UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIG IÃO MESTRADO EM CIÊNCIAS DAS RELIG IÕES Crenças Ocidentais e Orientais, Sentido de Vida e Visões de Morte: um estudo correlacional. ANA CAROLINA DINIZ ALVES João Pessoa 2013 ANA CAROLINA DINIZ ALVES Crenças Ocidentais e Orientais, Sentido de Vida e Visões de Morte: um estudo correlacional. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para a titulação de Mestre e m Ciências das Religiões, na Linha de Pesquisa Espiritualidade e Saúde. Orientador: Prof. Dr. Thiago Antônio Avellar de Aquino. João Pessoa 2013 A474c Alves, Ana Caro lina Diniz. Crenças ocidentais e orientais, sentido de vida e visões de morte: u m estudo correlacional / Ana Carolina Din iz Alves.- João Pessoa, 2013. 83f. Orientador: Th iago Antônio Avellar de Aquino Dissertação (Mestrado) – UFPB/ CE 1. Ciências das relig iões. 2. Espiritualidade e saúde. 3. Crenças religiosas. 4. Sentido da vida. 5. Percepção de morte. UFPB/BC CDU: 279.224 (043) Aos meus queridos pais, Adalberto Alves da Silva e Antônia Maria Diniz Alves e ao me u amado esposo João Victor Martins Carneiro da Cunha. AGRADECIMENTOS Ao autor e arquiteto da vida é a quem dedico estas primeiras palavras. Ao Deus eterno, ao Pai amoroso, ao príncipe da paz agradeço pela vida, por me guardar diante de tantas dificuldades e a me dar a cada instante a convicção de que em nenhum momento eu não estaria só nessa caminhada, agradeço por experimentar a tua palavra que diz nem os olhos viram nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou no coração humano o que Deus preparou para os que o ama, podendo ver hoje mais uma etapa sendo construída em minha vida. Obrigada meu Senhor. Aos meus pais que dedicaram as suas vidas dia após dia para verem um sonho sendo realizado em minha vida. Obrigada por acreditarem em mim, pela compreensão, pela dedicação e por todo amor e carinho. Amo vocês. Ao meu amado esposo João Victor Martins Carneiro da Cunha, obrigada pelo apoio, compreensão e por todo amor e carinho. As minhas primas-irmãs Georgiana, Lívia e Germana vocês não precisaram fazer algo para despertar em mim o sentimento de gratidão. Posso dizer que Deus me presenteou com a vida de vocês. Aos meus tios Goret, Lauro e Socorro obrigada por tudo, pelo carinho e o amor de um pai para com um filho, sei que vocês também acreditaram em mim. A Thiago, meu orientador. Aprendi muito com você, exemplo de um verdadeiro mestre. Levarei teus ensinamentos em todo a minha vida. As minhas amigas Débora Leite, Andressa Florêncio, Priscyla Mariz, Cynthia Dias e Kely Gomes há amigos mais chegados que irmão. Agradeço a Deus por ter amigas tão especiais como vocês. Sei que vocês torceram por mim. Amo vocês. A Karen Guedes, Daniela, Monique, Luana e Ana Ouro. Vocês se tornaram pessoas especiais na minha vida. Obrigada pelo carinho e pelas palavras de incentivo. A minha amada igreja Primeira Igreja Batista do João Agripino – PIBJA por ser parte do reino de Deus aqui na terra. É muito bom poder desfrutar de um pedacinho do céu com vocês. Obrigada pelas orações e todo apoio. A Carla Brandão e Patrícia Nunes por ter aceitado participar da minha banca de defesa tão prontamente. Obrigada por tudo. A minhas amigas e colegas do HGPMER obrigada pela força e palavras de carinho e incentivo. Ao meu grupo de pesquisa Nous - espiritualidade e sentido é muito bom estar com vocês. E a todos os meus professores que durante esses dois anos dedicaram - se em passar os seus conhecimentos. Vocês são grandes mestres. Crenças Ocidentais e Orientais, Sentido de Vida e Visões de Morte: um estudo correlacional. RESUMO A morte faz parte do ciclo vital do ser humano sendo interpretada por meio da cultura, dos valores e das crenças religiosas. Contudo, o que há de universal no ser humano seria a busca de sentido da morte, tendo a religiosidade um papel preponderante nesse processo. Tendo em vista as considerações supracitadas, foram realizados dois estudos buscando compreender a relação entre crenças religiosas, sentido de vida e as atitudes perante a morte. O primeiro estudo teve por objetivo validar um instrumento de crenças religiosas. Para tanto, contou-se com uma amostra de 126 participantes, que foram 8,7% do Encontro da Consciência Cristã, 56,5% do Encontro da Nova Consciência e 34,8% foram estudantes de Ciência das Religiões na UFPB e 51,6% do sexo feminino. Para a coleta de dados foi utilizado a Escala de Crenças Religiosas, proposta para este estudo, e um questionário sócio-demográfico. O resultado sugeriu a sua validade fatorial distinguindo dois fatores denominados de Crença Ocidental e Crença Oriental. A precisão das escalas foi satisfatória (α > 0,70) indicando a pertinência dessa medida como um índice para a aferição das crenças religiosas. Já o segundo estudo teve como objetivo averiguar as relações entre as crenças e a percepção de sentindo na vida, identificar as associações entre as crenças e as atitudes perante a morte e, por fim, verificar as relações entre percepção de sentido e atitudes perante a morte. A amostra foi composta por 121 participantes, sendo 57% do sexo feminino. Os entrevistados eram 5% do Encontro da Consciência Cristã, 61,1% do Encontro da Nova Consciência e 33,9% foram estudantes de Ciência das Religiões na UFPB. Para a coleta de dados foram utilizados três escalas: Escala de crenças religiosas, Questionário de Sentido de Vida e o Perfil de Atitudes Perante a Morte, sendo acrescido um instrumento sócio-demográfico. Os resultados sugeriram que a realização de sentido se associou diretamente com a crença ocidental, enquanto que a busca de sentido se correlaciono positivamente com a crença oriental. A concepção da finitude na crença ocidental é compreendida através da aceitação religiosa e escape, na crença oriental esse resultado foi inverso. E quanto maior é a realização de sentido a percepção de morte é aceita em uma visão religiosa e menos compreendida como evitação e medo e quanto maior for a busca de sentido maior será a percepção de morte como medo. Os resultados foram discutidos à luz da teoria de Viktor Frankl bem como a partir dos fundamentos das concepções acerca das ciências das religiões. Palavras-chave: Crenças Religiosas; Sentido de Vida, Percepção de morte. Occidental and Oriental beliefs, Sense of Life and Visions of Death: a correlational study. ABSTRACT Death is part of life cycle of the human being, and it is interpreted through culture, values and religious beliefs. However, what is universal in human beings is the search for the meaning of death, and religiosity has a leading role in this process. In view of the above considerations, two studies were conducted in order to understand the relationship between religious beliefs, sense of life and attitudes towards death. The first study had the objective of validating an instrument of religious beliefs. To achieve that, we relied on a sample of 126 participants, respondents were 8,7% from the Christian Conscience’s Meeting, 56,5% from the New Consciousness’s Meeting and 34.8% were students of Science of Religions from UFPB and 51.6 % were female. To collect data we used the Scale of Religious Beliefs, proposed for this study, and a socio-demographic questionnaire. The result suggested its factorial validity distinguishing two factors called Occidental Belief and Oriental Belief. The precision of the scales was satisfactory (α> 0.70), indicating the relevance of this measure as an index to measure religious beliefs. The second study aimed to investigate the relationship between beliefs and the perception of sense in life, identify the associations between beliefs and attitudes towards death and, finally, to verify the relationship between perception of sense and attitudes towards death. The sample consisted of 121 participants, that 57% were female. Respondents were 5% from the Christian Conscience’s Meeting, 61.1% from the New Consciousness’s Meeting and 33.9% were students of Science of Religions from UFPB. For collecting data we used three scales: religious beliefs, Sense of Life Questionnaire and Profile of Attitudes Against Death, in addition we inserted an socio-demographic instrument. The results suggested that the sense of achievement was directly associated with the occidental belief, while the search for meaning is a correlates positively with oriental belief. The conception of finitude in occidental belief is understood by religious acceptance and escape, but in the oriental belief this result was the opposite. And the greater the sense of accomplishment the perception of death is accepted by a religious vision and less understood as fear and avoidance, and the greater the search for meaning greater the perception of death as fear. The results were discussed based on the theory of Viktor Frankl as well as from the fundamentals of the conceptions of science of religions. Keywords: Religious Beliefs; Sense of Life, Death Perception. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Representação gráfica dos valores próprios da escala de Crenças Religiosas .......... 55 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Estrutura Fatorial da Escala de Crenças Religiosas.................................................. 56 Tabela 2: Matriz Correlacional Crença Ocidental e Oriental e o sentido de vida. ................... 60 Tabela 3: Matriz Correlacional Crenças Ocidentais e Oriental e Visões de Morte .................. 61 Tabela 3: Matriz Correlacional Sentido de Vida e Visões de Morte ........................................ 61 SUMÁRIO PARTE I - INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO .......................................................................................... 14 PARTE II – MARCO TEÓRICO ......................................................................................... 16 CAPÍTULO 2 – MORTE ....................................................................................................... 17 2.1 HISTÓRIA DA MORTE .................................................................................................... 17 2.2 CRENÇAS E PERCEPÇÕES DA MORTE EM DIFERENTES RELIGIÕES ................. 21 2.2.1 Crenças ........................................................................................................................... 21 2.2.2 Crenças acerca da morte ............................................................................................... 23 2.2.3 Crenças Ocidentais ........................................................................................................ 24 2.2.3.1 Judaísmo ....................................................................................................................... 24 2.2.3.2 Cristianismo.................................................................................................................. 26 2.2.3.3 Islamismo ...................................................................................................................... 