EGRÉGIA 3ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO: 2008.04.00.002807-0
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL MARGA INGE BARTH TESSLER
PARECER
CONSTITUCIONAL.
PROCESSO
CIVIL.
SAÚDE.
TRATAMENTO MÉDICO. MEDICAMENTO ESPECIAL.
CRITÉRIOS PARA CONCESSÃO DA LIMINAR. PELO
DESPROVIMENTO DO AGRAVO.
RELATÓRIO:
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União contra decisão em ação civil pública
proposta pelo Ministério Público Federal cujo objeto principal é garantir aos portadores de LINFOMA
NÃO HODKING DE CÉLULAS B. CD20 POSITIVO residentes na Subseção Judiciária de Ponta Grossa
o acesso aos serviços médicos necessários para o integral e efetivo tratamento da doença, inclusive o
fornecimento de medicamentos, dentre eles o medicamento MabThera (Rituximabe).
A agravante sustenta: a) a decisão liminar interfere em matéria de política nacional de saúde,
interferindo em tema exclusivo da Administração Púbica; b) o Ministério Público Federal não detém
legitimidade ativa para defesa de interesses individuais; c) ilegitimidade passiva da União; d) que a
União não é omissa quanto às políticas de efetivação do direito à saúde; e) que há necessidade de
prescrição do medicamento por médico do SUS.
Deferida antecipação da tutela recursal (fls. 74-76v.).
Vieram os autos para contraminuta.
FUNDAMENTAÇÃO:
PRELIMINARES
Legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos individuais homogêneos. No
presente caso trata-se de direito individual indisponível e de direitos individuais homogêneos;
Quanto ao direito individual homogêneo assim tem decidido o STJ:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FUNDAMENTAÇÃO
DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTE
PÚBLICO COLETIVO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSES
TRANSINDIVIDUAIS. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A
ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna
inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ. 2. A
deficiência da fundamentação do recurso especial atrai, por analogia, o contido na
Súmula 284/STF. 3. O "Ministério Público está legitimado a promover ação civil
pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de
consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos,
nomeadamente de serviços públicos, quando a lesão deles, visualizada em
sua dimensão coletiva, pode comprometer interesses sociais relevantes.
Aplicação dos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal, e 81 e 82, I, do
Código de Defesa do Consumidor" (excerto da ementa do REsp 417.804/PR, 1ª
Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 16.5.2005, p. 230). 4. Recurso
especial desprovido. (REsp 610.235/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 20.03.2007, DJ 23.04.2007 p. 231)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LOCAÇÃO
PREDIAL URBANA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. 1. De acordo
com precedente da Corte Especial, o Ministério Público está legitimidado para
defender direitos individuais homogêneos que tenham repercussão no
interesse público. 2. A Lei nº 8.078/90 – Cód. de Defesa do Consumidor – não se
aplica às locações de imóveis urbanos, regidas pela Lei nº 8.245/91. Jurisprudência
da 5ª e 6ª Turmas. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 590.802/RS, Rel.
Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 30.05.2006, DJ 14.08.2006
p. 340)
PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI
7.347/85. LEI 8.625/93. DEFESA. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
USUÁRIOS. SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. MORTES DE NEONATOS POR
SEPTICEMIA. 1. É cediço na Corte que o Ministério Público tem legitimidade
ativa para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos individuais
homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante
(Precedentes). 2. In casu, o Ministério Público do Estado de Roraima propôs ação
civil pública contra o Estado de Roraima para condená-lo a indenizar os usuários do
serviço público de saúde prestado pelo Hospital-Materno Infantil Nossa Senhora de
Nazaré desde o ano de 1994, pelos prejuízos de cunho material, consistentes nos
danos emergentes e lucros cessantes, e pelos danos morais, na conformidade
daquilo que cada um deles, individual e posteriormente, vier a demonstrar em
decorrência de que muitos usuários, dentre eles vários nascituros, faleceram por
deficiência de assepsia material e/ou humana no referido hospital. 3. Isto por que a
nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os
instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o
Ministério Público para o manejo dos mesmos. 4. O novel art. 129, III, da
Constituição Federal habilitou o Ministério Público à promoção de qualquer espécie
de ação na defesa de direitos difusos e coletivos não se limitando à ação de
reparação de danos. 5. Hodiernamente, após a constatação da importância e dos
inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da
legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o
Mandado de Segurança coletivo. 6. Em conseqüência, legitima-se o Parquet a toda
e qualquer demanda que vise à defesa dos interesses difusos e coletivos, sob o
ângulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade). 7. Deveras, o
Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais,
quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 8.
