEMPOS DE INCLUSÃO: A IMPORTÂNCIA DA ARTE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA PORTADORA DA SÍNDROME DE DOWN Márcia Paiva de Oliveira Maria Elizabete Costa de Souza JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down O CURRÍCULO EM TEMPOS DE INCLUSÃO: A IMPORTÂNCIA DA ARTE NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA PORTADORA DA SINDROME DE DOWN Márcia Paiva de Oliveira1 Maria Elizabete Costa de Souza2 RESUMO: O presente artigo busca refletir a importância do ensino da arte no desenvolvimento intelectual e emocional da criança portadora da Síndrome de Down. Num primeiro momento, faz algumas considerações sobre o tratamento que é dado ao ensino de artes nas escolas, sobretudo, nas escolas que atendem as crianças portadoras de necessidades educativas especiais. Num segundo momento, considerando que os portadores de necessidades educativas especiais, a exemplo do portador da Síndrome de Down, tem os direitos inerentes a todos os cidadãos, segundo o documento “Política Nacional de Educação Especial” MEC/SEESP, discorre sobre esses direitos, em especial o direito a educação, apontando que, embora a “escola inclusiva” em seus discursos proponha a valorização da diversidade, as políticas públicas para a educação inclusiva dos portadores de necessidades especiais trazem propostas curriculares que trilham caminho da concepção do ajustamento social, no qual a prioridade não é educar, mas corrigir e moldar comportamentos. Por fim, aponta a necessidade de que o currículo, efetivamente, contemple o ensino das artes e que os educadores assumam o compromisso político de possibilitar ao aluno uma prática pedagógica capaz de levá-los a conhecer o seu repertório cultural e entrar em contato com outras referências, sem que haja a imposição de uma forma de conhecimento sobre outra, sem dicotomia entre reflexão e prática. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Artes. Currículo. Síndrome de Down. Introdução Sendo a escola o primeiro espaço formal onde se processa o desenvolvimento educacional da criança, nada melhor do que começar por aí o contato sistematizado com o universo artístico e suas linguagens: artes visuais, música, teatro e dança. Contudo, o 1 Mestre em Educação pelo [email protected]. 2 Programa de Pós-graduação em Educação/UFPB. E-mail: Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação/UFPB. E-mail: [email protected]. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5438 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down que se percebe no cotidiano escolar, em especial do ensino fundamental, é que o ensino da arte geralmente é visto como uma atividade recreativa e de lazer, quando não, um passatempo. Em se tratando do ensino das artes para as escolas que atendem as crianças portadoras de necessidades educativas especiais, sobretudo, o infante Down, parece que o descaso é maior, visto que não se percebe a importância das atividades artísticas para o desenvolvimento intelectual e emocional dessas crianças. No dizer de Reis (2006, p.71), com base no texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais: Dentre as muitas tarefas urgentes colocadas hoje para a escola está o desafio de serem superadas as visões reducionistas e preconcebidas sobre a arte, bem como a de conferir ao trabalho de arte um estatuto à altura da importância da lei que tornou obrigatório o ensino de arte nos diversos níveis da educação básica. Através do espaço educativo pode-se, efetivamente, possibilitar o acesso à arte a uma grande quantidade de crianças portadoras, ou não, de necessidades educativas especiais. Vygotsky (apud Iavelberg, 2003) diz que a atividade da imaginação recria ou reproduz aquilo que já existe, ou seja, as nossas experiências conservadas mentalmente. Quando essas experiências são recriadas, é a função criadora do cérebro que está atuando. A atividade criadora modifica a realidade presente. Imaginação e fantasia, termos usados como sinônimos por Vygotsky são nomes dados a essa atividade que projeta o ser humano para o futuro, para a ação de criar e recriar. De modo geral, as crianças se deparam com a necessidade de apreensão de significados e códigos desde o início das suas vidas. Algo que também se observa no contato destas com as várias formas de arte. Esta necessidade de apreensão se torna ainda mais presente quando há o ingresso na escola. Assim, se o processo se intensifica quando as crianças aprendem, entre outras coisas, a leitura, a escrita, as operações matemáticas básicas, o interesse infantil também se abre na escola, ainda mais para as estruturas visuais da arte. Sob está ótica, busco as palavras de Iavelberg (2003, p.11) ao afirmar que “aprender em arte implica desafio, pois a cultura e a subjetividade de cada aprendiz alimentam as produções, e a marca individual é aspecto constitutivo dos trabalhos”. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5439 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down Entretanto, as crianças necessitam de expectativas e representações positivas a seu respeito, seja por parte dos pais ou dos professores. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte deixa clara a importância do ensino de artes no contexto escolar, englobando as quatro linguagens artísticas, já mencionadas anteriormente, abordando cada linguagem separadamente, com indicações para o desenvolvimento de trabalhos que integram a Arte com as demais disciplinas do currículo. Ao analisar os PCNs-Arte, Iavelberg (2003) aponta a presença de pressupostos pós-modernos, expressos pela disponibilização da arte para o ensino. Ela considera que este é um encaminhamento essencial para superar diferenças e preconceitos, atribuindo ao multiculturalismo grande potencialidade de colaboração, através da escola, para a construção de um mundo mais solidário. Analisa ela que: Os currículos passam a priorizar a questão da diversidade nas estratégias individuais que os alunos constroem para aprender. [...] Os projetos curriculares contemporâneos levam em consideração tanto os processos de aprendizagem do aluno como a natureza dos objetos de conhecimento que constituem as áreas. (p.35 e 40) Outros autores que tratam do ensino de arte reafirmam a importância dessa área para o desenvolvimento de crianças. A exemplo de Ana Mae Barbosa (2003) que em seu livro Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte, deixa claro o potencial da arte como área de conhecimento que favorece o desenvolvimento infantil: Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2003, p.18) Algumas atividades artísticas como o teatro de sombras é o fluir da própria criatividade como meio das vivências de experiências autotélicas. Tais vivências são as bases conceituais do método de intervenção corporal de André Lapierre e do método de consciência corporal de Rudolf Laban voltado à educação. Contribuição dos métodos na ampliação da percepção, observação e atuação do educando e do educador. Esse último, Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5440 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down muitas vezes tendo que lidar com os conteúdos das linguagens de forma polivalente e até o pequeno número de horas destinadas ao ensino das linguagens artísticas. Inclusão e formação do portador da síndrome de Down no contexto escolar Atualmente não se pode precisar até que grau de desenvolvimento e autonomia a pessoa com Síndrome de Down pode atingir, mas acredita-se que seu potencial é muito maior do que se considerava há alguns anos. Nos dias atuais, com o advento das novas tecnologias da informação, e algumas experiências de utilização didáticopedagógica desses recursos, esses alunos, inclusos no sistema regular de ensino, têm demonstrado desempenho cada vez melhor. Os programas educacionais da dita “escola inclusiva” preocupam-se com a independência, a escolarização e o futuro profissional dos indivíduos portadores de necessidades especiais. Os conteúdos acadêmicos são voltados não só para a leitura, escrita e as operações matemáticas, mas para a preparação do indivíduo para a vida e isso deve incluir a intimidade com as ações computacionais. Entretanto, a independência objetivada neste tipo de programa engloba desde habilidades básicas, como correr, a utilização funcional da leitura, do transporte, do manuseio do dinheiro e o aprendizado para tomar decisões e fazer escolhas, bem como assumir a responsabilidade por elas. Normalmente, as escolas públicas e privadas já contam com a disciplina Artes no currículo escolar. Mas, as experiências com artes também devem ser proporcionadas efetivamente aos alunos especiais. Tal afirmação se apóia no documento “Política Nacional de Educação Especial” MEC/SEESP (1994, p.22), que na revisão conceitual afirma que “normalização é o princípio que representa a base filosófico-ideológica da integração”. Não se trata de normalizar as pessoas, mas sim o contexto em que se desenvolvem, ou seja, oferecer aos portadores de necessidades especiais, modos e condições de vida diária o mais semelhantes possível às formas e condições de vida do resto da sociedade. É importante lembrar que a lei garante as pessoas portadoras de necessidades educativas especiais os direitos inerentes a todos os cidadãos, entre eles, o direito de viver na sua comunidade, o direito à dignidade, à saúde, à educação, ao emprego e ao lazer. Estes direitos não devem ficar só no papel. É preciso conscientizar a sociedade, as Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5441 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down famílias e principalmente as próprias pessoas com Síndrome de Down, para que elas possam reivindicar o respeito a esses direitos, e a escola tem um papel fundamental nesse sentido. Em linhas gerais, em se tratando da educação de portadores de necessidades especiais, encontramos a tese da escola inclusiva por um lado, como aquela capaz de trabalhar com a diversidade e especializada na educação de todas as crianças indistintamente; por outro, o ideário da escola especializada para portadores de necessidades especiais. Em ambas as concepções, o currículo entra em evidência como uma questão que passa a ser estudada e debatida de forma diversificada, tanto em âmbito nacional quanto internacional. Segundo Mazzotta (2000), com o advento da Constituição Federal de 1988, da Lei 7583/89, da Conferência Mundial sobre Necessidades Básicas de Aprendizagem, aprovada em Jomtien/Tailândia em 1990, do Plano Decenal de Educação para todos (1993/2003), da Política Nacional de Educação Especial (MEC/1993), da Declaração de Salamanca/1994, da Lei 9394/96 (LDB), do Decreto 3298/99, têm sido registradas intenções e determinações sobre a importância e a necessidade de uma escola para todos ou escola inclusiva. A declaração de Salamanca é o documento inspirador da maioria das políticas mundiais de inclusão na educação. Convém destacar, que também produções científicas realizadas na área de currículo em educação especial nos levam a afirmar o quanto a postura, inicialmente clínica e posteriormente psicoeducacional, negligenciaram análises mais críticas diante dessa temática. Essa parece ser uma lacuna que, só recentemente começa a ser contemplada, como em estudos de Sstainback & Stainback (1999), Mazzotta (2000), Sassaki (1997), Voivodic (2004) que afirmam que educando todos os alunos juntos, as pessoas com deficiências têm oportunidade de preparar-se para a vida na comunidade, os professores melhoram suas habilidades profissionais e a sociedade toma a decisão consciente com o valor social da igualdade para todas as pessoas. Nesse âmbito, considera-se importante ressaltar como a pessoa com necessidades especiais foi representada historicamente e como sua educação foi relegada, sobretudo no Brasil. O indivíduo especial, rotulado de diferente e de improdutivo, parecia não necessitar de educação de qualidade. Tal fato contribuiu para práticas segregacionistas, que legitimaram currículos inadequados e alienantes, que não Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5442 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down serviram para garantir o direito às diferenças e a formação para a cidadania. Entretanto, sabe-se que todo indivíduo merece e precisa de uma educação que lhe prepare para a vida em sociedade, para o exercício pleno de sua cidadania, independente de suas diferenças. Observa-se que historicamente, diferença e deficiência foram concebidas como sinônimos, levando a não distinção entre limitações próprias da deficiência e limitações construídas na sociedade. Desta forma, os indivíduos com necessidades especiais foram considerados incapacitados e passaram a fazer parte de grupos segregados, que foram/são estigmatizadas, tal como outros grupos como índios, homossexuais, negros, e as classes populares em geral. A concepção de deficiência reflete a maturidade humana e cultural de uma sociedade, de uma cultura. A esse respeito, Stainback & Stainback (1999) diz que há duas perspectivas de compreensão das deficiências. A perspectiva das limitações funcionais foi predominante no passado e tem muitos seguidores ate hoje. Segundo este ponto de vista, a tarefa dos educadores é determinar, melhorar ou preparar os alunos que não foram bem-sucedidos, sem esforços planejados para adaptar as escolas às necessidades, aos interesses ou às capacidades particulares desses alunos. Os que não se adaptam aos programas existentes são relegados a ambientes segregados. Corroborando com o pensamento acima, Fonseca (1995) diz que há uma relatividade cultural que é tênue, sutil e obscura no processo de julgamento entre o deficiente e o não-deficiente, que de uma forma ou de outra procura afastar e excluir os indesejáveis, cuja presença pode perturbar ou ameaçar a ordem social. Com efeito, pode-se constatar que a Educação Especial foi fortemente influenciada pela idéia de que as deficiências são condições preestabelecidas, intrínsecas à individualidade e sem uma história social. Portanto, era preciso “normalizar a anormalidade.” (FERREIRA, 1995, 1998). No Brasil, as primeiras iniciativas em EE datam do período imperial e trazem historicamente as marcas da descontinuidade, da filantropia e do assistencialismo. É mais especificamente a partir da década de 60 que, timidamente, o poder público aponta ações à EE. Nas leis 4.024/61 e 5.692/71 não se dava muita importância para essa modalidade educacional: em 1961, já em 1971 o texto apenas indicava um tratamento especial a ser regulamentado pelos Conselhos de Educação. É certo que as leis, por si, não assegura direitos, especialmente Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5443 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down numa realidade em que a Educação Especial tem reduzida expressão política no contexto da educação geral, reproduzindo a pequena importância que se concebe às pessoas com necessidades especiais - ao menos às denominadas deficientes nas políticas sociais. É a partir da década de 90 que a Educação Especial reflete certo crescimento em relação à educação geral, mas especificamente após a LDB em 1996. Em decorrência desta Lei, hoje temos um considerável número de dispositivos legais na forma de Leis, Decretos, Portarias, Resoluções, Instruções e Medidas Provisórias no âmbito da Legislação Federal, Estadual e Municipal, que por si só não alteram a realidade social, mas que são avanços na área jurídica e na busca de direitos que foram negados a esse grupo de cidadãos. Exemplo disso é a própria LDB, que, no Cap. V, art. 58, afirma que a educação dos portadores de necessidades especiais se deve dar, preferencialmente, na rede regular de ensino. Esta questão tem gerado muita polêmica na comunidade em geral, principalmente na escolar e acadêmica, pois se, de um lado, a busca por uma educação de qualidade para todos é uma luta histórica, por outro, as políticas publicas, sustentadas em práticas neoliberais, apontam para a organização autônoma da população e para a formação de associações privadas, entendendo ser este o caminho para uma “sociedade igualitária”, têm causado incertezas e inquietações em relação à atuação do Estado na garantia e no cumprimento de suas obrigações para a efetivação de uma educação que respeite a diversidade. Mesmo com as polêmicas nos meios educacionais, o movimento pela educação inclusiva se intensifica a partir da Conferência Mundial de Jointiem, Tailândia, realizada em 1990, que apontou para a Educação para Todos, e é retomada na Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, ocorrida na Espanha, em 1994, que culmina na Declaração de Salamanca. Tais movimentos configuram um avanço nos direitos desses cidadãos As políticas públicas para a educação inclusiva de portadores de necessidades especiais trazem propostas curriculares que trilharam o caminho da concepção do ajustamento social, no qual a prioridade não é educar, mas corrigir e moldar comportamentos. A formação artística do portador da síndrome de Down ou de outros indivíduos portadores de necessidades especiais é relegada ou quase inexistente. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5444 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down Para discutir a formação artística dos portadores da Síndrome de Down, deve-se analisar as políticas de inclusão e as questões atuais da Educação Especial e o currículo neste contexto, convém elucidar como a mesma tem sido definida oficialmente. De acordo com a Política Nacional de Educação Especial e a LDB 9.394/96, a Educação Especial é uma modalidade educacional que se constitui através de um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal aos alunos que apresentam necessidades educacionais. Assim, requer uma prática formativa na qual os recursos e os programas pedagógicos correspondam às especificidades dos alunos que apresentam altas habilidades/superdotação, deficiência auditiva, visual, física/motora e múltiplas e condutas típicas de síndromes. A LDB 9.394/96 frente à EE traz alguns desdobramentos, como no artigo 59 inciso I, que respalda as adaptações curriculares, as quais merecem destaque para que se possa melhor avaliar as conseqüências das reformas educacionais brasileiras, que proclamam uma escola que atenda à diversidade, inspirada num modelo curricular que recebeu forte influência do pensamento de Cesar Coll, mentor da reforma espanhola e consultor no Brasil para construção dos PCNs. Por falar em PCNs, observa-se alguns aspectos do documento, tais como: “Adaptações curriculares dos PCNs para a educação de alunos com necessidades especiais”, produzido em 1999 pela Secretarias de Educação Fundamental e EE, que baseia-se no pressuposto de que a realização de adaptações curriculares visa atender às necessidades particulares de aprendizagem dos alunos. Bem como implicam em planificações pedagógicas e ações docentes fundamentadas em critérios que definem: o que, como e quando o aluno deve aprender, que formas de organização de ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem, como/quando avaliar o aluno. (MEC, 1999) Em relação às adaptações curriculares para o aluno com necessidades educacionais especiais deve-se repensar dois pontos, segundo Moreira (1997): a forma como vem sendo incluído o “aluno especial” no ensino regular, com escolas que, em sua grande maioria, não atendem suas necessidades básicas e com professores que não Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5445 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down receberam ao longo de sua formação, inicial ou continuada, subsídios concretos acerca desses alunos. Convém salientar que, após a promulgação da nova LDB, começou a ocorrer, em todo Brasil, a desativação de classes especiais, muitas vezes, sem a contrapartida da criação de outros apoios especializados indicados na legislação. Sabe-se que uma das principais barreiras para se efetivar a inclusão é o despreparo do professor para receber, em salas de aula superlotadas, não só o aluno com Sindrome de Down, mas também os com outras diferenças, e com todos aqueles que não se enquadram dentro do padrão imaginário do aluno “normal”. Esse aluno “diferente” é, para o professor, abstrato e desconhecido. Infelizmente, a grande maioria dos currículos dos cursos de formação continua privilegiando o aluno idealizado e o mito das classes homogêneas. Embora atualmente alguns aspectos da Síndrome de Down sejam mais conhecidos, e a pessoa trissômica tenha melhores chances de desenvolvimento, uma das maiores barreiras para a inclusão escolar e social destes indivíduos é o preconceito. No entanto, embora o perfil da pessoa com Síndrome de Down fuja aos padrões estabelecidos pela cultura atual - que valoriza, sobretudo, os padrões estéticos e a produtividade - a sociedade está se conscientizando da importância de valorizar a diversidade e de como é fundamental oferecer equiparação de oportunidades para que as pessoas diferentes exerçam seu direito de conviver e de ser útil na sociedade, ou seja, ter o seu direito a cidadania garantido. O atendimento educacional da criança com Síndrome de Down não pode ser visto através de rótulos e classificações. E fundamental analisar suas dificuldades de aprendizagem e suas necessidades especiais especificas, “[...] para que se possa considerá-las em uma perspectiva interativa dos fatores que determinam a intervenção educacional.” (VOIVODIC, 2004, p. 60). Observa-se que as escolas e seus educadores, quando preparados para receber pessoas com Síndrome de Down, têm relatado experiências muito bem-sucedidas de inclusão, inclusive para a formação ética das crianças ditas normais. Tal convivência tem se mostrado útil também na formação para a cidadania dos demais alunos, pois, aprendem a eliminar o preconceito e a aceitar as diferenças. A participação dos indivíduos com Síndrome de Down na escola regular é encarada cada vez com mais naturalidade e pode-se perceber que já existe a preocupação em garantir que os Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5446 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down programas curriculares voltados à formação inclusiva, de fato incluam a pessoa com deficiência. Neste sentido, Lima (1998) relata em seu artigo intitulado Inclusão escolar de crianças com Sindrome de Down: a prática nossa de cada dia a importância das adaptações curriculares e da orientação do professor para o êxito do processo de inclusão de crianças com Síndrome de Down. Torna-se clara a complexidade da inclusão e formação artística na escola regular, de portadores de necessidades educativas especiais, entre eles os indivíduos com Sindrome de Down. Os autores citados evidenciam os ganhos sociais e cognitivos que uma educação não segregada propicia. Porém, sua inclusão requer mudanças e o uso de recursos e de um currículo adaptado, para que essas crianças tenham atendidas suas necessidades educacionais, e que sejam formados, de fato, para o exercício da cidadania. As crianças portadoras da Síndrome de Down são comumente rotuladas de incapazes no tocante aos aspectos motores e cognitivos. Entretanto, pesquisas têm demonstrado o potencial que tem esses indivíduos quando são estimulados adequadamente. Pois, como bem diz Melero (1999) a inteligência não se define, se constrói. A genética representa apenas uma possibilidade, e as competências cognitivas são algo que se adquire. Outra característica da criança com SD é a no tocante ao processo de memorização. Segundo Voivodic (2004): Há também um déficit em relação à memória. A criança com SD não acumula informações na memória auditiva imediata de forma constante como a criança normal. [...] essa limitação na retenção de informação afeta a produção e o processamento da linguagem. A proposta de ensino em artes em escolas inclusivas implica a definição de encaminhamentos pedagógicos que contemplem: o desenvolvimento de habilidades de ver, observar, reconhecer, refletir, compreender, analisar, memorizar, interpretar como valores da construção do saber o para um entendimento mais claro das mensagens visuais, baseando-nos nesses pressupostos, acreditamos que o ensino das artes contribuem para o desenvolvimento global da criança portadora da Síndrome de Down, colaborando de forma significativa para o processo inclusivo. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5447 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down A construção dos processos inclusivos e de aprendizagem mediado pelas artes Arte é reconhecidamente um componente curricular e, como tal, tem conteúdos específicos que são ensinados e aprendidos pelos professores e seus alunos. Nessa perspectiva, o ensino de arte tem muitas funções, dentre elas o fazer artístico, a história da arte e a apreciação ou fruição artística. No dizer de Ana Mae (2003), é a proposta triangular. A arte-educação promove estes três aspectos em conjunto, visando uma formação mais consistente e ampla do indivíduo. Quando a criança é levada a experimentar e refletir sobre si e o mundo, que é o que a arte proporciona, é encaminhado nos passos do desenvolvimento do ser humano. Certamente, se é um benefício para as crianças ditas normais, é inegavelmente benéfico para os infantes portadores de necessidades educativas especiais, inclusive o Down. Muitos educadores estão começando a entender que a arte é a porta para a compreensão da cultura e da diversidade cultural. Por isso, os componentes do ensino da Arte é o fazer, mas também a leitura, a alfabetização cultural que podemos dar às crianças e a contextualização, ou seja, o entendimento da arte dentro da cultura geral. Sustenta Ana Mae (2003). "O componente realmente socializador é a contextualização". Entretanto, a concepção de arte no espaço escolar na atualidade implica numa expansão do conceito de cultura, ou seja, toda e qualquer produção e as maneiras de conceber e organizar a vida social são levadas em consideração. Cada grupo inserido nestes processos configura-se pelos seus valores e sentidos, e são atores na construção e transmissão dos mesmos. Pois a cultura está em permanente transformação, ampliandose e possibilitando ações que valorizam a produção e a transmissão do conhecimento. Este processo pedagógico busca a dinâmica entre o pensar, o sentir e o agir. Promovendo uma interação entre saberes e práticas relacionadas à história e às culturas das sociedades, possibilitando uma relação ensino/aprendizagem de forma efetiva, a partir de experiências vividas, múltiplas e diversas e em diversos contextos, tais como: sala de aula, atelier, teatro, museus, entre outros. Considera-se também nesta proposta a vertente lúdica como processo de construção e resultado construtivo, tal vertente como conteúdo e forma. Reconhecendo a arte como ramo do conhecimento, contendo em si um universo de componentes pedagógicos, os professores poderão abrir espaços para manifestações Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5448 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down que possibilitam o trabalho com a diferença, o exercício da imaginação, a autoexpressão criadora, a descoberta e a invenção, novas experiências perceptivas, experimentação da pluralidade, diversidade e multiplicidade de valores e, sentido. Uma programação curricular não pode tornar a arte num elemento decorativo e festivo, apenas suscitado em datas comemorativas. A arte valoriza a organização do mundo das crianças, seu auto-entendimento, assim como o relacionamento com seus pares e com os adultos, bem como, com o seu meio. Assim sendo, contextualizamos o trabalho na vertente do lúdico e do fazer, com a ação mais significante do que os resultados. Ou seja, não se propõe atividades que não tenham um objetivo, um fim em si mesmo, mas o processo é mais valorizado que o produto. Os resultados dos processos podem ser uma etapa ou sua finalização em espetáculos teatrais, coreográficos, musicais, exposições, mostra, performances etc. A finalização desses trabalhos não deve ser a meta principal para a sua realização, e sim a pesquisa e o desenvolvimento do educando nas respectivas linguagens artísticas, o crescimento da sua autonomia e a capacidade inventiva. Por isso os projetos devem levar em conta os valores e sentidos do universo cultural das crianças, possibilitando a vivência com o repertório já existente, assim como sua ampliação e novas possibilidades de expressão. Se partirmos do pressuposto de que a arte é algo “universal”, podemos concluir que o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade, dos horizontes cognitivos e da compreensão da criança do seu patrimônio cultural – processo de suma importância para a sua formação enquanto sujeito social – ocorre por causa do desmoronamento das barreiras lingüísticas, culturais e religiosas que acontece no contato com as obras de arte. Em outras palavras, mesmo que não saibamos nada a respeito da vida de pessoas que viveram em tempos e lugares distantes, as obras de arte que estas pessoas criaram possuem o poder, de uma maneira ou de outra, de nos encantar no presente com suas soluções pictóricas. Deste “encantamento” surge o interesse nos significados das obras e, a partir dos significados, começamos a penetrar nos universos pessoais, sociais, políticos e culturais dos criadores. Ora, o que poderia melhor derrubar barreiras e preconceitos a respeito de qualquer assunto se não o conhecimento e o interesse por este assunto: as artes? Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5449 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down Entender e estimular o ensino da arte nesta perspectiva tornará a escola um espaço vivo, produtor de um conhecimento novo, revelador, que aponta para a transformação. Pensemos numa educação estética a partir das reflexões de Silva (2005, p.161) “desenha-se a possibilidade de uma ação mediadora que promova uma outra forma de se ver a escola e as pessoas que dela participam”. De modo que se trabalhe [...] “arte como pesquisa visual, sonora, corporal e verbal.” Envolvendo experiência, discussão e reflexão, vinculadas à visão contemporânea da arte, do conhecimento e da produção criativa, vistas como históricas, temporais e culturais. Através do fazer, do apreciar e do contextualizar, as crianças abrem espaços para novas possibilidades na arte, almejando novas possibilidades de vida. A educação inclusiva pela arte propõe o diálogo reflexivo e o exercício da liberdade do pensamento, para que seja desenvolvida a identidade cultural e a consciência crítica. Assim, é enfatizado que a autonomia do pensamento é fundamental para o exercício da cidadania, para o desenvolvimento pessoal e social. Portanto, está intimamente ligado a essa habilidade de pensar por si mesmo, isto é, de o sujeito apresentar atitudes diante das situações com as quais se depara. Tais princípios educativos englobam não só o ensino da arte, como a educação de modo geral. A função social e educativa do ensino da arte, presente nos fundamentos teóricos e metodológicos das diretrizes curriculares e dos PCNs, da forma como foi proposta, pode levar os professores e as crianças à reflexão no ato criativo. O professor deve desenvolver a sua metodologia didática conforme a sua experiência e o universo social e cultural da classe em que atua, de maneira que a programação dos trabalhos artísticos desenvolvidos pelos alunos possa ser enriquecida com elementos inerentes aos seus próprios universos. Esse tipo de trabalho educativo, especialmente no contexto da escola inclusiva, requer muita sensibilidade por parte dos professores, não só a sensibilidade artistica, mas com o trato com o outro “diferente”. A esse respeito, Assmann e Sung (2000, p. 98) compreendem a sensibilidade “como condição a priori para que o outro possa irromper no mundo como outro”.Para Silva (p.48, 2008), “a idéia de inclusão pode ser caracterizada como o resultado de um processo criativo impulsionado pela necessidade de atender, reconhecer e, acima de tudo, valorizar as diversidades”. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5450 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down Esta maneira de propor o ensino da arte rompe barreiras de exclusão, visto que a prática educativa está embasada não no talento ou no dom, mas na capacidade de experienciar de cada um. Dessa forma, estimulam-se as crianças a se arriscarem a desenhar, representar, dançar, tocar, escrever, pois trata-se de uma vivência cotidiana, e não de uma competição. Uma proposta em arte que parta deste princípio traz para as suas atividades um grande número de interessados. Estas crianças se reconhecerão como partícipes e construtores de seus próprios caminhos. Dessa forma, a estruturação curricular direciona-se a preparar cidadãos com uma formação estética, capaz de dialogar com os códigos, semelhanças e diferenças dos diversos contextos culturais. O poder de observação e organização estética das crianças sairá ganhando, se através do “olhar”, do “ver”, do “adaptar”, do “criar” e do “transformar” as crianças compreenderem e apreciarem os métodos que o artista pode escolher para organizar as linhas, as formas e as cores presentes em seu quadro, sua própria criatividade. Deste trabalho decorre o desmoronamento de qualquer preconceito que se possa ter, sendo criança ou adulto, em relação às artes e ao que estas representam. Considerações finais Reconhecer que o fazer artístico e a apreciação estética contribuem para o desenvolvimento das crianças portadoras de necessidades educativas especiais, sobretudo, o infante Down , é ter a certeza da capacidade que elas têm de ampliar o seu potencial cognitivo e assim conceber e olhar o mundo de modos diferentes. Nesta perspectiva, é preciso, pois, que o currículo, efetivamente, contemple o ensino das artes e que os educadores assumam o compromisso político de possibilitar ao aluno uma prática pedagógica capaz de levá-los a conhecer o seu repertório cultural e entrar em contato com outras referências, sem que haja a imposição de uma forma de conhecimento sobre outra, sem dicotomia entre reflexão e prática. Trata-se de um desafio que, pela sua relevância social e educacional, deve ser superado. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5451 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down REFERÊNCIAS ASSMANN, Hugo; SUNG, Jung. Competência e sensibilidade solidária. Educar para a esperança. Petrópolis: Vozes, 2000. ASSMANN, Hugo. Cidadania: crítica à lógica da exclusão. In: Metáforas novas para reencantar a educação. São Paulo: Ed. da UNIMEP, 1998. BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. Porto Alegre: Meditação, 2003. BRASIL. Lei n. 9394/96 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Diário Oficial, Brasília, n. 248, 23 dez. 1996. BRASIL. MEC. Diretrizes básicas para a ação do Centro Nacional de Educação Especial. Rio de Janeiro: CENESP, 1974. ____. Plano Nacional de Educação Especial 1977/1979. Brasília: CENESP, 1977. ____. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: SEESP, 1994. ____. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1997. BRASIL. MAS. CORDE. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília, 1994. FERREIRA, J. R. A exclusão da diferença: a educação do portador de deficiência. Piracicaba: Unimep, 1995. ____. A nova LDB e as necessidades educativas especiais. Caderno CEDES, São Paulo, n. 46, 1998. IAVELBERG, Rosa. Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003. LIMA, S. C. Inclusão escolar de crianças com Sindrome de Down: a prática nossa de cada dia. In: Anais do III Seminário Paranaense de Educação Especial, 28-31/07/1998. Universidade do Professor, Faxinal do Céu, p. 70-71. MAZZOTTA, M. J. S. O trabalho docente e a formação de professores de educação especial. São Paulo: EPU, 2000. MEC. SEESP. Parâmetros Curriculares: adaptações curriculares – estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1999. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5452 O Currículo em Tempos de Inclusão: a importância da arte no desenvolvimento da criança portadora da síndrome de down MELERO, M. L. Aprendiendo a conocer a lãs personas con Síndrome de Down. Málaga: Aljibe, 1999. MOREIRA, L. C.; BAUMEL, R. C. R. C. Currículo em educação especial. Educar, Curitiba, n. 17, p. 125-137. 2001. Editora da UFPR. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS para o Ensino Fundamental. MEC/SEF. 1997. REIS, Ronaldo Rosas. Educação e estética: ensaios críticos sobre a arte e formação humana no pós-modernismo. São Paulo: Cortez, 2006. SILVA, Kátia Regina Xavier. Expressão da criatividade na prática pedagógica e a luta pela inclusão em Educação: tecendo relações. In: SANTOS, Mônica Pereira; PAULINO, Marcos Moreira. Inclusão em Educação: cultura, políticas e práticas. São Paulo: Cortez, 2008. SILVA, Silvia Maria Cintra. Psicologia Escolar e Artes: uma proposta para a formação e atuação profissional. Campinas: Alínea, 2005. STAINBACK S. ; STAINBACK W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. VOIVODIC, Maria Antonieta M. A. Inclusão escolar de crianças com Síndrome de Down. Petrópolis: Vozes, 2004. Márcia Paiva de Oliveira & Maria Elizabete Costa de Souza 5453 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” EDUCAÇÃO INCLUSIVA, DIFERENÇA E DEFICIÊNCIAS: CAMINHOS PARA A RESSIGNIFICAÇÃO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Márcia Torres Neri Soares JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares EDUCAÇÃO INCLUSIVA, DIFERENÇA E DEFICIÊNCIA: CAMINHOS PARA A RESSIGINIFICAÇÃO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Márcia Torres Neri Soares RESUMO: O presente ensaio objetiva discutir as Políticas e Práticas curriculares sob a ótica da Educação Inclusiva e as contribuições dos Estudos Culturais. Sabe-se que o respeito às diferenças tem feito parte dos discursos mais atuais da educação, contudo, ainda são visíveis as marcas de uma escola que não consegue atender a heterogeneidade das turmas e diversificar as estratégias curriculares no atendimento as necessidades de todos os estudantes, considerando nestes as características físicas, étnicas, culturais e ou sociais. Estas dificuldades demarcam a necessidade em se problematizar formas de atender à diversidade das turmas, não como uma atribuição exclusiva do professor, mas como um complexo de relações que, sob a ótica deste trabalho, precisam ser discutidas à luz do fértil campo de estudo dos Estudos Culturais. Dessa forma, objetiva-se apresentar contribuições sobre a diferença, a identidade e a deficiência e assim apontar caminhos para a constituição de novas e importantes Políticas e Práticas Curriculares. PALAVRAS-CHAVE: Curriculares. Educação Inclusiva, Diferença, Deficiência, Políticas Nunca se ouviu falar tanto em diferença e na Educação Inclusiva como na atualidade. Não apenas nos discursos que se inscrevem formalmente nas políticas governamentais, mas também mediante aqueles que se oficializam através da mídia, escola, família e outros, tem sido comum a máxima de que somos diferentes e de que precisamos ser respeitados em nossas singularidades. Contudo, diante de preconceitos historicamente enraizados e do despreparo advindo de um modelo cartesiano que fragmentando, esqueceu-se do todo e das diferentes formas de ser e fazer-se humano, muitas são as dificuldades em aprender a conviver com as diferenças. Assim, são explícitas inabilidades em compreender o outro da forma que é, e as estratégias para aproximá-lo daquilo que se gostaria que ele fosse. Márcia Torres Neri Soares 5457 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares Dessa forma, por entender a importância da temática relativa ao respeito às diferenças na perspectiva da educação inclusiva e numa tentativa de não colaborar com sua celebração acrítica, pretende-se, neste artigo, apresentar as contribuições de diferentes autores para o entendimento da subjetividade e das relações de poder embutidas na demarcação dessas diferenças. É importante esclarecer que, muito embora a educação inclusiva diga respeito à inclusão de todo e qualquer aluno ou aluna em situação de vulnerabilidade, tal como negros, mulheres, meninos de rua, indígenas, entre tantos, objetiva-se delimitar o presente estudo sobre os aspectos concernentes às pessoas com deficiência, foco central de interesse no desenvolvimento de minha dissertação de mestrado em andamento na Universidade Federal da Paraíba1, associando-o a enriquecedora gama de discussões do campo das Políticas e Práticas Curriculares. O ensaio, portanto, é fruto dos recortes realizados no amadurecimento e desenvolvimento das atividades desenvolvidas como discente da Linha de Estudos Culturais da Educação, suscitados pela rica possibilidade de discutir a demarcação de lugares, identidades e diferenças das pessoas com deficiência, através do amplo legado que autores como Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva, e outros, proporcionam aos estudos acadêmicos. Falar destes lugares é sempre aproximar-se dos limiares, de imposições, dos mecanismos de poder e do que a escola institui, convenciona como o padrão a ser seguido. Assim, é sempre espaço onde vozes podem ser silenciadas ou negadas. É espaço no qual, Políticas e Práticas Curriculares são veiculadas, vivenciadas, oportunizadas, redimensionadas e tão somente vividas. A fim de não se criarem outras expectativas, destaca-se mais uma vez que o presente trabalho aborda em seu bojo campos de estudo por demais complexos e que não é seu objetivo o aprofundamento de todas essas questões, reservando-se à tentativa de problematizar a inclusão da pessoa com deficiência e as políticas curriculares, sob o prisma das importantes contribuições dos Estudos Culturais. Tal possibilidade de estudo já foi muito bem demarcada por José Augusto Pacheco, ao afirmar que “Pós-colonialismo, Estudos Culturais e Currículo são vertentes 1 Pesquisa intitulada Programa Educação Inclusiva Direito à Diversidade: Um estudo de Caso Sobre a Estratégia de Multiplicação de Políticas Públicas. Márcia Torres Neri Soares 5458 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares que se cruzam, sobretudo quando o trabalho discente se faz num espaço de construção de identidades marcadas por dinâmicas sociais e ideológicas e por contextos multiculturais.” (PACHECO, 2005, p.101). Espera-se que esta seja uma oportunidade de inserir outros olhares; perspectivas de estudo à temática. Para isso, partir-se-á das contribuições teóricas já existentes a fim de suscitarem-se não respostas, mas questionamentos, novas reflexões que permitam ao assunto a seriedade e profundidade necessárias. Assim, inicialmente serão feitas algumas reflexões sobre a polissemia de alguns termos como diferença e diferencialismo, devido as suas divergentes conotações e natureza discursivas. Em seguida, avançar-se-á no entendimento das relações de poder implícitas no deslocamento das identidades e de, mais precisamente, sua relação com o outro, já que se parte do princípio de que “Esse “exterior” é constituído por todos os outros termos do sistema, cuja “ausência” ou falta é constitutiva de sua “presença.””. (HALL, 2003, p. 81). Afinal, que outro é esse na sociedade / escola que se pretende inclusiva? Quem delimita o seu espaço e suas possibilidades de desenvolvimento? Que Políticas Curriculares são instituídas? Há uma busca pela afirmação das diferenças? Quais diferenças? Essas e outras questões, exigem um acompanhamento e olhar bastante atentos para os jogos e mecanismos de poder que sutilmente se estabelecem. E finalmente, pretende-se avançar no entendimento de que a deficiência não pode continuar muitas vezes escondendo-se na busca de terminologias que primam em sua maior parte, escamotear as suas reais necessidades, para superar o que tem sido mais um discurso politicamente correto, “um mundo onde considera-se melhor não chamar o deficiente de deficiente, mas manter intactas as representações sobre ele.” (SKLIAR, 2003, p. 80), e só então assegurar condições reais de inclusão com equiparação de oportunidades a todos os alunos e alunas. Assim, o capítulo intitulado: “(Re) Pensando a inclusão da pessoa com deficiência na perspectiva dos Estudos Culturais: Caminhos para Políticas e Práticas curriculares” busca apontar formas para um repensar da pessoa com deficiência, entendida na trama das relações sociais e suas conseqüentes arbitrariedades. Ver o ser além da deficiência, desmistificar a vida de quem precisa ser visto por inteiro, em suas necessidades e inúmeras possibilidades, pode ser um dos grandes Márcia Torres Neri Soares 5459 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares desafios do século atual e, nesse sentido, entender as relações conflituosas existentes na transitoriedade e nos fragmentos de suas identidades, será, sem dúvida, um importante passo. Para início de conversa: as contribuições dos Estudos Culturais sobre diferença e diferencialismo. A discussão conceitual tem feito parte dos de conteúdos presentes na educação inclusiva. Sabe-se que a polissemia dos termos carrega conotações e explicações históricas e culturais, que não devem nem podem ser desconsideradas, afinal: Inspiradas nos binômios normalidade/deficiência ou normalidade/anormalidade originam-se inúmeras outras oposições, igualmente binárias, tais como: igualdade/diferença; diversidade/homogeneidade e que têm ocultado os entrelugares da polissemia dos termos e os interesses subjacentes, camuflando o conceito de diferença e... da diferença dentro da diferença! (CARVALHO, 2008, p.18). Por isso, é oportuna a reflexão, de que nem sempre quando se fala do respeito à diferença, pensa-se na diferença que é engendrada, na relação com o exterior e com muitas formas de dominação. Muitas vezes, o discurso da alteridade e da tolerância, esconde em si mesmo as dificuldades em aceitar o outro da forma que é. Nesse sentido, Stuart Hall, ao apresentar a conceituação de différance – signo caracterizado pela síntese do adiamento da presença e pela diferença – do autor Derrida, pontua que: O significado aqui não possui origem nem destino final, não pode ser fixado, está sempre em processo e “posicionado” ao longo de um espectro. Seu valor político não pode ser essencializado, apenas determinado em termos relacionais. (HALL, 2003, p. 58). Portanto, o respeito à diferença não pode se constituir um slogan convincente da educação inclusiva. Sua roupagem não pode ser transplantada, apropriada por quem diz se preocupar com a diferença apenas. Diferença não pode ser sinônimo de fixidez, assim como identidade também não o é. De igual modo, as pessoas não podem ser caracterizadas de uma mesma forma por possuírem uma mesma deficiência. O equívoco Márcia Torres Neri Soares 5460 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares de categorizar as pessoas com deficiência como marcadamente iguais pelos seus déficits, retrata a maneira como rotula-se e limita-se as capacidades individuais de cada um, cada uma, atribuindo-lhes condições de aprendizagem e perspectivas sócioculturais calcadas em princípios que elegemos como ideais. Através de binarismos - normal/patológico, eficiente/deficiente, dão-se razões suficientes para a própria razão humana, a fim de acomodarem-se dificuldades em compreender os distanciamentos daquilo que em alguns momentos, mais parece ser uma fuga íntima de um pedaço de cada um, cada uma. Então deve-se entender a diferença, como as marcas, características étnicas, físicas e culturais que cada ser humano carrega, acabando-se por definir a sua identidade? Deve-se lutar para que pessoas com deficiência e em alguns casos, a mulher com deficiência, negra e de baixa condição econômica (...) seja entendida em seus déficits que lhe marcam uniformemente? Teriam elas e eles as mesmas necessidades e a todos deveriam ser apresentadas iguais formas de desenvolvimento? Falar-se-ia em uma cultura da deficiência? Segundo a autora Rosita Edler de Carvalho (2008), a diferença tal como a identidade, não tem recebido os devidos encaminhamentos para a sua transitoriedade. Não é difícil deduzir, que numa sociedade marcada por um suposto padrão de normalidade, pessoas com deficiência tenham seus déficits como demarcadores de sua identidade, acarretando segregações e constantes discriminações. Isso acontece, porque ainda é comum a idéia de que as identidades sejam fixas e imutáveis. Por isso, muito embora a proposição de políticas inclusivas seja algo bastante propagado no cenário brasileiro e mundial, ainda se constata a negligência do direito à diferença e à igualdade na diferença, através de práticas que penalizam as pessoas ao pagamento do “ônus” decorrente de suas próprias deficiências. É urgente e necessário entender que: A identidade e a diferença não são entidades preexistentes, que estão aí desde sempre ou que passaram a estar aí a partir de algum momento fundador, elas não são elementos passivos da cultura, mas têm que ser constantemente criadas e recriadas. A identidade e a diferença têm a ver com a atribuição de sentido ao mundo social e com disputa e luta em torno dessa atribuição. (SILVA, 2000, p. 96). Márcia Torres Neri Soares 5461 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares Como se pode ver, o caráter mutável da identidade e da diferença exige uma tomada de atitudes e posicionamentos, sobretudo na escola que precisa estar aberta às diferenças. Tais atitudes devem romper com os estereótipos e com os pseudolugares atribuídos a inúmeros estudantes que por diferentes razões, sentem-se constrangidos a ocupá-los, se distanciando de suas reais necessidades e vontades. Por outro lado, quando se discursa a favor da igualdade na diferença, não se quer dizer que tais diferenças não precisem ser consideradas, pois com CARVALHO (2008) acredita-se que não se trata de negar as diferenças, enquanto condição singular de cada pessoa e, sim de analisar os “novos” modos de reconhecimento da diferença, em termos políticos e sociais. Não se trata, portanto, de normalizar a deficiência, outro mecanismo de obliteração das diferenças, que institui o engodo de que todos são deficientes, não necessitando consequentemente de uma política ou ações que valorizem e oportunizem condições de vida a todas as pessoas, inclusive aquelas que possuam alguma deficiência. Trata-se de abordar a questão, partindo-se inclusive do princípio de que todos e todas apresentam diferenças e que diferentes devem ser as oportunidades, as formas de respeito às singularidades de cada um, cada uma. Esta deve ser a forma de abordar a diferença: A diferença que precisa ser compreendida em seu sentido amplo e não de uma maneira irresponsável e desrespeitosa, como acontece na prática do diferencialismo. (Skliar, 2006). Para o autor, normalizar significa escolher uma identidade e fazer dela a única identidade verdadeira. Contrariamente a normalização, a diferença não pode ser explicada em termos de melhor ou pior, ela apenas é. O seu uso indevido que até substantiva o “estranho” como o diferente, numa atitude preconceituosa de rotulação e diminuição das marcas de algumas pessoas, acaba traduzindo de maneira altamente pejorativa, a identidade de muitos. Por isso o autor enfatiza que: É necessário dizer que o mesmo processo de diferencialismo tem acontecido com outras diferenças, não mais apenas aquelas diferenças de corpo, de aprendizagem, de língua etc., e sim as raciais, sexuais, etárias, de gênero, de geração, de classe social, etc. Estabelece-se assim um processo de “diferencialismo” que consiste em separar, em distinguir da diferença algumas marcas “diferentes” e em fazê-lo sempre a partir de uma conotação pejorativa. E é esse diferencialismo o que faz, por exemplo, que a mulher seja considerada o problema na Márcia Torres Neri Soares 5462 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares diferença de gênero, que o negro seja considerado o problema na diferença racial, que a criança ou o velho sejam considerados o problema da diferença etária, que o jovem seja o problema na diferença de geração, que os surdos sejam o problema na diferença de língua etc. (SKLIAR, 2006, pp. 23-24). Ademais, o autor prossegue afirmando que “não lhe parece excessivo dizer que a escola atual não se preocupa com a questão do outro, mas que tem se tornado obsessiva ante todo resquício de alteridade, ante cada fragmento de diferença em relação à mesmice.” (SKLIAR, 2006. p.24). A denúncia atinge em cheio algumas propostas educacionais, ao tempo em que remete a um repensar das atuais práticas pedagógicas e curriculares, das pesquisas até então desenvolvidas na área da educação inclusiva e do tão conclamado respeito às diferenças. Nesse sentido, a autora Inês Oliveira ao versar sobre a regulação e emancipação nos currículos praticados, alerta para a necessidade em se atentar para a produção das desigualdades no interior de práticas e políticas curriculares, já que nestas pode ocorrer à valorização de princípios em detrimento de outros, assim como são criados preconceitos e hierarquizados sujeitos e culturas. (OLIVEIRA, 2005) Este é um problema ético e político, que precisa ser considerado por todos aqueles que se intitulam capazes de falar pelo outro. Por todos que dizem advogar a causa dos excluídos, exteriorizando em suas produções o que eles precisam e como devem ser chamados, tratados e incluídos, pois: Falar sobre os sujeitos das escolas a despeito de se falar com eles implica, quase sempre, em um discurso vazio, em uma retórica sobre um sujeito, no singular, desencarnado, atemporal, personagem de uma ficção idealizada pelo autor ou autora que escreveu sobre aquele sujeito. (FERRAÇO, 2004, 77.). É, portanto, um desafio porque o que deve ser pensado sobre a pessoa com deficiência, não é o que lhe marca ou diferencia, como se fosse preciso vários compartimentos e manuais sobre como tratar o deficiente mental, o físico, etc. A diferença não pode subtrair a essência, ou o próprio ser. Ela é a diferença, não aquilo que sentencia o destino de cada um, cada uma. Márcia Torres Neri Soares 5463 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares Então, como pensar em práticas curriculares numa escola e sociedade que se pretendem inclusivas? A luta é pelo direito a ser igual ou diferente? Estes questionamentos nortearão as próximas considerações, para que se pense na inclusão e se aponte novos caminhos para Políticas e Práticas Curriculares. (RE) Pensando a inclusão da pessoa com deficiência: Caminhos para Políticas e Práticas Curriculares. O direito à diferença ou o direito à igualdade tem sido para alguns, peças destoantes de um grande quebra-cabeça. Contudo, há uma lógica que faz com estas sejam necessárias e absolutamente indispensáveis, pois a diferença obriga a existência de políticas de reconhecimento das especificidades e necessidade de cada pessoa e a igualdade exige a equiparação de oportunidades a todas estas pessoas. A garantia desses direitos, algo que deve ser concretizado através de políticas públicas que de fato respeitem e reconheçam a legitimidade e autonomia do outro, pode superar muitos dos discursos que ainda permanecem tal como descrito abaixo: Politicamente correto, como mencionei, enquanto estratégia discursiva de assimilação do outro, enquanto assunção de eufemismos para denominar os outros, deixando incólumes as assimetrias de representações e relações de saber e poder – aquilo de não chame o deficiente de deficiente (ou o negro de negro etc.), mas continue praticando-o massacrando-o, continue fazendo-o deficiente (ou negro etc). (SKLIAR, 2003, p. 125). O autor que em suas produções busca superar o uso mecânico e moralizante da palavra outro, traz à tona a necessidade de representações e práticas verdadeiramente inclusivas. Entender esta fluidez é também reconhecer que as identidades não são fixas. Que o outro é sempre alguém e alguém em mudança, pois: A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 2006, p. 13). Márcia Torres Neri Soares 5464 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares Como processo em andamento, inacabado a identidade do outro não pode ser tratada como algo estanque. Por sua vez, a deficiência também não pode ser entendida apenas como uma lesão, como comumente acontece. Tendenciosamente é-se levado a identificar aquilo que se considera a falta do outro e por muitas vezes se estacionam expectativas, na compreensão imóvel do que se convenciona sobre o que ele é capaz de fazer. Assim, não conseguindo ver suas capacidades se geram atitudes assistencialistas movidas por uma íntima compaixão pelas “pobres almas”. Essa é uma das grandes armadilhas sutilmente engendradas no cotidiano e em muitas práticas pedagógicas. Superam-se os modelos excludentes dos primórdios da civilização caracterizados por atos de atrocidades e extermínios, para numa atitude vergonhosa, banir dos limites da normalidade, todo aquele que se considera disforme, incômodo e destoante. Não seria esta uma forma de exclusão muito mais severa do que as que cometeram os antepassados? Compreendendo-se essa problemática, o movimento em busca da garantia de direitos promovido pelas próprias pessoas com deficiência, busca o reconhecimento de que a deficiência não pode continuar sendo compreendida sob o ponto de vista patológico, pois: [...] deficiência não é mais uma simples expressão de uma lesão que impõe restrições à participação social de uma pessoa. Deficiência é um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente. Assim como outras formas de opressão pelo corpo, como o sexismo ou o racismo, os estudos sobre deficiência descortinaram uma das ideologias mais opressoras de nossa vida social: a que humilha e segrega o corpo deficiente. (DINIZ, 2007, p. 9.) Este é um argumento e também um fato que precisa ser considerado ao idealizarse a tão sonhada escola inclusiva. Porque muitas vezes se pensa e se decide por pessoas que sequer são reconhecidas em seus gostos, preferências e aptidões. Postulam-se suas habilidades para as artes, culinária, esportes, limitam-se suas aprendizagens, negligenciando-se por diversas vezes seus reais interesses e possibilidades. Nesse sentido, por vezes ouve-se falar de uma inclusão que é apenas física, de pessoas que, ao seu modo, dizem: continuo de fora! Este descompasso se reflete nas Márcia Torres Neri Soares 5465 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares relações estabelecidas na cultura e nas práticas curriculares circunscritas no interior de escola que ainda não aprendeu a conviver com as diferenças. Muitas vezes, presos a questões terminológicas e a busca incessante por uma formação para a diversidade – não que esses aspectos também não sejam importantes – a pessoa com deficiência é vista como pertencente a um grupo negativamente marcado pela ausência de órgãos, ou estímulos sensórios-motores e para ela são traçados planos infalíveis de como incluí-la no meio sócio-educacional. Apesar de todos os esforços e dos grandes avanços até aqui conquistados, ainda são freqüentes os apelos e a constatação de uma escola que precisa abrir-se para: A escola como uma instituição fundamental na construção da cidadania deve necessariamente servir de modelo social e criar culturas que celebrem a diversidade, sejam inclusivas e não alimentem o preconceito e a discriminação contra qualquer grupo social. (FERREIRA, 2006, p.222). Torna-se cada vez mais comum e latente o movimento em prol do direito de “todos” à educação. Aos poucos pessoas excluídas desde os primórdios da civilização passam a constituir os lugares e posições antes vedadas a sua participação. Um processo, e como tal, sujeito a alterações e muitas tentativas, já que é preciso desorganizar, desagradar, desmontar a suposta fixidez e referência que muitos dos ditos normais haviam conquistado. Chega a ser desconcertante, constrangedor, por isso, choca, inibe, atinge os limiares da tão instituída normalidade. Assim, a escola muitas vezes alega o despreparo como impedimento para a inclusão de pessoas com deficiência e através desse argumento esconde-se em suas dificuldades de lidar com toda e qualquer diferença. Sim! Porque ainda não aprendeu a conviver com as escolhas sexuais, religiões, disparidades sócio-econômicas e tantos outros aspectos que compõem a natureza humana. Esconde-se, procura subterfúgios e demonstra suas estranhezas até para com o deficiente físico, para quem na maioria das vezes não são necessários ajustes do ponto de vista pedagógico. Nesse sentido, pensando-se na pessoa com deficiência e, sabendo-se das diferenças pertencentes a este grupo minoritário, visto muitas vezes apenas como um corpo lesado, inútil para o atual modelo econômico-social e ainda somando-se a outros aspectos como etnia, condição social, gênero que acabam por demarcar os seus traços Márcia Torres Neri Soares 5466 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares identitários de maneira pejorativa e altamente preconceituosa, chega-se a compreensão de que, para estes, as discussões e ações curriculares precisam debruçar-se sobre a subjetividade existente, transcendendo muitas práticas abusivas presentes na realidade atual. As formas com as quais a escola exorciza ou inferioriza as diferenças são as mais variadas e sutis possíveis. Em seu currículo, nomeia aquilo que considera imprescindível a formação de todos e todas, mas nem sempre o que é fundamental para a formação de seres humanos mais justos, éticos e cidadãos. Eis a grande nuance do processo educacional inclusivo. A diferença, o que se arrisca acrescentar: a convivência com a deficiência, certamente proporciona experiências salutares para todos os estudantes, tenham eles deficiência ou não, afinal: “o direito à diferença nas escolas desconstrói, o sistema atual de significação escolar excludente, normativo, elitista, com suas medidas e mecanismos de produção da identidade e da diferença.”. (MANTOAN, 2006, p. 192). Acredita-se que apenas desestabilizando enxerga-se o outro, pensa-se nele não como alguém menor, mas como um ser pleno em suas vontades, preferências e escolhas. Desse movimento e das práticas curriculares subseqüentes acredita-se poder constituir novas e ricas experiências para todos que participam do processo educacional. Não se trata, contudo, de pensar numa relação pacífica entre tantos e tantas, pois isso seria também normalizar o que não é igual. É banalizar as ações e condições ofertadas a todas as pessoas independentemente de suas especificidades. No paradoxo, não há respostas prontas, mas indícios da necessidade de mudança no rumo das políticas públicas e da (re) organização da escola e de suas práticas curriculares. A vasta produção bibliográfica sobre a inclusão de pessoas com deficiência, ajuda a refletir sobre os erros e acertos. Também já é possível constatar a presença de autores que auxiliam na reflexão sobre o lugar ocupado pelas pessoas com deficiência de acordo com as normalizações a que são submetidas. Adotar um olhar vigilante, que ajude a acompanhar o espaço destinado as pessoas com deficiência, deve ser lugar de primazia em qualquer proposta curricular e, portanto deve ser redimensionado, não para o lugar destinado, mas para os lugares que cada pessoa puder com toda sua intensidade e transitoriedade ocupar. Márcia Torres Neri Soares 5467 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares E assim, poder-se-á contemplar a diversidade humana em toda sua riqueza e singularidade. Quanto à pessoa com deficiência, aprender-se-á que: O importante seria que nós não limitássemos a vida humana a essa relação normal/patológico, pois é preciso olhar para além do corpo, além da doença, além da diferença, para além da deficiência. (PADILHA, 2001, p. 3). Olhar para o ser em sua plenitude, reconhecê-lo em seus gostos, preferências e divergências, deve ser um exercício contínuo nas práticas curriculares que primem pela valorização da diversidade em seus conteúdos e proposições didáticas. Tais premissas dão indícios da constituição de novos caminhos a serem seguidos, descortiná-los, desbravá-los, deve ser um constante devir para a educação. Conclusões Segundo Tomaz Tadeu (2000), diferença e identidade são produções sociais e culturais. Para ele, na perspectiva da diversidade, elas tendem a ser naturalizadas, cristalizadas, essencializadas. Afirmações de identidade só fazem sentido, portanto, a partir das diferenças e as afirmações de diferença só podem ser compreendidas em suas relações com as afirmações de identidade sendo assim, inseparáveis. Mais uma vez, a inevitabilidade do tema se anuncia como indispensável à escola e o currículo que precisam tornar-se verdadeiramente inclusivos. Para tanto, salienta-se que “As políticas curriculares resultam de complexas decisões que derivam tanto do poder político oficialmente instituído quanto dos atores com capacidade para intervir, direta ou indiretamente, nos campos de poder em que estão inseridos.” (PACHECO, 2005, p.110). Dessa forma, a tarefa de redefinir os rumos das políticas curriculares é uma tarefa coletiva que não pode atribuir à instância política a imutabilidade e a conformação de práticas homogeneizadoras, mas que precisa convergir para a incessante busca para a construção de novas práticas curriculares. Desta última afirmação pode-se deduzir que é necessário atentar para a complexidade e riqueza de toda e qualquer prática, afinal: apelos e a constatação de uma escola que precisa abrir-se para: Márcia Torres Neri Soares 5468 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares É preciso perceber, no entanto, que o processo educativo não se dá de forma linear e progressiva, mas numa relação complexa entre processos singulares. As pessoas, de fato, são desafiadas por diferentes problemas. Cada uma enfrenta em sua prática quotidiana situações muito variadas, elaborando entendimentos a partir de referenciais culturais e teóricos diferentes, por vezes incronguentes entre si, e assumindo opções e ações diversas, por vezes divergentes e conflitantes. (FLEURI, 2005, p. 145). Da mesma forma, do ponto de vista discente, é importante considerar que diferentes formas de compreensão das atividades propostas devem ser oportunizadas a todos os alunos e alunas, pois existem formas diferentes de aprender. Nesse sentido, é oportuna a reflexão de que os pressupostos da educação inclusiva e o respeito à diversidade, serão salutares para todo e qualquer aluno/aluna tenha ele/ela ou não uma deficiência. As propostas governamentais têm disseminado conteúdos acerca da Educação Inclusiva que são regulamentados através da atual Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Em todo o país nos Eventos e nas próprias salas de aula, se veiculam experiências advindas do trabalho com crianças com deficiência em classes regulares, sob diferentes óticas que ao seu modo, dizem respeito às estratégias curriculares utilizadas no alcance de todos os alunos e alunas. Essa constatação é evidente, já que receber um estudante com deficiência em uma classe regular, oportuniza o olhar para as diferenças muitas vezes negligenciado ou distorcido no contexto escolar. Há ainda a possibilidade de perceber que tais diferenças já existiam e que nem sempre foram consideradas pelas práticas curriculares ao: selecionar conteúdos, privilegiar determinadas formas de produções em detrimento de outras, eleger os melhores alunos, estabelecer critérios de formação de grupos de acordo com os mesmos níveis de desenvolvimento, enfim, nem sempre foram contempladas nas formas elitistas e hierárquicas que muitas vezes a escola priorizou ao instituir as suas normas. De todas as contribuições teóricas aqui elencadas, pode-se deduzir que a inclusão em muito contribuirá através de sua complexidade, dilemas e campo fértil de conteúdos à construção de novas Políticas e Práticas Curriculares numa reafirmação do respeito a todas as pessoas independentemente de suas condições ou opções físicas, étnicas, culturais e ou sociais. Márcia Torres Neri Soares 5469 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares Tais Políticas e Práticas serão engendradas através do constante repensar da própria existência humana que é inerentemente diversa. Do reconhecimento e entendimento de que pessoas com deficiência são antes de tudo, pessoas, e como tais possuem nomes, vontades, opções, trajetórias, memórias, poder-se-á avançar na visão não mais do que lhes falta, mas de suas inúmeras possibilidades as quais denominadas de potencialidades. Trabalhar com essas potencialidades, será sem dúvida, um rico e incomparável desafio. Ressignificá-las no interior de Práticas Curriculares trará importantes produções e experiências. REFERÊNCIAS CARVALHO, Rosita Edler. Escola Inclusiva: a reorganização do trabalho pedagógico. Porto Alegre: Mediação, 2008. DINIZ, Débora. O que é deficiência. São Paulo: Brasiliense, 2007. (Coleção Primeiros Passos). FERRAÇO, Carlos Eduardo. Os sujeitos praticantes dos cotidianos das escolas e a invenção dos currículos. In: MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa, PACHECO, José Augusto, GARCIA, Regina Leite. (Orgs.). Currículo: pensar, sentir e diferir. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. FERREIRA, Windyz Brazão. Inclusão x exclusão no Brasil: reflexões sobre a formação docente dez anos após Salamanca. In: RODRIGUES, David. (Org.). Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006, p. 211238. FLEURI, Reinaldo Matias. Educação Intercultural e a Irrupção das Diferenças. In PEREIRA, Maria Zuleide da Costa e (MOURA) Arlete Pereira. (Orgs.). Políticas e Práticas Curriculares: Impasses, Tendências e Perspectivas. João Pessoa: Idéia, 2005. HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. MANTOAN, Maria Tereza Eglér. O direito de ser, sendo diferente na escola. In: RODRIGUES, David. (Org.). Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006, p. 184-209. Márcia Torres Neri Soares 5470 Educação Inclusiva, Diferença e Deficiência: caminhas para a ressignificação de políticas e práticas curriculares OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Currículos Praticados: Entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, 2. ed. PACHECO, José Augusto. Escritos Curriculares. São Paulo, Cortez, 2005. PADILHA, Anna Maria Lunardi. Práticas Pedagógicas na Educação Especial: a capacidade de significar o mundo e a inserção do deficiente mental. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.). HALL, Stuart; WOODWARD, Hathryn. Identidade e Diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2000. SKLIAR, Carlos. A inclusão que é “nossa” e a diferença que é do “outro”. In: RODRIGUES, David. (Org.). Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006, p. 16-34. SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Márcia Torres Neri Soares 5471 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO CURRÍCULO NO PROCESSO DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO EM EDUCAÇÃO Mônica Pereira dos Santos Mylene Cristina Santiago JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO CURRÍCULO NO PROCESSO DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO EM EDUCAÇÃO Mônica Pereira dos Santos1 Mylene Cristina Santiago2 RESUMO: Pretendemos nesse ensaio estabelecer diálogos entre teorias curriculares e o processo de inclusão e exclusão em educação, sob a perspectiva dos estudos culturais. Usaremos uma estrutura explicativa que vem sendo elaborada desde o final dos anos 80 (BOOTH, 1981), referente à compreensão dos processos de inclusão/exclusão, que se manifestam por meio de três dimensões: a da criação de culturas, a do desenvolvimento de políticas e a da orquestração das práticas de inclusão/exclusão no interior das instituições e sistemas. Nesse trabalho procuraremos articular a relação entre currículo, cultura e poder com os processos de exclusão vinculados às barreiras à aprendizagem e à não-participação no processo de escolarização. PALAVRAS-CHAVE: inclusão/exclusão, currículo, estudos culturais, poder. Introdução Buscaremos nesse ensaio articular possíveis diálogos entre as teorias curriculares e o processo de inclusão e exclusão em educação, sob a perspectiva dos estudos culturais. Entendemos que o currículo pode apresentar dimensões compatíveis com o referencial conceitual que vem sendo elaborado desde os anos 1980 (BOOTH, 1981, 1983; SANTOS, 2009), referente à inclusão em educação, segundo o qual: a inclusão constitui-se (ou deveria constituir-se) em fundamento básico à democratização da escola e de práticas educacionais em geral, e as análises a respeito dos processos de exclusão 1 Professora Adjunta dos programas de graduação e pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFRJ. Fundadora e Coordenadora do LaPEADE - Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação. Chefe do Departamento de Fundamentos da Educação da Faculdade de Educação da UFRJ. Pesquisadora em Inclusão em Educação. 2 Doutoranda em Educação pela UFRJ, Mestre em Educação / UFJF, Pedagoga da Secretaria de Educação do município de Juiz de Fora/MG. Pesquisadora do LaPEADE - Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação – Faculdade de Educação – UFRJ. Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5475 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação que justificam as preocupações com (e a defesa da) inclusão em educação podem ser obtidas por meio da consideração de três dimensões de análise e intervenção, concomitantemente: a da criação de culturas, do desenvolvimento de políticas e da orquestração de práticas de inclusão. Em nossas pesquisas (“Ressignificando a formação de professores para uma educação inclusiva” e “Culturas, políticas e práticas de inclusão em Universidades”), temos observado, ao considerarmos tais dimensões na compreensão dos processos de exclusão/inclusão na escola, que uma categoria relevante, se não central, ao entendimento, sempre complexo, de tais processos, é a de identidade. A Psicologia, em geral, e a Psicologia Social, em particular, há décadas dedicam-se a compreender e explicar os fenômenos relativos à constituição das identidades, assim como também a Antropologia e a Sociologia. No campo da Educação, a questão da identidade tem sido igualmente premente, tanto como objeto de estudo, quanto como fenômenos observáveis e intimamente ligados aos processos de exclusão e inclusão. Isto porque, quando tomada em seu efeito demarcador de grupos, pessoas e culturas, percebe-se, também, seu efeito demarcador de diferenças. Por isso, julgamos importante argumentar que o conceito de identidade possui estreita relação com o conceito de diferença. A identidade não é o oposto da diferença, ela depende da diferença. (SILVA e WOODWARD, 2000) A identidade e a diferença são fabricadas no contexto de relações psicológicas, culturais e sociais. Nesse sentido, Silva (2000) esclarece que estão sujeitas a vetores de força, a relações de poder. Não são simplesmente definidas, elas são impostas. Elas não convivem harmoniosamente, elas são disputadas. O autor acrescenta que: A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre “nós” e “eles”. Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. (SILVA, 2000, p.82) Assim como identidade e diferença, os processos de inclusão e exclusão são interligados e coexistem numa relação dialética que gesta subjetividades específicas, Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5476 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação que vão desde o sentir-se incluído ao sentir-se discriminado. Sawaia (2008, p.9) indica que: a exclusão é processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e não é falha do sistema; ao contrário, é produto de seu funcionamento. Desde modo, podemos afirmar que identidade e diferença estão estreitamente relacionadas aos processos de inclusão e exclusão, pois estão vinculadas aos processos pelos quais a sociedade produz e utiliza classificações. As classificações são feitas a partir do ponto de vista da identidade. Nas palavras de Silva (2000, p. 82) dividir e classificar significa, nesse caso, também hierarquizar. Deter o privilégio de classificar significa também deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos grupos assim classificados, o que gera desigualdade, o que, por sua vez, constitui uma prática de poder, em particular quando o desigual tem um valor negativo Assim, as relações de identidade e diferença ordenam-se em torno de oposições (valorizações) binárias: mais/menos, bom/mau/, bem/mal, bonito/feio, alto/baixo, capaz/incapaz, rico/probre... Deste modo, ao questionarmos a identidade e a diferença como embutidas em relações desiguais de poder que geram exclusões, somos impulsionados a problematizar os binarismos em torno dos quais elas se organizam. Fixar determinada identidade como a norma é uma das formas de promoção de hierarquização das identidades e das diferenças e, consequentemente, de exclusão. (SILVA, 2000) A normalização é um dos processos mais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença; significa eleger uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas, hierarquizadas e postas em situação potencial ou efetiva de exclusão. Na rotina pedagógica e curricular das escolas essa hierarquização se reflete através de processos homegeneizadores, que consideram a identidade normal como “natural”, desejável e única. O processo de inclusão envolve a reestruturação das políticas, culturas e práticas nas escolas, de forma a reduzir barreiras à aprendizagem e à participação para todos os Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5477 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação estudantes, problematizando os processos de produção das diferenças e identidades no interior de cada instituição (BOOTH, 2002). O currículo, aqui considerado como elemento central da atividade educacional, torna-se destaque de nossas reflexões. Desse modo, buscaremos relacionar as dimensões culturais, políticas e sociais do currículo com as dimensões de culturas, políticas e práticas de inclusão e exclusão em educação. Dimensões culturais do currículo: criando culturas inclusivas Compreendendo a importância que a cultura tem assumido frente à estrutura e à organização da sociedade nos dias atuais, propomos breves reflexões sobre as dimensões culturais do currículo e sua influência na proposição de culturas inclusivas. Entendemos por culturas inclusivas, princípios e valores que buscam ampliar a participação dos sujeitos nos processos decisórios do cotidiano das instituições por que circulam, negar a hegemonia cultural, tendo por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de desigualdade e discriminação em nossa sociedade. Posicionar a cultura como eixo central do currículo é um desafio para nossas escolas. Moreira e Candau (2003) ressaltam que construir o currículo nessa perspectiva irá requerer do professor nova postura, novos saberes, novos objetivos, novos conteúdos, novas estratégias e novas formas de avaliação. Estamos convictos de que tais mudanças não se referem apenas aos professores, mas a toda a comunidade escolar. Tais valores inclusivos orientam as decisões sobre as políticas e as práticas diárias em sala de aula e na escola como um todo. Na dimensão da criação de culturas inclusivas, apresentamos princípios, sem a pretensão de oferecermos prescrições, que estimulam à construção de uma comunidade escolar que valorize o acolhimento de todos, a ajuda mútua entre os alunos, a colaboração entre os profissionais, pais/responsáveis e gestores e o envolvimento com a comunidade local. E que desenvolva valores inclusivos expressos pelas altas expectativas e valorização de todos os alunos e membros da comunidade escolar, assim como pela preocupação constante com a remoção de barreiras à aprendizagem e à participação de todos, em todos os aspectos da escola. Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5478 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação Salientamos que tais proposições vão além do diálogo e do respeito à diferença, elas sugerem a análise, o desvelamento e o desafio dos efeitos de assujeitamento e exclusão que as relações de poder existentes em situações de coexistência de diferentes culturas no mesmo espaço costumam gerar. Em nossa perspectiva, tais processos de assujeitamento e exclusão estão intimamente relacionados à produção do fracasso escolar, ao mesmo tempo causa e efeito de variadas exclusões (e, portanto, merecedor de especial atenção), e aqui entendido como processos por meio dos quais a escola deixa de cumprir seus papéis (ou ainda: ela os pseudo-cumpre): o de ensinar, o de possibilitar a aprendizagem, o de fazê-lo por meio do exercício de uma práxis renovadora, reflexiva, crítica e potencialmente transformadora, porque dialética e constantemente questionadora das cristalizações das idéias, das “verdades”, das práticas que “sempre deram certo”, de um conceito disciplinar, fragmentado e hierarquizado da escola e seus saberes. Some-se a isso, o providencial “esquecimento” de que tais papéis só têm sentido porque se dão na e para a interrelação entre sujeitos e para a construção de sociedades democráticas, em que os processos participatórios não sejam somente promovidos, mas também exercidos por cada sujeito, individualmente e em suas coletividades. As explicações para o fracasso escolar têm variado no decorrer do tempo, de acordo com as concepções vigentes em cada período histórico. Patto et alii (2004) destacam diferentes concepções de fracasso escolar que implicam em estratégias diferenciadas de intervenções e práticas educacionais e na culpabilização de determinados atores. A concepção do fracasso escolar como problema psíquico implica na culpabilização das crianças e de seus pais. Nas palavras de Patto et alii (2004) [...] nessa abordagem entende-se que a criança é portadora (sic) de uma organização psíquica imatura, que resulta em ansiedade, dificuldade de atenção, dependência, agressividade, etc., que causam, por sua vez, problemas psicomotores e inibição intelectual que prejudicam a aprendizagem escolar. Não se trata da tese tradicional de que as crianças das classes populares têm rendimento intelectual baixo por carência cultural, mas de afirmar uma inibição intelectual causada por dificuldades emocionais adquiridas em relações familiares patologizantes. (p.60) Outra concepção vigente associa o fracasso escolar como um problema técnico que culpabiliza o professor, afirmando que o fracasso escolar é produzido na e pela Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5479 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação escola. Nessa concepção de fracasso escolar fica patente a preocupação com a eficácia da prática pedagógica, todavia os casos que contradizem a hipótese do professor ter formação técnica adequada; refletir sobre a prática e/ou planejar as intervenções são considerados como indicativos de deficiências individuais, que necessitam de acompanhamento especial, e não como hipótese de que o simples emprego da técnica é suficiente para reverter às dificuldades de escolarização. A abordagem do fracasso escolar como questão institucional traz à tona a lógica excludente da educação escolar, compreendendo a escola como instituição social inserida em uma sociedade de classes regida pelos interesses do capital, sendo que as próprias políticas educacionais encontram-se entre os determinantes do fracasso escolar. Para Patto et alii (2004), esta concepção retoma o tecnicismo ao admitir a possibilidade de pôr sob controle o fracasso escolar por meio da adequada implementação de políticas educacionais “progressistas”. Nesse sentido as pesquisadoras acrescentam que: O insucesso de reformas e projetos nesta direção encontra explicação no conservadorismo dos professores que, pela resistência à inovação, prejudicam a sua implementação. A saída apontada é o investimento na formação intensiva dos professores, de modo a levá-los a conhecer em profundidade as propostas governamentais e, assim, garantir a realização do objetivo final de reformas e projetos oficiais: a reversão do fracasso escolar. (PATTO et alii, 2004, p. 62) Finalmente, as autoras nos apresentam a concepção do fracasso escolar como questão política relacionada à cultura escolar, cultura popular e relações de poder. Essa vertente enfatiza a dimensão política da escola, incidindo nas relações de poder estabelecidas no interior da instituição escolar, mais especificamente na violência praticada pela escola ao estruturar-se com base na cultura dominante e não reconhecer a cultura popular. Hall (1997) argumenta que toda prática social depende do significado e com ele tem relação. A cultura é uma das condições constitutivas de existência dessa prática, fazendo com que toda prática social tenha uma dimensão cultural e estabelecendo relações entre as práticas escolares e a(s) cultura(s). Para Moreira e Candau (2003) a escola é, sem dúvida, uma instituição cultural. Os autores consideram que: Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5480 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação As relações entre escola e cultura não podem ser concebidas como entre dois pólos independentes, mas sim como universos entrelaçados, como uma teia tecida no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados. (p. 160) No entanto, denunciam que, O que caracteriza o universo escolar é a relação entre as culturas, relação essa atravessada por tensões e conflitos. [...] A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Tende a silenciá-las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização. (p. 161) Em nossa análise, tal dificuldade com o trato da diferença e da pluralidade reflete as heranças de um conceito de educação profundamente pautado no ideário iluminista, que, em nome da “cientifização” do conhecimento e da fundação da racionalidade científica como fonte única de explicação confiável sobre os fenômenos da natureza e sociais, gerou mitos que a escola, até hoje, não consegue quebrar e ainda enxerga como verdades, como por exemplo, o da homogeneidade e o da normalidade. Assim, buscar novos sentidos que questionem e desnaturalizem essas concepções de realidade constitui um passo fundamental no processo de reinvenção da cultura escolar e de promoção de culturas inclusivas. A transformação da cultura escolar está intimamente ligada aos profissionais que atuam nas instituições e que produzem currículos, políticas e práticas pedagógicas. Reiterando que todas as práticas sociais são práticas de significação, e, portanto, são culturais, buscaremos compreender as políticas curriculares como políticas culturais, e nesse contexto, refletiremos sobre a produção de políticas inclusivas. Políticas culturais: produzindo políticas inclusivas Compreender o currículo escolar como um campo em que estão em jogo múltiplos elementos, implicados em relações de poder, compondo um terreno privilegiado da política cultural, é uma tarefa que busca analisar as escolas e seus currículos como territórios de produção, circulação e consolidação de significados. (COSTA, 1998) O currículo escolar tem sido considerado como um texto que pode contar histórias sobre indivíduos, grupos, sociedades, culturas, tradições; tais histórias têm a Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5481 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação pretensão de nos relatar com as coisas são ou como deveriam ser. Costa (1998) assinala que na política cultural, essas representações construídas pelos discursos posicionam os indivíduos numa certa geografia e economia do poder cujo objetivo é o governo, a regulação social. Na perspectiva de redefinir o currículo como cultura, Macedo (2006) propõe pensar as relações entre cultura e currículo para além das distinções binárias entre produção e reprodução cultural, entendendo a necessidade de criar formas que permitam dialogar com o poder numa perspectiva menos hierárquica. Desse modo, esclarece: Não vejo o currículo como um cenário em que as culturas lutam por legitimidade, um território contestado, mas como uma prática cultural que envolve, ela mesma, a negociação de posições ambivalentes de controle e resistência. O cultural não pode, na perspectiva que defendo, ser visto como fonte de conflito entre diversas culturas, mas como práticas discriminatórias em que a diferença é produzida. [...] o currículo é ele mesmo um híbrido, em que as culturas negociam coma-diferença. (Macedo, 2006, p. 105) A autora posiciona-se de forma favorável à negociação com a diferença cultural e critica os projetos que não consideram a historicidade dessas diferenças, visando domesticá-las e reduzi-las à iniciativas de discriminação positiva ou programas assistenciais e/ou compensatórios, que tendem a fixar as diferenças transformando-as em diversidade3. De acordo com Maués (2005), [...] o deslocamento da discussão curricular para o eixo da diferença, encontra-se centralmente impactado pela teoria cultural e social pósestruturalista ao assumir a linguagem a partir de sua materialidade e operatividade discursiva. As diferenças, assim, são entendidas predominantemente, do ponto de vista de sua criação lingüística, vistas no interior de sistemas discursivos e simbólicos que as engendram. Reconhecemos a legitimidade da opção epistemológica pela discussão curricular no eixo da diferença, no entanto ressaltamos que nos estudos voltados para inclusão em 3 Silva (2000, p.73) critica a idéia de diversidade adotada no “multiculturalismo” por considerar que esta se apóia em um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade e a diferença. Na perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas, essencializadas. Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5482 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação educação, usamos o termo diversidade, não com o propósito de minimizar as relações de poder subjacentes aos processos de identidade e diferença, mas como princípio de problematização em relação: às dificuldades que as pessoas possam encontrar em sua trajetória de aprendizagem em função de suas próprias diferenças ou em função das dificuldades causadas pelo preconceito que a sociedade lhes impõe, quando identificados como diferentes, quando tentam apropriar-se dos instrumentos de leitura do mundo, exercitar seus papéis sociais e efetivar sua ação no mundo. (SANTOS, 2009, p. 11) Entendemos inclusão como um processo, que reitera princípios democráticos de participação social plena. Para Santos (2009), inclusão não é a proposta de um estado final ao qual se quer chegar. Também não se resume na simples inserção de grupos excluídos, em espaços sociais dos quais são privados. Nos contextos educacionais, há educandos que necessitam de procedimentos, recursos ou auxílios mais específicos para participarem mais ativamente (com poder de decisão) das atividades propostas no ambiente educacional. Assim, quando nos referimos ao termo diversidade, estamos preocupados em garantir o atendimento às necessidades de todo e qualquer educando. Neste sentido: [...] as atitudes de uma escola cuja orientação seja inclusiva enfatizam uma postura não só dos educadores, mas de toda a comunidade educacional e de todo o sistema educacional. Uma escola com orientação inclusiva é aquela que se preocupa com a modificação da estrutura, do funcionamento e da resposta educativa que se deve dar a todas as diferenças individuais, em qualquer instituição de ensino, de qualquer nível educacional. (SANTOS, 2009, p. 14) Pensar um projeto alternativo para atender a diferença se aproxima do que propomos como políticas de inclusão. Essa dimensão se traduz no campo educacional como o direito de todos à educação, esse direito assegura a participação (como poder de decisão e ação) de todos os membros da comunidade escolar desde seu acesso e garante a permanência, através da minimização de pressões excludentes no cotidiano escolar. As políticas de inclusão estão relacionadas à formulação diretrizes com vistas a orientar ações oficiais tanto no campo do cotidiano da escola quanto no das redes e sistemas de ensino, estando diretamente vinculadas às políticas públicas em educação Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5483 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação que buscam efetivar a universalização da educação básica, no cenário internacional e nacional. Em 1990, foi realizada em Jomtien (Tailândia) uma Conferência Mundial sobre Educação para Todos que aprovou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e o Plano de Ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Nesse documento, o direito à educação, proclamado pela Declaração dos Direitos Humanos, foi reafirmado. Diante de um quadro de profundas desigualdades sociais, os países signatários dessa Conferência se comprometeram a garantir a cada pessoa (criança, jovem ou adulto) condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para atender suas necessidades básicas de aprendizagem. Nesse sentido, torna-se urgente pensar medidas que possibilitem a universalização da educação básica, a melhoria de sua qualidade e a redução das desigualdades, através da superação de todos os obstáculos que impedem a participação (como poder de decisão e ação) no processo educativo e na eliminação de preconceitos e estereótipos de qualquer natureza quanto aos grupos excluídos4. Para a promoção da educação para todos, essa Declaração pressupõe, entre os requisitos necessários, o desenvolvimento de políticas contextualizadas de apoio nos setores social, cultural e econômico. A educação básica para todos depende de um compromisso político, respaldado por medidas fiscais adequadas e ratificado por reformas na política educacional e pelo fortalecimento institucional. A Declaração Mundial sobre Educação para Todos representou um marco no processo de universalização da educação básica e na compreensão do paradigma de inclusão em educação que emergia na década de 1990. Em 1994, ocorreu a Conferência Mundial de Educação Especial na Espanha, em Salamanca, que culminou na elaboração de uma declaração sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Embora essa Conferência estivesse vinculada à Educação Especial, ela não se limitou apenas a discutir a 4 No texto da Declaração Mundial sobre Educação para Todos são considerados grupos excluídos: os pobres; os meninos e meninas de rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas rurais; os nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias étnicas, raciais e lingüísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; os povos submetidos a um regime de ocupação; as pessoas com deficiência. Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5484 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação problemática das pessoas com deficiência, acreditamos que por influência da Conferência de Jomtien (1990). A Declaração de Salamanca preceitua: [...] que escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e super-dotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. (p. 3) Pela primeira vez o termo inclusão é usado em um documento oficial de abrangência internacional e a partir de então são traçadas diretrizes e princípios nacionais que buscam desenvolver sistemas inclusivos de educação e pensar sociedades sob a ótica desse paradigma. Os princípios salientados nessa Declaração implicam numa mudança cultural nos ambientes educativos, que pressupõe o desenvolvimento de uma pedagogia centrada na criança, modificação de atitudes discriminatórias e criação de comunidades acolhedoras. Portanto, as políticas e práticas institucionais tornam-se dimensões interdependentes às culturas, que deverão ser articuladas de modo a promover ambientes inclusivos e/ou permitir o debate sobre os processos de exclusão que precisam ser revelados e combatidos. Nesse panorama, em 2000, ocorreu a Cúpula Mundial de Dakar (Senegal) que elaborou a Declaração de Dakar, que reafirma a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos (Jomtien, 1990), apoiada pela Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), de que toda criança, jovem e adulto têm o direito humano de beneficiar-se de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. Nessa Declaração os signatários assumem o compromisso de atingir, até o ano de 2015, os seguintes objetivos: a) expandir e melhorar o cuidado e a educação da criança pequena, especialmente para as crianças mais vulneráveis e em maior desvantagem; b) assegurar que todas as crianças, com ênfase especial nas meninas e crianças em circunstâncias difíceis, tenham acesso à educação primária, obrigatória, gratuita e de boa qualidade até o ano Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5485 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação 2015; c) assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada, a habilidades para a vida e a programas de formação para a cidadania; d) alcançar uma melhoria de 50% nos níveis de alfabetização de adultos até 2015, especialmente para as mulheres, e acesso eqüitativo à educação básica e continuada para todos os adultos; e) eliminar disparidades de gênero na educação primária e secundária até 2005 e alcançar a igualdade de gênero na educação até 2015, com enfoque na garantia ao acesso e o desempenho pleno e eqüitativo de meninas na educação básica de boa qualidade; f) melhorar todos os aspectos da qualidade da educação e assegurar excelência para todos, de forma a garantir a todos resultados reconhecidos e mensuráveis, especialmente na alfabetização, matemática e habilidades essenciais à vida. (UNESCO, 2007, n/p) Assim como nos momentos anteriores, mais uma vez a formulação de políticas públicas em educação para a promoção da inclusão é destacada no sentido de desenvolver planos de ação nacionais e ampliar de forma significativa os investimentos em educação básica. Desse modo, paralelo às políticas internacionais, o Brasil, na condição de signatário das três conferências supramencionadas, desenvolve reformas e medidas em consonância com as políticas de inclusão, buscando estender a escolarização pública, obrigatória e gratuita a todos os membros da comunidade e intencionando transformar as instituições escolares em ambientes que privilegiem o acesso, permanência com qualidade, participação e sucesso de todos. Todavia, ainda estamos distantes de obtermos o almejado sucesso escolar de todos, no que tange às políticas curriculares. Estudos denunciam que o fracasso escolar persiste porque tais políticas têm sido prescritivas, homogeneizantes e centradas no Estado, porque demonstram distanciamento entre avanços teóricos e avanços práticos e porque apresentam sintomas da globalização das políticas educacionais. (OLIVEIRA E DESTRO, 1998) Embora tais denúncias sejam indispensáveis para a análise crítica do currículo, Oliveira e Destro (1998) consideram que não sejam mais suficientes por conta do predomínio de uma perspectiva hierárquica de controle sobre os currículos em um contexto que requer a adoção de uma postura contra-hegemônica, dessa forma, entendem a necessidade de avançarmos na compreensão e na implementação de políticas curriculares com a perspectiva de enfrentamento dos resultados insatisfatórios Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5486 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação da escolarização; isso significa buscarmos estudos que façam um deslocamento até então hegemônico, com o intuito de se retirar o foco no controle vertical, para visualizarmos o movimento de contra hegemonia nas relações de poder estruturadoras de tais políticas. Esse movimento pressupõe, nas palavras de Oliveira e Destro (1998, p. 148) que as relações de poder não são fixas, mas resultam da disputa por significações culturais, e que o espaço dessas disputas não está demarcado por posições binárias fixas ou dicotômicas, mas são frutos de construções históricas. Compreender o currículo como espaço de negociação com a diferença, nos remete à redefinição de nossos papéis, enquanto intelectuais, produtores de saberes e práticas que favorecem uma orientação inclusiva no processo de aprendizagem. Saberes e práticas inclusivas: orquestrando a aprendizagem para todos Uma possível maneira de repensar e reestruturar a natureza do trabalho docente é considerar os professores como intelectuais, como atores reflexivos. Ao se compreender os professores como intelectuais torna-se possível, como assinala Giroux (1992), a elaboração de uma severa crítica àquelas ideologias que legitimam as práticas sociais que separam conceitualização, projeto e planejamento dos processos de implementação e execução. Nessa perspectiva os professores são responsáveis por levantar questões sérias sobre o que ensinam, como devem ensinar e quais os objetivos mais amplos por que lutam. Para Giroux (1992), o conceito de intelectual fornece a base teórica para o questionamento das condições ideológicas e econômicas sob as quais os intelectuais, como um grupo social, precisam trabalhar a fim de funcionarem como seres humanos críticos, reflexivos e criativos. Ao se considerar o professor como um intelectual, tornase possível repensar e reformular condições e tradições históricas que dimensionam a relação entre conhecimento e poder. O autor sustenta que a tarefa central para os intelectuais transformadores é tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico, justifica que: Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5487 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação No primeiro caso, isto significa inserir a educação diretamente na esfera política, afirmando que a escolarização representa tanto uma disputa por significado, como uma luta a respeito das relações de poder. [...] Por outro lado, tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogias que: tratem os estudantes como agentes críticos, problematizem o conhecimento, utilizem o diálogo e tornem o conhecimento significativo de tal modo a fazê-lo crítico para que seja emancipatório. (GIROUX, 1992, p. 32-3) Deste modo, o ponto de partida para tais intelectuais não é o aluno isolado, mas os estudantes como atores coletivos em suas características de classe, culturais, raciais e de sexo. Uma tarefa pedagógica relevante, que emerge dessa perspectiva, é questionar como a dinâmica da linguagem e do poder funcionam nos currículos de modo a silenciar ou privilegiar determinados grupos e determinados estudantes. Como valorizamos saberes e práticas? Que saberes? Que práticas? Essas indagações podem ser pontos de partida para entendermos a experiência dos professores que se tornam intelectuais ao teorizarem suas práticas, transformando-as através da argumentação, fundamentação e questionamento. Construir saberes e práticas voltadas para uma orientação inclusiva vai requerer que o docente reformule sua prática com base nas perspectivas, necessidades e identidades de classes e grupos subalternizados. Moreira e Candau (2003) consideram a necessidade de propiciar aos estudantes a compreensão das conexões entre as culturas, das relações de poder envolvidas na hierarquização das diferentes manifestações culturais, assim como das diversas leituras que se fazem quando distintos olhares são privilegiados. Acrescentam que: Uma das questões fundamentais de serem trabalhadas no cotidiano escolar, na perspectiva da promoção de uma educação atenta à diversidade cultural e à diferença, diz respeito ao combate à discriminação e ao preconceito, tão presentes na nossa sociedade e nas nossas escolas. (MOREIRA e CANDAU, 2003, p. 163) Os autores sustentam que a discriminação pode adquirir múltiplas formas e que talvez seja possível afirmar que estamos imersos em uma cultura de discriminação. Preconceitos e diferentes formas de discriminação estão presentes no cotidiano escolar e precisam ser desnaturalizados, caso contrário, a escola estará a serviço da reprodução de condutas que reforçam os processos discriminatórios presentes na sociedade. Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5488 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação Espaços educacionais que possuem práticas orientadas para a inclusão em educação tendem a reconhecer o direito à diferença e o combate às diversas formas discriminação e desigualdade social. Buscam superar as barreiras à aprendizagem e à participação, trabalhar conflitos resultantes das relações entre grupos e pessoas pertencentes a universos culturais diferentes, sem ignorar as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. A inclusão trata-se de um processo contínuo, sempre inacabado, marcado pela intencionalidade de promover uma relação democrática no processo de aprendizagem que encoraja o sucesso de todos os alunos e da comunidade escolar como um todo. Ambivalências no processo de inclusão e exclusão em educação: caminhos a percorrer Para concluir, buscamos nesse ensaio relacionar as dimensões de culturas, políticas e práticas de inclusão e exclusão com as teorias curriculares. Julgamos que esse diálogo pode ser profícuo para ambos os campos de conhecimento, e com o propósito de desenvolvermos a conceituação inclusão e exclusão, para além de um processo que expressa contradição, propomos operar com o conceito de ambivalência (BHABHA apud MACEDO, 2006). Segundo o dicionário Aurélio, a palavra ambivalência tem origem nas palavras latinas ambi ([Do lat. ambi- < ambo, ae, o.] Elemento de composição. = ‘ambos’: ambiesquerdo, ambivalente.) e valentia, ([Do lat. pl. neutro de valens, tis,] ‘que tem força’, validade. Substantivo feminino. Validade). Assim sendo, e de acordo com Ceia (2009) o conceito de ambivalência nos remete para os termos ou enunciados que tenham sentidos opostos, sendo ambos válidos. Trata-se de uma forma particular de ambigüidade e distancia-se completamente de uma análise binária, conforme criticamos nas seções anteriores. O termo foi proposto pelo psicanalista Eugen Bleuler (Vortrag über Ambivalenz, 1910) e foi depois redefinido por Freud. Está ligado na origem às atitudes e comportamentos humanos. Ocorre na atribuição de sentimentos opostos ao mesmo indivíduo. Casos comuns são os da ambivalência da aceitação e da rejeição, em nosso caso, inclusão e exclusão. Para Matos e Paiva (2007, p. 197), Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5489 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação A ambivalência aponta a necessidade de superação das concepções binárias de identidade e de diferença do estruturalismo, dada a simultaneidade das múltiplas categorias do ser. A expressão ambivalência pode ser vista como uma forma de escape da dominação classificatória. Esse conceito nos favorece lidar com as dimensões de culturas, políticas e práticas presentes nos processos de inclusão/exclusão em educação, na medida em que permite compreendermos fenômenos que aos olhos desavisados de alguns podem parecer idiossincráticos, como por exemplo, o aspecto subjetivo da exclusão (quando nos sentimos excluídos, independentemente das intenções alheias de nos excluírem ou não), o fato de que uma mesma ação ou atitude pode ser ofensiva e discriminatória para uns, e ao mesmo tempo nada ofensivas ou excludentes para outros sujeitos que convivem em um mesmo contexto, na mesma hora, dia, atividade e apresentam histórias semelhantes de vida (como acontece frequentemente na escola). Neste sentido é que temos avançado em direção à adoção do conceito de trialética inclusão/exclusão (SANTOS e SANTIAGO, 2009). Inspiramo-nos aqui nas idéias de GREGORY, 2005, segundo o qual “ aderir à trialética é um procedimento de inclusivismo, de inter e translateralidade” (p.38) e ALOUAT (2002), para quem “a «trialética» é melhor adaptada à noção de complexidade que, por natureza, é irredutível a um modelo binário ou unívoco; favorece a manutenção de paradoxos pela aceitação da coexistência de antagonismos. » (apud CORTELAZZO, 2000, p. 187). Entendemos que a adoção de uma postura trialética redimensiona as relações educativas, possibilitando-nos múltiplos sentidos para as dimensões de culturas, políticas e práticas de inclusão/exclusão que atravessam o cotidiano escolar. Para além de determinismos, normatizações e homogeneidades da escola e da vida escolar, a subversão se instala a partir da multiplicidade de valores, culturas, orientações, linguagens que constituem e são constituídos pelos diferentes indivíduos e grupos que estão presentes no universo escolar. Sabemos que o processo de inclusão/exclusão em educação está permeado por tensões que nos desafiam a problematizar posições dicotômicas e naturalizadas em torno de argumentações que legitimam determinados prestígios e privilégios sociais e culturais, produzindo identidades ou diferenças. Nesse contexto, reconhecemos e defendemos que o currículo, compreendido nesta perspectiva trialética que abrange as Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5490 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação dimensões de culturas, políticas e práticas para a compreensão dos processos de exclusão/inclusão, é elemento central na elaboração de outras possibilidades e sentidos que envolvem a (re)negociação com a diferença para além de estereótipos hierarquizantes, homogeneizadores e essencialistas. Referências bibliográficas: BOOTH, T. Demystifying Integration. In: The Practice of Special Education. London: Basil Blackwell, 1981. ______. Integrating Special Education. In: Integrating Special Education. London: Routledge, 1983. _______ & AINSCOW, M. Index Para a Inclusão - Desenvolvendo a aprendizagem e a participação na escola. Traduzido por: Mônica Pereira dos Santos. Produzido pelo LaPEADE, 2002. CEIA, Carlos (org). E-dicionário de termos literários. http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/ Acesso em: 25 de julho de 2009. Disponível em: CORTELAZZO, Iolanda Bueno de Camargo. Colaboração, Trabalho em equipe e as Tecnologias de Comunicação: Relações de Proximidade em Cursos de Pós-Graduação. Tese de Doutorado - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2000. COSTA, Marisa Vorraber. Currículo e política cultural. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.) O currículo: nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 1998. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Versão Digital 5.11. São Paulo: Positivo, 2004. GIROUX, Henry. Pedagogia radical e o intelectual transformador. In: GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. São Paulo: Cortez Editora, 1992. GREGORY, W. de. Manifesto da Proporcionalidade. Goiânia: Kelps, 2005. HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº2, jul./dez., 1997. MACEDO, Elizabeth. Currículo: política, cultura e poder. Currículo sem Fronteiras, v.6, n.2, PP. 98-113, jul/dez, 2006. MATOS, Maria do Carmo e PAIVA, Edil Vasconcellos. Hibridismo e currículo: ambivalências e possibilidades. Currículo sem Fronteiras, v.7, n.2, pp.185-201, Jul/Dez 2007 . Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5491 As Múltiplas Dimensões do Currículo no Processo de Inclusão e Exclusão em Educação MAUÊS, Josenilda. O currículo sob a cunha da diferença. ANPED. GT: Currículo/12, 2005. Disponível em: www.anped.org.br/reunioes/29ra/trabalhos/.../GT12-2367--Int.pdf Acesso em: 26 de julho de 2009. MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa e CANDAU, Vera Maria. Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos. Revista Brasileira de Educação. Mai/ago, nº 23, 2003. OLIVEIRA, Ozerina Victor de e DESTRO, Denise de Souza. Política Curricular como Política Cultural: uma abordagem metodológica de pesquisa. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. n. 28, p. 140-150, 2005. PATTO, Maria Helena de Souza, et al. O estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar (1991-2002): um estudo introdutório. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30,n.1, p.51-72, jan./abr. 2004. SANTOS, Mônica Pereira dos. Inclusão. In: SANTOS, M.P.; FONSECA, M.P.S. e MELO, S.C (orgs.). Inclusão em Educação: diferentes interfaces.Curitiba: Editora CRV, 2009. SANTOS, Mônica Pereira dos e SANTIAGO, Mylene Cristina. Escola de Àbá: política curricular para a promoção da igualdade racial no município de Juiz de Fora/MG. In: IX Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste. Pesquisa em Educação no Brasil: balanço do século XX e desafios para o século XXI. São Carlos/SP, 2009 (versão digital). SAWAIA, Bader. Introdução: exclusão ou inclusão perversa? In: As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Editora Vozes: Petrópolis, 2000. UNESCO. Educación para todos em 2015. ¿Alcanzaremos La meta? Paris, 2007. UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos – necessidades básicas de aprendizagem. Paris, 1990. UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Salamanca: Unesco, 1994. WOODWARD, Katrhyn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Editora Vozes: Petrópolis, 2000. Mônica Pereira dos Santos & Mylene Cristina Santiago 5492 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” DESVELANDO AS PRÁTICAS CURRICULARES NO CONTEXTO ESCOLAR DITO INCLUSIVO Niédja Maria Ferreira de Lima JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo DESVELANDO AS PRÁTICAS CURRICULARES NO CONTEXTO ESCOLAR DITO INCLUSIVO Niédja Maria Ferreira de Lima (UFPB/PPGE-UFCG) RESUMO: O texto apresenta um recorte dos resultados do trabalho de tese intitulado: Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade no Município-Pólo de Campina Grande/PB – da Política Oficial à Prática Explicitada. Nele, buscamos problematizar a seguinte questão: para quê (m) adaptar e flexibilizar o currículo no contexto da escola dita inclusiva? Para tanto, focamos a discussão sobre a categoria currículo, discutindo o tema no contexto do debate educativo geral e suas conexões com os processos ideológicos da globalização neoliberal (SANTOS; 2002; DALE; 2004). A pesquisa foi embasada na abordagem qualitativa e se realizou nas Secretarias de Educação de Campina Grande e Puxinanã e em escolas que atendiam a alunos diferentes. No processo metodológico, recorremos à pesquisa documental e à entrevistas com os professores. Seus depoimentos se mostraram contraditórios com as recomendações dos documentos oficiais, apontando dificuldades existentes nas relações aluno diferenteprofessor-conhecimento num ambiente em que o aluno diferente está inserido. Diante das reflexões, reconhecemos com Silva (2000) que pensar num processo de escolarização desses sujeitos pressupõe assumir os fundamentos de uma pedagogia e um currículo que não se limite a celebrar a identidade e a diferença mas que busquem problematizá-las. PALAVRAS-CHAVE: Política de Inclusão - currículo - alunos diferentes. I SITUANDO A PROBLEMÁTICA A ideia de Educação para todos foi implementada no âmbito mundial e instituída por todos os governos como parte do que tem sido denominada como Política de Inclusão. Problematizar a política de inclusão escolar, a nosso ver, deve ser um compromisso que cabe a todos que estamos inseridos na Educação, particularmente na Educação Especial, desenvolvendo pesquisas na área, vivendo seus problemas e transformações ante os processos de globalização hegemônica (SANTOS, 2002). Niédja Maria Ferreira de Lima 5496 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo Assim, norteadas por uma perspectiva crítica da política de inclusão, que discute o tema da inclusão no contexto do debate educativo geral e suas conexões com os processos ideológicos da globalização neoliberal, apresentamos algumas considerações do nosso trabalho de tese1 intitulado: Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade no Município-Pólo de Campina Grande/PB – da Política Oficial à Prática Explicitada. Esse Programa vem sendo implementado nos municípios brasileiros, os considerados municípios-pólo, que atuam como multiplicadores da formação para os municípios da área de abrangência com vistas a apoiar o processo de implementação e disseminação da política de inclusão dos “alunos com necessidades educacionais especiais” na rede pública de ensino. Para o presente texto, elegemos um recorte dos resultados que trata da categoria currículo, tomando como referência o documento norteador do Projeto Educar na Diversidade: material de formação docente (DUK, 2005) e os depoimentos dos professores. Portanto, é fundamental indagarmos sobre o que efetivamente acontece em um contexto de sala de aula dita inclusiva; como são estabelecidas as relações professor-aluno diferente, aluno-aluno, professor-conhecimento, aluno diferente2conhecimento no processo educacional. Isso porque as interações professor-aluno diferente e, consequentemente, a aprendizagem desses alunos vão depender basicamente das concepções que os diversos segmentos envolvidos no processo educacional têm sobre eles. Assim, urge buscar apreendermos a compreensão dos professores sobre o currículo escolar para as diferenças, pois os depoimentos apresentados podem desvendar concepções curriculares subjacentes ao projeto educativo e às práticas pedagógicas das instituições escolares que contribuem para manter e preservar as relações de poder e desigualdade presentes na sociedade. 