28 2.2.3 Crenças Orientais .......................................................................................................... 29 2.2.3.1 Budismo ........................................................................................................................ 29 2.2.3.2 Hinduísmo ..................................................................................................................... 30 2.2.3.3 Taoísmo......................................................................................................................... 31 2.3 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA MORTE ................................................. 32 2.4 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A MORTE ................................................................... 36 CAPÍTULO 3 – RELIGIÃO, ESPIRITALIDADE E SENTIDO DE VIDA ..................... 40 3.1 RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE ................................................. 40 3.2 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE ESPIRITUALIDADE E A MORTE ........................... 43 3.3 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A ESPIRITUALIDADE .............................................. 45 3.4 BUSCA DE SENTIDO COMO ESPIRITUALIDADE ..................................................... 48 PARTE III – ESTUDOS EMPÍRICOS ................................................................................ 52 CAPÍTULO 4 – ESTUDO 1: ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA ESCALA DE CRENÇAS RELIGIOSAS ................................................................................................ 53 4.1 DELINEAMENTO ............................................................................................................. 53 4.2 AMOSTRA ......................................................................................................................... 53 4.3 INSTRUMENTOS ............................................................................................................. 53 4.4 PROCEDIMENTO ............................................................................................................. 54 4.5 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 54 4.6 RESULTADOS .................................................................................................................. 54 4.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................................. 57 CAPÍTULO 5 – ESTUDO 2: ESTUDO CORRELACIONAL DAS VARIÁVEIS........... 58 5.1 DELINEAMENTO ............................................................................................................. 58 5.2 AMOSTRA ......................................................................................................................... 58 5.3 INSTRUMENTOS ............................................................................................................. 58 5.4 PROCEDIMENTO ............................................................................................................. 59 5.5 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 60 5.6 RESULTADOS .................................................................................................................. 60 5.7 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS ................................................................................ 61 5.7.1 Crenças e o sentido de vida ........................................................................................... 62 5.7.2 Crenças Ocidentais e Orientais e Visões de Morte ..................................................... 63 5.7.3 Sentido de Vida e Visões de Morte ............................................................................... 65 PARTE IV – CONCLUSÃO .................................................................................................. 67 CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 68 REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 70 APÊNDICES ........................................................................................................................... 75 PARTE I - INTRODUÇÃO 14 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO ___________________________________________________________________________ A religião é uma das expressões mais antigas do homem (JUNG, 1958). Desde a PréHistória, há registros de atitudes e crenças religiosas bem como lugares reservados para a sua expressão, seja através de mitos, ritos e hierofanias. Além disso, observa-se em todas as culturas, a existência de uma palavra específica para qualificar o que é sagrado e diferenciá- lo do profano (CHAUI, 1997; ELIADE, 1949; GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Nesse sentido, a religiosidade e o espaço do sagrado podem ser considerados como fenômenos universais e, consequentemente, uma característica antropológica. As religiões através dos seus dogmas, doutrinas e crenças refletem acerca da vida e da morte, dessa forma o homem busca por meio da religião respostas para as suas indagações existenciais, tais como: de onde eu vim e para onde eu vou. O medo de morrer, segundo Kovács (1992), está presente na humanidade e alguns fatores (a exemplo do envolvimento religioso e a capacidade de resiliência) podem ajudar no enfrentamento e na aceitabilidade da morte. Outro aspecto que as religiões se preocupam é sobre a busca de sentido, também concebida como espiritualidade. Nessa perspectiva, Viktor Frankl compreendeu o ser humano como vontade de sentido. A busca de sentido pelo homem, para Frankl (1989/1991), seria a motivação primária da vida, o indivíduo sempre se move em busca de um sentido para se viver. E deve ser individual e específico, pois só pode ser vivenciado por cada pessoa segundo o grau de importância para a realização dos valores. As religiões para Frankl seria concebidas como sistema simbólico, pelo qual o ser humano religioso expressaria a sua espiritualidade. Esta última por sua vez, diz respeito à busca do sentido ultimo da vida (FRANKL, 2003). Assim, o estudo teve como objetivo verificar a fatorabilidade de uma escala acerca das crenças ocidentais e orientais. Como objetivos específicos, averiguar as relações entre as crenças e a percepção de sentindo na vida; identificar as associações entre as crenças e as atitudes perante a morte e, por fim, verificar as relações entre percepção de sentido e atitudes perante a morte. Para tanto, a presente dissertação foi dividida em quatro partes: após essa primeira parte, de Introdução, a segunda parte apresenta a revisão teórica sobre morte e espiritualidade, crenças e sentido da vida, cujos capítulos traçam o percurso da percepção da morte no ocidente culminado com o medo da morte, bem como no que tange às crenças e de que forma 15 as matrizes religiosas entendem o fenômeno da morte, assim como a filosofia entende a finitude através dos teóricos Schopenhauer e Max Scheler; por fim, apresentam-se brevemente os estudos empíricos sobre a morte, para, no capítulo seguinte, realizar-se uma reflexão sobre os termos religião, religiosidade, espiritualidade e crenças, a relação espiritualidade e morte e alguns estudos empíricos sobre a espiritualidade. Por fim, encerra-se esta seção com a teoria de Viktor Frankl e o sentido de vida. A terceira parte deste estudo explicita a pesquisa empírica com seus resultados e discussões. Já a quarta parte, discorre sobre as considerações finais do estudo, apontando para seus pontos de convergência e a necessidade de maiores considerações futuras sobre o tema. PARTE II – MARCO TEÓRICO 17 CAPÍTULO 2 – MORTE Com o objetivo de compreender como o medo da morte influencia na qualidade de vida do ser humano, o presente capítulo reuniu elementos históricos e sociais no ocidente que possibilitam ter uma visão panorâmica sobre esse aspecto ao longo do tempo. Ademais, também apresentou como, o temor da morte, nos tempos atuais, facilita uma melhor compreensão das atitudes e comportamentos do homem diante da vida. 2.1 HISTÓRIA DA MORTE As reflexões sobre a morte foram à fonte de inspiração da maioria dos sistemas filosóficos, da religião. É através do questionamento do homem sobre a vida e a morte, que conteúdos internos são mobilizados e a dor e angústia se fazem presentes. Para Schopenhauer (2000) a mesma razão que teme a morte é a que traz alivio e consolo, onde estão orientadas as religiões e os sistemas filosóficos, que proporciona uma maior aceitação da morte. Historicamente as percepções sobre a morte, assim como as transformações sociais, econômicas de uma sociedade, passaram por mudanças significativas no seu modo de pensar e agir. Em seu livro, História da Morte no Ocidente (2003), Philippe Ariès (2003) percorre o caminho das diversas concepções acerca da morte, desde Idade Média até o advento do capitalismo. Para este autor, a mudança em relação à morte se configurou em quatro períodos, pelas quais as atitudes diante do morrer sofreram mudanças, muitas vezes, quase imperceptíveis e outras de forma mais rápida e dramatizada. Na primeira metade da Idade Média a morte era percebida como domada, ou seja, o moribundo sabia que ia morrer e a esperava no próprio leito, tomando todas as providências em relação à cerimônia pública do ritual de sua morte. Os familiares, as crianças e amigos ficavam velando o morto. Nessa época a morte era aceitável e vista como parte do ciclo de vida, simples e sem caráter dramático, fato que não gerava emoções excessivas de choro. Nesse período o que predominava no ocidente era a visão cristã sobre a vida e morte, assim, a morte era o caminho para a eternidade, crendo na ressurreição da carne. Os cristãos acreditavam em vida após a morte, o que transmitia um sentimento de conforto, já que o morto renasceria e se encontraria com seus entes em outra vida, vista como eterna. A morte era concebida apenas como uma separação temporária entre os familiares, pois era oferecida 18 uma vida plena e eterna na presença de Deus. Assim a imagem que prevalece na época é a que existe um laço contínuo entre vivos e mortos (ARIÈS, 2003). Entre os séculos XI e XII a atitude diante da morte sofre transformações sutis, que pouco a pouco, darão um sentido dramático e pessoal à familiaridade tradicional do homem com a morte, percebem-se mudanças nas representações do juízo final e das sepulturas (ARIÈS, 2003). Segundo Ariès (2003), no século XII até o século XVIII, o capitalismo começa a se emergir na Europa surgindo com força o individualismo que começa a se fazer sentir em relação ao fenômeno da morte, na medida em que ela começa a se personalizar. A partir do século XVIII o homem ocidental atribui outro sentido à morte, preocupa-se menos com a sua própria morte, voltando-se para a morte do outro. Assim, a morte nesse momento passa a ser exaltada, romântica cuja saudade e as