Precedentes do STJ: AARESP 229226 / RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda
Turma, DJ de 07/06/2004; RESP 183569/AL, deste relator, Primeira Turma, DJ de
22/09/2003; RESP 404239 / PR; Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma,
DJ de 19/12/2002; ERESP 141491 / SC; Rel Min. Waldemar Zveiter, Corte
Especial, DJ de 01/08/2000. 9. Nas ações que versam interesses individuais
homogêneos, esses participam da ideologia das ações difusas, como sói ser
a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida
em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer
que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de
prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais. 10. A assertiva
decorre do fato de que a ação não se dirige a interesses individuais, mas a
coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito
individual homogêneo se não tiver promovido ação própria. 11. A ação civil
pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não
pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos
disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o
torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a
propositura dessas ações. 12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, desprovido. (REsp 637.332/RR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 24.11.2004, DJ 13.12.2004 p. 242)
Legitimidade passiva da União. Refere julgado do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo
Ministro Teori Albino Zavascki, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.
EXECUÇÃO DIRETA DE AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTOS. ATRIBUIÇÃO LEGAL DOS ÓRGÃOS LOCAIS, E NÃO DA
UNIÃO. 1. Segundo a Constituição, "a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação" (art. 196). Todavia, cumpre ao
legislador dispor sobre a "regulamentação, fiscalização e controle" das ações e
serviços de saúde, "devendo sua execução ser feita diretamente ou através de
terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado" (CF, art. 197).
Relativamente ao sistema único de saúde (SUS), ele é formado, segundo a
Constituição, por "uma rede rede regionalizada e hierarquizada" de ações e
serviços de saúde, observadas, entre outras diretrizes, a da "descentralização, com
direção única em cada esfera de governo" (art. 198). 2. Atendendo ao preceito
constitucional, a Lei 8.080⁄90 tratou da organização do SUS, inclusive no que se
refere à distribuição das competências, das atribuições e das responsabilidades de
seus vários órgãos integrantes, com o objetivo, não apenas de evitar a
sobreposição de estruturas administrativas, mas para conferir eficiência,
economicidade e agilidade ao sistema, condição indispensável a garantir aos
cidadãos, da melhor maneira possível, o acesso universal e igualitário aos serviços
de saúde. 3. Relativamente à execução e prestação direta dos serviços, a Lei
atribuiu aos Municípios essa responsabilidade (art. 18, incisos I, IV e V, da Lei
n.º 8.080⁄90), compatibilizando o Sistema, no particular, com o estabelecido
pela Constituição no seu artigo 30, VII: "Compete aos Municípios (...) prestar,
com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de
atendimento à saúde da população". No que se refere especificamente à
assistência farmacêutica, cumpre à União, como gestora federal do SUS, o
repasse de recursos financeiros, cabendo aos Municípios e, supletivamente,
aos Estados, a aquisição e a adequada dispensação de medicamentos. 4.
Agravo regimental provido para excluir a União do pólo passivo da demanda. (AgRg
no REsp 888975/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI
ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16.08.2007, DJ 22.10.2007 p.
205)
Portanto, segundo este julgado, o SUS possui uma divisão de atribuições: a) fornecimento de
medicamentos, a cargo dos municípios; b) repasse dos recursos financeiros, a cargo da União; c)
supletivamente a aquisição de dispensação dos medicamentos, a cargo dos Estados.
Deste modo, deve prevalecer a legitimidade passiva da União do presente feito, uma vez que
reconhecido por ela própria, ao citar o precedente do STJ, que têm responsabilidade pelo repasse
financeiro para compra dos medicamentos.
MÉRITO
1.
Trata-se de mais um caso em que o Judiciário e o Ministério Público têm de manifestar diante
de situações dramáticas em que pacientes enxergam nestas instituições a última chance para defesa
de seus direitos à vida e à saúde.
2.
As dificuldades para uma correta solução deste tipo de demanda indicam o esgotamento do
paradigma dedutivista de aplicação da lei mediante silogismos apodídicos e apontam para a
necessidade de abertura do Direito a argumentos de outras áreas do conhecimento (Medicina,
Economia, Bioética, etc).
3.