1 O trabalho de tese buscou analisar a implementação do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade no Município –Pólo de Campina Grande-Pb e sua disseminação em um dos municípios de sua área de abrangência, Puxinanã, no período de 2004 a 2006. Foi orientado pela Profª Drª Ana Dorziat Barbosa de Mélo do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). 2 Optamos pelo uso do termo diferente, por considerarmos que é necessário inverter a lógica centrada no biológico e investir numa perspectiva política, em que as diferenças não são uma obviedade cultural nem uma marca de pluralidade. Pelo contrário, elas se constroem histórica, social e politicamente (SKLIAR, 1999). Niédja Maria Ferreira de Lima 5497 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo II INCLUSÃO ESCOLAR E CURRÍCULO: o discurso oficial A difusão das visões que buscam dar impulso ao processo de globalização interfere também nos campos da cultura e da educação, como afirma a grande maioria dos autores contemporâneos, a exemplo de Boaventura Santos (2002); Roger Dale (2004); Sacristán (2003); entre outros. O fenômeno globalizador não se reduz somente ao campo econômico, ele exerce influência sobre todas as estruturas sociais, sobretudo sobre aquelas formadoras de opinião, como é o caso da Educação. Em outras palavras, estamos perante um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, educacionais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo. Por essa razão, Santos (2002), um dos autores que tem se dedicado de forma mais aprofundada à reflexão da temática da globalização, diz que uma revisão dos estudos sobre este fenômeno se faz necessário, haja vista que as explicações monocausais e as interpretações monolíticas parecem pouco adequadas e podem dar a ideia falsa de que a globalização é um fenômeno linear, monolítico e inequívoco. Esta ideia, longe de ser inocente, deve ser considerada como um dispositivo ideológico e político dotado de intencionalidade específica. Outro exame da relação globalização-educação é feita por Roger Dale (2004). Ele contrasta duas abordagens dessa relação: uma denominada Cultura Educacional Mundial Comum (CEMC), que foi desenvolvida pelo professor John Meyer e seus colegas da Universidade de Stanford (Califórnia), e outra que é desenvolvida pelo próprio autor (Dale), designada como Agenda Globalmente Estruturada para a Educação (AGEE). Esse autor defende que as duas abordagens diferem consideravelmente em cada uma das dimensões-chave da relação entre globalização e educação; diferem também na adequação das explicações que propiciam para o fenômeno da globalização. Argumenta que a CEMC explicita uma teoria muito bem estabelecida sobre o efeito da globalização sobre a educação. Essencialmente, os proponentes dessa perspectiva “defendem que o desenvolvimento dos sistemas educativos nacionais e as categorias curriculares se explicam através de modelos universais de educação, de estado e de sociedade, mais do que através de fatores nacionais distintivos” (2004, p.425). Já a abordagem desenvolvida por Dale, a AGEE: Niédja Maria Ferreira de Lima 5498 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo Baseia-se em trabalhos recentes sobre economia política internacional [...] que encaram a mudança de natureza da economia capitalista mundial como a força diretora da globalização e procuram estabelecer os seus efeitos, ainda que intensamente mediados pelo local, sobre os sistemas educativos (idem, p.436). No contexto brasileiro, o entendimento sobre a complexidade que envolve a relação globalização-educação, na última década de século XX, reveste-se de grande importância, de modo a desvelar a disparidade de interesses nela envolvidos. Nesse período, quando o papel do Estado foi minimizado, reorientando as políticas públicas educacionais, foi firmado o princípio de educação inclusiva. As reformas curriculares decorrentes dessas novas demandas da contemporaneidade foram marcadas pelas adaptações e flexibilizações quanto aos conteúdos a serem trabalhados com os alunos diferentes, assim como aos processos de avaliação adequados ao desenvolvimento desses alunos. Uma análise mais minuciosa dessas reformas no Brasil torna evidente a interferência de agências internacionais como principalmente o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que desempenham um papel crucial enquanto veículos de difusão da globalização capitalista e das políticas neoliberais no campo da educação. Um exemplo disso é o pacote proposto pelo BM para a reforma da educação de primeiro grau nos países em desenvolvimento, incluindo a América Latina. Uma lição importante que merece ser também destacada, nos campos pedagógico e curricular, diz respeito à própria noção de currículo que subjaz às propostas de política do BM, mostrando-se ser incoerente com as perspectivas atuais do campo curricular. Esse Banco recomenda enfaticamente a elaboração e desenvolvimento do currículo como uma tarefa restrita ao poder central ou regional, sem participação local e sem formar parte do pacote de funções delegadas pela descentralização. Esse Banco, apresenta uma visão estreita de currículo, concebendo-o basicamente como conteúdos; ele define as matérias a serem ensinadas e fornece um guia geral em torno da freqüência e duração da instrução. Em contrapartida, as visões mais amplas de currículo entendemno como um todo, uma vez que não separam o que se ensina e aprende, o como se Niédja Maria Ferreira de Lima 5499 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo ensina e se aprende, o para que se ensina e se aprende e o que e como se mede aquilo que se aprende (TORRES, 2003). Com efeito, pode-se dizer que na reforma educacional brasileira dos anos de 1990, o pacote de propostas do BM expressou-se documento intitulado “Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs): Adaptações Curriculares: Estratégias para Educação de Alunos com Necessidades Educativas Especiais”. Segue as diretrizes instituídas na política curricular nacional, que incorporaram a Pluralidade Cultural3 como um dos temas transversais, recomendando progressivas adaptações no currículo, como possibilidade de atender às necessidades particulares dos alunos. Baseia-se, dessa forma, em uma concepção curricular sugerida pelo BM e UNESCO, com destaque para o discurso da diversidade cultural. Esclarecemos por meio do estudo realizado por Garcia (2007), o porquê da presença de duas palavras –chave, flexibilidade e adaptação, no campo da educação especial, enfim, no contexto das políticas públicas de inclusão educacional. Ao analisar algumas fontes documentais nacionais e internacionais, publicadas entre os anos de 1994 a 2005, a autora nos mostra a sucessão de menções e ideias referenciadas nos documentos acerca do conceito flexibilização curricular, que surge como uma nova proposta ao longo dos anos de 1990. Cita como exemplo, o documento “PCNs: Adaptações Curriculares: Estratégias para Educação de Alunos com Necessidades Educativas Especiais”, que passa a adotar no debate curricular a expressão flexibilidade curricular, sem abandonar a sua ideia de adaptação curricular, já desenvolvida no documento “Política Nacional de Educação Especial” de 1994. Esses termos estão presentes também nas proposições do Projeto Educar na Diversidade: material de formação docente (BRASIL, 2006), especificamente no Módulo 4- “A aula como contexto de desenvolvimento do estudante”, o qual apresenta a flexibilização curricular como estratégia de responder aos estilos de aprendizagem. Embora os currículos oficiais reconheçam os diferentes e fale de suas diferenças, CORAZZA (2002) alerta sobre o fato de que eles fundamentam-se no princípio de uma totalizadora identidade-diferença nacional para tratá-los como desvios e ameaças. De 3 O contexto internacional que justifica a origem e a presença de um discurso da pluralidade cultural está associado a diversos fenômenos de violência, conflitos étnicos e religiosos, evidências cotidianas de racismos e múltiplos preconceitos, que afloraram com maior intensidade após o término do chamado período da Guerra Fria (FRANCO, 1999, p.213). Niédja Maria Ferreira de Lima 5500 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo fato, essas políticas estão em consonância com os imperativos globais de “administar a pluralidade, a diversidade e a alteridade, por meio da transformação de cada diferença e de cada diferente em objeto curricular –estatal a ser corrigido ou eliminado” (p.105). Atualmente, há uma nova corrente no campo do currículo de estudos, inspirada nas teorias pós-críticas de educação, que defende um currículo que coloque em relevo a necessidade de ver/ouvir/sentir as diferentes formas de ser e estar no mundo, comprometida com a educação pública, gratuita e de qualidade para todos os homens, mulheres e crianças, ou seja, um currículo da diferença. Esse currículo, segundo Corazza (2002, p.104-107): Repudia as políticas sociais e educacionais dos governos neoliberais do mundo, que mundializam o capital e a exclusão, distribuem desigualmente recursos simbólicos e materiais, privatizam e mercantilizam a educação [...] Não aceita conviver com nenhum dos currículos oficiais desses governos neoliberais [...] pois constata que tais currículos fundamentam-se no princípio de uma totalizadora identidade-diferença nacional [...] Em função disso, esse currículo combativo assinala a premência de discutir e produzir políticas e práticas curriculares contra-hegemônicas às dimensões utilitárias, instrumentais e econômicas da educação neoliberal. Assim, um currículo da diferença traz para o centro do processo o outro que sempre foi excluído dos processos educacionais e se propõe a escutar e a incorporar o que os diferentes têm a dizer. Por isso, parte do pressuposto de que as diferenças não devem ser consideradas como mercadorias de consumo, nem como vítimas, a quem é preciso diagnosticar e registrar, incluir e dominar, controlar e regular, hegemonizar e normalizar. Se considerarmos essa perspectiva, é possível vermos que os padrões unificadores, norteadores das políticas educacionais, “operam como perversos instrumentos para conceder ou negar recursos, recompensar ou castigar instituições, aprofundar divisões existentes, reforçar as desigualdades, discriminar ou suprir as vozes e histórias dos diferentes” (Idem, p.106). Nesse contexto, a inclusão é vista como uma temática complexa, porque envolve mais do que o ingresso e a garantia de critérios para o ensino dos diferentes. É necessário desenvolver o debate em dois níveis: o geral, que inclui a discussão sobre a escola pública brasileira, como o fazem Souza e Góes (1999), sobretudo sobre as visões de currículo, subjacentes às práticas no seu interior aos que já estavam supostamente Niédja Maria Ferreira de Lima 5501 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo incluídos; e o específico, relativo ao entendimento do que significa, para o processo pedagógico como um todo, possuir particularidades diferentes. Portanto, para que aconteça a inclusão dos indivíduos, é importante que as discussões específicas e pontuais sejam incluídas também numa discussão sistêmica, que envolve as reformas curriculares que vêm sendo implementadas na contemporaneidade. II CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS Embasamos o estudo na abordagem qualitativa, paradigma de pesquisa que, segundo Minayo (1993) corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis O lócus foi a Secretaria de Educação, Esporte e Cultura, (SEDUC) do Município-Pólo de Campina Grande-PB; a Secretaria de Educação, Esporte e Cultura de Puxinanã, Município da área de abrangência que aderiu ao Programa; e escolas da Rede Pública Municipal desses Municípios que tinham alunos diferentes. Constituíram-se participantes da pesquisa os Secretários de Educação de Campina Grande e de Puxinanã, a coordenadora do Programa, a formadora do Programa e a equipe técnicopedagógica da rede municipal que desenvolvia trabalho pedagógico junto aos alunos diferentes, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para identificação dos profissionais atribuímos nomes fictícios iniciados com a letra C (Município-Pólo) e a letra P (Município de Abrangência) e a função que ocupavam. Os demais segmentos foram identificados somente com a função que ocupavam e a instituição a que estavam vinculados. Para a realização da investigação, recorremos à pesquisa documental com o intuito de levantarmos o acervo documental referente ao Programa, produzido no período de 2004-2006, no contexto nacional e local e as informações nele contidas, para posterior análise. Esses documentos se constituíram uma rica fonte de dados, sobretudo, porque registraram conteúdos e experiências educacionais inclusivas, possibilitando uma reflexão acerca dos discursos oficiais da política de inclusão e a realização de comparações possíveis entre esses discursos e a sua materialização no locus das escolas públicas regulares municipais. Concluída essa etapa da pesquisa, prosseguimos com a segunda etapa, em que utilizamos a entrevista semi-estruturada, para obtenção dos Niédja Maria Ferreira de Lima 5502 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo dados com os sujeitos envolvidos no processo de implementação do Programa no Município-Pólo e área de abrangência. De posse de todos os dados documentais e das entrevistas, procedemos com a classificação dos dados a partir do entrelaçamento das questões teoricamente elaboradas e do quadro empírico delineado pelas informações obtidas nos documentos. Isso foi possível a partir da leitura exaustiva e repetida dos textos, isto é, de uma “leitura flutuante”, no dizer de Minayo (1993). Por fim, analisamos os dados, procurando estabelecer conexões entre os referenciais teóricos da pesquisa, os dados documentais e depoimentos dos participantes, respondendo às questões da pesquisa com base em seus objetivos e na tese apresentada. Para tanto, trabalhamos com a análise de conteúdo (BARDIN apud TRIVIÑOS, 1987). III ADAPTAR E FLEXIBILIZAR O CURRÍCULO PARA QUÊ (M)? 3.1 O que revelaram os documentos norteadores? O objetivo central do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, expresso nos documentos orientadores analisados, era a formação continuada de gestores e educadores para efetivar a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos nos municípios brasileiros, através da realização de cursos nos Municípios-Pólo e aqueles da sua área de abrangência. Para consolidar esse Programa, o MEC/SEESP disponibilizou para os educadores das escolas públicas estaduais e municipais de várias regiões do país, o Material de Formação Docente Educar na Diversidade. As formações ocorreram no formato de Seminários, oficinas e semana pedagógica, e foram dirigidas a gestores e educadores. O Projeto Educar na Diversidade foi iniciado em 2005, sendo realizado numa ação conjunta entre o governo federal, estadual e municipal, que desenvolvem ações de formação de 15.000 docentes nas escolas que aderiram ao projeto. O material de formação do ano de 2005 é um texto de 251 (duzentos e cinqüenta e uma) páginas e o de 2006 é composto por 265 (duzentos e sessenta e cinco) páginas e, são frutos do maior “Educar na Diversidade nos Países do Mercosul”, que foi coordenado pela SEESP/MEC e envolveu os Ministérios da Educação da Argentina, no Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Niédja Maria Ferreira de Lima 5503 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo A metodologia adotada no projeto foi a da “pesquisa-ação em que o formador, o grupo coordenador do projeto na escola e o docente se tornam também investigadores da própria prática e, juntos, buscam identificar ‘problemas’ a serem eliminados e encontrar colaborativamente formas para abordá-lo” (DUK, 2005, p.15). O conteúdo do material chama a atenção pelo formato de organização de cada unidade didática de estudo dos módulos, que representa a estrutura de uma aula, abrangendo os seguintes aspectos: o tema da aula (conteúdo curricular); o objetivo da aula (o que o estudante deve aprender/desenvolver/demonstrar); as atividades que devem ser realizadas durante as aulas; e as questões de avaliação Foi possível observar no documento do Projeto Educar na Diversidade que seus módulos estão permeados por princípios que deverão nortear as políticas e práticas de ensino inclusivo no campo da gestão, da formação de professores e do currículo, expressos em algumas ideias como: respeito à diversidade, formação docente, adaptação/flexibilização curricular, gestão escolar- trabalho colaborativo- aprendizagem significativa-avaliação. Há indícios de que tais noções, estão eivadas dos pressupostos do multiculturalismo, cujo significado está em consonância com as proposições da UNESCO. Como nos disse Garcia (2008), a noção de diversidade cultural está vinculada a uma concepção liberal que fala da importância das sociedades plurais, mas administradas por grupos hegemônicos. Sob o slogan da inclusão educacional de todos os alunos, são forjados processos de organização do sistema educacional que se pautam nas diferenças culturais e individuais, anunciando que a diversidade deveria ser uma bandeira do campo educacional. Por isso, é fundamental atentarmos para as estratégias subjacentes a tais políticas, porque estão atreladas aos processos da globalização hegemônica, que contribuem para manter as relações de poder -saber no campo educacional. Ao contemplarem legalmente o discurso das diferenças, objetivam mascarar a permanência de uma lógica unilateral, que burocratiza as lógicas de alteridade e continua ocultando, sob nova roupagem, o outro nas suas diferentes possibilidades de ser. (DORZIAT, 2009). Ao examinarmos o conteúdo das duas versões do Projeto, notamos a adoção dos termos adaptação e flexibilização curricular para contemplar as especificidades dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. Garcia (2007), ao analisar o conceito de flexibilização curricular nas políticas de inclusão educacional, tendo como referência Niédja Maria Ferreira de Lima 5504 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo um corpus documental composto por fontes internacionais e nacionais, afirma que a presença desse conceito nos discursos políticos está relacionada, entre outras premissas, a duas ideias centrais: 1) a defesa de que os currículos sejam adaptados às crianças e suas necessidades de aprendizagem; 2) a defesa da necessidade de flexibilizar a organização e funcionamento da escola para atender à demanda diversificada dos alunos. A mesma autora, explica que o termo adaptação curricular tem relação com o modelo clínico-psicológico de organizar as atividades educacionais aos diagnósticos e prognósticos clínicos sobre o desenvolvimento dos sujeitos, a partir as categorias de deficiência: surdo, cego, deficiente físico, mental, múltiplo, etc. Já a flexibilidade curricular, está relacionada “ao significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, favorecendo uma interpretação de hierarquização do acesso aos conhecimentos a partir das diferenças individuais” (GARCIA, 2007, p.15). Tais esclarecimentos são bastante significativos, porque mostram a necessidade de um olhar cauteloso sobre concepções enunciadas nos documentos acerca da flexibilização curricular que estão apoiadas em bases psicológicas e sociológicas. Sobre esse aspecto, concordamos com a autora, quando diz as propostas curriculares em curso no Brasil, podem submeter os alunos a processos desiguais de acesso ao currículo, contribuindo para manter a seletividade e fortalecer ainda mais o processo de hierarquização do acesso ao conhecimento no interior do sistema de ensino. 3.2 O que revelaram os depoimentos dos professores? Com o objetivo de conhecermos as práticas pedagógicas curriculares dos professores que tinham alunos diferentes, perguntamos como eles trabalhavam os conteúdos em sala de aula para atender às particularidades desses alunos. Uma parte dos professores do Município-Pólo e de abrangência afirmou que o trabalho não era diferenciado, ou seja, o conteúdo era o mesmo para todos os alunos da sala. Somente quando esses alunos precisam de uma assistência mais emergente, era dada uma orientação individualizada, mas que não chamasse a atenção da turma, ou se solicitava que outro colega ajudasse. Porém, essa iniciativa, muitas vezes era inviabilizada devido ao fator tempo e ao Niédja Maria Ferreira de Lima 5505 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo número de alunos na sala. Um professor justificou que o trabalho não era diferenciado para não excluir os alunos. Eles assim se posicionaram: Não diferencio os conteúdos, para não excluí-los dos demais, para não ficarem socialmente à parte então faço, só um acompanhamento mais adequado sem ninguém notar (PROFESSOR CÉSAR). Eu trabalho normal. Com T. ela faz atividades. Quando ela não entende, eu explico individual, digo o que eu quero. Com L. já é mais diferente, ela não escreve, pois tem muita dificuldade de coordenação motora quando era pequena (PROFESSORA CLAUDIA). Com esses alunos, temos o conteúdo normal e duas ou três vezes por semana temos aquelas duas alunas em mesinhas separadas com diversos jogos para que elas possam desenvolver [...] Essa orientação é nossa, o que a gente já leu, o que a gente vem trabalhando. È iniciativa nossa. Pegar o cantinho isolado e trabalhar os joguinhos, as atividades diferentes dos demais (PROFESSORA CARMEM). Para ser sincera eu trabalho de uma forma geral. Eu preciso de um tempo exclusivo para eles, mas eu não consigo esse tempo assim, por a turma ser muito numerosa, como já falei. Eu sei que preciso de uma assistência bem maior, mas aí me preocupa assim, enquanto eu estou lá com ele que precisa de um tempo bem maior e os demais? Até as atividades são iguais. Só que ele não realiza, tenho certeza que precisaria de atividades diferentes, diversificadas para o nível dele (PROFESSORA CÍCERA). Normal, eu trato ele como uma criança normal. Claro que assistência que a gente dá é maior como eu falei a gente junta os alunos que estão ao seu redor para auxiliá-lo (PROFESSOR CAETANO). [...] é normal só que eu tenho que parar muito para atendê-lo porque, como ele não acompanha então eu tenho que dar assistência individual, coisa que é muito difícil. São 24 alunos na turma e eu tenho dificuldade de trabalhar com ele pois ele ainda não está lendo é preciso ter acompanhamento individual. Ele chama para ler associando a figura às letrinhas e como a turma é muito difícil e o conteúdo mesmo, ele ainda não acompanha (PROFESSORA CLEMENTINA). De início trabalho de uma forma geral, então quando o restante da turma está adiantado nos outros conteúdos, e me aproximo vou explicar com outro vocabulário, com desenho, com outros termos. Até ele conseguir aprender pelo menos o básico daquele conteúdo. Isso no caso do portador de Down, mas os outros que são deficientes físicos, trabalho normal (PROFESSORA PÉROLA). Igual aos dos outros alunos, só que o professor tem que se dedicar mais, não mostrando para os outros alunos, mas sentando mais com esse aluno, perguntar mais (PROFESSORA PERPÉTUA). Niédja Maria Ferreira de Lima 5506 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo Outros professores informaram que utilizavam procedimentos pedagógicos diversificados como jogos, brincadeiras e, no caso do aluno o surdo, recorriam ao apoio não-verbal, como mostram seus depoimentos: [...] Trabalho muito com jogos e iniciei o ano trabalhando com o jogo da memória que é um jogo que exige que você respeite a vez do outro, as regras. Exige que a criança use a mente, tem que respeitar, ficar esperto, estimulando a questão da mente (PROFESSORA CÁTIA). Os conteúdos são trabalhados através de jogos, alfabeto móvel e ilustrados. São conteúdos diferenciados e, mesmo assim, eles têm dificuldades. Trabalho individualmente um a um. (PROFESSORA CATARINA) Pelo fato de talvez até ele não entender o que é que eu estou falando, no conteúdo propriamente dito, eu vou mais pela parte lúdica, mas a linguagem não verbal, como eu percebo que ele sabe ler, muita coisa dá pra ele entender o que é que está sendo ministrado na sala de aula. (PROFESSOR CARLOS). É difícil, porque eles têm paralisia. A idade mental deles não é a idade mental de acordo com a série. E a gente tenta trabalhar de uma forma mais diversificada, cantando, brincando, tentando acompanhar (PROFESSORA PAULA). Como é possível observar, os conteúdos trabalhados pela maioria dos professores eram abordados de forma homogênea com os alunos ditos normais e os alunos com deficiência. Eventualmente, eram realizadas algumas atividades diversificadas/diferenciadas com o aluno diferente para que “ele não se sentisse excluído” ou para que conseguisse “aprender pelos menos o básico dos conteúdos trabalhados”, como disseram os Professores César e Pérola. A nosso ver, as práticas pedagógicas expostas por esses professores revelam as dificuldades existentes num ambiente (sala de aula) em que o aluno diferente está inserido. As falas dão pistas de que as relações aluno diferente-professor-conhecimento se mostram contraditórias com as recomendações dos documentos oficiais. Qual o significado das atividades consideradas diferenciadas/diversificadas que alguns dos professores realizaram individualmente com o aluno diferente? Podemos considerá-las como adaptações e flexibilizações dos conteúdos curriculares? Se tomarmos como referência as explicações de Garcia (2007) sobre tais conceitos, podemos inferir que há marcas do modelo médico-psicológico na forma de organização das atividades. Embora haja um aceno no discurso do reconhecimento da diversidade e da heterogeneidade na Niédja Maria Ferreira de Lima 5507 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo escola, o modelo apoiado nas diferenças individuais continua sendo a referência. “A consideração de que um aluno apresenta necessidades especiais acaba por ser compreendida como diagnóstico, e as adaptações curriculares são desenvolvidas a partir dos quadros identificados” (GARCIA, 2007, p.17). Portanto, ficou evidenciado nesse contexto as limitações existentes no ambiente escolar para lidar com as diferenças, sobretudo quando se tratam das peculiaridades de um determinado tipo de diferença, trazendo à tona o desencontro de informações, quando comparamos com as falas apresentadas na categoria formação e os documentos analisados. Embora alguns professores e técnicos das instituições tenham dito que havia participado dos seminários do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, das oficinas do Projeto Educar na Diversidade, no locus da escola, e as instituições escolares tenham recebido os documentos subsidiários sobre a educação inclusiva entre outros recursos (DVDs; TV, computador, CDs, Kits para deficiente visual, etc.), parece que essas ações do processo formativo continuado têm se mostrado insuficientes para atender às reais necessidades dos professores para escolarização desses educandos. Concordamos com Ferreira e Ferreira (2004) sobre a ausência de um eixo capacitador para educação na perspectiva da diversidade na formação inicial dos professores da educação básica, o que acarretou práticas direcionadas para um conjunto idealizado de alunos, excluindo desse processo um número cada vez maior de pessoas, entre elas as diferentes. Por isso, faz-se necessário uma profunda reflexão dos profissionais da educação, inclusive dos responsáveis pelos cursos de formação, sobre o fazer pedagógico e a importância de atenção às peculiaridades individuais de seus alunos. No entanto, há de se considerar que, independentemente do conhecimento prévio das idiossincrasias dos alunos, devemos ter como premissa que: […] a educação a eles destinada deve revestir-se dos mesmos significados e sentidos que ela tem para os alunos que não apresentam deficiência; para eles, como para com qualquer outro aluno, deve ser reconhecida a importância dos espaços de interação que o sistema educacional pode promover de forma sistemática na apropriação do conhecimento escolar e no desenvolvimento pessoal (FERREIRA E FERREIRA, 2004, p.40). Niédja Maria Ferreira de Lima 5508 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo IV CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora os textos legais tenham instituído a obrigatoriedade de inserção de todos os alunos nas escolas e as condições e adaptações necessárias para acolhê-los, representando uma iniciativa, sem dúvida, importante porque atende ao princípio do direito de todos à educação, a visão da maior parte dos profissionais da educação foi a de que a inclusão não estava sendo materializada adequadamente. Os dados apresentados apontaram que se, por um lado, a proposta de formação nesses espaços efetivou-se, por outro, existem indícios de que essa iniciativa deixou lacunas quanto à forma como foi desenvolvida ou quanto à compreensão dos pressupostos conceituais que subsidiam o material de formação docente Educar na Diversidade. Reconhecemos com os autores a importância do papel que os educadores desempenham nessa conjuntura, em particular no contexto da política de educação inclusiva, em que o governo brasileiro, a partir do pressuposto pluricultural, procura difundir a ideia de escola para todos. Pensar num processo de escolarização dos sujeitos diferentes ancorado numa perspectiva que considere as interações sociais, pressupõe assumir os fundamentos de uma pedagogia e um currículo que estejam centrados não na diversidade, mas na diferença, concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se limite a celebrar a identidade e a diferença mas que busquem problematizá-las (SILVA, 2000). Diante das reflexões em torno dessa problemática, reconhecemos a necessidade de suscitar reflexões sobre a política educacional brasileira em curso e os significados nela ocultos, bem como as implicações de se aderir a programas homogeneizadores e padronizados que se ancoram em orientações dos organismos internacionais para serem executados localmente. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial. Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. Documento Orientador. Brasília, DF, 2004-2006. CORAZZA, Sandra Mara. Diferença de um pós-currículo. In: LOPES, Alice Cassimiro; Niédja Maria Ferreira de Lima 5509 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo MACEDO, Elizabeth (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. DALE, Roger. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma “cultura educacional mundial comum” ou localizando uma “agenda globalmente estruturada para a educação? In: Revista Educação e Sociedade. Campinas, vol.25, nº 87, p.423460, maio/agosto, 2004. DORZIAT, Ana. O outro da educação: pensando a surdez com base nos temas identidade/diferença, currículo e inclusão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. DUK, Cynthia. Educar na Diversidade: Material de formação docente. 2 ed. Brasília: MEC/SEESP, 2005-2006. FERREIRA, Maria Cecília Carareto; FERREIRA, Júlio Romero. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas pedagógicas. In: GÓES, Maria Cecília Rafael de; LAPLANE, Adriana Lia Frieszman de. (Orgs.). Políticas e práticas de educação inclusiva. Campina-SP: Autores associados, 2004. FRANCO, Monique. Currículo &emancipação. In: SKLIAR, Carlos. Atualidade da educação bilingue para surdos. V. 1. Porto Alegre: Mediação, 1999.p.213-224. GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Políticas inclusivas na educação: do global ao local. In: BAPTISTA, Claudio Roberto; CAIADO, Katia Regina Moreno; JESUS, Denise Meyrelles (Orgs) Educação Especial: diálogo e pluralidade.Porto Alegre:Mediação, 2008.p.11-24. _____. O conceito de flexibilidade curricular nas políticas públicas de inclusão educacional. JESUS, Denise Meyrelles BAPTISTA, Claudio Roberto; BARRETO, Maria Aparecida Santos Corrêa; VICTOR, Sônia Lopes (Orgs.). Inclusão, práticas pedagógicas e trajetórias de pesquisa. Porto Alegre: Mediação, 2007.p.11-20. MINAYO, Maria Cecília de Sousa. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 1993. PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE. Relatórios dos Seminários Município-Pólo de Campina Grande para formação continuada de educadores do Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. Secretaria de Educação, Esporte e Cultura (SEDUC), 2004- 2006. SANTOS, Boaventura Sousa. A globalização e as Ciências Sociais. Editora Cortez: São Paulo, 2004. SILVA, Tomaz Tadeu . A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. SOUZA, Regina Maria; GÓES, Maria Cecília Rafael de. O ensino para surdos em escola inclusiva: considerações sobre o excludente contexto da inclusão. In: SKLIAR, C. Atualidade da educação bilingüe para surdos. V. 1. Porto Alegre: Editora Mediação, Niédja Maria Ferreira de Lima 5510 Desvelando as Práticas Curriculares no Contexto Escolar Dito Inclusivo 1999. TORRES, R.M. Melhorar a qualidade da educação básica? As estratégias do Banco Mundial. In: TOMMASI, L.: WARDE, M.J; HADDAD, S. (Org.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003. p. 125-193 TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à perspectiva em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. Niédja Maria Ferreira de Lima 5511 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” LUTAS E CONQUISTAS NA INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS NA EJA: PRODUÇÃO AUDIOVISUAL SOBRE PETRÓLEO Niely Silva de Souza Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo LUTAS E CONQUISTAS NA INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS NA EJA: PRODUÇÃO AUDIOVISUAL SOBRE PETRÓLEO Niely Silva de Souza (IFPB/UFPB) Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo (IFPB) RESUMO: Este trabalho descreve uma experiência vivenciada em sala de aula, que teve como principal objetivo construir metodologias alternativas, que visavam corroborar com o processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos e ouvintes da EJA (Educação de Jovens e Adultos) no ensino de Química. Participaram estudantes da 2ª série do Ensino Médio da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Profª. Mª Geny S. Timoteo, localizada no município de João Pessoa. Os educandos produziram, durante o 1º semestre de 2009, materiais audiovisuais sobre diversos temas da Química Orgânica, em formato multimídia. O intento de utilizar uma ferramenta auxiliar alternativa focando o aspecto visual contribuiu de maneira eficaz para a facilitação da aprendizagem de TODOS (ouvintes e surdos) os discentes. Principalmente, para os que apresentam necessidades educacionais especiais, que foram incluídos, de fato, na esfera educacional, participando ativamente desta. Este resultado se torna mais real quando o tipo de alunado trabalhado é da EJA. Pois, diz respeito a alunos de diferentes faixas etárias, carga horária reduzida e pouco tempo disponível para o desenvolvimento de atividades extraclasse. PALAVRAS-CHAVE: Metodologia Alternativa; Inclusão de Alunos Surdos; Educação de Jovens e Adultos; Recurso Tecnológico. INTRODUÇÃO A inclusão social é um importante tema nas discussões atuais da Educação Brasileira. Ainda mais se tratando dos alunos com necessidades educacionais especiais que, de acordo com as legislações atuais, devem ser atendidos primordialmente em escolas regulares. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5593 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo Porém, a escola continua perpetrando o mesmo modelo excludente de sociedade na qual está inserida, gerando principalmente, uma grande evasão escolar e um alto índice de reprovação entre os alunos. Este fato é mais agravante quando tratamos de educandos da EJA (Educação de Jovens e Adultos) que apresentam alguma deficiência auditiva. Esta pesquisa propõe não só a interdisciplinaridade, as competências e habilidades, mas também a contextualização ambiental (BRASIL, 1999, p. 20) com vistas a um aprendizado de Química mais significativo e também motivador para as pessoas que dão continuidade aos seus estudos na modalidade EJA (BRASIL, 1996, Art. 37) (BRASIL, 2000, Art. 2). Além disso, um contexto inclusivo com alunos surdos é de suma importância, graças a promulgação das leis de acessibilidade e da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) (BRASIL, 2001) (id. 2002) (id. 2005), que vive uma expansão a cada Censo Escolar. As pesquisas sobre o assunto têm fomentado amplas discussões e indicado mudanças de postura diante da inserção dos supracitados estudantes em escolas ditas ‘normais’. Estes discentes possuem diferenças linguísticas e cognitivas, pois sua língua materna não é o português, e sim a língua de sinais, a LIBRAS. Considerada pela linguística, ‘como um sistema linguístico legítimo e não como um problema do surdo ou patologia da linguagem’ (QUADROS, 2004, p.30). No tocante a cognição, a LIBRAS, ‘com suas características viso-espaciais, encontra na imagem uma grande aliada junto às propostas educacionais’ para os educandos surdos (CAMPELLO, 2007, p.113). Hoje, vivenciamos a fase do Bilinguismo na educação dos surdos do Brasil, onde a escola deveria tornar acessível duas línguas (português e sinais) e estruturar o plano educacional vigente (QUADROS & KARNOPP, 2007, p.27). Entretanto, a maioria das escolas ditas inclusivas tem dado uma leitura metodológica à educação bilíngue, ‘sem problematizar nem os objetivos, nem o Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5594 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo currículo, nem a caracterização do sujeito surdo na pedagogia’ (SKLIAR, 2001, p. 87, 88), além de estar reproduzindo as desigualdades sociais (KRUPPA, 2001, p. 25). Portanto, uma abordagem sociointeracionista deve ser contemplada, que ao tratar de linguagem e signos, se aproxima da perspectiva socioantropológica da surdez, ‘caracterizando o surdo e a comunidade surda por sua identidade específica, manifestando aspectos culturais, cognitivos e linguísticos desse grupo social’ (MACHADO, 2008, p. 85). Entende-se por perspectiva socioantropológica da surdez, um modelo conceitual onde o surdo não é visto como um paciente a ser tratado e curado (modelo clínico) e sim como sujeito diferente, com uma língua viso-espacial e experiência visual própria ‘que envolve todo tipo de significações, representações e/ou produções, seja no campo intelectual, linguístico, ético, estético, artístico, cognitivo, cultural e etc.’ (SKLIAR, 2009, p.11). Segundo Machado (2008, p. 46), é primordial uma profunda reflexão sobre a manutenção da exclusão no contexto escolar ‘de um currículo que contempla os saberes e valores de um grupo específico oriundo de um mundo estranho à realidade de vida dos personagens que compõe a escola’. Dentro deste contexto É necessário criar condições de os surdos se desenvolverem no mesmo patamar do ouvinte, promovendo o desenvolvimento de um pensamento mais elaborado. Para isso, a escola deve trabalhar com conteúdos culturais vivos, atualizados, com os quais os alunos travem relação direta visando a propiciar o acesso a todo tipo de conhecimento. (ipsis litteris DORZIAT, 2009, p.35) Assim, tomou-se a iniciativa de realizar, para o ensino de Química, um trabalho voltado à inserção de alunos ouvintes e surdos de uma escola pública de João Pessoa. Desta forma, foi proposto uma série de seminários em que os estudantes, em grupos, mostrassem os resultados das suas pesquisas para os colegas na forma de material audiovisual. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5595 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo Nas apresentações, foi enfatizada concomitantemente à teoria do assunto, uma abordagem ambiental. Para a realização dos seminários, teve-se o cuidado para que a produção fosse a mais inédita, acessível e didática possível. Como já foi elucidado anteriormente, o público alvo deste ensaio faz parte da modalidade da Educação de Jovens e Adultos que, por si só, É um espaço que permite a participação de um público tão heterogêneo, diversificado e complexo, para a produção/ propagação/ emancipação do saber, cujos elementos abarcam apodícticamente uma incomensurável gama de multiplicidades de modos. (MARQUES, 2007, p.136) METODOLOGIA O estudo teve uma abordagem qualitativa, pois assim, pôde-se ‘descrever a complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais’ (RICHARDSON, 1999, p.80). As técnicas de pesquisa-ação e pesquisa participante foram combinadas, já que ‘os pesquisadores e participantes representativos da situação-problema estavam envolvidos de modo cooperativo e participativo, se desenvolvendo a partir da interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas’ (MINAYO, 2007) (LAKATOS et al, 1985). O lócus deste ensaio ocorreu na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professora Maria Geny S. Timoteo, situada na cidade de João Pessoa-PB, durante o primeiro semestre do ano letivo de 2009, na turma C da segunda série do Ensino Médio. Esta continha oito alunos surdos e vinte e nove ouvintes, todos do período da noite. A turma dividiu-se em grupos, porém, a produção retratada neste trabalho correspondeu ao grupo que possuía quatro discentes surdos. O assunto escolhido por eles intitulou-se ‘Petróleo e Atualidade’. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5596 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo Para o desenvolvimento deste, fez-se uso de recursos tecnológicos e de infraestrutura que a escola possui (TV e DVD, sala de aula e biblioteca, respectivamente). Um determinado tempo foi disponibilizado para a coleta de informações e para a confecção de materiais criativos e diferenciados, onde TODOS (surdos e ouvintes) os alunos pudessem participar, ensinar e aprender. Na intenção de dar continuidade a investigação de metodologias alternativas para o ensino de Química, os educandos foram orientados a pesquisarem em fonte disponível sobre o tema geral ‘Química Orgânica’, com os respectivos tópicos elencados em sala. Assim, cada grupo escolheu seus componentes, conteúdo, a maneira de apresentar e que material produzir. A PESQUISA: DESAFIOS E RESULTADOS Para a sequência dessas intervenções em prol de alternativas didáticas mais estimulantes e significativas, nos baseamos nas idéias de Freire (2000) sobre a (...) prática educativa libertadora: valorizando o exercício da vontade, da decisão, da escolha; o papel das emoções, dos sentimentos, dos desejos, dos limites; o sentido ético da presença humana no mundo; a história não como determinação, mas como provocadora da esperança. Durante a coordenação dos grupos, os mesmos foram direcionados apenas na fase inicial de coleta de informações. Os estudantes tiveram o livre arbítrio para criar seu recurso didático, escolher a forma de apresentação dos seminários, bem como, definir as tecnologias que seriam aplicadas durante a aula. Os alunos surdos examinaram artigos sobre o tema “Petróleo e Atualidade” em periódicos específicos de ensino de Química, onde decidiram elaborar um vídeo. Os próprios educandos programaram, gravaram e editaram uma compilação das explicações em LIBRAS com as imagens e outros dados coletados, principalmente, na internet. Finalizando estas etapas, o grupo produziu um DVD temático, com o imprescindível auxílio da profissional intérprete de LIBRAS. Este recurso tecnológico Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5597 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo foi exibido durante a apresentação do seminário o qual foi exposto na biblioteca, conforme ilustra a Figura 1. Na supracitada explanação, os alunos surdos mostraram os conteúdos em LIBRAS com fundo digital, valendo-se de animações, gráficos e vídeos relativos ao tema. Além disso, gravou-se, em áudio, a tradução consecutiva em português das informações sinalizadas para que os ouvintes compreendessem o que estava sendo discorrido na aula. Outro importante fator explorado, foi a encenação de situações reais relacionadas aos conceitos tratados durante o cronograma que, apesar de possuir um cunho informal, aproximou os espectadores do tema e provocou reflexões sobre nossas atitudes no mau uso dos recursos naturais e dos combustíveis. Foi evidente a desenvoltura na ‘fala’ de cada componente do grupo durante a exibição do DVD. Eles souberam aproveitar cada recurso visual para contextualizar os conteúdos de Química Orgânica e as consequências do uso indiscriminado de combustíveis fósseis nas cidades brasileiras e no mundo, assim como, as implicações negativas para a saúde e para o meio ambiente. Uma das relações semânticas presentes na LIBRAS, foi de grande valia para o bom uso de todos os recursos presentes no DVD temático: a iconicidade. Que, nas palavras de Quadros & Karnopp (2004, p.32): (...) reproduz a forma, o movimento e/ou a relação espacial do referente, tornando o sinal transparente e permitindo que a compreensão do significado seja mais facilmente apreendida. Assim, mesmo não conhecendo bem a língua, há uma motivação do signo com relação ao referente. Este resultado literalmente expressivo se deve, primeiramente, ao interesse dos discentes em aceitar sugestões, em procurar fazer o melhor possível e ter contado com a interpretação/tradução de LIBRAS/Português. Ato este, de particularidade e identidade ainda em construção (PERLIN, 2006 apud MASSUTI & SANTOS, 2007) e deveras relevante e sôfrego no contexto educacional. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5598 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo As pessoas presentes aprenderam que TODOS têm potencialidades, ao vislumbrar que ‘a capacidade virtual do surdo não é menos nem mais do que a dos outros, mas é diferente’ (STUMPF, 2008, p.25). Assim buscamos ensinar com a aceitação do novo, rejeição de qualquer forma de discriminação e respeito à autonomia do ser do educando (FREIRE, 2008), ver Figura 2. Quadros (2003) denuncia que a educação deveria estar calcada em um plano que atendesse de fato às diferenças no contexto brasileiro: diferenças sociais, políticas, linguísticas e culturais. Infelizmente, a realidade reflete a inclusão massificadora, visando atender interesses políticos que tem por base a homogeneidade. Apesar da ínfima infraestrutura disponível (salas de aula lotadas, biblioteca mediana, laboratório de informática em manutenção) e pouco tempo para a organização e confecção dos materiais (carga horária reduzida, dificuldade de realizar encontros extraclasse com os grupos). Bem como, da precariedade das condições de trabalho do profissional intérprete de LIBRAS, a motivação dos alunos foi o fator determinante para a superação das diversas barreiras. Diante disto, recusamos o modelo inclusivo que o governo insiste em planificar, a fim de cumprir metas internacionais e cortes de orçamento ao invés de corresponder as pressões das demandas, que tem causado o surgimento de vários movimentos sociais. De acordo com Franco (2009, p. 217), é uma (...) Inclusão pura e simples, (...) por contato, por osmose. Como se oferecer o mesmo espaço escolar, a mesma escola (...) fosse o mesmo que oferecer igualdade de acesso aos saberes. Não há, portanto um reconhecimento político das diferenças e sim uma mera aceitação da pluralidade sem que se perca de vista a norma ideal [grifo do autor]. Segundo Silva (2008, p. 76), diferença é ‘uma criação linguística, ativamente produzida no mundo cultural e social’. Esta definição, advinda dos Estudos Culturais, reflete sobre ‘as questões do multiculturalismo que se apresentam até mesmo nas pedagogias oficiais em vago apelo à tolerância e respeito à diversidade’(id. 2008, p. 73) [grifo nosso]. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5599 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo O Estado apropria-se do discurso sem profunda teorização e pensamento crítico. Pode-se observar isto num dos documentos basilares do nível médio de ensino do Brasil, o PCNEM, quando afirma que No processo coletivo da construção do conhecimento em sala de aula, valores como respeito pela opinião dos colegas, pelo trabalho em grupo, responsabilidade, lealdade e tolerância têm que ser enfatizados, de forma a tornar o Ensino de Química mais eficaz e assim contribuir para o desenvolvimento dos valores humanos que são objetivos concomitantes do processo educativo (BRASIL, 1999, p. 67) [grifo nosso]. Desta forma, precisa-se notar a teoria e a práxis pedagógica, o discurso e a atitude, as letras das legislações e a prática docente. Os educadores devem rever a concepção de ‘humano’ e de escola. E, doravante, reconstruir a prática educativa, reavaliar a tarefa humanizadora da escola (SILVA & TONIOLO, 2009, p. 195) e sua visão sobre educação que é ‘vida e só tem sentido e significado se fazer servir à vida’ em toda sua plenitude (GADOTTI, 2005). CONSIDERAÇÕES FINAIS Independentemente da diversidade linguística, cultural, de identidade, de história, cada ser humano tem seu potencial e seu saber. Neste trabalho, reiteramos o discurso do movimento em prol de uma real inclusão de TODOS, sejam eles surdos, ouvintes, ricos, pobres, mulheres, homens, crianças ou velhos. Assim, da resignação nasce o sonho; da alienação, a crítica; da exclusão e dor, uma esperança realmente inclusiva. É o fazer educação com eles, e não só para eles. Apoiamos a reformulação da prática docente e de novos paradigmas nas políticas educacionais que procedam das discussões dos educadores brasileiros e não dos organismos internacionais financiadores das “reformas” educativas que temos assistido. Vimos que, quando problematizamos o currículo e planejamos atividades pedagógicas onde se considera o potencial cognitivo de TODOS, como a visualidade dos educandos surdos, pode-se mudar o atual quadro de manutenção do fracasso escolar dos alunos ditos ‘incluídos’. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5600 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo Desta maneira, ensinar para a vida obterá sentido completo, não só social, mas também ecológico para que os atos dos seres humanos e suas implicações negativas sejam arrazoados em sala de aula. Destarte, um despertar para a consciência ambiental, algo intrínseco à sobrevivência da humanidade na Terra. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Vide Adin 3324-7, de 2005, Vide Decreto nº 3.860, de 2001. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm> Acesso em: 12 de mai. 2009. _____.Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio:ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. Volume III. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999. _____.Resolução nº1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Conselho Nacional de Educação-Câmara de Educação Básica. Disponível em: < http://www.eja.org.br/ cadernometodologico/resolucoes/index.php?acao3_cod0=09ec1cb8bacebfebbbe0dfcdb9 0c96c4> Acesso em 12 de maio de 2008. _______. Resolução n˚ 2, de 11 de fevereiro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: Conselho Nacional de educaçãoCamara de Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/ txt/res2.txt> Acesso em: 20 de junho de 2009 _______. Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/ seesp/arquivos/txt/lei10436.txt> Acesso em: 20 de junho de 2009. _______. Decreto n˚ 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n˚ 10.436 de 24 de abril de 2002 que dispõe sobre a língua Brasileira de Sinais-Libras, e o artigo Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5601 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo 18 da Lei n˚ 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Casa Civil. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/> Acesso em: 20 de junho de 2009. CAMPELLO, Ana Regina e Souza. Pedagogia Visual/ Sinal na Educação dos Surdos. In: QUADROS, Ronice Muller (org.) Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul, 2007, p.100-131. DORZIAT, Ana. Bilinguismo e surdez: para além de uma visão lingüística e metodológica. In: SKLIAR, C. (org.) Atualidade da Educação Bilíngue para Surdos. 1v. Porto alegre: Mediação, 2009, p. 27- 40. FRANCO, M. Currículo e Emancipação. In: SKLIAR, C. (org.) Atualidade da Educação Bilíngue para Surdos. v 1. Porto alegre: Mediação, 2009, p. 213-222. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000. ______.Pedagogia da Autonomia. 37ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. GADOTTI. M. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Curitiba: Positivo, 2005. (Série Práticas educativas) KRUPPA, S.M. P. As linguagens da cidadania. In: SILVA, S. & VIZIM, M.(orgs.) Educação Especial: múltiplas leituras e diferentes significados. Campinas: ALB, 2001, p. 13-40. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A.: Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo. Ed. Atlas, 1985. MACHADO, P. C. A Política educacional de integração/inclusão: um olhar do egresso surdo. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2008. MARQUES, Rodrigo Rosso. Educação de Jovens e Adultos: um dialogo sobre a educação e o aluno surdo. In: QUADROS, Ronice Muller (org.) Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul, 2007, p.132-149. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5602 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo MINAYO MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2007. PERLIN, G. A cultura surda e os intérpretes de Línguas de Sinais. ETD, Campinas, v. 7, n.2, jun/p. 135 , 2006 apud MASSUTI, Mara Lúcia & SANTOS, Silvana Aguiar dos. Intérpretes de Línguas de Sinais: uma política em construção. In: QUADROS, Ronice Muller (org.) Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008, p.150-169. QUADROS, Ronice Muller. Educação de Surdos- aquisição de linguagem. Porto alegre: Artmed, 1997. ________. Inclusão/exclusão: situando as diferenças na educação de surdos. Porto Alegre: Mimeo, 2003. _________ & KARNOPP, L. B. Língua de Sinais brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. SILVA, Thomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, T. T. (org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 8ª edição. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 73-102. SILVA, J.C. ; TONIOLO, J. M. S. A. Educação Humanizadora e os Desafios da Diversidade: Alguns pontos para reflexão. In: HENZ, C.; ROSSATO, R.; BARCELOS, V. Educação Humanizadora e os Desafios da Diversidade. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009, p. 189-200. SKLIAR, C. Perspectivas políticas e pedagógicas da educação bilíngüe para surdos. In: SILVA, S. & VIZIM, M.(orgs.) Educação Especial: múltiplas leituras e diferentes significados. Campinas: ALB, 2001, p. 85-109. SKLIAR, C. (org.) Atualidade da Educação Bilíngue para Surdos. 1v. Porto alegre: Mediação, 2009. Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5603 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo STUMPF, Marianne Rossi. Mudanças Estruturais para uma Inclusão Ética. In: QUADROS, Ronice Muller (org.) Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008, p.16-31. Figura 1 - Exibição do DVD temático para a turma Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5604 Lutas e Conquistas na Inclusão de Alunos Surdos na EJA: produção audiovisual sobre petróleo Figura 2 – Momentos de diálogo com TODOS os alunos Niely Silva de Souza & Alessandra Marcone Tavares Alves de Figueirêdo 5605 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” INCLUSÃO, CURRÍCULO E MULTICULTURALIDADE: UM OLHAR SOBRE A PESSOA SURDA Norma Maciel de Lemos Vasconcelos JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda INCLUSÃO, CURRÍCULO E MULTICULTURALIDADE: UM OLHAR SOBRE A PESSOA SURDA Norma Maciel de Lemos Vasconcelos Mestre em Educação pela UFPB Professora da UFRPE - UAG - PE RESUMO: No contexto contemporâneo surge a idéia de uma escola para todos que tem como fundamento a abertura de suas portas para os excluídos; entretanto, essa mesma escola ainda continua oferecendo condições precárias aos supostamente incluídos. À discussão da inclusão de pessoas surdas em escolas regulares surge a necessidade de entender e acompanhar as práticas curriculares existentes na escola pública brasileira. Para tanto, buscamos inserir a discussão sobre inclusão, currículo e multiculturalidade na educação escolar de pessoas surdas. Entendemos que a inclusão não se constitui um estado permanente, nem uma mera inserção física de estudantes surdos na escola regular e que o multiculturalismo fortalece e valoriza as diferenças lingüísticas e culturais próprias. Enfatizamos desde a aplicação e desenvolvimento das atividades pedagógicas curriculares, suas especificidades lingüísticas e culturais até as formas de participação dos envolvidos no processo educativo. Foi possível concluir que os procedimentos pedagógicos da professora de classe regular continuam inalterados quanto à presença desses alunos. Isso indica que é necessário desenvolver um novo olhar sobre a inclusão, o currículo e a multiculturalidade. PALAVRAS-CHAVE: Surdo, Inclusão, Currículo e Multiculturalidade. A pessoa surda comunica-se, normalmente, por meio da linguagem gestual. E, para que isto ocorra, faz-se necessário inserir o surdo naquilo que o caracteriza cultural e lingüisticamente, ou seja, sua língua natural que é a língua de sinais. No nosso caso, a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. O surdo se utiliza da visão para apreender o mundo. Dessa forma, utilizar recursos visuais para o desenvolvimento da aprendizagem é um caminho perseguido por muitos dos profissionais que trabalham com surdos. A educação deve servir para proporcionar condições adequadas ao seu desenvolvimento físico, motor, emocional, cognitivo e social, promovendo, assim, a Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5515 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda ampliação de suas experiências e conhecimentos, estimulando interesse pelo processo de transformação e pela convivência em sociedade. Para tratar sobre as peculiaridades dos educandos surdos, prevalecemos-nos das posições freireanas que sempre consideraram nas suas atividades pedagógicas o Outro, não apenas como a imagem e semelhança do Eu, mas como possuidor de representações próprias, inaugurando na educação brasileira a visão do educando como agente de seu processo de aprendizagem, como um ser social. Afirma Freire: O eu antidialógico, dominador, transforma o tu dominado, conquistado, num mero “isto”. O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não eu -, esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu tu passam a ser nesta dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois eu (FREIRE, 1987, p. 166). Embora entendamos e aceitemos a forte marca do fator biológico como desencadeador das características da surdez, consideramos que esse fator não se encerra nele mesmo, nem é passível de soluções reabilitadoras e/ou medicamentosas. Essa peculiaridade tem gerado ao longo da história possibilidades alternativas de organização intra e interpessoal, tendo a língua dos surdos (Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS) como símbolo definidor de uma cultura própria: a cultura surda. Aceitar culturalmente as pessoas Surdas é respeitar a luta historicamente construída e socialmente estabelecida; é se opor à perversidade das ações homogeneizadoras dos opressores que tentaram aniquilar, de forma discriminatória e excludente, uma outra cultura que já se estabeleceu no cenário social: a Cultura Surda. Segundo Perlin (1998, p. 57): É preciso manter estratégias para que a cultura dominante não reforce as posições de poder e privilégio. É necessário manter uma posição intercultural mesmo que seja de riscos. A identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual. Essa diferença precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como construção multicultural. Nessa perspectiva, o multiculturalismo vem fortalecer a valorização dos sujeitos sociais em suas diferenças, suas culturas específicas na busca da afirmação cultural, servindo de lastro para a argumentação de que a pessoa surda é constituída por meio de suas diferenças lingüísticas e culturais próprias, em sua ação e atuação visual. Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5516 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda É necessário que o surdo mantenha uma posição intercultural, sem omitir o fato de que a identidade surda se constrói dentro de uma cultura visual. Essa diferença precisa ser entendida não como uma construção isolada, mas como uma construção multicultural. Podemos dizer que foi a desconsideração dessas questões que levou o educando surdo a ser tratado como incompleto, necessitando ser reabilitado para que pudesse se tornar normal. Atualmente, existe o risco de, mesmo com a aceitação e valorização da LIBRAS nas escolas, continuarmos privilegiando e colonizando o surdo, porque sua cultura e formas próprias de elaboração de mundo continuam sendo sufocados no processo pedagógico, uma vez que o currículo continua sendo direcionado para o ser considerado normal, ouvinte. Entendemos que, embora a generalização do mundo ouvinte seja irreal, hipotética, os currículos escolares teimam em fazê-la, excluindo também muitos ouvintes de um processo pedagógico significante. Nesse sentido, entendemos a necessidade premente de se pensar e redefinir a educação como um todo, em particular das pessoas surdas, numa perspectiva culturalmente engajada, tomando as premissas do pensamento freireano de que a educação não é isenta, nem neutra. Na sua pretensa isenção, a Educação, ao que Freire chama de educação “bancária”, esconde formas de dominação e poder, que coloniza e submete o Outro. Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou os minimiza, estimulando sua ingenuidade e não a sua criticidade, satisfaz o interesse dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. O seu “humanitarismo” e não humanismo está em preservar a situação de que são beneficiários (...) (FREIRE, 1987, p. 60). Na visão Bancária de educação, o conhecimento é negado, enquanto um processo de busca, sendo o educador considerado único sujeito do processo ensinoaprendizagem. Ele é visto como aquele que detém o saber que, por sua vez, é doado ao educando por meio de um processo mecânico de memorização dos conteúdos narrados de forma descontextualizada da realidade em que se encontra inserido. Sendo assim, na concepção bancária existe uma constante contradição entre o educador e o educando. Ambos se encontram uma relação que os desumaniza. O Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5517 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda primeiro cumpre a função de interpretar o mundo e transmiti-lo, ao passo que o outro vive uma situação silenciadora que o impede de dizer palavras próprias que nomeiem a sua compreensão do mundo. Este processo educativo bancário constitui-se num movimento contínuo entre forças contrárias que o incentiva e o mantém. Daí que nela: O educador é o que pensa; os educandos, os pensados; O educador é o que diz a palavra; os educandos os que a escutam docilmente; O educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; O educador é o que opta e prescreve a sua opção; os educandos os que seguem a prescrição. (FREIRE, 1987, p.59). Observando essas questões, vislumbramos fortes relações entre o que preconiza Paulo Freire e os adeptos das atuais correntes denominadas “Estudos Culturais” e Educação de Pessoas Surdas. Acreditamos que, por esse caminho, novas possibilidades podem se abrir. Existem questões de fundo que estão presentes nas entrelinhas desta trajetória, caminhos para avançar, que possibilitam o desenvolvimento de questões não apenas didáticas, mas políticas e pedagógicas na busca de um novo cenário para uma Educação de fato inclusiva. Para se estabelecer uma educação democrática e inclusiva, é preciso oferecer diferentes oportunidades de utilização das formas de representação em consonância com a apropriação do acervo cultural produzido pela humanidade, o que até hoje tem sido privilégio apenas das camadas sociais do poder. Só assim serão dadas oportunidades para o desenvolvimento de potenciais e formação integral do sujeito em condições para o exercício efetivo de sua cidadania. Para Freire, educar é possibilitar a construção de opiniões, de tomadas de decisões. Educação é para fortalecer o povo, em poder de decisão e em organização. A Educação é aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povo, na luta incessante de recuperação de sua humanidade. A Pedagogia deve fazer da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, o que resultará no seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará (FREIRE, 1987). Para que isso aconteça, há um requisito básico a ser considerado: a linguagem. A capacidade humana de expressão por meio de diferentes falares, de externalização de terminologias próprias, que expressam um mundo em particular, foi foco também das Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5518 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda preocupações de Paulo Freire. Não há como pensar educação, no sentido colocado anteriormente, sem o concurso da linguagem. A linguagem afirma a pessoa humana e a humanidade, colocando-a como sujeito de seu destino. É por meio da linguagem que, na condição de indivíduos, dimensionamos o nosso mundo interior, o mundo ao nosso redor, o mundo com o qual sonhamos. É, também, por meio da linguagem que a humanidade pode dimensionar seus valores, suas relações sociais, suas aspirações de justiça e liberdade, enfim, externalizar sua cultura. Esse é outro ponto essencial de convergência entre as idéias de Freire e a educação das pessoas surdas. Por vários anos, o surdo foi obrigado a falar uma palavra que não era sua. Sua forma de “ouvir” e “falar” o mundo (a LIBRAS) que foram engendradas pelas suas características biológicas, tendo a visão como ponto forte, não era considerada. Ou seja, os surdos eram desnudados da sua humanidade, do que os caracterizava cultural e lingüisticamente. Segundo Dorziat (1999, p. 29): É a língua de sinais que dará condições de os surdos tornarem-se seres humanos em sua plenitude, através da apropriação dos conceitos científicos, disponíveis na educação formal. No entanto, o uso dessa língua, como disse anteriormente, apesar de critério básico, não deve ser visto como a solução de todos os problemas que se apresentam no ensino. É preciso entender, além de fatores de ordem individual, os desdobramentos da educação dessas pessoas, no âmbito das discussões da educação como um todo, considerando as esferas mais amplas da sociedade, isto é, a viabilização de um ensino democrático, no sentido de que seja proporcionada realmente igualdade de condições de aprendizagem e atuação social. Essa afirmação deixa claro que acreditar na importância da LIBRAS, como condição básica de aprendizagem dos surdos, não é só usar o código lingüístico gestualvisual, mas ressignificar os conhecimentos para uma cultura, buscando a superação efetiva de um saber sistematizado, neutro, e instalando um verdadeiro respeito à cidadania. Mesmo acreditando na importância desta língua, como condição básica de aprendizagem, é preciso que haja conteúdos escolares culturalmente vinculados, com devido respeito à cidadania. E é nesta cidadania e nesta busca da dignidade humana que Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5519 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda voltamos nossa atenção para a escola que deverá buscar caminhos para se consolidar nesse cenário de agente transformador para superação dos limites a ela impostos pelo poder opressor, sobretudo sofridos pela escola pública, local onde a grande maioria dos alunos surdos está inserida. Não basta garantir o acesso, mas, dar ênfase à qualidade da oferta, que passa, necessariamente, pela possibilidade de igualdade de atuação social, conseguida através do respeito às diferenças. Todo cidadão tem direito de saber melhor o que já sabe, ou conhecer o que não sabe; é o saber social e o respeito ao saber individual. Todos têm direito de aprender, de se sentirem desafiados, de se acharem em condições de contribuir para transformar o país e o mundo; direito de participar da criação do conhecimento novo. De acordo com Freire (1996), isso não é idealismo, mas a utopia necessária para se superar o limite da intransigência, assumindo uma postura ético-política. Para ele, é necessário dar ao educando condições de vida e ambiente cultural adequados aos conteúdos curriculares, conscientização reflexiva e prática. Para isso, cabe à escola apresentar-se como um espaço vivo, onde professores e alunos construam juntos os processos de aprendizagem, confrontando saberes necessários à construção de sua cidadania, elaborando propostas satisfatórias e experiências significativas. Um outro aspecto fundamental para a criação desse novo olhar sobre a educação dos surdos, é entender o que afirma Kyle (apud SKLIAR, 1997, p. 20): Os tópicos do currículo são expressos como questão de tradução - como certos elementos podem ser apresentados na língua da minoria. Nunca houve um exame das necessidades e habilidades da minoria como uma base para a definição do currículo. É provável que as crianças surdas continuem a fracassar nesse currículo - mesmo se a língua de sinais for usada. Não se trata apenas da transmissão de conhecimentos dos intelectuais aos populares, e muito menos da imposição de um saber social e historicamente construído. Trata-se de (trans) formação de pessoas que irão, assim, construir novos saberes sejam eles populares, científicos, religiosos ou técnicos. Em conseqüência, surgirá a construção de outras representações sociais, de outros saberes e de alternativas de vida, criando e recriando novas formas de fazer política e de agir e ver o mundo. Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5520 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda Essa forma de aprendizagem não nega os processos de ensino-aprendizagem vividos na prática escolar, mas os complementa, os supera. Apresenta novos elementos que vão além dos processos escolares, incorporando-os numa síntese mais ampla tanto em relação aos sujeitos e procedimentos, quanto aos seus objetivos e suas razões. Essa concepção de educação lança um olhar diferente sobre o outro, um olhar sério e profundo, acreditando em suas potencialidades cognitivas, afetivas e criativas, aberto a possibilidades de diálogo com o mundo, conquistando seu espaço na efetivação de uma sociedade mais justa e democrática. A educação deve servir para proporcionar condições adequadas ao seu desenvolvimento físico, motor, emocional, cognitivo e social, promovendo, assim, a ampliação de experiências e conhecimentos, estimulando o interesse pelo processo de transformação e convivência em sociedade. Uma educação de qualidade para todos é a que tem por objetivo apoiar o desenvolvimento da capacidade de contribuir ativamente com propósitos coletivos em benefício das comunidades próximas e distantes em termos de tempo e de espaço. A expressão “para todos” significa a acessibilidade não apenas física, mas de aprendizagem, que o processo educativo deve oferecer a cada um dos cidadãos, não importando a sua diversidade, a especificidade que cada um manifeste através de suas características físicas, culturais, sociais, econômicas e raciais. Não são os indivíduos que têm que se adaptar às condições de uma educação planejada para uma elite conservadora e dominante da sociedade, mas é a organização educacional e social que deve se adequar às necessidades particulares e as características próprias que existem nas pessoas humanas, criando, de fato, espaço para todos. Portanto, a localização da deficiência não está nas pessoas, mas na forma como a sociedade se apresenta. Isso persistirá enquanto não se apresentar saídas reais e dignas para um modelo de organização humana justo, com espaço para todos e para cada um com as suas especificidades. É fato que tem havido conquistas sociais quanto aos direitos das pessoas surdas. Entretanto, precisamos estar alerta para os engodos presentes nos discursos oficiais. Não é a sociedade que, espontaneamente, abre as portas para essas pessoas. Ao contrário, são elas que, enquanto cidadãos e cidadãs entram, rompendo barreiras desumanizadas, Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5521 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda excludentes, e conseguem, com a sua presença, superar tabus, desfazer mitos e elevar o patamar de humanidade social, buscando constituir um processo de forma articulada e progressista que acompanhe suas mudanças físicas, biológicas, emocionais, intelectuais e culturais ao longo de sua vida. Para isso, urge pensarmos em uma sociedade do presente, onde seja viabilizada uma série de medidas dentro das instituições, espaços e processos de educação que se voltem para a inclusão de todos. Não há escola inclusiva se os jovens, os adultos e as famílias não forem ouvidas e respeitadas em seus direitos. A acessibilidade na educação passa pela acessibilidade em todos os outros setores e serviços, não é responsabilidade somente dos educadores e nem das escolas, mas se constitui em responsabilidade social, coletiva. As comunidades surdas têm denunciado os prejuízos causados pelas propostas de ensino desenvolvidas até então e têm lutado pela criação de novos espaços. Os profissionais que trabalham com as comunidades surdas estão tendo, cada vez mais, acesso a informações que são resultados de pesquisas e estudos sobre novas concepções e movimentos desta comunidade, possibilitando uma retomada de conceitos estruturados de surdez, de língua e dos seus Direitos. Nesta trajetória, tem se disseminado o chamado bilingüismo como proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar acessível à língua oral e a gestual, considerando a língua natural dos surdos, a LIBRAS, e, como segunda língua, a oficial de seu país. Embora os estudos tenham apontado para essa proposta como sendo a mais adequada para o ensino de crianças surdas, autores como Skliar et al. (1999) defendem o reconhecimento político da surdez. Nesse sentido, a proposta educacional, além de ser bilíngüe, deve ser bicultural para permitir acesso rápido e natural do surdo à comunidade ouvinte e para fazer com que ele se reconheça como parte de uma comunidade surda. Em termos de currículo escolar de uma escola bilíngüe, entendemos, então, que é necessário haver um diálogo permanente entre os conteúdos desenvolvidos nas escolas e as formas de pertencimento dos sujeitos a determinados grupos. Isso traz à tona a importância do uso da língua nativa das crianças surdas, ou seja, de LIBRAS, e da língua portuguesa, que deverá, para os surdos, ser ensinada como segunda língua. Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5522 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda Portanto, a educação de Surdos, numa perspectiva freireana, deverá ainda apresentar objetivos da educação bilíngüe e bicultural. Argumentando nessa mesma direção, afirma Skliar (1999) que se deve: criar um ambiente lingüístico apropriado às formas particulares de processamento cognitivo e lingüístico das crianças surdas; assegurar o desenvolvimento sócio-emocional íntegro das crianças surdas, a partir da identificação com surdos adultos; garantir a possibilidade de a criança construir uma teoria de mundo; e oportunizar o acesso completo à formação curricular e cultural. Para Souza (2001), as realidades sociais estão constituídas e configuradas de acordo com a diversidade cultural. As exclusões e desigualdades, tanto políticas, econômicas, culturais, étnicas, lingüísticas, religiosas, de gêneros, entre outras, são expressas de maneira proporcionalmente maiores e mais intensas. Influencia as outras situações sócio-culturais, indo de encontro às comunidades mais isoladas, de forma social, percebidas a partir dos debates sobre a transculturação, fragilidades e potencialidades da pluri/multi/inter-culturalidade. Educar e educar-se, na prática da liberdade, não é estender algo desde a ‘sede do saber’, até a ‘sede da ignorância’ para ‘salvar’, com este saber, os que habitam nesta. Ao contrário, educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que poucos sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais – em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais (FREIRE, 1975, p. 25). A pós-modernidade global é caracterizada pela diversidade cultural, sendo identificada pelas situações de várias identidades, com riscos de fragmentação. Nesse cenário, surge o debate sobre a multiculturalidade, que é constituída pelas relações interculturais, que têm ocasionado uma gama de desafios para os processos educacionais, provocando reflexões crítica permanente, consistente e rigorosa, devido à fragmentação da responsabilidade da educação e dos educadores (SOUZA, 2001). De acordo com Leite: A emergência de um discurso de educação face à multiculturalidade, questão até aí pouco (re) conhecida. No entanto, este discurso nem sempre foi acompanhado pela ação prática e pelo exercício, por parte dos professores, de processos que se enquadrem numa lógica de coexistencialismo e de educação intercultural. De fato, nos princípios dos anos 90, as iniciativas de intervenção nesta especificidade educativa correspondiam a pequenos Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5523 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda grupos de acadêmicos e investigadores ou a grupos sociais que nos seus quotidianos conviviam com a necessidade de agir face às situações de exclusão a que eram votados membros das chamadas minorias presentes na sociedade portuguesa (principalmente africanos das ex-colônias portuguesas e populações de etnia cigana) (LEITE, 2000, p. 138-139). Cilinda Leite (2000) esclarece que essas preocupações e debates dão lugar a reforma do sistema educativo português (1980), com a concretização do projeto de pesquisa e intervenção, coordenado pela Professora Luiza Cortesão, o PIC – Projecto de Educação Inter/Multicultural, realizado no período de 1989 a 1992, e freqüentado por várias crianças, provenientes de antigas colônias portuguesas. Esse é um dos projetos que contribuiu para a construção de uma prática pedagógica que possibilitasse tratar as situações culturais como potenciais capacidades de aprendizagem dos alunos. Foi ensinando o máximo de respeito às diferenças culturais com que tinha de lidar, entre elas a língua, em que me esforcei tanto quanto pude para expressar-me com clareza, que aprendi muito da realidade e com os nacionais o respeito às diferenças culturais, o respeito ao contexto a que se chega à crítica à invasão cultural, a sectarização e a defesa da radicalidade de que falo na Pedagogia do Oprimido, tudo isso é algo que, tendo começado a ser experimentado, anos antes no Brasil e cujo saber trouxera comigo para o exílio, na memória de meu próprio corpo, foi intensamente, rigorosamente vivido por mim nos meus anos de Chile (FREIRE, 1992, p. 44). Paulo Freire (1996) contribuiu muito para o debate sobre a multiculturalidade e a interculturalidade crítica, principalmente a respeito das novas responsabilidades dos processos educacionais, inclusive dos escolares. É obvio que existe a emergência de uma proposta da educação inter/multicultural crítica que denomina amplos processos sociais de luta contra as desigualdades econômico-sociais e contra as exclusões histórico-culturais, em vistas a construção de uma democracia representativa. A desigualdade e a exclusão manifestamse na sociedade de diferentes maneiras, principalmente em situações de desigualdades, integração, através de decisões de afastamento ou de expulsão. Portanto, Stoer (2001, p. 15) afirma que: Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5524 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda Na luta pela ‘neutralização da lógica da exclusão’, luta essa, por sua vez, central no contexto do ‘Estado, novíssimo movimento social’ que se desenvolve, num momento de desestatização da regulação social, ‘pela intensificação da cidadania activa’ e ‘pela experimentação institucional’. Neste sentido, a educação inter/multicultural, tal como a defendemos, faz parte do mesmo multiculturalismo que parece surgir como ‘uma forma indispensável de rebelião contra os abusos do nosso actual sistemamundial’. De acordo com Silva (2001), a multiculturalidade crítica também pode ser uma saída humana para as transculturações, provocadas pelos processos atuais de globalização. Nessa configuração, a educação escolar passa a ser desafiada por outros papéis e outras exigências, sobretudo em termos de conteúdos e práticas pedagógicas. Para que os conteúdos tenham uma vinculação cultural devem ser abordados e compreendidos a partir da diversidade, visando o crescimento humano integral, por meio do respeito, promoção, proteção e desenvolvimento dos direitos sociais e culturais. As práticas pedagógicas, nos diferentes processos que proporcionem experiências significativas, se forem vividas interculturalmente, configurarão situações multirulturais que garantirão e devolverão (são prefigurativas) o desejo e a luta por sociedades democráticas que, talvez, se pudesse denominar de pluri/inter/multiculturais críticas. Tornam-se momentos da dimensão estratégica da ação humana. Práticas pedagógicas assim configuradas e realizadas serão da maior relevância social, cultural e pessoal, além de seu significado acadêmico, para a pós-modernidade/mundo (SOUZA, 2001, p. 213). O multiculturalismo tem um conceito bastante vago e complexo, variando a partir da visão dos autores que desenvolvem trabalhos sobre o tema. Ele emerge no enfrentamento dos problemas e na tentativa de identificação do quadro teórico e ideológico apropriado a análise dos desafios. Na compreensão de Freire, a multiculturalidade é o resultado de um processo respeitado, responsável e rigoroso de interculturalidade que responde ao desafio de explicar o quadro teórico e o ideológico em que se movimenta. O conceito de Freire de multiculturalidade revela-se como uma hipótese de trabalho, do ponto de vista teórico e metodológico, movido por uma análise das situações sociais e pedagógicas, na elaboração e utilização de dispositivos diferenciados da pedagogia. Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5525 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda Com isso, podemos caracterizar o contexto da pós-modernidade global, mantendo a noção de uma diversidade cultural menos comprometida com juízos de valor e mais engajada na multiplicidade de culturas. Essas características podem ser encontradas nas teorias e práticas de Paulo Freire. A contribuição de Freire à educação está na maneira especial com que trata a proposta pedagógica, dando possibilidades a que os processos educativos interfiram positivamente na construção do ser humano. Conforme Santos (1995), a característica distinta de qualquer atividade educativa está na possibilidade de contribuir para o crescimento humano integral do ser humano e de todos os seres humanos em todos os cantos do planeta, principalmente os que tem sua humanidade roubada pelas condições desumanas da sociedade, da qual são trabalhadores e trabalhadoras e na qual têm o direito de crescerem como seres humanos, com garantias de desenvolvimento de suas competências intelectuais, visando à transformação das relações sociais predominantes que provocam as desigualdades sociais e as exclusões culturais. Metas de visão crítica e de ampliação das capacidades humanas e possibilidades sociais. Isso significa que o ensinar e o aprender devem estar associados aos objetivos da educação do estudante: compreender por que as coisas são como são e como vieram a se tornar assim; tornar o familiar estranho e o estanho familiar; correr riscos e lutar contra as relações de poder vigentes, a partir de uma cultura moral que valoriza a vida; assim como visualizar um mundo que ‘ainda’ não está em ordem, para ampliar as possibilidades de melhoria das condições de vida (GIROUX, 1994. P. 99). De acordo com Giroux (1994), existe uma boa perspectiva para formular e propor uma pedagogia desafiadora, configurada com padrões e objetivos que possam responder às necessidades da construção educacional. Uma pedagogia que tem como princípio as culturas existentes, na tentativa de superar suas negatividades e potencializar sua capacidade de construção da humanidade. A cultura aqui entendida como processo e produto da ação dos seres humanos em suas intra / inter /relações consigo mesmo e com os outros, com a natureza, com as divindades, com a sociedade, para a construção de um sentido de existência positivo. Paulo Freire (1992) revela-se um dos maiores pensadores da modernidade porque, partindo de valores significativos da própria modernidade, consegue criticá-la, Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5526 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda resgatando toda a dimensão da subjetividade humana e despertando o sentido da história. Assim, vê os seres humanos como um conjunto de características próprias, comuns e variadas frente a todos os outros seres humanos, constituindo-se como grupos específicos, diferenciados entre si, capazes de dialogarem. Nessa relação, a cultura vai sendo constituída, num processo contínuo e inacabado, pelas diversas formas de vida e de convivência humanas. Para isso, é necessário que ocorra uma gestão flexível do currículo e da estrutura escolar, com o envolvimento de toda a comunidade, na vivência de situações propícias ao exercício de uma cidadania crítica, inovadora, facilitada pela promoção de uma comunicação intercultural. Fazer parte de um grupo não significa apenas estar fisicamente ao lado das pessoas, significa compartilhar anseios necessidades e valores. Uma escola dita para todos deve se propor a incluir de forma real todos, como parte do grupo, ou seja, deve estar aberta a vivenciar tudo o que se relaciona com os envolvidos. Uma escola que se propõe inclusiva pressupõe uma mudança, ou melhor, uma troca na ordem social, econômica, política, afetiva e cultural. O estudante deverá ser incentivado a trazer sua história de vida e construir, a partir dela, o seu processo de aprendizagem, contribuindo e influenciando também na história de vida dos seus pares e no processo de aprendizagem como um todo. A semana da pessoa com deficiência é mais do que um momento comemorativo, é um momento político, pois é quando esse segmento minoritário ganha visibilidade na mídia e na sociedade. Embora entendamos que a participação das pessoas com todo tipo de deficiência e também daquelas que são ditas “normais” em atividade conjuntas deve acontecer durante todo o ano, sabemos que neste período as instituições e os movimentos organizados de pessoas com deficiência concentram esforços para que ocorram, de forma mais efetiva e visível, a divulgação dos anseios, necessidades, vitórias e aspirações desse grupo, de modo a que toda a sociedade venha a discutir e buscar caminhos adequados de convivência nos mais diversos locais. O fato de as pessoas com deficiência serem ouvidas neste período pode contribuir para a melhoraria da auto-estima, criar oportunidades de construir novos tipos Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5527 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda de relações, bem como analisar situações delicadas do nosso dia-a-dia e desfazer equívocos que podem ser gerados pela falta de informação. A escola para todos, onde estão inseridos alunos com deficiência, deveria, ao invés de aceitar apaticamente, contribuir para uma discussão mais consistente durante todo o ano e, principalmente, nesse momento político. Não deveria vivenciá-lo de forma superficial ou pouco significativa. Os surdos são, antes de tudo, alunos que têm o direito de acesso ao conhecimento na sua forma plena, e, como tais, merecem ser respeitados em seu tempo e ritmo de aprendizagem. Uma escola que se propõe para todos deve buscar formas de fazer com que este processo de aprendizagem se efetive, superando todas as dificuldades de todos os alunos, e neste todos, estão os alunos surdos e ouvintes. Deve incentivar a interação professor-aluno e aluno-aluno, abandonando esta postura imperialista de levar um professor a decidir quem é capaz e quem não é capaz de conseguir. Não caberá ao professor e muito menos ao intérprete esta decisão. ALGUNS DOS FATOS OBSERVADOS NA SALA DE AULA Fato 1: Tema: Semana da pessoa com deficiência CLASSE ESPECIAL Durante a semana da pessoa com deficiência, os surdos da classe especial promoveram uma atividade comemorativa e participaram de uma passeata, suspendendo as aulas da sala. CLASSE REGULAR A escola estava muito envolvida na semana do folclore. Por isso, a única atividade relacionada à pessoa com deficiência foi realizada através da exibição de um filme relacionado com a pessoa cega pela professora da sala para os alunos sem realizar nenhum tipo de comentário anterior ou posterior ao filme. Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5528 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda O fato citado aconteceu no período entre 21 e 28 de agosto, época quando ocorre paralelamente a semana do folclore e da pessoa com deficiência. As duas professoras eram muitos disponíveis para executar atividades extra-classe e, no período citado, ambas promoveram atividades de desenho e leitura de textos relacionados com o folclore. No entanto, na classe especial, estas atividades ocorreram de forma paralela à participação do grupo de alunos em outras atividades, como: palestras, vídeo, espetáculos teatrais, passeatas, visita a outras instituições relacionadas com a pessoa com deficiência, bem como a visita de um grupo de pessoas ouvintes para realização de uma oficina de LIBRAS, onde os alunos foram os monitores. Na classe regular, devido à programação já definida para o folclore, foi realizado, por sugestão do intérprete, a exibição de um filme sobre a pessoa cega. O filme era longo e o grupo, tanto de ouvintes quanto de surdos, demonstrou-se disperso e desinteressado. Ao final do filme, não houve qualquer análise e nem comentário sobre o objetivo da exibição e nem sobre a semana da pessoa com deficiência, retomando as atividades relativas ao folclore. Alguns alunos surdos desta turma participaram da passeata, mas não trouxeram nenhum comentário para a sala de aula. Fato 2: Tema: O uso da língua de sinais e os conhecimentos escolares CLASSE ESPECIAL Vivenciando atividades em Língua Portuguesa, a professora explica em LIBRAS o conceito de Verbo. Mesmo com todo esforço, o grupo de alunos não consegue compreender o conteúdo. A professora regente solicita ajuda à instrutora que tenta explicar, usando exemplos relacionados à cultura surda. Ao final da aula, o grupo consegue compreender. CLASSE REGULAR Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5529 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda A professora vivencia um conteúdo em Língua Portuguesa (uso de pronome) com toda turma. No momento inicial, todos compreendem com facilidade, inclusive os alunos surdos através do intérprete de LIBRAS. À medida que a complexidade aumenta, vários alunos apresentam dificuldades e são atendidos individualmente pela professora. Em determinado momento, o intérprete também tem dificuldade de compreender e repassar os conteúdos. Como a professora não consegue fazê-lo compreender e nem aos surdos, ela solicita que o intérprete marque nos seus materiais que conceitos o surdo é capaz de aprender e selecionem juntos os conteúdos possíveis e os não possíveis para avaliação do surdo. Enquanto isso, os surdos, à parte do diálogo entre professora e intérprete, se esforçam, assim como os ouvintes, para tentar compreender, fazendo inclusive atividades em conjunto. Ao final, são avisados pelo intérprete que podem ficar calmos porque a prova deles será mais fácil do que a dos ouvintes. É importante novamente destacar que a postura de transferência de responsabilidade se apresenta neste fato, bem como a confusão de papéis no ambiente escolar da classe regular e a falta de credibilidade nas potencialidades do surdo. Na classe especial, o fato narrado demonstra outra nuance interessante da convivência com esse segmento, os surdos, grupo que a escola se propõe a receber. Há relação diferenciada com a língua e com o mundo que os fazem desenvolver uma cultura própria e uma forma de percepção muito específica ficando, às vezes, difícil para o ouvinte acompanhar e compreender, mesmo para aqueles que dominam a língua. A escola pode ser para todos na medida em que ela reconhece o todo não como uma homogeneidade, mas sim como uma pluralidade de heterogêneos com visões muitos particulares. Uma escola que reconhece essa pluralidade de diferentes reconhecerá a diversidade e apontará caminhos e estratégias que contribuam para uma convivência prazerosa e rica em possibilidades dentro da diversidade. Uma Escola que se abre para todos, ao incluir o surdo, incluirá também a sua cultura essencialmente viso-gestual, não como um entrave, mas como um espaço aberto Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5530 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda de possibilidades a ser descoberto por gestores, professores, pais, alunos ouvintes e, muitas vezes, os próprios surdo. REFERÊNCIAS ALVES, N. & OLIVEIRA, I. Pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro/Brasil: DP&A, 2001. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília/Brasil: CORDE, 1994. DORZIAT, A. Bilingüísmo e surdez: para além de uma visão lingüística e metodológica. In. SKLIAR C. (Org.). Atualidade da educação bilíngüe para surdos. Porto Alegre/Brasil: Mediação, 1999. ________. Educação de surdos no ensino regular: inclusão ou segregação? Revista Educação Especial. N. 24, Santa Maria/Brasil: Universidade Federal de Santa Maria, 2004. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. _____. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 11. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. _____. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Coleção Leitura. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FONSECA, V. Educação Especial: programa de estimulação precoce, uma introdução às idéias de Fuerstein. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GIROUX, H. A. Teoria crítica e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986. _____. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In: MOREIRA, A. F. e SILVA, T. T. (orgs) (1994). Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1994. GÓES, M. C. R. de; LAPLANE, LAPLANE A. F. de (orgs.). Políticas e Práticas de Educação Inclusiva. Campinas/SP: Autores Associados, 2004 (Coleção educação contemporânea). HALL, S. Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro/Brasil: DP&A, 1997. LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola. Goiânia/Brasil: Alternativa, 2004. Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5531 Inclusão, Currículo e Multiculturalidade: um olhar sobre a pessoa surda LOPES, A.C. Pluralismo cultural: preconizando o consenso ou assumindo o conflito? Espaço: informativo técnico-científico do INES. N. 8, Rio de Janeiro/Brasil: INES, 1997. LOPES, A. C. & MACEDO, E. Currículo: debates contemporâneos. São Paulo/Brasil: Cortez, 2002. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS - Pcns: Adaptações curriculares. MEC/Brasil, 1999. SANTOS, B. de S. (org.). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro/Brasil: Civilização Brasileira, 2003. SILVA. T.T. da. (org.). Alienígenas na sala de aula – uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis/Brasil: Vozes, 1995. SKLIAR, C. Sobre o currículo na educação de surdos. Espaço, no 8, pp. 38-43, Rio de Janeiro/Brasil: 1997. ________. Pedagogia (improvável) da diferença. E se o outro não estivesse aí? Rio de Janeiro/Brasil: DP&A, 2003. Norma Maciel de Lemos Vasconcelos 5532 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” ANALISANDO AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO EDUCAR NA DIVERSIDADE NAS PRÁTICAS CURRICULARES: UM OLHAR A PARTIR DOS ESTUDOS CULTURAIS Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais ANALISANDO AS CONTRIBUIÇÕES DO PROJETO EDUCAR NA DIVERSIDADE NAS PRÁTICAS CURRICULARES: UM OLHAR A PARTIR DOS ESTUDOS CULTURAIS Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas - UFPB [email protected] RESUMO: Empiricamente, sabemos que as práticas docentes são, em geral, tradicionais, isto é, os docentes tendem a utilizar metodologias de ensino do tipo papel e texto, giz e lousa e aulas eminentemente expositivas. Essas aulas poderiam, grosso modo, ser consideradas chatas para as crianças de hoje, as quais têm acesso a um universo de possibilidades de aprendizagem no dia a dia, mesmo aquelas que vivem em situação desprivilegiada. Nos dias atuais em que vivemos, onde as pessoas têm culturas diferentes e identidade não fixas, a escola precisa ser uma instituição que acolha a todo(a)s, que proporcione uma educação igual para todo(a)s, sem deixar de reconhecer as diferenças culturais, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais e afetivas (Mantoan, 2006). Nesse contexto, o presente artigo inicialmente apresentará o Projeto Educar na Diversidade da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, pois ele é objeto de estudo da pesquisa em andamento intitulada: Inovação didática na sala de aula regular: práticas pedagógicas no Projeto Educar na Diversidade. Em seguida, trataremos da importância da referida pesquisa no contexto educacional brasileiro. Por fim, apresentaremos o surgimento dos estudos culturais e suas contribuições para a pesquisa em questão, pois verificaremos que uma das relações do objeto de estudo em questão com os estudos culturais é que o princípio de inclusão e as práticas pedagógicas inovadoras contidas no Educar na Diversidade possibilita que o(a) aluno(a) construa sua própria identidade, que suas diferenças sejam celebradas no processo de ensino de aprendizagem, que ele(a) faça parte do processo como agente ativo, questionador. PALAVRAS-CHAVE: Currículo – Educação Inclusiva – Estudos Culturais. Introdução O presente artigo inicialmente apresentará o Projeto Educar na Diversidade da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, pois ele é objeto de estudo da pesquisa em andamento intitulada: Inovação didática na sala de aula regular: 1 Mestranda em Educação da UFPB, Especialista em Direitos Humanos, Pedagoga com Área de Aprofundamento em Educação Especial. Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5536 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais práticas pedagógicas no Projeto Educar na Diversidade. Em seguida, trataremos da importância da referida pesquisa no contexto educacional brasileiro. Por fim, apresentaremos o surgimento dos estudos culturais e suas contribuições para a pesquisa em questão. A questão central a ser investigada na pesquisa é: O que mudou (como mudou e porque mudou) nas práticas pedagógicas, em termos de inovação, dos docentes que participaram do Projeto Educar na Diversidade? Ao falar de práticas de ensino do(a) professor(a) nos referimos a metodologia de ensino utilizada pelo(a) mesmo(a) na sala de aula no processo de ensino aprendizagem com o(a)s aluno(a)s. Essa metodologia de ensino são as diversas formas/ estratégias como os conteúdos curriculares chegam até o aluno(a). Empiricamente, sabemos que as práticas docentes são, em geral, tradicionais, isto é, os docentes tendem a utilizar metodologias de ensino do tipo papel e texto, giz e lousa e aulas eminentemente expositivas. Essas aulas poderiam, grosso modo, ser consideradas chatas para as crianças de hoje, as quais têm acesso a um universo de possibilidades de aprendizagem no dia a dia, mesmo aquelas que vivem em situação desprivilegiada. Em uma das reuniões da qual participamos na escola pública onde atuamos, localizada em bairro de periferia, nos possibilitou levantar alguns dados com a coordenadora pedagógica de extrema relevância para ilustrar a visão da experiência educacional das crianças de hoje. Conforme suas palavras: os aluno(a)s quando não estão na escola têm o mundo para explorar e, mesmo sendo pobres, conseguem ter acesso a computador, playstation etc. Ao chegarem na escola [entretanto] são obrigados a ficar sentados em carteiras enfileiradas, ouvindo uma professora, sem ter a menor chance de participar e opinar. E, para completar a chatice da sala de aula, a professora só planeja um tipo de aula para todos os alunos, sem levar em consideração que cada um tem uma forma diferente de aprender. A citação acima é valiosa para nosso estudo, pois indica como alguns educadore(a)s já manifestam uma compreensão acerca da ineficácia da metodologia tradicional aplicada às crianças e jovens de hoje. É exatamente por isso que o nosso sistema educacional atualmente Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5537 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais encontra-se em processo de intensa transformação: a escola mudou, os estudantes mudaram, as comunidades exigem mais participação e a professora deve estar preparada para enfrentar o novo cenário educacional. (Ferreira, 2006: p.230) A problemática está no fato de que a maioria dos professores desconhece as novas metodologias de ensino que possam responder a diversidade dos alunos, e quando as conhecem, através das formações continuadas, não conseguem implementá-las na prática, ou seja, na sala de aula. Mesmo sabendo que tais professores estão em constante processo de formação continuada, a nossa experiência, enquanto formadora em diversos espaços educativos, tem revelado que a formação continuada dos professores não está, na maioria das vezes, chegando na sala de aula, no aluno, pois o grande desafio parece estar na transposição da teoria para a prática. Essa falta de resultados da formação continuada, conforme Ferreira (2006), deve-se ao fato de que as mesmas são pensadas e executadas sem levar em consideração a realidade dos professores, e sua participação, além de serem desarticuladas com o contexto escolar. Caso essas formações fossem construídas levando em consideração tais pontos “não estaríamos falando de uma ‘formação’, mas de uma ação de desenvolvimento e aperfeiçoamento de práticas docentes” (Idem, Idem: p.229). Neste contexto, o foco do estudo acima citado são os processos de mudança nas práticas pedagógicas e o objetivo é explorar práticas didático-pedagógicas inovadoras que promovem a participação de alunos(as) que enfrentam barreiras para aprender. O que é o Projeto Educar na Diversidade? O Projeto Educar na Diversidade é um projeto de formação docente, que está inserido no Programa Nacional Educação Inclusiva: direito a diversidade da SEESP/MEC. Ele é uma inovação do Projeto Educar na Diversidade nos Países do MERCOSUL2 que foi coordenado pela SEESP entre 2000-2003 e financiado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), a partir do qual foi elaborado o material de formação docente Educar na Diversidade. A construção desse material teve como referência o Conjunto de Materiais Formação de Professores, Necessidades Especiais 2 Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5538 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais na Sala de Aula publicado pela UNESCO em 1993, o qual impulsionou o princípio da inclusão como um princípio norteador do desenvolvimento de escolas para todos. O objetivo do Projeto Educar na Diversidade é qualificar educadore(a)s para serem multiplicadore(a)s da metodologia de ensino inclusivo. Esses multiplicadores, então, promovem oficinas de formação com o(a)s docentes para que os mesmos adquiram habilidades, conhecimentos e competências sobre metodologia de ensino inclusiva a fim de responder a diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem do(a)s aluno(a)s, com ênfase naquele(a)s com necessidades educativas diferenciadas. No Brasil, este projeto foi implantado desde julho de 2005 nos municípios-pólos que fazem parte do Programa Nacional Educação Inclusiva: direito a diversidade. O Educar na Diversidade até agora já atingiu em torno de 300 municípios e mais de 5000 escolas em todo país. Resumidamente, o referido Projeto visa contribuir para o processo de melhoria da qualidade de ensino e da eqüidade na educação através do desenvolvimento de escolas inclusivas e da formação docente para a inclusão com vistas a responder à diversidade educacional dos estudantes, possibilitando a superação das barreiras à aprendizagem e a participação social. (MEC,2005:p.13) Quando tratamos de qualidade de educação estamos necessariamente falando de formação docente e melhoria dos resultados acadêmicos do(a)s educando(a)s. As ações governamentais no atual contexto da educação brasileira visam a melhoria na qualidade da educação oferecidas em nossas escolas públicas, que constituem 86,7% das escolas brasileiras. Desde a proclamação da Declaração Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990), que defende em seus princípios o direito a educação para todas as crianças independentemente das diferenças individuais (Assis, 2004). Recentemente, no ano 2000, 191 países da Organização das Nações Unidas (ONU) fixou a universalização a educação básica de qualidade como uma das oito metas do milênio, as quais devem ser atingidas até 2015. Na seção, a seguir abordaremos a importância do estudo Inovação didática na sala de aula regular: práticas pedagógicas no Projeto Educar na Diversidade no atual contexto educacional brasileiro. Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5539 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais O contexto educacional brasileiro atual e a importância do estudo Inovação didática na sala de aula regular: práticas pedagógicas no Projeto Educar na Diversidade A democratização do acesso a Educação Básica é sem dúvida uma das maiores conquistas educacionais no Brasil, nos últimos trinta anos. De acordo com os dados do Censo Escolar (MEC, 2002) em articulação com os dados do Censo Populacional (IBGE, 2000), 97,2% das crianças com idade entre 07 e 14 anos estão matriculadas nas escolas. Contudo, apesar de passado alguns anos, as taxas de evasão e fracasso escolar no ensino básico ainda são desastrosas, principalmente nas escolas públicas: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, de 2005 para 20073, revela que, apesar do crescimento, as notas dos estudantes continuam abaixo da meta almejada de 6,0 pontos, conforme quadro abaixo: 2005 2007 Anos Iniciais do Ensino Fundamental 3,8 4,2 Anos Finais do Ensino Fundamental 3,5 3,8 Ensino Médio 3,4 3,5 Esses resultados nos levam a questionar não só o conceito de democratização da educação, como também, e principalmente, as ações que vêm sendo desenvolvidas no interior da escola pública para a solução dos problemas relacionados à permanência dos/as alunos/as no ensino fundamental. Esse quadro compromete profundamente o acesso aos outros níveis de ensino e mais ainda, compromete a inserção desses estudantes numa sociedade que exige cada vez mais indivíduos competentes e capacitados para lidar com circunstâncias históricas, sociais e políticas. Com o objetivo de atingir a qualidade na educação, muitas diretrizes têm sido propostas pelo governo federal para serem implementadas nas redes estaduais e municipais, nos últimos anos: desde 2002, o governo Lula introduziu o princípio de inclusão em todas as suas ações, dando ênfase aos grupos vulneráveis. 3 Fonte: SAEB e Censo Escolar. Disponível: http://ideb.gov.br/site Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5540 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais No âmbito da inclusão sócio-educacional criaram-se algumas secretarias ou reforçou as ações de algumas nesta perspectiva, tais como: a Secretaria de Inclusão Educacional – SECRIE, a qual foi extinta e criada a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD com foco na alfabetização e educação de jovens e adultos, educação do campo, educação ambiental, educação escolar indígena, e diversidade étnico-racial; a Secretaria de Educação Especial – SEESP, com foco na pessoa com deficiência; a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial com foco na população negra e de outros segmentos étnicos discriminados; e a Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH, que cuida da articulação e implementação de Políticas Públicas voltadas para a proteção e promoção dos direitos humanos, a qual está diretamente ligada a Presidência da República. De acordo com Ferreira(2007, p.22) “a inclusão diz respeito à promoção de oportunidades igualitárias de participação”, e no contexto escolar está relacionado a melhoria da escola para todos e ao combate de qualquer forma de exclusão, segregação e discriminação. O Plano Nacional da Educação – PNE (Lei 10.171/2001) corrobora com este princípio quando destaca que “o grande avanço que a década de educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana”. Uma escola inclusiva é aquela na qual o ensino e a aprendizagem, as atitudes e o bem estar dos estudantes são considerados importantes pelo(a) professor(a). Nessa escola todos valorizam a diversidade humana como um recurso valioso e buscam eliminar as barreiras à aprendizagem através do uso de metodologias de ensino inovadoras (MEC, 2005). Essas metodologias têm como base os princípios orientadores da prática de ensino inclusivo4, os quais são: aprendizagem ativa e significativa (encorajam os participantes - docentes, estudantes, pais/mães - a envolver-se em atividades de aprendizagem); negociações de objetivos (as atividades realizadas consideram as motivações e interesses de cada participante); demonstração, prática e feedback (propõem-se modelos práticos, demonstra-se a sua aplicação/uso e se oferecem oportunidades para haver uma reflexão sobre as mesmas); avaliação permanente (promovem a investigação e a reflexão como meios de revisão da aprendizagem), e apoio e colaboração (ajudam os indivíduos a correrem risco, tentarem 4 Esses princípios estão contidos no Conjunto de Materiais Formação de Professores, Necessidades Especiais na Sala de Aula (UNESCO, 1993). Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5541 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais alternativas que sejam mais efetivas ao processo de ensino e aprendizagem). (MEC, 2005) No atual contexto de desafios da educação brasileira no combate à exclusão de aluno(a)s oriundos de grupos em desvantagem social, estudo acima mencionado terá uma relevância significativa porque se insere nesse contexto de melhoria da qualidade da educação e construção de escolas inclusivas para todos. Avaliar os resultados do Projeto Educar na Diversidade sobre as mudanças das práticas de ensino na sala de aula das escolas regulares, portanto, é crucial para oferecer subsídios as políticas públicas em andamento, porque vai oferecer exemplos das práticas pedagógicas existentes nas escolas brasileiras. De acordo com Cunha (2006: p.01), a avaliação pode subsidiar: o planejamento e formulação das intervenções governamentais, o acompanhamento de sua implementação, suas reformulações e ajustes, assim como as decisões sobre a manutenção ou interrupção das ações. Considerando, ainda, o atual número de iniciativas governamentais no âmbito federal, estadual e municipal para combater o fracasso escolar e exclusão nas escolas, o referido estudo pode ser considerado de extrema importância para impulsionar a educação inclusiva nacionalmente, uma vez que vai oferece dados relevantes sobre um projeto de formação de professores. Os resultados do estudo também vão alimentar os países do Mercosul que aderiram ao Projeto Educar na Diversidade. Com base no exposto até o presente momento neste artigo, na seção a seguir apresentaremos o surgimento dos estudos culturais e suas contribuições para a pesquisa em questão. Os Estudos Culturais e suas contribuições para pesquisa em questão Os Estudos Culturais(EC) surgiram na Inglaterra nos meados da década de 1950 e passou a ser um campo de estudo organizado a partir de 1964 com a fundação do Centro for Contemporary Cultural Studies(CCCS), da Universidade Birmingham, que CCCS tinha como eixo principal de pesquisa: As relações entre cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças sociais(...). (Escosteguy, 2000: p.138) Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5542 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais Entre 1964 e 1974, os EC se consolidaram, pois o CCCS foi dirigido por Stuart Hall(Sovik, 2002)5, o qual é considerado um dos pais dos estudos culturais. Foi ele quem assumiu os EC como projeto institucional na Open University, e continuou a discutir, periodicamente, sobre os rumos de algo que se tornou um movimento acadêmico-intelectual internacional.(Idem, idem) Definimos os estudos culturais como “um campo de estudos onde diversas disciplinas se intersecionam no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea.” (Escosteguy, 2000: p.137). De acordo com Costa(2002), os EC constitui-se num campo instável, amplo e diversificado de análises culturais, o qual foi “resultante de uma movimentação teórica e política que se articulou contra as concepções elitistas e hierárquicas de cultura (...).”(Idem, idem: p137) (...) no Brasil, as contribuições mais importantes dos EC em educação parecem ser aquelas que têm possibilitado a extensão das noções de educação, pedagogia e currículo para além dos muros da escola; a desnaturalização dos discursos de teorias e disciplinas instaladas no aparato escolar; a visibilidade de dispositivos disciplinares em ação na escola e fora dela; a ampliação e complexificação das discussões sobre identidade e diferença e sobre os processos de subjetivação. (Costa, 2005: p.114) Raymond Williams(Hall,2003), um dos grandes teóricos dos estudos culturais, conceitua cultura de duas maneiras diferentes, uma relaciona-se à soma das descrições disponíveis pelas quais as sociedades dão sentido e refletem as suas experiências comuns, recorrendo à ênfase primitiva sobre as ‘idéias’. A outra maneira tem uma ênfase mais antropológica, enfatizando o aspecto de ‘cultura’ que se refere às práticas sociais. “É a partir dessa segunda ênfase que uma definição de certo modo simplificada – ‘a cultura é um modo de vida global’ – tem sido abstraída de forma um tanto pura.” (Idem, idem: p.127) Já Thompson(Idem, idem), outro grande teórico dos EC, resistia entender a cultura enquanto forma de vida global, preferia entendê-la enquanto uma luta entre ‘modos de vida diferentes’. Para Williams e Thompson(Escosteguy, 2000), “a cultura era uma rede de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana dentro do qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano.” (Idem, idem: p.141) 5 Comentário feito pela autora na apresentação do livro que organizou: “Da diáspora: Identidades e mediações culturais” – Stuart Hall. Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5543 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais ... a cultura, no sentido dos valores públicos, padronizados, de uma comunidade, serve de intermediação para a experiência dos indivíduos. Ela fornece, antecipadamente, algumas categorias básicas, um padrão positivo, pelo qual as idéias e os valores são higienicamente ordenados. E, sobretudo, ela tem autoridade, uma vez que cada um é induzido a concordar por causa da concordância dos outros. (Douglas apud Woodward, 2000: p.42) Faz-se necessário conhecer os diversos conceitos de cultura a partir dos Estudos Culturais para melhor entendermos o conceito de cultura na perspectiva da escola, em especial aquela que segue os princípios da inclusão, a qual compreende cultura como (...) o conjunto de crenças e convicções básicas mantidas por professore(a)s e comunidade escolar em relação ao ensino, à aprendizagem dos aluno(a)s e ao funcionamento da escola. A cultura inclui os vínculos estabelecidos na instituição escolar, as normas que afetam a comunidade escolar, os processos de ensino e aprendizagem, os sistemas de comunicação e o tipo de colaboração entre os membros da escola e o grupo da sala de aula (professor(a) – aluno(a)s, aluno(a)s – aluno(a)s). (MEC, 2005: p.114) Desta forma, a cultura de inclusão, proposta no Educar na Diversidade, exige mudança na cultura escolar e pedagógica, opondo-se assim a cultura existente na escola atual, a qual é excludente, pois segrega o aluno diferente, aquele que não se enquadra ao modelo imposto por uma minoria da sociedade. A educação inclusiva surge para desconstruir esta cultura da escola tradicional, de moldar e regular as pessoas, a qual foi criada e mantida pela classe que detêm o poder. De acordo com Hall (apud Costa, 2002) o cerne da questão está na relação entre cultura e poder, quanto mais significativo e mais central se torna a cultura, tanto mais importantes são as forças que a governam, moldam e regulam. Nos dias atuais em que vivemos, onde as pessoas têm culturas diferentes e identidade não fixas, a escola precisa ser uma instituição que acolha a todo(a)s, que proporcione uma educação igual para todo(a)s, sem deixar de reconhecer as diferenças culturais, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais e afetivas (Mantoan, 2006). Sendo assim, uma importante relação do objeto de estudo em questão com os estudos culturais é que o princípio de inclusão e as práticas pedagógicas inovadoras contidas no Educar na Diversidade possibilita que o(a) aluno(a) construa sua própria identidade, que suas diferenças sejam celebradas no processo de ensino de aprendizagem, que ele(a) faça parte do processo como agente ativo, questionador. De acordo com Silva(2000), a identidade é simplesmente aquilo que se é, e a diferença é aquilo que o outro é. A identidade e a diferença são inseparáveis, uma Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5544 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais depende da outra. A identidade, tal como a diferença, é uma relação social, ou seja, é o resultado de um processo de produção simbólica e discursiva, por isso, tem uma estreita relação com o poder, não são simplesmente definidas, são impostas. “... a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora... a identidade é a intersecção de nossas vidas cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação” (Rutherford apud Woordward, 2000: p. 19) Ao expormos que a identidade é construída pela marcação da diferença, convém lembrar que algumas diferenças podem ser obscurecidas. (Woordward, 2000) Por exemplo, a escola tradicional ao impor um padrão de aluno, uma identidade específica, ela obscurece aquele aluno que difere desse padrão, dessa identidade, excluindo assim, o aluno que não aprende ou aprende devagar, que não se concentra, o aluno com deficiência, que tem distorção idade-série, entre outros. Conforme Mantoan(2006), o desejo de assegurar a homogeneidade nos grupos sociais, e conseqüentemente nas escolas, destruiu muitas diferenças consideradas, hoje, valiosas e importantes nas salas de aula e para além delas. Esse processo de homogeneização está diretamente relacionado com o processo de normalização, o qual é uma forma sutil do poder se manifestar no campo da identidade e da diferença. (Silva, 2000) Na educação inclusiva a diversidade e as diferenças não são vistas como uma forma de exclusão e discriminação, ao contrário, constituem uma riqueza de recursos para a aprendizagem na sala de aula, na escola e na vida. Desta forma, os estudos culturais surge exatamente para combater a exclusão e discriminação existente nos diversos espaços da sociedade. De acordo com Costa (2002), os Estudos Culturais emergiu num contexto de mudanças radicais do mundo contemporâneo no que concerne à teoria cultural. Eles discutem questões étnicas e raciais da nossa sociedade para que ela se torne menos discriminatória e excludente, outra relação com o objeto de estudo em questão que trabalha em prol da inclusão. Portanto, compreendemos que a articulação entre os estudos culturais e a educação inclusiva poderá alicerçar a construção de novas práticas pedagógicas que Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5545 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais valorizem a diversidade cultural existente na sala de aula, e ao mesmo tempo respeitem a identidade e a diferença de cada aluno(a). Referências Bibliográficas Assis, O.C.D. O Papel do Terceiro Setor na Garantia e Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Monografia apresentada no III Curso de Especialização em Direitos Humanos. João Pessoa/ PB: UFPB, 2004. Brasil/ MEC. Plano Nacional de Educação – Lei 10.172. Ministério da Educação: Brasília-DF, 2001. Costa, M.V. Poder, discurso e política cultural: contribuições dos Estudos Culturais no campo do currículo. In: Lopes, A. C. & Macedo, E. (orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. – (Série cultura, memória e currículo, v.2) Costa, M. V. Estudos Culturais e Educação – um panorama. In: Silveira, R. M. H. (org.). Cultura, poder e educação: um debate sobre estudos culturais em educação. Canoas: Editora ULBRA, 2005. Cunha, C. G. S. da. Avaliação de Políticas Públicas e Programas Governamentais: tendências recentes e experiências no Brasil. Trabalho elaborado durante o curso The Theory and Operation of a Modern National Economy, 2006. Acesso em 23/06/2008. Disponível em: www.scp.rs.gov.br/uploads/Avaliacao_de_Politicas_Publicas_e_Programas_Govername ntais.pdf Escosteguy, A. C. Estudos Culturais: uma introdução. In: Silva, T. T. da (org). O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 2000. Ferreira, W.B. Inclusão x Exclusão no Brasil: reflexões sobre a formação docente dez ano após Salamanca. In: Rodrigues, D.(org.) Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006. Ferreira, W.B. & Martins, C. B. De Docente para Docente: práticas de ensino e diversidade para a educação básica. São Paulo: Summus, 2007. Hall, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. Hall, S. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovik & Trad. Adelaine La Guardia Resende ... [et al]. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. Mantoan, M. T. E. O direito de ser, sendo diferente, na escola. In: Rodrigues, D.(org.) Inclusão e Educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006. Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5546 Analisando as Contribuições do Projeto Educar na Diversidade nas Práticas Curriculares: um olhar a partir dos estudos culturais MEC/ SEESP. Educar na Diversidade. Material de Formação Docente. Ministério da Educação – Secretaria de Educação Especial, 2005. Silva, T. T. da. A produção social da identidade e diferença. In: Silva, T. T. da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Jomtien: 1990. UNESCO. Conjunto de Materiais Formação de Professores, Necessidades Especiais na Sala de Aula. Instituto de Inovação Educacional: UNESCO, 1994. Woodward, K. Identidade e Diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Silva, T. T. da (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. Olisângele Cristine Duarte Bonifácio Dantas 5547 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” OS ESTRANHOS NO NINHO ESCOLAR Sandra Alves da Silva Santiago JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Os Estranhos no Ninho Escolar OS ESTRANHOS NO NINHO ESCOLAR Sandra Alves da Silva Santiago RESUMO: O presente artigo discute a face oculta da tão debatida educação inclusiva, destacando as condições de acessibilidade propostas por professores e professoras no atendimento às necessidades específicas de alunos surdos matriculados em turmas regulares do ensino fundamental da grande João Pessoa, Paraíba. Com este propósito, parte inicialmente das idéias gerais sobre currículo escolar acessível, focalizando a política de educação inclusiva, especialmente no que tange as adaptações curriculares de acesso ao currículo formal. Em seguida, busca na prática pedagógica dos professores, ações voltadas para colocar o aluno surdo em contato com o currículo escolar, garantindo-lhe usufruto de direitos e uma preparação plena para o exercício da cidadania. Os resultados deste estudo revelaram que os professores do ensino fundamental que lecionam em classes ditas inclusivas não se sentem responsáveis pela inclusão de alunos surdos nestes espaços e desconhecem o papel das adaptações curriculares nesta direção. O reconhecimento do currículo como elemento integrante e facilitador da inclusão está ainda longe das concepções e práticas dos professores, o que revela a necessidade de maiores reflexões sobre a formação continuada destes agentes, e aponta para a urgência de políticas públicas que tomem a escola como espaço de investigação, pesquisa, reflexão constante, e aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: acessibilidade, adaptações curriculares, surdez, educação inclusiva. Introdução A educação enquanto direito inalienável é hoje consenso nas mais diferentes esferas, para diferentes grupos e povos. Não se discute, portanto, que toda criança e adolescente tenha direito a usufruir deste bem. Por isso, o acesso à escola não é hoje o maior problema que enfrentamos. Entretanto, o mesmo não pode ser dito sobre a permanência dos alunos e suas condições de aprendizagem, sobretudo quando estes são marcados por diferenças pouco aceitas no cotidiano escolar. Sandra Alves da Silva Santiago 5551 Os Estranhos no Ninho Escolar Apesar do discurso e das políticas em favor da educação inclusiva, a permanência dos alunos com deficiência nas escolas ainda é foco de preocupações de diversos pesquisadores. Estas preocupações ficam maiores quando se percebe que, apesar das inúmeras ações no sentido de garantir uma formação docente comprometida com a diversidade, os professores ainda não conseguem assumir que sua prática pode ser mais ou menos excludente, na medida em que os mesmos desconsideram a necessidade de desenvolver adaptações curriculares. E mais: que estas são necessárias para que alunos com comprometimentos físicos, mentais ou sensoriais tenham acesso ao currículo escolar formal, tanto quanto outros colegas sem deficiências. É certo que a escola não é o único espaço onde se educa, mas, não é menos verdade que, ainda, é a principal instância formal de escolarização em diversas partes do mundo. No Brasil não é diferente. E como muitas crianças e jovens apenas dispõem deste espaço formal de educação, é essencial que possam usufruir do mesmo com a qualidade necessária. Neste estudo, focalizaremos especificamente a situação do aluno surdo, pois para este, o dispositivo lingüístico está fortemente comprometido pela ausência de audição, é evidente que sendo a língua a principal fonte de informação da sociedade hodierna, os prejuízos causados a este grupo são enormes. Por isso, faz-se necessário que atentemos para a necessidade inerente aos alunos surdos de adaptações curriculares de acesso ao currículo escolar, ao mesmo tempo em que atentemos para o papel dos professores neste sentido. Diante disto, discutir as noções de currículo acessível às especificidades dos sujeitos com surdez é de fundamental importância para que se compreenda a distância que ainda existe entre o ideal de educação inclusiva e sua efetivação no chão da escola. O Aluno Surdo e as Adaptações Curriculares de Acesso ao Currículo A surdez compreende a perda total ou parcial da audição, variando de acordo com o nível de acuidade auditiva e com a necessidade de formas de comunicação diferenciadas. Como existem diferentes características que caracterizam o sujeito surdo, é fundamental que se conheçam estes aspectos para que seja possível minimizar as dificuldades que, geralmente, acometem os indivíduos com esta deficiência. Sandra Alves da Silva Santiago 5552 Os Estranhos no Ninho Escolar Além dos níveis de perda auditiva (leve, moderado, severo e profundo), medidos em termos de decibéis, a causa da surdez, período em que a mesma foi instalada, além do tipo de identidade assumida por determinado indivíduo são elementos que podem ajudar na compreensão e na prática junto a este grupo. Hoje existem inúmeras discussões a respeito da surdez, no entanto, o essencial é que já se tem claro que os surdos são pessoas que apresentam não apenas limitações no trato auditivo, mas, que motivadas por estas, possuem diferenças lingüísticas importantes e, consequentemente, necessidades educacionais específicas. Em conseqüência destas diferenças, o surdo é o indivíduo que, geralmente, necessita de um olhar específico no que tangue ao processo educativo. Como esta atenção normalmente é negada pelos professores (que desconhecem as especificidades da surdez), o indivíduo surdo é vítima de inúmeras dificuldades que nada tem a ver com sua deficiência, mas que são resultados de seu atraso lingüístico e do pouco ou nenhum conhecimento de seus ensinantes sobre seu estilo de aprendizagem. De início é preciso destacar que os surdos são diferentes dos ouvintes e também diferentes entre si. Portanto, é preciso abolir a idéia de que as crianças surdas constituem um grupo homogêneo, pois não é bem assim. Existem muitos subgrupos dentro do grupo de crianças surdas e as diferenças entre eles são, na maioria das vezes, maiores que as diferenças encontradas entre surdos e ouvintes. Essa é uma idéia básica para compreendermos bem o surdo e suas peculiaridades. É comum fixarmos o nosso olhar sobre o que falta ao surdo quando comparado ao ouvinte. Sob esse ponto de vista, a surdez é considerada como “uma deficiência não visível fisicamente e (que) se limita a atingir uma pequena parte da anatomia do indivíduo”, ou, ainda, como a ausência, dificuldade ou inabilidade para ouvir, sons específicos, ambientais e os sons da fala humana (FERNANDES, 1989, p. 38). Nessa direção, os estudos sobre a pessoa surda se voltam basicamente para compreender as perdas auditivas como características do surdo. Para esta corrente, os aspectos fisiológicos da surdez são de grande importância no processo educacional e social do surdo. Dependendo do tipo de problema se define o tipo de surdez. Os tipos de surdez são, pois, um elemento bastante valorizado nos estudos sobre surdos. Com relação a este aspecto, as perdas auditivas podem ser do tipo condutiva, ou seja, determinada por patologias localizadas no ouvido externo e médio, tendo como Sandra Alves da Silva Santiago 5553 Os Estranhos no Ninho Escolar principais exemplos disso a introdução de corpos estranhos no ouvido, a má formação da orelha ou perfurações da membrana que envolve o tímpano. Podem ser ainda do tipo neurossensorial, portanto, determinada no nervo coclear. Em geral, esse tipo de perda tem causas pré – natais ou infecções. Mas, a perda pode ser também do tipo mista, ou seja, aquela que afeta ao mesmo tempo o ouvido médio e o ouvido interno. (STROBEL & DIAS, 1995, p. 7-8). Uma pessoa que ouve normalmente consegue captar as vibrações do som em até aproximadamente 25 dB. A pessoa que ouve cima de 26 dB é considerada com perda auditiva. No entanto, esse grau varia bastante. Quanto mais forte a intensidade exigida para ouvir, mais forte a perda auditiva. De acordo com o grau de perda auditiva, a surdez pode ser classificada em leve, de 26 a 40 dB e caracteriza-se pelo fato do indivíduo não perceber os fonemas da mesma forma, alterando assim, a compreensão das palavras. A voz também é modificada, a aquisição da linguagem fica mais lente e as dificuldades da leitura e escrita se fazem presentes. Neste caso a atenção específica do professor através de adaptações curriculares será de grande importância para o desempenho educacional do aluno surdo, mas, estas adaptações não exigirão grandes mudanças metodológicas; apenas modificações simples e ao alcance do educador, tais como: falar pausadamente e utilizando um tom mais alto que de costume, além de oferecer recursos visuais que facilitem a compreensão do aluno. A atenção no processo de alfabetização deste aluno é fundamental para seu sucesso escolar posterior. A surdez pode ser também de grau moderado, ou seja, com índices que variam de 41 a 70 dB. Neste caso, há uma percepção de sons altos, mas o desenvolvimento é marcado pelo atraso da linguagem e alterações articulatórias. Logo, as necessidades adaptativas aumentam significativamente e cabe ao professor utilizar recursos que facilitem o acesso deste aluno ao conhecimento. Além das atividades já elencadas para o aluno com perda leve, o aumento de recursos visuais para facilitar a aprendizagem do aluno surdo é de muita relevância. O aluno surdo com perda severa, ou seja, que ouve entre 71 a 90 dB identifica ruídos familiares, mas com predominância de sons graves. O aluno surdo com surdez profunda ouve acima de 90 dB. Neste caso, não há percepção da voz humana, Sandra Alves da Silva Santiago 5554 Os Estranhos no Ninho Escolar necessitando de estímulos adequados às suas necessidades que são visuais e não auditivos (ibdem). Seu desenvolvimento é bastante comprometido e sua aptidão visual em detrimento da auditiva é evidente. Nestes casos, a predominância da experiência visual é inegável e a prática pedagógica exigirá a presença de estímulos essencialmente visuais na condução da aprendizagem. Da mesma forma, destaca-se o uso da língua natural do surdo, a língua de sinais, como principal veículo comunicativo e de acesso ao conhecimento, cabendo ao professor o domínio da mesma na interação com este aluno. Pesquisas recentes revelam que a língua de sinais é comparável em complexidade e expressividade a qualquer língua oral. É estruturada a partir de unidades mínimas que formam unidades mais complexas, ou seja, possuem os níveis: fonológico, morfológico, sintático e semântico. Como toda e qualquer língua, aumenta seu vocabulário com novos sinais em resposta às mudanças sociais, culturais e tecnológicas. E ainda, como as outras línguas variam de país para país, e sofrem também variações regionais dentro do mesmo território. É composta de um alfabeto manual e de expressões faciais e corporais que se combinam formando algo semelhante aos fonemas e morfemas da língua portuguesa (SANTIAGO, 2009, p. 134). É importante entender que a libras possui uma gramática própria e para cada sinal realizado corresponde uma letra, uma palavra, ou até mesmo uma frase. Por isso, executar com muita atenção cada sinal é fundamental para estabelecer uma perfeita comunicação. Para a realização de uma prática interessante com surdos, é importante que os professores realizem aulas com uma metodologia de natureza essencialmente visual e todo material utilizado também deve ser desse tipo. Recursos como data - show, slides, transparências, cartazes, imagens, vídeos, etc. além de oficinas, dinâmicas, atividades em grupo, exercícios corporais, priorizando a expressão facial e corporal são de excelente ajuda para o surdo. No entanto, o m ais importante é que o professor aprenda a Língua Brasileira de Sinais, porque ela é a língua natural do surdo, e é com ela que o surdo tem condição plena de se desenvolver. Sandra Alves da Silva Santiago 5555 Os Estranhos no Ninho Escolar À medida que o professor vai conhecendo o universo do surdo, melhor vai estabelecendo a comunicação com ele. Por isso, é tão importante conhecer a cultura dos surdos, que em muitos aspectos é diferente da cultura ouvinte. Sem uma formação específica sobre a libras é praticamente impossível aos professores realizar a inclusão do surdo na sala de aula. Infelizmente, a maioria dos mestres não possui informação e formação específica na área da surdez e não conhecem a língua própria dos surdos – a Língua de Sinais – o que inviabiliza o processo de comunicação e interação entre professor e aluno, surdo e ouvinte. Nesse contexto, fica claro que para atender às necessidades e expectativas dos surdos e contribuir para a formação de sua cidadania, o professor estar aberto à mudança, à aprendizagem de uma nova língua. Dessa forma, os educadores se descobrirão como agentes conscientizadores, atuantes na resolução de problemas sociais, preocupados em garantir o respeito às minorias estigmatizadas. Esta é uma forma de ultrapassar as barreiras que, muitas vezes, se colocam entre a instituição de ensino e a sociedade, entre o aluno e o professor. O período em que ocorreu a surdez é outro aspecto que também precisa ser compreendido pelo professor como igualmente ilustrativo da surdez e da pessoa surda e, igualmente relevante para que os professores saibam como atuar. De acordo com o momento quando ocorreu a surdez, podemos entendê-la como: pré – lingüística ou pós – lingüística. A surdez pré – lingüística caracteriza-se pela ocorrência da perda auditiva antes que a criança tenha desenvolvido a linguagem oral. A surdez pós – lingüística, caracteriza-se pela presença de desenvolvimento lingüístico antes da perda auditiva. É importante ressaltar que quanto mais tarde ocorre a perda auditiva maior o desenvolvimento da linguagem oral. Nestes casos, a fala já construída fica consolidada (GOLDFELD, 2002). Sendo assim, é fundamental que professores compreendam que dependendo do período em que seu aluno ficou surdo, poderá ou não, usufruir deste componente como instrumento de comunicação. Além desses aspectos de cunho fisiológico, há outro aspecto que merece consideração e que nos últimos anos vem assumindo lugar de destaque nos estudos sobre a surdez. Trata-se das Identidades Surdas. É esse elemento que vem somar-se aos Sandra Alves da Silva Santiago 5556 Os Estranhos no Ninho Escolar demais dando mais possibilidades de compreensão da pessoa surda, sobretudo pela sua natureza sócio - antropológica. Estudiosos da área da surdez concordam que os surdos enfrentam diversas dificuldades ao longo de sua trajetória educacional, sendo a principal delas originária de sua limitação auditiva e, conseqüentemente, oral. Mas, isso não pode ser analisado sem considerar os significados sociais que provoca. Autores como Brito (1995), Skliar (1998) e Fernandes (1989) acreditam que ao sofrer atraso de linguagem, ocasionado pela perda auditiva, o surdo terá como conseqüência problemas emocionais, sociais e cognitivos e, estes problemas influenciarão diretamente todo o processo de aprendizagem e sua identidade. No caso da pessoa surda, os estudos feitos por Perlin apud Skliar (1998) identificaram a existência de, pelo menos, cinco categorias diferentes de identidades surdas, comprovando a presença da heterogeneidade na construção dos grupos. A autora classificou as identidades surdas da seguinte forma: a) identidade surda política - há o predomínio da experiência visual em detrimento da auditiva; b) identidade surda híbrida - são surdos que usam identidades diferentes em momentos diferentes; c) identidade surda de transição - é caracterizada por um momento específico da vida do surdo. É exatamente aquele onde o surdo passa de um mundo ouvinte, onde sempre foi obrigado a conviver, para uma nova experiência: com o mundo surdo; d) identidade surda incompleta é aquela onde a pessoa surda sofre pressões de toda a espécie para não se identificar com outros surdos; e) identidade surda flutuante - surdos que não aceitam a própria surdez e faz de tudo para se enquadrar no mundo ouvinte. De acordo com as idéias apresentadas até o momento é possível compreender que os surdos não compõem um conjunto homogêneo com características comuns. Pelo contrário, possuem tantas diferenças entre si quanto as existentes entre todos os grupos humanos. Portanto, não é correto pensar numa metodologia de atendimentos aos surdos que responda a todas as necessidades que os mesmos apresentam. Por isso, não há que se forçar o surdo a utilizar-se de mecanismos comunicativos aos quais ele manifesta aversão, pois estará correndo o risco de dificultar a aprendizagem do surdo, muito mais que facilitar. Sandra Alves da Silva Santiago 5557 Os Estranhos no Ninho Escolar Considerações Finais Considerando a inclusão como uma estratégia educacional que exige formas de ação muito sérias, e tomando por base a premissa de que para que ocorra a inclusão da pessoa surda, torna-se necessário o desenvolvimento de mecanismos específicos de comunicação entre o professor e o aluno, a discussão sobre a Língua Brasileira de Sinais é importante na formação de professores, especialmente os da rede pública de ensino, que recebem crianças e jovens surdos com pouca ou nenhuma condição de atendimento específico. Cabe ressaltar, ainda, que a difusão da Libras atualmente, tem o intuito de favorecer o processo inclusivo desses alunos na rede regular de ensino, conforme política educacional adotada nos documentos oficiais brasileiros. Nesse sentido, pretendeu-se incitar os professores a uma reflexão no que tange a sua práxis, propiciando-lhes uma visão real das possibilidades de planejamento de atividades pedagógicas que possam favorecer ao aluno surdo a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de seu potencial criativo. Desta forma, a discussão sobre surdez e a pessoa surda, somada ao entendimento da Libras como instrumento de aporte à prática pedagógica com surdos sugere um suporte técnico e científico que habilita o educador a entender o universo lingüístico, social e cultural do surdo como ponto de partida para incluí-lo na escola, sem delegar esta função a outros profissionais, como supervisores, coordenadores, intérpretes, etc. Sem desmerecer o papel importante dos demais agentes educativos, compreendemos que a comunicação e a relação entre professor e aluno surdo, bem como o desenvolvimento de todo processo de aprendizagem só torna-se viável quando se respeita a especificidade do aluno e quando suas necessidades reais são compreendidas. Para que um (a) professor (a) ouvinte possa comunicar-se com um aluno surdo, alguns elementos são fundamentais. Entre eles os aspectos fisiológicos da surdez como tipo, grau e período, mas, também sócio-culturais, como a identidade e a língua utilizada pelo surdo no processo comunicativo e como estruturador do pensamento. Sandra Alves da Silva Santiago 5558 Os Estranhos no Ninho Escolar Somente de posse destes conhecimentos, o professor poderá pensar na sua práxis vislumbrando a perspectiva inclusiva. Para professores do ensino regular que atuam em escolas que se pretendem inclusivas, aprender um pouco do universo do surdo e da Língua Brasileira de Sinais significa não apenas despertar o interesse pela inclusão de alunos surdos, mas, chances reais para que possam torná-la uma realidade. Acreditamos que um processo de transformação social só é viável quando se respeitam os sujeitos envolvidos e suas necessidades. Portanto, os professores têm um papel decisivo nesse sentido, pois são instrumentos de inclusão social, capaz de fomentar a construção de uma sociedade mais cidadã, portanto, mais justa e, menos segregativa, que acolhe seus filhos, independente das diferenças que eles revelam ou dos limites que parecem possuir. Dessa forma, é fundamental que cada professor sinta-se estimulado a repensar suas ações frente ao processo de ensino e aprendizagem. E que possa refletir se sua postura em sala de aula pode ser traduzida como uma prática marcadamente inclusiva. Referências BRITO, Lucinda F. Por uma gramática de Língua de Sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro: UFRJ, 1995, p 272. FERNANDES, Eulália. Problemas lingüísticos e cognitivos do surdo. Rio de Janeiro: Agir, 1989, 134 p. GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. São Paulo: Plexus editora, 2002, 172p. SKLIAR, Carlos (org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. 192p. SANTIAGO, Sandra A. S. Exclusão Mundial da pessoa com deficiência: Educação para quê?. Tese de doutorado. João Pessoa: UFPB, 2009, 255p. STROBEL, Karin & DIAS, Silvania. M. S. Surdez: abordagem geral. Rio de Janeiro, FENEIS, 1995, 86p. Sandra Alves da Silva Santiago 5559 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” A INCLUSÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: UM DESAFIO PARA EDUCAÇÃO NO BRASIL Suziane de Santana Vasconcellos JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil A INCLUSÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL: UM DESAFIO PARA EDUCAÇÃO NO BRASIL Suziane de Santana Vasconcellos (Proped / UERJ)1 RESUMO: Desde o início do século XX estudos são realizados no intuito de entender a exclusão escolar e seus efeitos, contudo este trabalho busca compreender a exclusão e a inclusão escolar através da relação entre professor/aluno e o desempenho escolar de alunos do Ensino Fundamental. Este estudo utiliza os resultados preliminares do trabalho de campo, ainda em andamento, realizado em uma escola pública do Estado do Rio de Janeiro pelo Grupo netEdu (composto por alunos, professores e pesquisadores) com o referencial etnográfico. E para fundamentar teórico-epistemológicometologicamente os temas de investigação que articulamos neste texto utilizamos, principalmente, os seguintes autores: exclusão escolar (FREITAS, 2007; BOURDIEU, 2007), Inclusão escolar (SENNA, 2006, 2007; DUBET, 2009). E apesar da pesquisa ainda está em andamento ela nos indica que na relação o professor e a escola podem desempenhar um papel fundamental na mediação e na motivação da aprendizagem de alunos e alunas do Ensino Fundamental, pois os mesmos podem buscar compreender a diversidade, possibilitando oportunidades para que seus alunos desenvolvam a aprendizagem, além de respeitar as necessidades e dificuldades encontradas pelos mesmos que trazem conhecimentos a partir de suas experiências e convívios. E a partir destes pressupostos neste texto busca-se contribuir para a discussão do tema inclusão em sala de aula assim como exclusão e fracasso escolar. PALAVRAS-CHAVE: Inclusão, Exclusão, Fracasso escolar. Introdução Um número significativo de crianças que apresentam problemas de aprendizagem, desempenho considerado baixo pelo sistema escolar vem aumentando, pois, é possível perceber, na maioria dos casos, o ambiente escolar se torna excludente, onde o conhecimento dos alunos, de forma geral, não é respeitado e suas experiências 1 Aluna do curso de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Suziane de Santana Vasconcellos 5563 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil não são consideradas conhecimentos adequados para escola. Além disso, as dificuldades e ritmos de aprendizagem dos alunos não são levadas em consideração, como se todos tivessem o mesmo ritmo e nível de aprendizagem. Neste sentido, a inclusão escolar tem sido um desafio para a educação, pois tem como proposta transformar uma escola preparada para lidar com a homogeneidade dos alunos. Tal transformação propõe que o sistema escolar esteja preparado para lidar com as heterogeneidades dos alunos, respeitando suas diferenças individuais. Sendo assim, este sistema necessita de uma mudança no cotidiano da escola, através de um planejamento pedagógico que leve em conta a diversidade dos alunos no ambiente escolar. Logo, tal mudança pode configurar este ambiente e proporcionar uma relação menos excludente e mais integrada às estratégias de inclusão. A relação inclusão e exclusão escolar A inclusão escolar ainda é um forte ponto de discussão, pois ela continua sendo um desafio para a educação, visto que ela confronta um sistema escolar criado para atender alunos supostamente homogêneos, ou seja, possuem a mesma faixa etária, o mesmo nível e ritmo de aprendizagem, onde o ensino é comum para todos. No entanto, é sabido que cada aluno tem um ritmo de aprendizagem que este deve ser respeitado e não, ao contrário, ser “punido” por sua dificuldade em acompanhar o ritmo dos demais. Sendo assim é possível afirmar que o processo de inclusão se mostra uma educação sem bloqueios, pois é preciso perceber que as pessoas são diferentes entre si e que podem aprender conforme suas habilidades. Neste sentido Melo (s/d) afirma que a inclusão implica uma mudança de paradigma educacional, que gera uma reorganização das práticas escolares: planejamentos, formação de turmas, currículo, avaliação, gestão do processo educativo. Neste sentido, Senna (2006) afirma que se o professor, assim como a escola pararem de encarar o estranho inusitado do comportamento do aluno, como alguma coisa que ele possa fazer para deixá-lo irritado, porque a primeira reação que se pode ter é que o aluno vai todo dia à escola para irritar o professor, ele não consegue encontrar outra explicação. E, além disso, o aluno não quer aprender nada, nem assistir aula, só vai lá para brincar, conversar e/ou bagunçar. Não, ele vai procurando alguma coisa, e se o professor e/ou a escola olhar aquele sinal com objetivo, de que não é bagunça, não é Suziane de Santana Vasconcellos 5564 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil hiperatividade, muito menos coisa de anormal, mas sim um sinal de normalidade possível a investigar. Porque quando se vê a “anormalidade” do aluno, como uma normalidade possível o professor começa a investigar. Por que ele enxerga a “anormalidade” como um normal possível, o seu olho denuncia que o professor precisa ser parceiro do aluno, e não ser seu avaliador e quando ele passa a estabelecer um vínculo com este aluno ele percebe que não é mais tão difícil dar aula. “... trabalhando com a idéia de que é justamente aquilo no estranho, naquilo que possivelmente me incomoda no comportamento daquele aluno que está a chave para desvendar o problema da exclusão.” (SENNA, 2006) Portanto, é possível perceber que a educação inclusiva dever ser muito bem definida e adaptada para não descriminar o aluno que ela deve incluir na vida social da escola. Pois, segundo Freitas (2007) estão surgindo novas formas de exclusão e estas estão sendo implementadas nos sistemas escolares e sobre elas não se tem muito controle e conhecimento. Além disso, o autor afirma que a repetência é uma antiga forma de exclusão e que agora ela se mostra unida a outras formas de exclusão mais recentes desenvolvidas pelo sistema. “As novas formas de exclusão atuam agora por dentro da escola fundamental. Adiam a eliminação do aluno e internalizam o processo de exclusão” (FREITAS, 2007) Neste sentido, Castro (2006) afirma que a maioria das propostas realizadas no sistema escolar brasileiro foram produzidas para as realidades de outros países e quando tais propostas são utilizadas no nosso sistema educacional os resultados não tem um saldo tão positivo e com isso acarreta mais dificuldades para o sistema, a escola, e todos os envolvidos, principalmente para os professores e os alunos. “De um lado, os professores que não compreendem a idéia central da proposta e de outro, os alunos que se tornam vítimas de propostas que não modificam o processo de ensino – aprendizagem em favor do aluno.” (p. 26). Sendo assim, o resultado das práticas pedagógicas nas escolas públicas brasileiras se mostram cada vez mais autoritárias e injustas, promovendo a exclusão e injustiça social. Deste modo, Carvalho (2001) afirma que todos os brasileiros estão imersos em uma sociedade que tem grandes desigualdades de raça, classe e gênero, por isso os mesmos estão marcados por essas desigualdades. Corroborando esta idéia Dubet (2009) Suziane de Santana Vasconcellos 5565 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil afirma que a educação é uma grande máquina que produz a desigualdade, pois a educação se tornou uma competição esportiva onde todos começam a mesma base inicial, mas o sucesso ou fracasso recebido ao longo da escolarização é mérito do aluno. Contudo, essa competição no qual alguns alunos não obtiveram o sucesso esperado pelo sistema escolar, produz alunos desmotivados que preferem buscar outros meios de obter sucesso, pois de acordo com Dubet (2009) a escola humilha os que não obtêm sucesso e demonstram que os mesmos merecem estar no lugar onde só há insucesso e deste modo muitos deles acreditam nesta demonstração de fracasso e muitas vezes tais alunos vão para a marginalidade. No entanto, conforme Dubet (2009) afirma os alunos que não seguem as normas escolares enfrentam diversos problemas dentro da escola, mas o maior deles é a falta de motivação, onde o mesmo não se sente motivado para ir à escola, e /ou para estar na mesma , pois “a escola se parece com uma escola, tem gosto de escola, mas não é uma escola” (DUBET, 2009) e sim uma fábrica de competidores. Por isso, o mesmo autor afirma que uma boa escola só pode ser julgada a partir do que ela faz com seus maus alunos. Entretanto, é possível perceber que muitas vezes a o sistema escolar não sabe como lidar com estes maus alunos e os retêm na escola, pois o baixo rendimento escolar do aluno não o deixa cumprir as etapas escolares conforme exige o sistema e que de acordo com Freitas (2007) estão diretamente ligadas à exclusão, visto que, a reprovação está conectada a deficiência do aluno dentro da sala de aula, onde algumas crianças são tratadas como incapazes de aprender, não tendo o direito de se expressarem, cabendo ao professor inserir-lhes o “real” conhecimento. A não adaptação a esse conhecimento é um problema do aluno, que por razões pessoais, emocionais, culturais, familiares, não consegue se sair bem.. Portanto, a forma como o professor vê o aluno com