lembranças inspiram o novo culto dos túmulos e dos cemitérios. Sai de cena a aceitação da morte como parte normal do ciclo de vida a qual é expressa pela dor devida e não aceitação da separação. A morte temida não é a própria morte, mas a do outro (ARIÈS, 2003). No decorrer do período compreendido entre a Idade Média até a metade do século XIX, a morte que estava presente na vida das pessoas vai se apagar e desaparecer, tornando-se vergonhosa e objeto de interdição. O leito de morte sai da casa, onde ficavam perto dos seus entes queridos, e passa para o hospital, afastando-se dos familiares. Todas essas mudanças no modo de vida social e econômico vão interferir no fenômeno da morte, que passa a ser exaltada e dramatizada, o que se evidenciam com as cenas do choro. O luto passa então a ser um cerimonial, um ritual cada vez mais sofisticado, no sentido de exaltar, de fazer discursos aos mortos. Todas essas transformações ocorreram com o fenômeno da morte que passou a ser sentida e vivida, fazendo parte do cotidiano dos homens (ARIÈS, 2003). Por meio do desenvolvimento do capitalismo e o advento da modernidade, a morte que estava presente na sala de visita, rodeado pelos seus familiares, passou para o leito de hospital, onde janelas estão fechadas, a luz é artificial, a temperatura constante mantida por ar condicionado e os equipamentos técnicos, tentando a todo custo eliminar o que é eliminável, a morte (OLIVEIRA, 2002, apud COMBINATO; QUEIROZ, 2006). Conforme Rodrigues (1983, apud ESSLINGER, 2004) com o desenvolvimento da individualização e o aparecimento de uma consciência especial na biografia individual, à morte passa a ter uma conotação negativa, passando a ser um acontecimento temido por todos os seres humanos. Corroborando com esta visão Morin (1997) concebe que o homem passa a 19 ter horror da morte, o que pode ser traduzido na dor pelo funeral, pelo terror da decomposição do corpo, pela obsessão da morte e, principalmente, pela perda da individualidade. Já Carvalho et al. (2006) compreendem que o processo de morte e de morrer, tem sido algo de grande aflição e angústia para a humanidade, já que seria tão suscetível e tênue o estar vivo, ou seja, o ser mortal. O homem ocidental evita pensar sobre a morte, para conservar a felicidade, tendo em vista que refletir sobre a morte traz angústia e medo (SCHUMACHER, 2009). Para Martins (2007) o homem é um ser lançado nesse mundo e a sua existência vai se constituindo do uso das coisas feitas no tempo, entre o início e o fim da vida. Sendo assim, o homem é um ser de possibilidades de usufruir as coisas manipuladas por ele, mas para este homem encontrar seu ser autêntico é necessário reconhecer a possibilidade de morte, e esta consciência de finitude não deixa o homem inerte, paralisada, sem a menor perspectiva de realização. Este ser para a morte vem acompanhado de angústia e dor, gerando sofrimento, antecipando o pensar sobre a morte. Refletir sobre a morte causa angústia, mas leva o homem a utilizar melhor as coisas, a dor que imanente ao ser para a morte, é a abertura para chegar à consciência da possibilidade das impossibilidades e, assim viver bem. De acordo com Kovács (1992), o medo da morte é a resposta psicológica mais comum diante da morte. O medo de morrer é universal e atinge todos os seres humanos, independente da idade, sexo, nível sócio econômico e crédulo religioso. Entretanto, Kubler-Ross (1998) compreende que a morte constitui um acontecimento “medonho”, pavoroso e um medo universal. Colocando à tona toda a fragilidade humana e impulsionando a ciência na busca se sua exterminação. Para Martins (2007, p. 177) “no nosso contexto social, a morte é algo incompreensível e inaceitável, pois vivemos num meio a uma supervalorização dos bens materiais. [...] Se o sentido das coisas é serem usadas pelo homem, com a morte tudo perde o sentido”. De acordo com Morin (1997), é nas atitudes e crenças diante da morte que o homem exprime o que a vida tem de mais de fundamental. A sociedade funciona apesar da morte, contra ela, mas só existe enquanto organizada pela morte, com a morte e na morte. Confirmando o que foi proposto por Meltezer (1984, apud KOVÁCS, 1992) a morte é o inimigo que os vivos passam suas vidas tentando superar e derrotar para sempre, sem ideia das consequências que podem acarretar em suas vidas. Kovács (1992) compreende que ao pensar sobra a morte cada pessoa pode relacioná- la a um dos seguintes aspectos: 20 Medo de morrer: surge o medo do sofrimento e da indignidade pessoal. Medo do que vem após a morte: o medo do julgamento, do castigo divino e da rejeição. Medo da extinção: diante da própria morte existe a ameaça do desconhecido, o medo de não ser e o medo de não mais existir. A morte difere em seu significado, as tensões provocadas pela morte de um dos seus familiares, ou até mesmo pensar sobre a sua própria morte, traz sentimentos diferentes que vão desde a raiva, a tristeza, a barganha até a negação (KUBLER-ROSS, 1998). Podendo ser percebida de diferentes formas, de acordo com a história de vida do indivíduo, da religião e da cultura envolvida nesse processo (AGRA; ALBUQUERQUE, 2008). Os fatores que influenciam no enfrentamento referente ao medo da morte são: a maturidade psicológica do indivíduo, a capacidade de enfrentamento, a orientação, o envolvimento religioso e a sua própria idade (FEIFEL, 1959, apud KOVÁCS, 1992). É difícil a diferenciação entre o medo e ansiedade. Mas, Hoelter (1979, apud ESSLINGER, 2004) afirma que a ansiedade pode ser defendida como um estado geral que precede uma preocupação mais específica do homem com a morte. Assim, as pessoas que apresentam um maior nível de ansiedade têm medo da morte. Segundo Kovács (1992), o medo da morte pode estar ligado à morte concreta, à finitude, à extinção e também aos seus equivalentes, com medo do abandono, da vingança e de outras forças destrutivas. O medo da morte tem um lado vital e por isso precisa estar presente em certa medida. O enfrentamento da morte é muito difícil e angustiante para quem vivencia, podendo ser ainda bem mais para a pessoa que fica observando a morte do outro porque provocam rupturas profundas um ajustamento no modo de pensar, de entender, de perceber e viver no mundo. Nessa perspectiva Carvalho et al. (2006) afirmam que os valores e as crenças do homem, influenciam a sua preparação para morrer ou para aumentar a dificuldade do enfrentamento da morte. De acordo com Moreira e Lisboa (2006, p. 448), “[...] defende-se a premissa de que ser o máximo possível em todos os momentos é valorizar a vida, entendendo que o ser, para viver em sua plenitude tem que ter inserido todas as suas possibilidades, incluindo da própria finitude”. O medo da morte influencia a maneira de agir do homem, tendo a religião um importante papel na formação das atitudes perante a morte. 21 2.2 CRENÇAS E PERCEPÇÕES DA MORTE EM DIFERENTES RELIGIÕES 2.2.1 Crenças Segundo Helmuth Kruger (1986, p.32), as crenças, em uma perspectiva da Psicologia Social, são “proposições que, na sua formulação mais simples, afirmam ou negam uma relação entre dois aspectos concretos ou abstratos ou entre um objeto e um possível atributo deste”. De acordo com esse mesmo autor, as crenças se organizam em sistemas e podem ativar comportamentos sociais. Nessa perspectiva, o presente trabalho de dissertação parte do pressuposto de que as crenças religiosas são possíveis atributos acerca de Deus, da vida, da morte e de todos os objetos considerados sagrados. Smith (1963) explica a crença a partir da relação desta com a fé. Esta última é algo pessoal, diz respeito à experiência humana com o transcendente, a qual é manifesta em algo que pode ser descrito como uma crença. Uma vez que estas descrições, ou conceitos que expressam a fé também influenciam outros a terem fé. Há uma relação de reciprocidade entre fé e crenças em uma perspectiva dinâmica. Crenças, portanto, seriam as proposições resultantes da fé. Em sua obra Crenças, atitudes e valores, Rokeach (1981) afirma que esses três elementos forma um sistema que funciona de forma integrada, uma mudança em qualquer parte desse sistema resultará em uma mudança comportamental. Mas, cada elemento possui os seus conceitos e particularidades, que é necessário ser compreendido e fazer uma distinção de cada conceito. Abordaremos neste trabalho as questões relacionadas com as crenças, focando em nosso objetivo de estudo. Um sistema de crenças, na perspectiva de Rokeach (1981), pode ser definido como pensamentos ou convicções que estão ordenadas psicologicamente, mas não na lógica. Cada pessoa possui inúmeras crenças sobre vários aspectos da vida, e estão organizadas em um sistema estrutural e valorativo, assim as crenças possuem consequências comportamentais observáveis. O autor faz três afirmações sobre os tipos de crenças: que são valorativas, quanto mais for central a crença maior a resistência para a mudança e quanto mais central for à crença que mudou, irá repercutir em todas as outras crenças. As crenças apresentam certa estabilidade que é relativa ao grau de “enraizamento” numa sociedade, ou indivíduo; Rokeach (1981) aventa que as crenças são passíveis de serem hierarquizadas, tendo em vista que estas apresentam uma gradação em função de sua importância. Nessa direção, seria possível aferir a variação de importância de uma crença 22 entre indivíduos distintos, ou da importância de uma crença dentro do sistema de crenças de um único indivíduo, podendo ser observada de forma empírica. Baseado num atributo de importância, Rokeach (1981) identificou cinco classes de crenças do sistema individual num sentido “periférico-central” para avaliar a resistência delas e os efeitos de tal mudança para o resto do sistema; a importância de uma crença tem a ver com o nível de interação e influência com outras dentro do sistema de crenças, o que é chamado de encadeamento lógico. Quatro critérios foram sugeridos por Milton Rokeach (1981) para avaliar qual das crenças dentro dos sistemas, teriam mais ligações e consequências funcionais com outras crenças: ◦ Quanto à existência (crenças existenciais e não existenciais): estão ligadas as convicções sobre a própria existência e ao mundo físico e apresenta uma maior interação e consequências funcionais com outras crenças. ◦ Quanto ao Compartilhamento (crenças compartilhadas versus crenças não compartilhadas sobre a existência e autoidentidade): são crenças que podem ser compartilhadas ou não no que se refere à existência e à identidade. ◦ Quanto à derivação (crenças derivadas versus crenças não derivadas): é caracterizada por ser compreendida de forma indiretas, com outras pessoas e grupo e não diretamente com a própria crença. É adquirida sob a influência do meio e possui menos ligações e consequências funcionais com outras crenças. ◦ Quanto à questão de gosto (crenças relativas e não relativas à questão de gosto): são crenças de fácil apreensão para o ser humano e corresponde com a preferência do indivíduo. Sob o arranjo de uma dimensão periférico-central estão apresentadas a seguir as cincos classes de crenças: Tipo A – Crenças Primitivas – Consenso: 100%: são aprendidas pelo encontro direto com o objeto da crença, reforçada por um consenso social. São as crenças mais centrais ou nucleares do sistema e raramente são sujeitas a controvérsias. Podem ser compreendidas como os pressupostos de um indivíduo. Esta classe é composta por dois subconjuntos de crenças: um relativo à constância dos objetos físicos e o outro relativo à constância das pessoas com respeito aos objetos físicos. Tipo B – Crenças Primitivas – Consenso: Zero: são crenças também adquiridas pelo encontro direto com o objeto de crença, embora não dependa do consenso social. Pode ser entendida pela expressão: “Eu acredito, mas nenhum outro poderia saber.”