Entendo que, do ponto de vista da dogmática constitucional, o preceito da proporcionalidade
oferece uma metodologia adequada para a solução de casos envolvendo direitos prestacionais, como é
o caso do direito à saúde (este é objeto de livro de minha autoria: “Teoria dos Direitos Fundamentais
Sociais”, publicado pela Livraria do Advogado)..
4.
De qualquer modo, não pode ser ignorado o status de direitos fundamentais conferido pela
Constituição Federal de 1988 aos direitos sociais (art. 6º), a aplicação imediata destes direitos (§ 1º do
art. 5º). Alérm disso, sua legitimidade que decorre do paradigma do Estado Social que assume tarefas
de compensação e de distribuição de bens e serviços sociais como educação e saúde.
5.
No campo do direito à saúde, ele ainda deve ser associado com direitos de defesa e de
primeira geração, como é o caso do direito à vida, cuja garantia implica não só medidas negativas, mas
também medidas positivas e prestacionais.
6.
Dentro dos preceitos parciais da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito, é mister proceder à avaliação da reserva do possível, que não significa a impossibilidade de
judicialização de direitos sociais, mas simplesmente que a carência de recursos e os custos das
demandas devem ser consideradas em um cotejo com as necessidades dos titulares dos direitos
sociais.
7.
Além disso, é necessário considerar que muitas vezes o entendimento do médico
prescrebente de um medicamento não coincide com consensos ou posições majoritárias encontradas
na literatura médica mais recente, o que exige que se leve em consideração os parâmetros
estabelecidos pela medicina baseada em evidências.
Os operadores do Direito têm ainda de se apropriar do debate existente na chamada Ética
dos Recursos Escassos, em que são apresentados critérios para alocação de recursos de saúde
escassos. Tais critérios devem ser compatibilizados com as preferências estabelecidas em lei, como é
o caso de idosos e crianças (esta questão é objeto de artigo de minha autoria, publicado pela Revista
Brasileira
de
Bioética,
disponível
on
line:
http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/arquivos/revista_bioetica.pdf .
8.
9.
A economia da saúde oferece bons indicadores de saúde, de qualidade de vida, de eficácia,
de modo que se possa mensurar, para uma correta decisão no âmbito da proporcionalidade, a
importância relativa dos direitos dos indivíduos necessitados de tecnologias médicas versus direitos de
outros indivíduos que compõem a sociedade. Tais parâmetros compõem a proposta de “Diretrizes
Metodológicas para Estudos de Avaliação Econômica de Tecnologias para o Ministério da Saúde”,
atualmente em consulta pública no site do Ministério da Saúde - Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos - Departamento de Ciência e Tecnologia. Dentro destas diretrizes encontramos,
por exemplo, modelos de avaliações de tecnologias de saúde, como custo-benefício, custo-efetividade,
mensuração
de
qualidade
de
vida,
etc.
Ver:
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/diretrizes_metodologicas_ave.pdf
10.
A análise econômica traz o risco sempre de posições utilitaristas que não se coadunam com
o sistema de direitos humanos fundados na dignidade humana e em direitos individuais, uma vez que a
satisfação das necessidades da maioria pode implicar na não-satisfação das necessidades de alguns
indivíduos. Ou seja, tal avaliação econômica deve passar por um crivo de sua constitucionalidade e de
sua moralidade.
11.
De qualquer modo, o ponto de partida que permitirá a discussão correta e abrangente no
presente feito é a realização de uma avaliação econômica, ética e médica, neste último caso a ser
realizada por médico capacitado a interpretar evidências científicas segundo os parâmetros da
medicina baseada em evidências.
12.
A medicina baseada em evidências traz a lume uma posição teórica e moral de que os
médicos devem aliar a sua experiência médica com os conhecimentos teóricos balizados pela literatura
médica mais atual. Ou seja, não é suficiente que o médico fundamente sua prescrição com base em
observações individuais, uma vez que a ciência exige uma quantidade de repetições de fenômenos e a
possibilidade de que as conclusões sejam submetidas a testes de falseabilidade, conforme a teoria de
Karl Popper, amplamente aceita pela teoria da ciência contemporânea.
13.
É mister reconhecer, contudo, que tais exigências acima elencadas só podem ser cumpridas
em sede de cognição ordinária, salvo se já existissem tais avaliações no âmbito dos gestores do
Sistema Único da Saúde.
14.