dificuldade de aprendizagem acaba muitas vezes por determinar a sua interação com ele, influindo necessariamente na sua auto-imagem e nas representações a respeito de si mesmo, de seu desempenho como aluno e de suas possibilidades de aprendizagem. Tais representações são conhecimentos construídos na experiência escolar, mas que não são tão facilmente notadas pelo o professor quanto aquilo que o aluno está aprendendo em suas aulas. Logo, o professor demonstra desinteresse pó este aluno e se distancia, pois acredita que ele não conseguirá aprender. Suziane de Santana Vasconcellos 5566 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil Sendo assim, é possível perceber que muitas vezes o professor se mostra cada vez mais perdido em sua prática, pois, o mesmo está desacreditado e sem confiança na sua formação e inicia suas aulas pensando que não conseguirá ensinar nada para seus alunos, visto que, não se sente devidamente preparado para ensinar e muitas vezes, considera sua formação falha, pois não obtém uma construção de conhecimento e sim algumas informações sobre como ensinar “...no lugar da construção de conhecimentos, o professor em formação recebeu informações sobre como ensinar, num movimento em que a metodologia do ensino e a engenharia técnica da mente humana preponderaram.” (SENNA, 2007) Além disso, sua formação, na maioria, não o prepara para lidar com as diferenças dentro da sala de aula, logo ele percebe que não está apto para lidar com aquele aluno que tem dificuldade de aprendizagem, que tem um ritmo diferente dos demais alunos, por que ele não desenvolve o conhecimento de acordo com o sistema escolar. Logo, o professor se mostra apreensivo e impaciente e prefere cumprir com seu programa (plano de aula) que estimulam os alunos que se adaptam a escolarização regular. Com isso, o aluno com dificuldade se sente cada vez mais impotente e incompetente dentro da sala de aula. Além de estar com baixa estima o aluno nota o distanciamento do professor, que prefere dar maior atenção aos alunos com um maior ritmo de aprendizagem. Pois, o professor não consegue acompanhar o ritmo daquele que tem dificuldade de aprendizagem, mostrando desestímulo e desinteresse com relação a este aluno, isto é, desestimulando e deixando de orientar o mesmo que poderia fazer de acordo com seus conhecimentos e ritmo o mesmo exercício que os demais. Além disso, o professor se mostra tão preocupado em ensinar que algumas vezes demonstra não tem paciência suficiente para esperar que o aluno aprenda. Dificilmente aguarda as respostas do mesmo, e perde a oportunidade de acompanhar sua estrutura de raciocínio espontânea. Portanto, o professor e/ou a escola podem exercer um importante papel no desempenho do aluno, pois, a percepção do professor e da escola a respeito de um aluno com dificuldade é acatada pelos demais em um processo que leva a estigmatizar este aluno e a possível exclusão escolar do mesmo. Neste sentido Goffman (apud Castro 2006) esclarece que a ação de estigmatizar vem dos Gregos Suziane de Santana Vasconcellos 5567 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil que marcavam a pele das pessoas que deveriam ficar à margem da sociedade por terem um status inferior aos demais tais como: ladrões, escravos e traidores. Portanto, tais marcas mantinham os marginalizados longe das pessoas com um status “normal” perante a sociedade. Entretanto, atualmente não se é mais usado a marca na pela, mas existem outras formas de marcar e marginalizar as pessoas que a sociedade considera inferior. Castro (2006) corrobora com a idéia afirmando que: “Na contemporaneidade, esta marca possui outras características: são marcas que advém do campo simbólico e consideram não somente a diferença no corpo físico, mas as diferenças sociais de um modo geral. Nesse sentido, o estigma se configura como um mecanismo de exclusão.” (p.86) Deste modo a mesma autora nos fala que a exclusão acontece quando há uma delimitação do espaço onde o marginalizado deve ocupar e com isso torna as vítimas do estigma em pessoas invisíveis para a sociedade. E a escola vista como uma sociedade pode marcar os alunos que não tem o resultado esperado por esta sociedade, ou seja, quando os alunos com dificuldade em aprendizagem não se encaixam nas normas impostas pela mesma eles são marcados e muitas vezes excluídos dessa sociedade. No entanto, muitas vezes é possível perceber que a escola não busca aceitar, respeitar tais particularidades, visto que a mesma não busca desvelar o problema da exclusão conhecendo melhor seu aluno e demonstrando que acredita na sua capacidade para desenvolver seus conhecimentos, sem excluir e/ou rotular o aluno com dificuldade de aprendizagem. O que, na maioria se presencia na escola são professores que não procuram estar em contato com a diversidade presente na sala de aula e na escola e não buscam promover neste espaço propostas voltadas para a superação das desigualdades educacionais de alunos e alunas em risco sócio-educacional. Entretanto, os professores e as escolas podem fazer a diferença, mas não toda a diferença, pois esta se refere à construção identitária, a cidadania global, escolaridade como um bem em si e de escolaridade como um bom posicionamento. Pois, de acordo com Castro (2006) Qualquer profissional, tem necessidade de desempenhar bem suas atividades, porém ao ter consciência de sua importância perante a sociedade ele deverá proporcionar aos seus alunos uma pedagogia voltada para a inclusão. Portanto, o papel Suziane de Santana Vasconcellos 5568 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil do professor é fundamental no processo de aprendizagem, pois e ele será “o mediador entre as experiências individuais, sociais e acadêmicas de seus alunos” (p. 102). Mas, os professores encontram cada vez mais dificuldade para ser este importante mediador, pois o professor tem mostrado que existe uma grande dificuldade de encontrar motivação para motivar os alunos e com isso muitas vezes há uma falta de entendimento quanto à aplicabilidade da proposta da mediação na aprendizagem, especialmente relacionada à retenção ou reprovação do aluno, e assim, na maioria, acaba por contribuir com a exclusão no ambiente escolar, visto que o aluno muitas vezes fica marcado pela retenção e repetência. Por tanto, muitas vezes para o aluno com dificuldade estar na sala de aula implica apenas na sua presença física, pois o mesmo o aluno não vê sentido na tarefa pedagógica, ou na real proposta da educação. Além disso, a escola pode influenciá-los a diminuir suas pretensões e sem convicção e motivação, pode acarretar em uma escolarização que os alunos acreditam não ter futuro. Sendo assim, tais alunos não se sentem aptos para freqüentar a escola e muitas vezes a abandona. Por isso, se faz necessário uma proposta educacional onde a inclusão escolar não signifique apenas perceber que o aluno se encontra desmotivado pelas barreiras que ele se depara durante sua aprendizagem No entanto a escola e o próprio professor devem buscar compreender a diversidade, possibilitando oportunidades para que seus alunos desenvolvam a aprendizagem, além de respeitar as necessidades e dificuldades encontradas pelos mesmos que trazem conhecimentos a partir de suas experiências e convívios. Portanto, o professor e a escola que domina e procura respeitar tais condições pode obter sucesso no desenvolvimento da competência de suas funções e também terão possibilidade de refletir sobre sua própria prática, pois de acordo com Freire (1996) o professor precisa ser reflexivo, ou seja, ele precisa refletir sobre a sua prática, sobre sua formação e estratégias pedagógicas utilizadas dentro da sala de aula. Além disso, ele também precisa ser humilde para admitir que é um ser humano que pode estar equivocado em suas práticas e pode buscar problematizá-la afim de olhar a esta prática criticamente. Além disso, a formação do professor necessita de enfoques nas dimensões da cultura, política e práticas da inclusão escolar, visto que através da adequada formação o professor pode buscar implementar dentro da sala de aula uma pedagogia Suziane de Santana Vasconcellos 5569 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil inclusiva, onde os alunos serão respeitados como indivíduos e avaliados de forma justa, para que assim os mesmos encontrem a motivação de estar na escola. Considerações finais Neste trabalho foi possível perceber que a inclusão escolar continua sendo um desafio para a educação, visto que ela confronta um sistema escolar criado para atender alunos supostamente homogêneos. E com isso a inclusão pode gerar uma exclusão contínua de alunos com ritmos de aprendizagem diferentes. Mas também, este trabalho busca ampliar a discussão sobre a inclusão e a exclusão escolar tendo como principal objetivo, alcançar uma reestruturação e configuração de um referencial conceitual de estratégias inclusivas para a aplicação mais eficaz enquanto alternativa educativa, no sentido de assistir ao processo de inclusão de alunos que se encontram em risco ou situação de fracasso. Referencias Bibliográficas: BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. 9. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. CARVALHO, M. P. de. Estatísticas de desempenho escolar: o lado avesso. Educação & sociedade, ano XXII, nº 77, 2001. CASTRO, Paula A. Controlar para quê? Uma análise etnográfica da interação entre professor e aluno na sala de aula. Rio de Janeiro, PROPEd/UERJ, 2006. DUBET, F. I Encontro Nacional sobre Ensino de Sociologia – I ENESEB. Rio de Janeiro, RJ, 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1996. FREITAS, L. C. de, Eliminação adiada: o caso das classes populares no interior da escola e a ocultação da (má) qualidade do ensino. Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 965-987, out. 2007. MELO, Sandra Texto sobre o vídeo: A história das coisas. Tides Foundation Funders Workgroup for Sustainable Production e Free Range Studios. The Story of Stuff. de Annie Leonard (s/d). Suziane de Santana Vasconcellos 5570 Inclusão Escolar no Ensino Fundamental: um desafio para educação no Brasil NÓVOA, A. Entrevista com António Nóvoa – Professor pesquisador e reflexivo. TV Brasil. 2001. SENNA, L. A. G. II Colóquio Educação Cidadania e Exclusão – Rio de Janeiro. 2007. SENNA, L. A. G.(org) Letramento Princípios e Processos. IBPEX – Rio de Janeiro. 2006. Suziane de Santana Vasconcellos 5571 IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES “DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO” LEDOR/A QUALIFICADO/A DE PROVAS EM TINTA PARA PESSOAS CEGAS (PC): UMA PROPOSTA CURRICULAR INCLUSIVA Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães JOÃO PESSOA - PB - BRASIL 10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva LEDOR/A QUALIFICADO/A DE PROVAS EM TINTA PARA PESSOAS CEGAS (PC): UMA PROPOSTA CURRICULAR INCLUSIVA Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães Prof. Ms. do Instituto de Educação e Assistência aos Cegos do Nordeste-PB RESUMO: Pesquisas sobre leitura voltam-se para a do aluno enquanto leitor (KLEIMAN, 1989), descartando o/a professor/a ledor/a de prova para PC na escola regular. Nossa experiência com PC campinenses mostra que instituições recrutam leitor/a e não ledor/a. Embasada numa pesquisa qualitativa (MOREIRA, 2006) com característica de microanálise (DENZIN, 2006), investigando a função de ledor das PC e o seu atendimento especializado, registramos em áudio e vídeo a leitura de cinco provas (transcritas) por duas ledoras. Entrevistamos-las de forma semiestruturada. Assim, buscamos caracterizar a prova como um evento e salientar a função do/a ledor/a com um currículo de ledor/a para um melhor atendimento às PC. Apoiamos-nos no letramento (SOARES, 2000; STREET, 1984); na Sociolinguística - grade de fala de Hymes (1972b apud SCHIFRRIN, 1994); em elementos da fala-em-interação, segundo Drew/Heritage (1992 apud GARCEZ, 2006) e nas condições inclusivas (BEYER, 2005). Os dados mostram que, das ledoras, a detentora do currículo de ledora, atendia às necessidades da PC, não só lendo, enquanto a outra, em desvio de função, as comprometia. PALAVRAS-CHAVE: Evento. Pessoa Cega. Currículo. Atendimento Especializado. INTRODUÇÃO Estudos na área da leitura têm voltado suas pesquisas para a prática de leitura do aluno enquanto leitor que lê para si, (MARCUSCHI, 1989; KLEIMAN, 1989, 2004a, 2004b), não se voltando ao papel do/a professor ou outro profissional como um/a ledor/a de prova para pessoas cegas (doravante PC). Estas pessoas estão sendo admitidas na escola regular, no entanto, nossa experiência com elas no Instituto de Educação e Assistência aos Cegos do Nordeste, situado em Campina Grande (PB), mostra que não estão tendo o devido atendimento no que se refere à pessoa do/a ledor/a, Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5575 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva vez que algumas instituições de ensino lhes dispõem de um/a mero/a leitor/a nos momentos de avaliação escolar, ao invés de um/a ledor/a qualificado/a, ou seja, alguém com o currículo de ledor/a para o trabalho da leitura. Uma sociedade que atribui crime passível de punição quem impedir a matrícula de uma pessoa com deficiência numa escola de sua comunidade, deve proporcionar uma educação inclusiva - LDB 9.394/96 e a Resolução nº 2/2002 (BRASIL, 2004) - que aponte um novo modelo de escola. Nesse modelo, merece atenção o tipo leitura e de ledor/a proporcionados às PC, já que a prática de leitura em vigor é a do vidente 1 (não em braile). Essas pessoas, ao se submeterem a provas (de ensino supletivo e de universidade) planejadas para videntes, deparam-se, ora com ledores/as qualificados/as para a função, ora com aqueles que, por falta de uma ledor/a qualificado/a, assumiram a tal função (GUIIMARÃES, 2009). Enquanto no primeiro caso, tal prática atende às necessidades educacionais da PC, sendo a leitura uma forma de inserção social (PONTES, 2007), no segundo, não atende, pois a PC erra algumas questões em virtude da má leitura efetuada. Através de uma pesquisa2 qualitativa (MOREIRA; CALLEFFE, 2006) com característica de microanálise (DENZIN; LINCOLN, 2006) com o objetivo de investigar quem, no trabalho da leitura, exercia ou não a função de ledor/a das PC e o tipo de inclusão a elas proporcionado, procedemos o registro em áudio e vídeo de leituras de cinco provas (depois transcritas) realizadas por duas ledoras: ledora 03 (LD 03) – lia prova de Realidade Sócioeconômica e Política Brasileira; era estudante de Comunicação Social com a função de ledora não só de provas, mas de livros e apostilas para a PC - , e ledora 05 (LD 05) - lia provas de Português, Geografia, Ciências e História; licenciada em geografia, inspetora da 3ª Região de Ensino do Estado da Paraíba e sem a função de ledora da PC. Após as leituras, realizamos entrevistas semiestruturadas (depois transcritas) com as ledoras, cujas perguntas voltavam-se ao trabalho da leitura e as suas inseguranças quanto ao fazê-lo. Para a transcrição das entrevistas, não seguimos rigorosamente as normas de transcrição da conversa, conforme estudos da análise da 1 2 Termo utilizado para referir-se a pessoas com visão normal. Este trabalho é parte de uma dissertação de mestrado intitulada “O desempenho do/a ledor/a em situações de prova em tinta junto a pessoas cegas (PC)”, defendida na Universidade Federal de Campina Grande, em 2009. Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5576 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva conversação, porque nosso objetivo não era analisar características da conversa. Dessa forma, seguimos a ortografia com indicação de pausas: as repetições eram registradas e as pausas indicadas por três pontinhos. Nesse contexto, o presente estudo busca caracterizar a prova como um evento governado por regras, bem como salientar a função do/a ledor/a com um currículo de ledor/a par o atendimento das necessidades da PC na escola regular. Os dados foram analisados à luz de teorias do letramento (GUMPERZ, 1991; SOARES, 2000; VIEIRA, 2007; STREET, 1984); noções da Sociolinguística Interacional como a grade de fala de Hymes (1972b apud SCHIFRRIN, 1994, p. 141-142) e dos elementos característicos de uma fala-em-interação, segundo Drew e Heritage (1992 apud GARCEZ, 2006, p. 67) e condições inclusivas (BEYER, 2005). São apresentadas a seguir: a caracterização da prova como evento; a diferença entre leitor/a e ledor/a; o ledor/a; ledor/a coma função de ledor/a e atendimento especializado; análise dos dados e considerações finais. PROVA E EVENTO A alfabetização, fenômeno antigo presente nos primeiros séculos após o descobrimento do Brasil, limitava-se à alfabetização dos índios na cultura dos portugueses. Nos anos pós-guerra do século XX, sendo o Brasil calcado numa estrutura agrária, as propostas educacionais voltavam-se à alfabetização, processo suficiente no ato da votação. Nessa situação, o texto era estudado apenas para assimilação do código linguístico. Uma crise neste tipo de alfabetização foi logo denunciada com a modernização da sociedade tecnológica. Uma boa parcela daqueles que entram nas escolas, saem “sem as habilidades de que precisam para garantirem um emprego regular e para lidarem com seus próprios assuntos na sociedade (...)” (GUMPERZ, 1991, p. 62). Para o autor, embora havendo mudança nos currículos para irem ao encontro das necessidades da sociedade tecnológica, persiste a crise na alfabetização. As pessoas se alfabetizavam, mas não estavam letradas para fazerem uso social da leitura, lendo uma conta de luz, ou outro registro qualquer. Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5577 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva O estudo desse novo fenômeno constitui as teorias de “letramento”3, (STREET, 1984) termo que circula no meio acadêmico a partir dos anos 80 do século XX. Há uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler ou escrever, ser letrado. Ser letrado não é só saber ler ou escrever, mas fazer uso competente e frequente da leitura e da escrita. (SOARES, 2000, p. 36). Em outras palavras, ler os textos nas várias situações de uso oral ou escrito (MARCUSCHI, 2001). Tais situações de leitura variam, dependendo de quem lê e de elementos como: objetivo da leitura que é dar acesso à PC a informação escrita na prova; conhecimento do assunto (KLEIMAN, 1989), conhecimento do material a ser lido; tempo disponível para leitura, de acordo com a instituição; formulação da resposta pela PC; e experiência do/a ledor/a com aquele tipo de trabalho. Esse percurso era o responsável pela diferença no evento, confirmando-se o fato de que a prova não se limitava a algo escrito, mas constituía um evento que, segundo Vieira (2007, p. 71): [..] é uma unidade básica que serve a propósitos descritivos e é definida por Hymes (1986: 56) como atividades ou aspectos de atividades, que são diretamente governadas por regras ou normas de uso da fala. Tais regras e normas que governam as atividades num evento nos levam a estabelecer a diferença entre leitor/a e ledor/a. LEITOR/A VERSUS LEDOR/A Esclarecendo a noção de evento, Hymes propôs uma grade chamada Speaking grid. Como o evento serve a propósitos e é definido por atividades ou aspectos de atividades que o/a ledor/a vai pôr em prática, podemos distribuir, em um lado da speaking grid (1972b, apud SCHIFRRIN, 1994, p. 141-142), os elementos constituintes de um texto qualquer lido por um leitor, e, do outro lado, os elementos da prova planejada para videntes e lida por um/a ledor/a para uma PC. Utilizando quatro 3 Na obra “Adultos não alfabetizados em uma sociedade letrada”, reedição modificada da publicação anterior “Adultos não-alfabetizados: o avesso do avesso”, Tfouni (2006) considera que este termo investiga não só quem é alfabetizado, mas também quem não o é. Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5578 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva elementos dos oito que compõem a speaking grid: 1) circunstâncias; 2) participantes; 3) propósitos; e 7) normas de interpretação, temos: LEITOR/A LEDOR/A 1) Leitor/a lê em qualquer lugar, de maneira que não seja necessariamente institucional; 1) Ledor /a lê em locais institucionais, com uma função específica; 2) Leitor/a lê para si; 2) Ledor/a lê para o outro/a; 3) Leitor/a lê com funções variadas; 3) Ledor/a lê para dar acesso à PC aquilo que está escrito; 7) Interpreta o material a ser lido a partir de seus conhecimentos prévios; 7) Ledor/a interpreta, levando em conta normas institucionais ou lançando mão de conhecimentos prévios (linguístico, textual e de mundo). Além da caracterização acima, Drew e Heritage (1992 apud GARCEZ, 2006, p. 67) argumentam que “a identidade institucional ou profissional dos participantes de alguma forma se faz relevante para as atividades de trabalho nas quais eles estão engajados”. Essa identidade se evidencia através dos elementos: 1) A interação institucional admite uma orientação de pelos menos um dos interactantes para alguma meta; 2) Tal interação pode envolver limites particulares quanto ao que vão tratar; 3) A interação institucional pode associar-se a procedimentos típicos de contextos institucionais. A partir desses elementos, podemos perceber que o evento prova vai ''ser influenciado pela relação que os/as ledores/as mantêm com as instituições para as quais estão a serviço, ou seja, se estes/as têm o currículo de ledor/a ou não. Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5579 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva LEDOR/A COM CURRÍCULO DE LEDOR/A E ATENDIMENTO ESPECIALIZADO À PC Levando-se em consideração que o currículo é “um dos ‘lugares‘ em que se ‘concede a palavra‘ ou se ‘toma a palavra‘ no jogo das forças políticas, sociais e econômicas” (BERTICELLI, 2001, p. 168), o/a ledor/a com função de ledor/a, pode fomentar a verdadeira inclusão em detrimento de uma falsa inclusão (CARVALHO, 2004). Segundo Orrico, Canejo e Fogli (2007, p. 133): Há que se assegurar as condições de acessibilidade e adaptações curriculares básicas para o processo de inclusão de educandos com deficiência visual no ensino regular, com vistas ao seu sucesso no desenvolvimento e aprendizagem. Como “a avaliação do aluno cego pode ser feita, por exemplo, em Braille, [...] com o auxílio de ledores [...], ou computador, com a utilização de softwares ledores de tela” (ORRICO; CANEJO; FOGLI, 2007, p. 132), o que constitui uma atenção as suas necessidades, apresentaremos, a seguir algumas condições necessárias à inclusão, segundo Beyer (2005): a) individualização do ensino e b) educação subsidiária. a) Individualização do ensino À luz dessa condição, as PC são diferentes entre si, de maneira que o “ensino deve ser organizado de forma que contemple as crianças em suas distintas necessidades” (BEYER, 2005, p. 29). Isso é possível, segundo o autor, através da individualização dos alvos, (ou seja, uma aula, num ambiente inclusivo, exige dos alunos exatamente o que eles têm capacidade de demonstrar); a individualização da didática (de acordo com Beyer, “é errado atender crianças em situação de diversidade da mesma maneira”); e individualização da avaliação (princípio cuidadosamente praticado numa escola inclusiva, pois não é admitida a comparação dos alunos). Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5580 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva b) Educação subsidiária Para Beyer (2005), trata-se de uma educação móvel, ou seja, aquela que não existe senão como contraponto à escola regular. Tal existência orienta-se pelos princípios da: a) comunalidade, (trata-se de educar, ao mesmo tempo, crianças com e sem deficiência porque todas vivem numa sociedade em que todos nós temos tantas coisas em comum); b) da necessidade (esse princípio orienta o educador a atender os alunos de maneira que recebam uma educação apropriada às suas necessidades especiais – esse direito não deve ser subestimado em prol da educação comum, ou seja, ele é mais importante do que a educação comum); c) da proximidade (esse princípio é explicado pela descentralização da ajuda especializada pedagógica, o que “pressupõe o apoio pedagógico, e terapêutico, quando necessário, o mais próximo possível do espaço de vida (escola, comunidade, família) da criança” (BEYER, 2001, p. 37). ANÁLISE DOS DADOS Considerando o componente “participantes”, constituinte da speaking grid como necessários à realização do evento prova – que exige o cumprimento de regras e procedimentos de aplicação - numa dada instituição de ensino, detectamos, por um lado, ledor/a com a função de ledor/a e, por outro, ledora em desvio de função. A ledora 03 (LD 03) exercia a função de ledora da PC e já lia para ela não só provas, mas também livros e apostilas: P- Então, é sua função ler para D? Na prova de hoje tinha uma citação e você não disse que era uma citação. Por quê? LD 03- Não é só ler, porque além de ler, você...você tem que estimular ele a escrever.[...]. LD 03- Esse tema a gente já vem debatendo há muito tempo [...] a professora falou que a semana que vem a gente vai fazer uma prova, a gente já é acostumado a fazer em todo fechamento da sua matéria. P - É tua função ler para D.? Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5581 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva LD 03 - Não só ler..., mas estimular... ele a escrever... porque quando você lê, você tá dando as pontuações, os parágrafos e isso na sua cabeça você tem como memorizar. Para D. isso fica meio fragmentado... [...]. (LD 03 – Entrevista realizada no dia 18/06/07). Como sua função era ler para PC, a necessidade de ler ou não a citação contida na prova de Realidade Sócioeconômica e Política Brasileira - “não existe país desenvolvido nem subdesenvolvido, as atitudes individuais de cada cidadão determinam o estágio de desenvolvimento de cada nação” - surgiu no momento da leitura. Isso confirma o fato de que, como já era ledora (tinha essa função) e, portanto, consciente desse trabalho, atendia às necessidades da PC, lendo estritamente o necessário numa situação de prova. Dessa forma, a ledora guiava a PC a tarefa-fim (DREW; HERITAGE, 1972 apud GARCEZ, 2006) de responder a prova, individualizando, conforme Beyer (2005), seus alvos, sua didática, e sua avaliação. Conhecedora de que todo fechamento da disciplina dava-se naqueles moldes, a ledora punha em prática uma educação subsidiária, voltando-se exclusivamente a atender às necessidades da PC, qual seja a de ganhar tempo numa situação de prova. Além disso, a ledora conhecedora das defasagens da PC na escrita, estimulava-o a escrever (não só ler..mas estimular...a escrever...[...]. Isso mostra que a ledora qualificada atendia melhor as necessidades da PC na escola regular. Por outro lado, detectamos a ledora 05 (LD 05) em desvio de função e, portanto, inexperiente no trabalho: P- Quem indicou sua pessoa para ler as provas de hoje? Então é sua função? LD 05- [...] Como...como eu tenho que participar do processo de provas porque o relatório final... tem que ter um inspetor... é obrigatório ter um um inspetor [...] Então nesse caso, por falta de um fiscal, eu estou aplicando... a... a prova especial.Não... não é minha função. P - Quando tem cegos inscritos vocês sabem antecipadamente? Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5582 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva LD 05 - Olhe, é difícil... porque nós chegamos no no dia da prova...mas quando isso... acontece com antecedência, a própria instituição é quem organiza este lado, uma sala . (LD 05 – Entrevista realizada em 01/06/2008). Nesse caso, percebemos que a ledora preencheu uma vaga não adequada a sua função, qual seja a de inspecionar os trabalhos das provas do supletivo. Como não exercia a função de ledora para PC, era destituída desse letramento, ou seja, era alfabetizada, mas não letrada para fazer uso dessa prática de leitura emergente na sociedade (“por falta de um fiscal, eu estou aplicando...a...prova especial”). A falta da ledora qualificada demonstra um descaso por parte das autoridades educacionais com o letramento das PC, mostrando que o currículo oficial toma a palavra das PC (BERTICELLI, 2001) por ignorarem sua participação nas provas. Daí, conforme Drew e Heritage, sua identidade profissional, comprometia o atendimento à PC, o que a incapacitava de orientar o outro interactante (PC) a tarefa-fim de responder a prova (GARCEZ, 2006), conforme seu papel na literatura especializada (ver nota de rodapé 1). Dessa forma, diminuíam as chances da PC ser aprovada, pois a ledora, conforme Beyer, nem individualizava o ensino, pois lia como se lesse para uma pessoa vidente, nem praticava uma educação subsidiária através dos princípios: a) da comunalidade, educando pessoas com e sem deficiência para uma sociedade em que todos nós temos tantas coisas em comum; e b) da necessidade. Para Beyer, o atendimento à necessidade da PC é um direito que não deve ser subestimado em prol da educação comum, ou seja, ele é mais importante do que a educação comum. Tal direito é sonegado no momento em a inspetoria ignora a existência de PC inscritas naqueles exames (P - Quando tem cegos inscritos vocês sabem antecipadamente? LD 05 - Olhe, é difícil...). CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos que, dos dois sujeitos da pesquisa, uma exercia a função de ledor/a (LD 03), enquanto a outra (LD 05) ocupava função diversificada. Pelos dados analisados, podemos afirmar que a função de ledor/a junto às PC de nossa pesquisa, não Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5583 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva constitui uma função digna de atenção por parte das autoridades educacionais da região, sobretudo aquelas responsáveis pelo ensino supletivo. Tal situação na Universidade Estadual da Paraíba é mais favorável às PC, pois estas dispõem de ledores/as no mesmo curso que lhes dão um certo atendimento. A LD 03 com o currículo de ledora era consciente do trabalho que fazia, de forma que atendia mais adequadamente às necessidades da PC, não se limitando a ler, mas estimulando a PC a escrever, desenvolvendo melhor sua aprendizagem. Tal comportamento não se repetia com LD 05, pois fazia às vêzes de uma leitora por falta de um/a ledor/a qualificado. Esse procedimento pode ser interpretado como uma demonstração de descaso em relação à escolaridade das PC, já que essa inspetoria tem o controle do número de candidatos inscritos nas provas, inclusive os que têm necessidades especiais. É evidente que essa inspetoria de ensino, como órgão responsável pela educação, deveria atentar para o currículo dos ledores/as que não se confunde com o de um/a mero/a leitor/a. Fazendo às vêzes de um/a professor/a, o/a ledor/a - um dos três elementos constituintes da didática (aluno, professor, conteúdo) – o/a ledor/a precisa ser teórico-metodologicamente qualificado/a para a leitura junto à PC, o que aponta para novas pesquisas voltadas ao seu letramento em detrimento do letramento hegemônico em vigor na sociedade de videntes. REFERÊNCIAS BUYER, H. O. Inclusão e avaliação na escola: de alunos com necessidades educacionais especiais. 2. Ed. Porto Alegre: Mediação, 2006. BERTICELLI, I. A. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, M. V. Currículo nos limiares do contemporâneo. 3. Ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2001. BRASIL. Direito à educação: subsídios para a gestão de sistemas educacionais: orientações gerais e marcos legais. Organização e coordena Marlene de Oliveira Gotti. Brasília: MEC, SEESP, 2004. Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5584 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva BRASIL. Educação inclusiva: a fundamentação filosófica. 2. Ed. Brasília: MEC, Secretaria da Educação especial, 2006. CARVALHO, R. E. Educação inclusiva com os pingos nos is. Porto Alegre: Mediação, 2004. DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. A disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: DENZIN, N. K. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Trad. De Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 15-41. DESCARDECI, M. A. A. de S. O concurso: um evento de letramento em exame. 1982. Dissertação de Mestrado, Universidade de Campinas, Campinas, 1982. GUIMARÃES, Z. M. de A. S. Intersecção de discursos numa prova para cego: um estudo de caso. In: III Seminário de Língua Portuguesa e Ensino e O Colóquio de Linguística, Discurso e Identidade, 2008, Ilhéus. Resumos…Ilhéus: Universidade Estadual de Santa Cruz, 2008. p. 45, ref. 5-67. GUMPERZ, J. J. A sociolinguística interacional no estudo da escolarização. In: COOKGUMPERZ, J. A construção social da alfabetização. Porto Alegre: Artes médicas, 1991, p. 58-82. KLEIMAN, A. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. São Paulo: Pontes, 1989. ______. Leitura: ensino e pesquisa. 2. Ed. São Paulo: Pontes, 2004a. ______.Oficina de leitura: teoria e prática. 10. Ed. São Paulo: Pontes, 2004b. MARCUSCHI, L. A. O proceesso inferencial na compreensão de textos. 1989. Relatório final apresentado ao CNPq. 1989. MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP & A, 2006. MORTATTI, M. do R. L. Educação e letramento. São Paulo: UNESP, 2004. Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5585 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva ORRICO, H.; CANEJO, E.; FOGLI, B. Uma reflexão sobre o cotidiano escolar de alunos com deficiência visual em classes regulares. In: GLAT, R. Educação inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. PONTE, J. C. Leitura: identidade e inserção social. São Paulo: Paulus, 2007. SCHIFFRIN, D. Approaches to discourse. Oxford UK e Cambridge USA: Black Well, p. 137-189, 1994. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. STREET, B. V. Literacy in theory. London, New York: Cambridge University Press, 1984. VIEIRA. A. R. F. Seminários escolares: gêneros, interações e letramentos. Recife: UFPE, 2007. APÊNDICE A Entrevista realizada com a ledora 03 (LD 3) em 18/06/07 1 – Qual a sua vivência com a leitura? Eu gosto de ler desde criança e gosto muito desde livros, jornais ... revistas. Desde que eu comecei ficar com D. eu tenho que ler mesmo que não queira ler uma revista.... Isso me estimula porque tenho quer passar os assuntos para ele. 2 – Porque você acha que lendo revistas vai ajudar a D.? Porque ele faz comunicação... e ele trabalha numa rádio... comunitária e televisão... né, mas os impressos eu acho que ela também precisa fazer parte na de revistas... os jornais daqui... da região... na biblioteca a gente tem... Sempre que tem uma matéria interessante... eu passo prá ele porque quando uma pessoa debate... pega um tema assim ele não fica perdido e se entrosa no debate... Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5586 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva 8 – Quando ele já sabe o assunto, você acha melhor ler para ele? Quando... ele sabe nos debatemos ali mesmo.Se a apostila for grande fica meio cansativo porque ele vai ficar escutando quatro horas uma fita. Então entramos muna conclusão que se a apostila for grande... e se o tema ele tiver um certo domínio... eu leio, nos debatemos... e assim está dando resultado. 10 – É tua função ler para D.? Não só ler... as estimular...ele a escrever...porque quando você lê...você tá dando as pontuações... os parágrafos e isso na sua cabeça você tem como memorizar. Para D. isso fica meio fragmentado... Ele não contextualiza às vêzes,então você precisa estimular... ele a escrever a interpretar... Não é só o processo de leitura... às vêzes eu falo assim.”D. não foi isso o que a professora explicou...mas foi exatamente isso... ai...eu explico ajudo a ele a interpretar... tem que estimular. 13 – Na prova de hoje tinha uma citação, você não fez referência à mesma? Esse tema agente já em debatendo há muito tempo... em todas as aulas...é uma coisa muito repetida... e a professora fala ou que a semana que vem a gente vai fazer uma prova a gente já está acostumado a fazer.. em todo o fechamento de sua matéria. 14 – Da forma como você lê ajuda a D. a responder? Acredito que sim... né? Desde que a a gente começou...a trabalhar junto...teve uma evolução...tanto da da parte dele com da minha... né? até porque como disse...prá você...muitas vêzes eu não tenho como escapar de uma apostila... porque eu eu tenho que ler prá poder passar prá ele. É um compromisso com ele... de qualquer... eu tenho que estudar o conteúdo e da mesma forma ele. APÊNDICE B Entrevista realizada com a ledora 05 (LD 05) 01/06/08 Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5587 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva 2 – Qual a sua formação? Licenciatura Plena... em Geografia ...e tenho Especialização em Formação do Educador. 6 – Os professores específicos de que você fala se refere a cada disciplina? Dependendo do caso. 7 – Que caso, por exemplo? Olhe matemática... vamos dar um exemplo. Quando a prova de matemática é aplicada pelo professor de matemática... ele lê com mais ênfase... os quesitos ... ele tem mais uma.......quando É uma prova de Inglês... quando quem está aplicando é um professor de Inglês...a prova fica mais...as perguntas ficam mais claras ...do que lido por uma pessoa... que muito mal arranha... o Inglês... não é verdade? 10)Se você fosse ler uma prova de matemática? Eu lia... o conteúdo...mas o entendimento... 12 – O entendimento ao qual se refere é da sua parte? Da minha parte... de formular... a pergunta... De fazer mesmo que esteja lendo... mas às vezes... nós precisamos ler com mais ênfase... de fazer uma leitura... digamos... com um som... específico pra aquela pergunta... para aquela matéria. 13)Você recebeu alguma orientação para ler essas provas? Não, não. 15 – Da forma como você lê acha que ajuda a PC a identificar a resposta? Olha... o que posso fazer é o que fiz... que leio... uma...duas... às vêzes que ela ela quiser... que ela precisar...para o entendimento dela...ela vai assimilando a pergunta...o que posso fazer é ler prá prá que ela assimile... entenda para que ela dê a resposta. 16 – Em outras ocasiões você leu para PC.? Já. Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5588 Ledor/a Qualifocado/a de Provas em Tinta para Pessoas Cegas (PC): uma proposta curricular inclusiva 19 – Quando tem cegos inscritos vocês sabem antecipadamente? Olhe... é difícil... porque nós chegamos no no dia da prova...mas quando isso... acontece com antecedência...a própria instituição é quem organiza este lado... uma sala . Zuleide Mª de A. Santiago Guimarães 5589