. 23 Tipo C – Crenças de Autoridade: são crenças não primitivas, portanto, controversíveis. Estão relacionadas à necessidade de conhecimento a respeito da construção de mundo, sofrendo influência de pessoas e grupos de referência, as quais podem ser positivas ou negativas, ou seja, alguns compartilham dessa crença, enquanto outros não a compartilham. O que leva o indivíduo a estabelecer quem terá autoridade sobre suas crenças. Tipo D – Crenças Derivadas: a crença em certa autoridade implica em crenças provenientes dela, ou seja, crenças derivadas. A qual está submetida à crença na autoridade de tal forma que, se a primeira for atingida, as crenças derivadas dela também serão. São caracterizadas como “as ideologias institucionalizadas”. Estas crenças dão a identidade de um grupo. Tipo E – Crenças Inconsequentes: são crenças relacionadas às questões de gosto. São resultantes da experiência direta com o objeto de crença, portanto, incontroversíveis. Todavia, são inconsequentes por terem pouca ou nenhuma ligação com outras crenças. De acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), as crenças são definidas como conceitos fixos dos praticantes das matrizes religiosas sobre quem é Deus, sobre o inicio e o fim da existência humana e o sentido da vida, tendo um viés intelectual. Essas crenças são expressas por meio de cerimônias, ritos e pela linguagem. Com o intuito de compreender e classificar as crenças religiosas, os autores agruparam em dois grupos de crenças que a nomearam de ocidental e oriental, segundo as semelhanças de convicções da visão histórica, do conceito de Deus, da noção de humanidade, salvação, ética e culto. A partir da classificação utilizada por Gaarder, Hellern e Notaker (2005), foi proposto na presente dissertação um instrumento de crenças religiosas. 2.2.2 Crenças acerca da morte Segundo Ferreira (2007), uma das questões mais preocupantes para o homem é a morte. Ao conhecer o que é aguardado para o fim da vida as pessoas têm oportunidade de se preparar para enfrentar essa realidade, fazendo com que todas as culturas procurem recursos através da religião para ajudar ao ser humano a obter respostas para as suas indagações acerca da morte. O fenômeno da morte é um organizador cultural, permitindo à expressão de afetos e significação da existência. Cada tradição religiosa seja o Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Budismo, Espiritismo e Hinduísmo têm em sua doutrina explicações sobre a morte e possuem 24 os seus próprios rituais. A religião é um excelente espaço para que a morte tenha voz e cada tradição transmite isso de uma forma diferente, no entanto é comum a todas elas encararem a morte como um rito de passagem (TEIXEIRA, 2006). Assim, cada doutrina religiosa, em sua forma de expressar os seus ritos e mitos, possui tantos aspectos comuns como incomuns. Nesta perspectiva Gaarder, Hellern e Notaker (2005) agrupam as religiões em dois segmentos: crenças orientais e ocidentais. Para essa divisão os autores levam em consideração a visão histórica, o conceito de Deus, a noção de humanidade, a salvação, a ética e o culto. Consideram-se crenças ocidentais o judaísmo, o islã e o cristianismo enquanto que as crenças orientais são o budismo, o hinduísmo e o taoísmo. 2.2.3 Crenças Ocidentais As crenças ocidentais, segundo Gaarder, Hellern e Notaker (2005) compreendem a história tanto da humanidade tanto do espaço geográfico no qual ela está inserida, como tendo um começo e fim. Para esse grupo, Deus é o Único, Criador de todas as coisas e o Todo Poderoso, é o Divino que redime o ser humano do seu pecado, e o homem é um instrumento da ação divina. 2.2.3.1 Judaísmo O judaísmo é a menor das grandes religiões, mas talvez uma das mais importantes, no sentido de ter influenciado a cultura ocidental e até mesmo a mundial. O judaísmo tem, por assim dizer, dois filhos que seguem seus princípios fundamentais: o cristianismo e o islamismo. Pode-se de fato dizer que o judaísmo está na origem dessas duas grandes religiões (COOGAN, 2007). É a religião dos antigos hebreus, atualmente chamados de judeus, compreendendo todo o acervo não só de crenças religiosas, como também de costumes, cultura e estilo de vida dessas comunidades, que se têm mantido ao longo da sua existência. A religião judaica está muito ligada aos aspectos históricos, pois as histórias bíblicas se fundamentam na crença de que Deus fez uma promessa para os hebreus, os quais seriam um povo especial e escolhido (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Assim, o comportamento religioso dos judeus é caracterizado pela influência do relacionamento do povo com Jeová. Vale salientar, que para os israelitas a ética e doutrina religiosa não se distinguem, não há linha divisória que separe o sagrado do profano, pois tudo pertence à Lei de Deus. 25 Na religião judaica toda a vida depende de um único Deus e tudo o que é bom vem dele. No coração do Judaísmo reina a crença em Deus (“Jeová” ou “Javé”) único, onipotente e ilimitado. Deus transcende o universo que criou e todos os componentes que nele habitam. Jeová criou o mundo, e ensinou o homem a viver em função dos seus deveres, seguindo somente a Deus, amando, ajudando e respeitando o seu próximo. A Tora é, para os judeus, mais que um livro Sagrado, é acima de tudo o fundamento da relação entre Deus e o povo judeu. Os textos são inspirados por Deus e neles se estabelece a aliança entre Deus e os Homens (BOWKER, 1995). A própria morte é entendida como parte da criação de Deus. Segundo a narrativa bíblica, o homem foi feito por Deus para ambos desfrutarem de um eterno relacionamento, por consequência da desobediência de Adão e Eva, a morte entra na humanidade. Assim, todo o homem que nasceu e nascerá após o pecado original tem como fim da existência a morte, mas, conforme as histórias bíblicas, Deus, com o seu infinito amor, faz uma aliança como seu povo através de Abraão e com a sua descendência, reiterando-a ao líder Moisés, prometendo a restauração e a vida eterna em um mundo espiritual (BOWKER, 1995). A Bíblia relata, segundo Glasman (2007), que o moribundo Moisés recebe a visita de Deus, o qual, com um beijo, levou a sua alma, demostrando todo o seu amor pelos seus. Assim, a morte não significaria a extinção do ser, mas o começo de uma nova fase. O fim da existência não é considerado uma tragédia e nem é dramatizada, mesmo que ocorra numa fase inicial da vida ou por circunstâncias infelizes. Ela é contemplada como um processo natural a que todos estão sujeitos, e que é cuidadosamente planejada por Deus. Os judeus acreditam na vida no além, um mundo no qual os que tiveram uma vida terrena digna e virtuosa serão recompensados. A morte é entendida como uma transição da vida que existe para a vida que ainda virá. Os judeus confiam que, embora estejam deixando a vida por uma porta, a ela voltarão por outra no dia da ressurreição, com a ideia de que a alma que partia voaria em direção ao céu e aninhar-se- ia em paz no seio de Deus (GLASMAN, 2007). A maneira de um homem lidar com a morte indica muito sobre sua atitude para com a vida. Assim como há um estilo judaico de vida, também existe um estilo judaico de morte. Da mesma forma que a maneira judaica de viver é uma perspectiva distinta e um estilo de vida singular específicas de Deus, assim também a maneira judaica de morrer implica atitudes singulares em relação a Deus e a natureza, e relativamente ao problema do bem e do mal. Há também uma maneira distintiva de demonstrar as qualidades específicas judaicas de reverência pelo homem e respeito pelos mortos. 26 Assim como um recém- nascido é imediatamente lavado e entra neste mundo limpo e puro, também aquele que parte deste mundo deve ser limpo e purificado através do ritual religioso chamado taharat, purificação. O taharat é realizado pela Chevra Kadisha, consistindo de judeus instruídos na área de deveres tradicionais, que podem mostrar o respeito adequado pelo falecido (GLASMAN, 2007). A aflição da morte é uma das emoções mais pessoais, intransferível e às vezes incompreensível, os costumes de luto judaicos servem para transformar os caos de aflição interiorizada em um padrão de ordem, para que a introversão possa ser substituída por um reconhecimento aberto de perda compartilhada. O objetivo das práticas é de manter a honra do falecido (kibud há- met) e confortar as pessoas de luto (nihum avelim). O judaísmo tradicional proíbe o embalsamamento, a cremação e a exibição de féretro aberto. O funeral deve processar-se com presteza e ser conduzido com simplicidade (GLASMAN, 2007). Não usa flores, nem música. No enterro jogam-se três pares de terra, enquanto recita: ”O Senhor dá o Senhor tira- bendito seja o nome do Senhor”. Após o funeral a família fica de luto por uma semana e no aniversário de morte do falecido a família ascende uma vela na sepultura e recita o Kadish. 2.2.3.2 Cristianismo O cristianismo é uma das chamadas grandes religiões é a filosofia que mais caracteriza a sociedade ocidental (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Cristianismo vem da palavra Cristo, que significa messias, pessoa consagrada e ungida (OLIVEIRA, 2008). A característica chave desta doutrina é seguir a Jesus Cristo. Ele é o Messias, Filho de Deus, o único salvador. Segundo essa matriz religiosa, Jesus, através de sua vida, morte e ressurreição, libertou os cristãos do pecado original de Adão e Eva. Os cristãos são monoteístas e seu Deus é Onipotente, Onisciente e Onipresente. Os cristãos no mundo estão divididos entre Católicos, Ortodoxos e Protestantes, que apresentam algumas diferenças nas doutrinas e nos rituais, mas que se encontram dentro da mesma crença em Jesus. O preceito central da fé cristã assenta na crença de que Jesus era filho de Deus, o Messias, o salvador, e foi enviado à Terra pelo Pai para salvar a raça humana do pecado, preferindo morrer na cruz como sinal e demonstração do seu amor pelo próximo. Desde então, ficava implícita a mensagem de que todos os que se arrependessem dos seus pecados e a Ele se convertessem seriam perdoados e se juntariam a Ele no céu após a morte (TEIXEIRA, 2006). 