Portanto, em juízo de verossimilhança, exigido em sede de antecipação de tutela, tais
exigências devem ser mitigadas, de modo que se deve atribuir aos réus o ônus de demonstração da
incorreção dos laudos e prescrições juntadas pelo autor com a inicial.
15.
Além disso, deve ser atribuído ao Ministério da Saúde a responsabilidade pela omissão em
não proceder uma correta avaliação destas novas tecnologias concomitantemente à aprovação do
medicamento para comercialização pela ANVISA.
16.
Ou seja, a União não pode alegar a surpresa diante destas novas tecnologias. É natural
supor que uma nova tecnologia aprovada pela ANVISA será prescrita mais cedo ou mais tarde por
médicos.
17.
Repito, há uma omissão do poder público em não proceder a uma avaliação de novas
tecnologias de saúde de modo concomitante com sua aprovação para comercialização. Essa omissão
é violadora de direitos de cidadãos que acabam criando expectativas de cura e mesmo de
sobrevivência a partir de prescrições de médicos que crêem que ao prescrever um novo medicamento
estão agindo de acordo com princípios hipocráticos de garantir o melhor tratamento possível ao
paciente.
18.
Portanto, em sede de tutela antecipada, não há outra alternativa ao julgador do que aceitar a
prescrição médica, salvo se os réus apresentarem laudos médicos e econômicos que contestem tal
prescrição. Do ponto de vista de um processo civil interpretado em conformidade com os direitos
fundamentais, é mister valorar a prova consubstanciada em uma prescrição médica. Tal prova,
contudo, não prevalecerá diante de um laudo médico baseado em evidências em sentido contrário.
Além disso, o próximo passo é uma avaliação econômica e ética, considerando os modelos de
avaliação acima referidos. A seguir, a decisão judicial deve decidir a partir de um modelo de
argumentação jurídica não-dedutivista e aberto a argumentos não estritamente jurídicos, como é o caso
dos princípios substanciais de justiça, objeto do artigo acima referido.
19.
Com isso, penso, garante-se a proteção judicial de todos os direitos fundamentais, no caso
do direito à saúde, sem o risco de violação do princípio constitucional que determina que “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5ª, XXXV).
O CASO CONCRETO: PEDIDO DE MEDICAMENTO RITUXIMABE
20.
O laudo do Centro de Diagnóstico e Tratamento de Neoplasia, credenciado pelo Sistema
Único de Saúde1, é extremamente esclarecedor a respeito do tema. Ali esclarece que o Rituximabe é
um avanço recente na oncologia e seu uso não foi previsto nos protocolos de tratamento de 1999. Além
disso é informado o custo do medicamento (R$ 8.299,00), enquanto que a tabela APAC-ONCO tem um
valor de R$ 1.065,65.
21.
Além disso, o laudo do Dr. José Koehter esclarece que o tratamento quimioterápico não foi
suficiente para fazer regredir a lesão na região orbitária esquerda. Pelo que pude depreender dos
laudos juntados, isso conduz a um tratamento de 2ª linha. O próprio médico subscritor do laudo
reconhece que o medicamento prescrito é a melhor opção, não a única.
22.
A questão aqui é o que significa a melhor opção? Qual a diferença de eficácia entre a melhor
opção prescrita e a segunda melhor opção? É possível depreender-se também que há uma grande
diferença de custos entre estas opções. Então, o grau de maior eficácia desta nova tecnologia, com
base na evidências disponíveis, é em grau suficiente para dizer que ele possa curar o paciente ou darlhe maior sobrevida?
1
Documento anexo.
23.
Tais informações, repito, devem ser trazidas aos autos pela União Federal. E se não a traz é
porque o Ministério da Saúde não tem estes dados ainda. E nesta situação, nos termos do art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal, não resta ao Poder Judiciário outra alternativa senão a de buscar tais
informações.
24.
Enquanto não produzidas tais provas necessárias, contudo, conforme a fundamentação
acima, deve ser mantida a antecipação de tutela.
DOS REQUISITOS DE HIPOSSUFICIÊNCIA E MÉDICO PRESCREBENTE DO SUS
25.
Parte da jurisprudência desta Corte entende pela exigência de hipossuficiência do
beneficiário da ação e condição de médico prescrebente do SUS. A Segunda condição está
comprovada pelos documentos que pede juntada, uma vez que o Centro de Diagnóstico e Tratamento
de Neoplasia é credenciado pelo Sistema Único de Saúde como Centro de Assistência de Alta
Complexidade em Oncologia (CACON).