27 A doutrina do cristianismo baseia-se na crença de que todo o ser humano é eterno, a exemplo de Cristo, que ressuscitou após sua morte. A alma nasce no momento da concepção, sendo eterna a partir daí. Já que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que lhe deu (criou) a sua alma, deve tornar-se sempre mais próximo à imagem d'Ele, cada vez mais subordinado ao Criador, um corpo cada vez mais subordinado à alma. O messias é o ressuscitado, Jesus, filho enviado por Deus para libertar os homens do pecado e da morte. A conversão estabelece uma relação de participação mística com Cristo. Todo crente efetua a união mística com Cristo mediante o sacramento do batismo. Porque "os que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte. Fomos, pois, batizados com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida". A fé cristã ensina que a vida presente é uma caminhada e que a morte é uma passagem para uma vida eterna e feliz para todos os que seguirem os ensinamentos de Cristo (OLIVEIRA, 2008). Os cristãos têm na morte uma esperança, a presença do eterno no tempo, a ressurreição. O homem deve passar pelos sofrimentos da morte e crer em Jesus para salvar-se de seus pecados. Para os cristãos Jesus morreu para salvar a humanidade. A morte não é o aniquilamento de tudo, não é o aniquilamento do ser, é apenas a transição para a ressurreição. Não é uma fatalidade, é um aspecto real e cotidiano. Ao final dos tempos, com Cristo, os corpos daqueles que creram em Jesus e, portanto, foram purificados do pecado, triunfarão da morte e viverão eternamente, modificados pela imortalidade da alma (LE TROCQUER, 1960). Os cristãos creem que após a morte (separação da alma do corpo) a alma vai para o céu paraíso celeste (lugar onde se encontram todos os que morreram na graça de Deus (dom interior e sobrenatural que o senhor concede para a salvação), a casa do Pai, o reino dos bons, no qual gozam todos os bens eternamente), para o inferno (lugar onde se encontraram todo os que morreram em pecado mortal). A religião cristã encara a morte como sendo uma passagem, o fim de uma vida terrena cheia de angústia e de pesar e o início de uma nova vida, uma vida celeste, junto de Deus, se a pessoa ao longo da sua vida enquanto mortal fez por merecer. Os rituais de morte e luto têm similaridades, incluindo: unção, velório, enterro e oração (TEIXEIRA, 2006). 28 2.2.3.3 Islamismo O Islamismo, religião monoteísta, é considerado uma das maiores e principais religiões do mundo, datando do início do século VII. As suas raízes mergulham no Judaísmo e no Cristianismo. A palavra “islamismo” enquanto nome da religião tem significado de rendição e submissão a Deus. O Islamismo é entendido como uma forma de vida para além de ser uma religião, sendo a palavra utilizada para definir uma sociedade, um tipo de cultura, de civilização (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Historicamente, o islamismo tem as suas origens com Maomé no século VII. O profeta foi presenteado com as revelações verbais de Deus (Alá) por intermédio do Arcanjo Gabriel, cuja mensagem abria entendimento a duas ordenações fundamentais: - a humanidade devia respeitar e adorar Alá; - Alá um dia viria a punir os homens de acordo com as suas leis e crenças (BOWKER, 1995). O Alcorão é o livro sagrado desta religião, contém a transcrição das ordenações celestes reveladas a Maomé. Representa um código de conduta para todos os aspectos da vida de um muçulmano, desde o berço até à sepultura. O Alcorão deve constituir um guia para a vida de um muçulmano justo e crente na sua prova para o juízo final (TEIXEIRA, 2006). Na religião islâmica existe uma submissão absoluta à vontade de Alá, e são estabelecidos cinco pilares de fé, a serem cumpridos pelos muçulmanos: credo, oração, caridade, jejum e peregrinação a Meca. O credo “Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu profeta” é repetido várias vezes ao dia, é a primeira atitude no nascimento da criança e a última na pessoa que esta para morrer. A oração é realizada cinco vezes por dia, antes da oração o fiel deve estar ritualmente limpo, exige palavras e gestes bem definidos enfatizando a submissão do homem a Deus. A caridade é um taxa de imposto formal sobre a riqueza e a propriedade, que deve ser retirada dos ricos e dada aos pobres. O jejum é durante o Ramadan, entre o sol nascer e o por do sol é proibido comer, beber, fumar ou ter relações sexuais. E por fim, todo mulçumano deve pelo menos uma vez na vida ir a Meca (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Cumpridas estas obrigações, o homem deve saber os ensinamentos do Alcorão e cumprir o Shari’ah (conjunto de direitos e obrigações do Islão) a fim de se manter preparado para o momento em que abandonará este mundo e será julgado pelo seu criador – Alá (TEIXEIRA, 2006). Os muçulmanos, à semelhança dos cristãos, acreditam num único Deus, Alá, eterno, piedoso e criador de todo o universo. De acordo com o Islamismo, Alá, criou uma vida para além da morte onde cada um dos homens tem um lugar, vida esta que ocorrerá em dois locais 29 distintos: o paraíso, recompensa dos crentes e seguidores da doutrina islâmica, e o Inferno, castigo dos pecadores que duvidam da essência do Islamismo e seus preceitos fundamentais. Os muçulmanos acreditam na vida para além da morte, no céu ou no inferno, junto ou distante de Alá, o Deus supremo, de acordo com o que foi praticado durante o seu percurso de vida terrena. Acreditam no dia do juízo final e na ressurreição do corpo. A vida após a morte terá início no Dia do Juízo Final, ou seja, no dia em que todos os defuntos ressuscitarão fisicamente, e serão julgados pelas ações praticadas durante a sua vida terrena. Nesse dia haverá uma divisão do mundo em duas partes essenciais: o paraíso e o inferno, para onde irá o povo ressuscitado. A morte é vista como um momento de passagem para outra etapa; no Juízo Final acontecerá a ressurreição, todas as almas retomarão corpos jovens e sem defeitos, sendo entendida como um acontecimento natural (TEIXEIRA, 2006). 2.2.3 Crenças Orientais Nas crenças orientais, encontram-se agrupadas as matrizes religiosas: budismo, taoísmo e o hinduísmo. Nessas religiões, os pontos em comum são a percepção do mundo como uma vida cíclica, repetindo em um ciclo eterno. O divino esta presente em todos os lugares e em muitas divindades. O homem pode relacionar-se com o Sagrado por meio da meditação, alcançando a salvação se libertando do ciclo de reencarnação. 2.2.3.1 Budismo Sidartha Gautama, o Buda, nasce na Índia no século VI a. C., em meio a uma família de famosos guerreiros - os Shakya. Filho de um príncipe indiano, foi criado com todo luxo e sem contato com a realidade exterior ao palácio. Um eremita por ocasião do nascimento do príncipe lança uma profecia afirmando que a criança seria um mestre de roda, um justo, um iluminado. Preferindo continuar a linhagem real, Sidartha é afastado de toda a realidade humana fora do palácio e criado apenas na vida luxuosa. Aos 29 anos ele resolve sair dos muros reais e se depara com quatro situações que mudaram a trajetória de sua vida: um velho esquelético, um doente gemendo, um cadáver e um monge itinerante. Sendo confrontado com essas situações, é tomado por muitas indagações sobre o sofrimento humano e decide deixar as mordomias reais e sair em sua busca pessoal (GNERRE, no prelo). Assim, nasce uma nova história para aquele que posteriormente seria o Buda, o iluminado. A busca inicialmente foi junto a mestres renomados de Yoga e o asceticismo, mas 30 as práticas ascéticas não convence Buda de que esta no caminho certo. Após se alimentar, tomar um banho, Sidarta cruza um campo, e chegando a uma frondosa figueira resolve sentar e não se levantar dali ate que encontrasse o remédio para a dor, o sofrimento e o mal de viver. Nesse processo de meditação que Buda trava uma batalha com Mara, ou demônio, vencido a batalha ele entra em um estagio profundo de meditação e finalmente alcança a iluminação e sabedoria (GNERRE, no prelo). Após a iluminação, Buda fala para os seus seguidores sobre as quatro nobres verdades: afirma que tudo no mundo é sofrimento e que o sofrimento é causado pelo apego e o desejo, pela eliminação dos desejos a dor é extinta e que o homem pode se libertar do sofrimento pelo caminho de oito vias. Assim, o caminho que cessava o sofrimento. Acreditava que o homem devia evitar os extremos da vida (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). O preceito básico dentro da doutrina budista é ter consciência da impermanência e da morte. Parte-se da afirmação de que a morte é certa e que precisamos nos preparar para ela, devemos pois pensar diariamente no sofrimento, quer seja na hora do nascimento ou na hora da morte. A consciência da morte leva a desprender-se de qualquer apego material, uma vez que tudo fica, nada será levado desta vida e deste mundo. Os prazeres mundanos são desprovidos de qualquer relevância. Ao se chegar ao derradeiro dia de vida, nas últimas horas não deve se ter nenhum tipo de arrependimento, remorso ou medo, pois a negatividade na hora da morte pode levar o indivíduo a um próximo renascimento inferior. Para "acalmar" o indivíduo é bom que se mostre imagens de Buda. Logo após a ocorrência da morte, os seres de mentes virtuosas terão a sensação de passar de escuridão para a luz e não terão sofrimento. Os seres dominados pelo desejo ou rancor terão alucinações e ansiedade. Poderão sentir-se queimando ou adentrando à escuridão. Estas visões e sensações nada mais são que adiantamentos acerca do futuro destes seres. Ao morrer, a pessoa ingressa no estado intermediário, o bardo. Possui sentidos físicos completos e sua aparência corresponde à seu próximo renascimento. Consegue ver através de objetos, viaja para qualquer lugar, mas só são visíveis àqueles da mesma categoria. O tempo neste estado corresponde a sete dias (DALAI LAMA, 1997). 2.2.3.2 Hinduísmo Considerada uma das mais antigas religiões do mundo, o Hinduísmo é uma religião que se apresenta sem fundador humano concreto, tendo subjacente um conjunto de textos sagrados (os Veda) enviados pelo absoluto divino (Brahaman) que livremente comunica com 31 o homem, e que marca profundamente a sociedade e o seu estilo de vida, conjugando e permitindo a fusão entre a vida religiosa e a vida social (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Apesar de o Hinduísmo ter Brahman como Deus supremo, é considerada uma religião politeísta (mais de um deus), existindo um número de deuses menores, contudo eles integram-se num tronco comum constituído por três deuses principais ou superiores e à volta do qual gravitam: Brama, Vixnu, e Xiva (TEIXEIRA, 2006). Na Índia o sistema de castas é o mais bem organizado, desde os tempos antigos as castas eram divididas em quatro classes: os sacerdotes, guerreiros, agricultores, comerciantes e artesões e servos. O que rege a divisão das tarefas para cada casta é a pureza, assim certos trabalhos são considerados tão impuros que só podem ser exercidos por uma determinada casta. E somente a casta que preenche os requisitos de pureza podem se aproximar dos deuses mais elevados (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). O pensamento hindu sobre a morte, é que a alma renasce numa nova criatura vivente, podendo reencarnar em uma casta mais alta ou mais baixa, ou ate mesmo no animal (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Os Hindus creem no Samsara, palavra vinda do sânscrito que se refere ao ciclo da morte e do renascimento. E o renascimento depende diretamente do estado espiritual de quando se morre. O Karma é a lei de causa e efeito que governa vida e renascimento. O Karma, bom ou mau, ligado ao fato de haver o Samsara é o que determina a Jati, ou casta social, na vida próxima. Para libertar-se do Samsara, o hindu visa alcançar o Moksha e portanto entrar em harmonia com o Brahman. Para chegar ao Moksha existem vários caminhos, dos quais estão entre eles: Jnana Marga (caminho da sabedoria), Karma Marga (caminho da ação) e Bhakti Marga (caminho da devoção). Cada caminho requer uma anulação do eu, dos sentidos e de outros aspectos terrenos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). As etapas da vida de um hindu, como a morte, são marcadas pelo Samkara, um rito de passagem que se destina a orientar a pessoa em sua próxima existência. Com referência a morte, geralmente os hindus são cremados numa pira aberta que é acesa pelo filho mais velho de quem faleceu. Os ossos são jogados no Rio Ganges, preferencialmente, para purificar e libertar o espírito da pessoa (TEIXEIRA, 2006). 2.2.3.3 Taoísmo A base do taoísmo é um pequeno livro de apenas 25 páginas, o Tao e do Te (Tao significa ordem do mundo e Te força vital). Há controvérsias sobre o autor da obra, alguns 32 afirmam que não se sabe quem escreveu, mas alguns pesquisadores afirmam que o filosofo Lao-Tse foi o escritor do texto (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Nos escritos o Tao é a suprema ordem do mundo, a harmonia do mundo, especialmente do mundo natural. Em várias ocasiões o tao é descrito como algo divino. Mas, é impossível descrever o tao de maneira racional, portanto o homem não pode chegar a compreender o tao, pois não pode ser compreendido pela razão humana. O homem só consegue alcançar a união com o tao meditando e se afastando de todos os aspectos externos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). A forma da organização social do taoísmo é caracterizada pela passividade, as pessoas devem permanecer ingênuas e simples, como crianças. O ser humano dever então, se envolver o menos possível no movimento natural dos fatos, quanto mais mandamentos e leis existirem, mais bandidos e ladrões haverá, afirma Tao Te Ching (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Essa passividade levaria a pessoa preservar a sua força vital, assim alguns seguidores interpretaram que a não ação os levaria a longevidade, e passaram a se interessar em se tornar imortais. Assim, filósofos taoístas passaram a meditar e praticavam magias na tentativa de descobrir o remédio para a vida eterna (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). 2.3 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA MORTE A humanidade, ao longo de sua existência e na forma das mais diferentes culturas, indaga por uma resposta ainda não encontrada acerca da morte. O ser humano desenvolveu diversas formas de questionamentos a fim de alcançá- la. Dentre elas, a filosofia é a que indaga com maior rigor. Apresentam-se aqui uma breve apresentação das reflexões filosóficas de Arthur Schopenhauer e Max Scheler acerca da vida e da morte. Embora suas investigações se encaminhem por métodos diferentes a morte seria o ponto convergente dos dois pensadores. Seguindo a tradição metafísica, Schopenhauer trata a morte como simples deixar de viver. O filósofo alemão Max Scheler pertencente ao movimento fenomenológico traz considerações sobre a temática da morte a partir do conhecimento indutivo. O pensamento de Schopenhauer (2000) parte de uma interpretação de alguns pressupostos da filosofia Kantiana, em especial da sua concepção dos fenômenos. Introduz em sua metafisica as diferenças entre a representação e a vontade e a pluralidade e a unidade. Esta noção leva Schopenhauer a postular que o mundo não é mais que representação. Esta conta com dois polos inseparáveis: por um lado, o objeto, constituído a partir de espaço, 33 tempo e o princípio de causalidade; por outro, a consciência íntima e subjetiva acerca do mundo, sem a qual este não existiria. Para Schopenhauer, ao tomar consciência de si, o homem se experiência como um ser movido por aspirações e paixões. Estas constituem a unidade da vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana ( REYDSON, 2009). A filosofia pessimista é atribuída a Schopenhauer, ele percebe o mundo como cheio de dor e sofrimento, afirma que o mundo onde estão todos os seres humanos e os organismos, que estes seres são finitos e a vontade de viver é infindável, e é essa vontade de vida que traz o consolo real para a morte. O pensamento pessimista schopenhaueriano diz que para o indivíduo o melhor é a não existência e que o mundo é o pior mundo possível. Assim, “a mera existência do mal no mundo o torna algo cuja inexistência é preferível à existência” (REYDSON, 2009, p.55), logo, o desejável seria a não existência nesse mundo que é tenebroso e cheio de dores. Portanto, a vontade é o que sustenta toda a condição humana é entendida na ótica de Schopenhauer como causa de toda as mazelas e sofrimentos, possuindo um desejo irracional de viver (REYDSON, 2009). O filósofo Arthur Schopenhauer (2000) afirma que o temor da morte é um medo inerente ao ser, ao dizer que mesmo o animal, destituído de conhecimento, foge de ameaças de perigo, sempre protegendo a sua prole, para não se perder, nem perder os seus. O apego à vida se explica pela Vontade de vida, termo utilizado por Schopenhauer para se referir à forma irracional, sem conhecimento e cega, isto é, mesmo que a vida seja incerta e breve, e até esteja difícil, o homem a ela se apega, já que a Vontade de vida é a essência mais íntima do homem. De in ício está diante de nós o fato inegável de que, de acordo com a consciência natural, o homem teme mais a morte do que qualquer outra coisa, não só para a sua pessoa, mas também chora com veemência a dos seus próximos, e em verdade, é man ifesto, não egoisticamente devido a sua própria perda, mas por co mpaixão pela grande desgraça que lhes acontece; por isso ele também censura como duro de coração e destituído de amor aquele que, em tais casos, não chora e não mostra aflição (SCHOPENHA UER, 2000, p. 62). A morte enquanto mero desaparecimento do organismo refere-se apenas ao fenômeno, não ao ser íntimo, particular. Schopenhauer (2000) trabalha com a distinção kantiana entre coisa-em-si e fenômeno, isto é, a coisa-em-si diz respeito à realidade das coisas, enquanto o fenômeno consiste no modo como as coisas nos afetam no tempo e no espaço. Desse modo, o homem, como fenômeno, é transitório, porém como coisa-em-si é imperecível e reaparece, pois dele há que sobreviver um germe, um núcleo de existência, que pode vivificar-se em outro indivíduo. 34 O apego à vida é irracional, isto é, todo o nosso ser em si é uma concentração da Vontade de vida. O indivíduo teme a morte, pois teme o não ser como consequência da morte. Vale salientar que não é a parte cognoscente do homem que teme a morte, mas exclusivamente a coisa-em-si, a Vontade de vida. Para Schopenhauer, o medo da morte tem seu fundamento na Vontade de vida, isto é facilmente verificável porque todos os animais temem a morte. O temor da morte é, tal como a própria objetivação da vida, algo puramente fenomenal, tendo em vista que ela significa o fim da vida enquanto objetivação da Vontade. Deste modo, para Schopenhauer, o medo da morte não se funda no conhecimento, mas na Vontade de vida, uma vez que ela significa o fim do organismo vivo, representada pelo corpo. O conhecimento, por sua vez, atuaria como um elixir no alívio desta “perda”. Sendo assim, em Schopenhauer, a morte não deve ser temida porque ela é apenas perda aparente, uma vez que apenas o princípio de individuação cessa. Aqueles que se apegam de modo descomedido à vida, enquanto fenômeno, não a experimenta de modo consciente, enquanto Vontade de vida, que, de fato, é a coisa em si. Para ele, o homem enquanto vive está preso aos desígnios do agir; não sendo, portanto livre. A morte não é o oposto da vida, mas um acontecimento complementar que a define. A filosofia schopenhaueriana exposta na Metafísica da Morte tenta ajudar a encarar com um olhar mais tranquilo a morte. Na medida em que tenta provar que no ser em si de cada um reside um núcleo de eternidade, que não se aniquila quando do desaparecimento do organismo. Como consolo, o filósofo diz que a morte também tem o seu lado positivo, já que o homem não perde a sua essência e sempre estará de volta. Schopenhauer (2000) afirma que quem entende que a existência repousa numa certa necessidade originária, não acreditará que esta seja limitada a lapso de tempo tão curto, mas acredita que ela atua para sempre. O filósofo ainda acrescenta que a única prova imanente, ou seja, a que permanece conforme à experiência, é a indestrutibilidade de nosso ser verdadeiro. Max Scheler diferente do pensamento de Schopenhauer, não parte de uma discussão Kantiana na análise do fenômeno da morte. As suas opiniões confrontava o idealismo alemão, não concordava que a morte não afetava o ser humano. Para o autor a mortalidade esta intrinsicamente ligado ao ser, faz parte de toda a vida, não se pode separar a vida da morte. Portanto, o homem é um ser orientado para morte (SCHELER, 2001). Para embasar a sua tese, Scheler através do método intuitivo, parte de reflexões que permeiam o pensamento da época, onde afirma que todo o sistema de crença religiosa esta em 35 decadência por consequência da ciência e do seu progresso. Opondo-se a essa interpretação, Scheler afirma que os fins e os métodos da ciência não são neutros, mas originam também de pressuposições religiosas. Assim, o crescente progresso da ciência jamais poderá comprovar se os dados das religiões são verdadeiros ou falsos, nada pode contra a religião (SCHELER, 2001). A explicação para o declínio na crença em outra vida deve ser investigada na atitude do homem moderno, ou seja, na forma como o homem moderno imagina sua vida e morte e como ele a experiência. O ser humano foge da certeza intuitiva de sua morte, ele a rejeita de sua consciência e se contenta em considera- la como um mero fato que um dia lhe acontecerá (SCHELER, 2001). Para fundamentar as explicações acima, se faz necessário recorrer a Scheler (2001), a fim