26.
Quanto à hipossuficiência, considerando que ela é um critério a ser aferido de acordo com a
condição para o paciente adquirir determinado bem, é verossímil que a paciente não tenha condições
de adquirir um medicamento com um custo de mais de R$ 8.000,00 mensais.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, o Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do presente
agravo de instrumento, sem prejuízo de reavaliação da pretensão após juntados aos autos os
elementos de prova indicados desprovimento do recurso; e requer:
1.
A juntada dos documentos em anexo: laudos médicos e portarias que regulamentam
as políticas de atenção oncológica;
2.
Seja requisitado ao Ministério da Saúde, ou determinado ao juízo de primeiro grau que
assim o proceda, laudo de avaliação econômica e das evidências científicas do medicamento
Rituximabe, conforme o questionário anexo.
3.
A reconsideração da decisão que concedeu efeito suspensivo ao agravo.
Porto Alegre, 7 de maio de 2008.
PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
Procurador Regional da República
Sobre o medicamento Rituximabe
1) O que é linfoma não-hodking de células B, CD20 positivo?
2) Esta doença corresponde ao CID10 C83.8?
3) O que é tratamento de segunda linha em oncologia?
4) O que é tratamento imunoterápico?
5) Quais as vantagens do tratamento imunoterápico?
6) No caso de paciente portador de linfoma não-hodking de células B, CD20 positivo, é
indicado o uso, em associação, de imunoterapia e quimioterapia (esquema CHOP)?
7) O medicamento Rituximabe pode sempre ser utilizado em associação, de com
quimioterapia (esquema CHOP) para o tratamento de linfoma não-hodking de células B,
CD20 positivo?
8) Há alguma alternativa ao uso do Rituximabe em associação à quimioterapia, em
tratamento de segunda linha?
9) O medicamento Rituximabe consta da lista de medicamentos excepcionais do Ministério
da Saúde?
10) Qual o custo/mês, por paciente, para o uso do medicamento Rituximabe em associação
com quimioterapia (esquema CHOP)?
11) A associação com o medicamento Rituximabe traz uma melhora de qualidade de vida em
relação ao tratamento apenas com quimioterápicos (esquema CHOP)? Isso pode ser
mensurado?
12) A associação com o medicamento Rituximabe traz um aumento da sobrevida em relação
ao tratamento apenas com quimioterápicos (esquema CHOP)? Isso pode ser mensurado?
13) A associação com o medicamento Rituximabe é mais eficaz em relação ao tratamento
apenas com quimioterápicos (esquema CHOP)? Isso pode ser mensurado?
14) A associação com o medicamento Rituximabe é mais seguro em relação ao tratamento
apenas com quimioterápicos (esquema CHOP)? Isso pode ser mensurado?
15) A associação com o medicamento Rituximabe produz menos efeitos colaterais em relação
ao tratamento apenas com quimioterápicos (esquema CHOP)? Isso pode ser mensurado?
16) O medicamento Rituximabe pode ser considerado como medicamento no estágio de
pesquisa ou alguma outra qualificação que indique cautelas no seu uso enquanto não
forem ultimadas pesquisas conclusivas?
Sobre as evidências, consensos de sociedades profissionais e protocolos terapêuticos:
1) O que é Medicina Baseada em Evidências e quais são os critérios para qualificar um
trabalho científico como baseado em evidência?
2) Existe protocolo clínico no Brasil ou em outras países ou de organismos internacionais a
respeito do linfoma não-hodking de células B, CD20 positivo? Há orientações de
organismos internacionais (OPAS/OMS) a respeito do linfoma não-hodking de células B,
CD20 positivo? Elas incluem indicações do uso imunoterápicos?
3) É possível obter informações se algum país do mundo disponibiliza, em seu sistema
público de saúde, os medicamentos em questão?
4) Por favor, solicito que o médico perito aponte a sua formação e o seu conhecimento sobre
linfoma não-hodking de células B, CD20 positivo e avaliação de tecnologias de saúde,
assim como explicite se possui (ou possuiu) algum tipo de vínculo com a indústria
produtora de Rituximabe (declaração de conflito de interesses prevista pelo Conselho
Federal de Medicina).
Sobre a avaliação econômica
1. Que proceda à avaliação econômica do medicamento Rituximabe conforme as diretrizes
mais aceitas para avaliação econômica de tecnologias de saúde.
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Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo IBAMA contra