de se pensar sobre a essência e epistemologia da morte, isto é, entender como o indivíduo se depara com a morte e a certeza que dela se têm. O pensamento da época era que a certeza da mortalidade se dava pela experiência externa na observação e indução da morte dos outros. Diante dessa afirmação uma pessoa que nunca tivesse tido contato com outros seres viventes jamais saberia sobre a finitude. Essa ideia da morte como conceito puramente empírico, extraído de casos isolados é recusada por Scheler. Pôs-se em busca de uma razão que faria com que o indivíduo solitário, que nunca havia tido experiência com a morte dos outros chegasse a um conhecimento absolutamente certo de sua condição mortal. Scheler (2001) explica que, mesmo se houvesse um único ser vivente sobre a terra, ele saberia de alguma forma que o fim lhe alcançaria. Cita um exemplo de uma pessoa solitária que pressentiria o seu fim se fizesse comparações com fases da sua vida, se observasse a curva de suas experiências, chegaria a conclusão que um dia poderia deixar de existir. De acordo com Scheler (2001), a ideia da morte faz parte dos elementos constitutivos da consciência humana, faz parte da essência da vida, da sua forma e estrutura. A morte está fundamentada em cada fase da vida, por limitada que seja e na estrutura que esta oferece à experiência. Ao pensar em sua analise sob o olhar no sentido biológico, verifica que a vida se apresenta de duas maneiras: de um lado um grupo dos fenômenos de ordem morfológica e motora, pela percepção exterior dos homens, animais e plantas e por outro lado como processo de uma consciência especial que se desenvolve nas sensações do corpo. Esse processo se apresenta com uma estrutura e uma forma própria e idêntica, que estão presente em todos os seres humanos. É por meio dessa estrutura inerente a todos que permite a vivenciar e a perceber intuitivamente a morte, que esta persente nas fases da vida. Assim, leva 36 o homem a ter a certeza do seu fim. Essa concepção de morte não pode ser entendida a nível emocional, pois ela se compreende num sentido mais profundo do ser (SCHELER, 2001). A estrutura do processo vital e da consciência interna consiste em três dimensões: presente imediato (x), o passado imediato (y) e o futuro imediato (z). Três extensões lhe são atribuíveis: percepção (que se liga ao presente), a lembrança (que se liga ao passado) e a expectativa (que se liga ao futuro). A consciência do ser vivo percebe intuitivamente, no processo vital, não só as três dimensões imediatas, mas também a sua totalidade (T). Que pode ser representada pela equação T = x + y + z. Na medida em que o homem vivencia os anos de vida a dimensão do passado cresce cada vez mais, amos tempo que o futuro imediato e suas realizações vão se diminuindo. E o campo do presente fica cada vez mais comprimido pelas outras duas dimensões. Portanto, à medida que a vida passa, diminuem as possibilidades de experiências. Scheler, afirma que aumentando o passado, as duas outras dimensões (presente e futuro) necessariamente diminuem, pois a totalidade é constante. Essa experiência da diminuição do futuro e aumento do passado exprime uma experiência intima da nossa orientação para a morte. A experiência de estrutura num instante de vida fundamenta a certeza de nossa condição mortal e revela a realidade da morte natural (SCHELER, 2001). 2.4 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A MORTE Os estudos sobre a temática da morte têm crescido nas ciências sociais e humanas, seja na condição teórica como também na criação e validação de instrumentos para a testagem das diversas teorias (LOUREIRO, 2010). A concepção da finitude ainda é um desafio tanto para os pesquisadores como para o próprio ser humano, pois não se pode estuda- la através do método experimental e sim pelo meio simbólico e imaginário (MACEDO; MACEDO; GOMES; PERES, 2010). Um dos instrumentos utilizados nas pesquisas sobre a finitude é a Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte (EAPAM) construída por Wong, Reker e Gesser (1994), revista a partir do DAP (Death Attitude Profile) versão original de Wong, Reker e Gesser (1987). Este instrumento é composto por 32 itens que mensura cinco dimensões da morte: medo, evitamento, neutralidade, aproximação e escape. A partir desse instrumento Loureiro (2010) fez uma tradução e adaptação do EAPAM para a língua portuguesa. A amostra deste estudo foi de 1543 indivíduos, sendo 866 profissionais da saúde e 677 da população geral. O estudo de fidelidade do instrumento revelou que os valores de consistência interna foram satisfatórios para cada uma das dimensões: Medo (α = 0,84), Evitamento (α = 37 0,87), Neutralidade (α = 0,64), Aproximação (α = 0,91) e Escape (α = 0,82). Após a analise dos dados observou que a Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte é uma medida fidedigna e valida. Por um lado, os valores satisfatórios da consistência interna das dimensões, por outro, a estrutura da analise fatorial nada se opõe ao proposto por Wong, Reker e Gesser (1994). A escala também mostrou ser sensível aos dois grupos: saúde e população geral. Em um estudo realizado por Barros-Oliveira e Neto (2004) contendo uma amostra de 387 participantes divididos em quatro grupos: 102 freiras, 77 estudantes de teologia de diversos segmentos teológicos, 110 estudantes de educação física e 98 professores do ensino básico e secundário. Tendo como finalidade a validação de um instrumento sobre diversas perspectivas de morte: morte como sofrimento e solidão, morte como além da vida e recompensa, indiferença em face da morte, morte como desconhecido, morte como abandono dos que dependem de nós, morte como coragem, morte como fracasso, e morte como um fim natural. Constatou que as pessoas religiosas como as freiras e os seminaristas há uma maior aceitação da finitude do que os estudantes de educação física e os professores de ensino básico e secundário. A morte enquanto tal é praticamente impensável e quando, por alguma razão de força maior, ela se impõe à consciência e à elaboração, isso só se dá com muito sofrimento. Segundo Venâncio (2004), o momento em que é diagnosticado o câncer, a pessoa vivencia o momento com dor e angustia, mesmo que seja um bom prognostico, o rotulo da enfermidade já é de sofrimento e mortal. Silva, Aquino e Santos (2008) desenvolveram uma pesquisa com pacientes oncológicos com o objetivo de investigar os sentimentos vivenciados ao diagnosticar a doença. Os resultados concluíram que o momento do diagnóstico é vivido de forma conturbada, por evocar pensamentos sobre a morte e reações negativas que interferem no bem estar psíquico do portador. Outro estudo Ferreira e Raminelli (2012) analisou a percepção que os pacientes oncológicos possuem sobre a sua doença e que estratégias utilizam em relação à morte que esta condição lhe apresenta. Foram observados diferentes olhares acerca da terminalidade, dentre os quais a negação da morte foi à questão que obteve maior destaque ao longo dos discursos. Um estudo de caso realizado por Oliveira; Santos e Mastropietro (2010) de um paciente oncológico em fase terminal foram utilizados da assistência psicológica no processo do morrer e suas implicações para a definição de estratégias que o ajudem a enfrentar e elaborar experiências emocionais intensas e inusitadas que são vivenciadas na fase anterior à 38 morte. Percebeu que o acompanhamento da psicóloga durante todo o processo, permitiu que o paciente ressignificasse a sua dor, encontrando um sentido para morte. A experiência de ter doença grave gera sofrimento, impulsionando na busca por atribuir significados para a enfermidade, na tentativa de que essa situação faça algum sentido. Pois essa experiência pode ser, muitas vezes, confusa e desgastante, tanto para a vida da pessoa quanto para a de sua família. Com intuito de conhecer a relação entre as experiências de famílias de crianças que vivenciaram uma doença grave com a sua religião, doença e suas histórias de vida, Bousso, Serafim Misko (2010) realizou uma pesquisa qualitativa com nove famílias de seis diferentes religiões. As narrativas evidenciaram a busca da família por atribuir significados às experiências vivenciadas, a partir de suas crenças religiosas O trabalho evidencia a importância das crenças religiosas e desenvolvimento da espiritualidade como suporte na situação de doença e morte e como forma de enfrentá- las da melhor maneira possível, já que aumenta a fé e esperança de cura e traz sensação de tranquilidade para enfrentar a adversidade. O temor da morte não aflige somente adulto, mas está presente desde a infância, Papalia e Olds (2000) afirmam que crianças entre cinco a sete anos já compreendem que a morte é algo irreversível - que uma pessoa, animal, uma flor morta não pode voltar a viver novamente, compreendendo nessa etapa do seu ciclo vital, duas coisas importantes: que ela é universal e que uma pessoa morta não possui as funções vitais. Em uma pesquisa realizada com 42 crianças dos oito aos onze anos de idade, percebeu que os pensamentos sobre a morte provocam sentimentos dolorosos e um desconforto ao debaterem sobre o assunto abordado. Sendo relevante que a comunicação sobre o tema seja discutido tanto no âmbito escolar quanto na família, para uma maior integração da criança diante da vida (MACEDO; MACEDO; GOMES; PERES, 2010). É impossível falar de morte sem mencionar, os profissionais de saúde. De acordo com Andrade (2007) a literatura existente sobre o lidar com a morte oferece um olhar que salienta a importância das atitudes perante a morte sendo que, da mesma forma, o sentido de vida tem sido relevante como um elemento importante neste lidar com morte. Ora como uma consequência, ora como um fator protetor. A fim de compreender o impacto que a exposição ocupacional diante do morrer pode ter nas atitudes perante a morte em profissionais de saúde e como o sentido de vida atua como fator de proteção, prevenindo questões emocionais como a depressão e ansiedade Andrade (2007), pesquisou 281 profissionais de saúde com formação em áreas distintas e com diferentes graus de contato com a mortalidade. Os resultados encontrados afirmam que um elevado sentido de vida protege os indivíduos de atitudes 39 negativas perante a morte bem como de sintomas depressivos sendo esta proteção particularmente visível em situação de maior exposição ocupacional à morte. Indica que a existência de um propósito ou sentido de vida constitui um dos aspectos que mais protege os profissionais de saúde do sofrimento psicológico, resultantes do desgaste intrínseco das suas áreas profissionais e do contato com a morte dos seus pacientes. Brito (2003) investigou a ansiedade perante a morte em estudantes de enfermagem, os resultados indicaram que há uma maior incidência do medo da morte nas mulheres do que nos homens, também aponta para um maior temor da finitude em indivíduos que nunca passaram por alguma situação que o deparassem com a possibilidade de morte, tanto pessoal como de alguém próximo. Considerando a relevância da temática da finitude para a existência humana, Aquino; Alves; Aguiar e Refosco (2010) desenvolveu um estudo com objetivo de conhecer as correlações entre o sentido da vida e as concepções acerca da morte. Participaram do estudo 190 estudantes universitários dos cursos de Direito, Educação Física, Fisioterapia e Psicologia. Os resultados apontaram para a existência de correlações positivas entre o vazio existencial e as visões de morte como fracasso, dor e solidão, e abandono. Por outro lado, o vazio existencial correlacionou-se negativamente com a visão de morte como fim natural. Tais resultados apoiam a concepção teleológica de Viktor Frankl quando pressupõe que a consciência da finitude põe em movimento a vontade de encontrar um sentido para a vida. Conclui-se que variáveis existenciais são relevantes para compreender as concepções que as pessoas têm sobre a morte. 40 CAPÍTULO 3 – RELIGIÃO, ESPIRITALIDADE E SENTIDO DE VIDA ___________________________________________________________________________ Os aspectos religiosos são um tema que tem sido foco de muitos estudos, extrapolando as fronteiras da teologia e exigindo outras perspectivas para melhor compreensão desse fenômeno humano (GIOVANETTI, 2005). Dentro da psicologia alguns autores ignoraram a questão da espiritualidade, como por exemplo, Sigmund Freud que reduziu o homem ao um organismo psicofísico, este via o homem como um ser constituído pela alma (psique) e o corpo físico. Para Valle (2005, p.86), “com o avanço do behaviorismo e da psicanálise, a religião começou a ser negligenciada por essas correntes, que a julgavam de pouca importância, sem nenhuma validade”. “Frankl discorda de Freud, que considerou a religião como a sublimação dos impulsos sexuais, denominando-a de neurose obsessiva da humanidade. Frankl valoriza a religião como um fenômeno humano a ser considerado pela psicologia, afinando-se com o pensamento de Jung” (XAUSA, 1992, p. 8). Assim Frankl encontra um homem humano, que busca pelo espiritual, e vai além do impulso para eternizar uma ideia, ou alcançar o eterno, saindo de toda aquela visão do homem como uma máquina, mas um homem que busca um sentido em seu existir (XAUSA, 1992). Carl Jung sempre utilizou o termo espiritualidade em suas obras (XAVIER, 2006), afirmava que a religiosidade não está ligada a uma determinada profissão de fé, ou seja, uma doutrina religiosa, mas sim na relação transcendental da alma com a divindade e na mudança que resulta dessa relação transcendental. Está relacionada a uma atitude, uma ação interna, a um contato do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores e no fortalecimento que este contato pode resultar para a personalidade. Através da compreensão dada por esses autores a respeito da espiritualidade e a sua forma de perceber a constituição do homem, faz – se necessário um melhor entendimento da definição e diferenciação entre os termos religião, religiosidade e espiritualidade, já que esta perspectiva esteja presente no campo cientifico. 3.1 RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE Percebe-se na literatura uma ampla variedade de definições ao uso do conceito de religiosidade (XAVIER, 2006), dificultando assim a execução das pesquisas sobre esse tema 41 (FARIA; SEIDL, 2005). Para Valle (2005), na psicologia da religião as definições de religião e religiosidade são conceitos antigos, mas o uso do termo espiritualidade é bastante recente na psicologia científica. Para Roehe (2004), espiritualidade é um termo mais amplo do que a religiosidade e a religião, mas estes aspectos estão relacionados entre si, mas não são sinônimos (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001). De acordo com Koenig (2012), a religião se define como um sistema de crenças por uma determinada comunidade religiosa. Nas culturas ocidentais os ritos oferece ao religiosa um relacionamento com o Transcendente e na matriz oriental esta orientada para o Nirvana. Assim, a religião através das suas doutrinas traz uma compreensão sobre o significado do mundo, a natureza da vida após a morte. Além de orientar os seus adeptos sobre a conduta moral vivenciado por eles. A atividade religiosa, segundo Koening (2012), pode ser classificada como institucional ou individual. A religiosidade institucional é caracterizada como o envolvimento do crente com a instituição religiosa (participação nas reuniões, estudo das doutrinas) enquanto a religião não organizada ou individual se refere ao comportamento religioso individual, ou seja, a pratica religiosa é só, fora de um segmento religioso. No que se refere à religião, Kovács (2007) descreve-a como crenças, tradições, cerimônias, rituais que possuem um poder reflexivo e que explicam sobre a vida e morte. Na visão de Vergote (1961, apud VALLE, 2005 p. 91), “a religião se caracteriza por uma união de sentimentos e pensamentos no qual o homem e a sociedade tomam consciência de seu intimo, tornando presente o poder divino”. Já a religiosidade está relacionada à experiência individualizada do transcendente e deve ser distinguida da religião que é a sua matriz instituída (VALLE, 2005). Segundo Panzini et al. (2007), a religião é a crença na existência de um ser superior, já a religiosidade é a extensão no qual uma pessoa acredita, segue e pratica a religião. Então a religião esta relacionada com um sistema de doutrinas que é compartilhado por um grupo de pessoas tendo características comportamentais, sociais e valores específicos (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001). De acordo com Faria e Seidl (2005), alguns autores definem a religiosidade como a característica relativa a uma religião específica, incluindo os aspectos individuais e institucionais, ou seja, uma adesão que o indivíduo faz as crenças e as práticas de uma instituição religiosa e organizada. Valle (2005) explica que a religião é um realidade construída pelo o homem, os quais reagem de maneira que entre nessa ação o consciente e o inconsciente e todos os componentes constitutivos do ser: biológico, afetivo, cognitivo e interpessoal, e através disso é que se emerge o homem religioso. 42 Valle (2005) afirma que o belga Antoine Vergote, define a religiosidade do indivíduo psicologicamente maduro como sendo uma atitude expressa por meios de palavras e comportamentos, sendo esta composta por três elementos fundamentais para uma análise psicológica do comportamento religioso individual ou grupal, a saber a maneira de ser própria do homem, a relação intencional e implicando uma ação, essa atitude não pode ser separada da totalidade pessoal e provoca uma posição que vai além de comportamentos religiosos guiados pela emoção do momento ou pressões do ambiente, na atitude religiosa madura o consciente tem um papel decisivo. Valle (2005) diz que a religiosidade precisa ser entendida fenomenologicamente e que esta é algo inerente a experiência individual do ser humano sendo mais do que uma mera soma dos elementos emocionais, motivacionais, racional que são considerados pela psicologia. A religiosidade está relacionada à experiência individual do homem e deve ser diferenciada da religião. As funções psicológicas da religião e da religiosidade não são idênticas, mas se completam. A espiritualidade é um conceito mais amplo do que religião, pois esta é uma expressão da espiritualidade (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001) e a essa pode ser definida como aquilo que traz significado e propósito à vida das pessoas (PERES; ARANTES; LESSA; CAOUS, 2007). Para Kovács (2007) a espiritualidade é uma busca do homem em direção a um sentido, possuindo uma dimensão transcendente, relacionado a uma compreensão do sentido da vida. Espiritualidade é algo pessoal, que estimula um interesse pelos outros e por si, um sentido de significado da vida capaz de fazer suportar sentimentos debilitantes de culpa, raiva e ansiedade (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001). Espiritualidade não é algo que se opõe ao material e corpóreo, não rejeita ou nega a natureza, não pode ser entendida como um estado de alma que só se consegue por meio da fuga, mas sim é algo pertencente ao contexto real da vida de cada pessoa e de cada época, expressando o sentido profundo do que se é e do que se vive, unida a uma necessidade profunda de crer, lutar e amar. Sendo uma necessidade psicológica inerente a todo ser humano, consistindo por uma busca pessoal do sentido para o próprio existir e agir (VALLE, 2005) designando o mergulho que se faz no próprio eu (GIOVANETTI, 2005). É uma expressão do humano, não é algo que ocorre além da esfera humana, mas algo que toca em profundidade vida e a experiência de uma pessoa (TEXEIRA, 2005). A maturidade dessa espiritualidade conjetura um conhecimento em suas próprias limitações e possibilidades, sendo uma ação corajosa e humilde de alguém que entende que a vida é um projeto aberto ao ser mais, ao comungar mais, ao cuidar do que precisa ser cuidado 43 (VALLE, 2005). Para esse autor quem cultiva a dimensão espiritual não compactua com o que é injusto e violento, levando a caminhos honestos e comporta-se com tal modo de pensar. Espiritualidade coincide com valores que implicam o cuidado com o outro e o respeito do outro pela expansão do seu eu (PAIVA, 2005). Pode-se dizer que viver cultivando a espiritualidade é buscar seguir a vida em acordo com as características do espírito, pois esse tem uma dimensão principal que é captar a profundidade das coisas, de captação do simbólico, de mostrar o que move a vida é um sentido, pois só o espírito é capaz de descobrir um sentido para a sua existência. É uma conquista de significação na vida e uma construção ativa de sentido, é a busca de um sentido interior o que dará luz a existência humana (GIOVANETTI, 2005). Para Giovanetti (2005), a espiritualidade designa toda vivência que pode produzir mudanças profundas no interior do homem levando-o à integração pessoal e a integração com outros homens. Entende-se espiritualidade como o conhecimento e a percepção sobre as motivações, sentimentos, desejos e atitudes referentes ao comportamento religioso, para que entenda como essa experiência influência de modo único a vida dos indivíduos (VALLE, 2005). Embora exista na literatura uma diferenciação entre o conceito de religião, religiosidade e espiritualidade, esta faz parte do modo como cada indivíduo perceberá a sua morte, influenciando na maneira de agir. 3.2 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE ESPIRITUALIDADE E A MORTE Ao descrever o primeiro capítulo referente à morte, pôde-se entender que a morte sempre foi alvo de discussões e de busca de respostas, ademais varia de acordo com a sociedade em que o indivíduo se insere. Uma das maiores ambiguidades em que o homem se confronta é a morte, mas a religião como uma manifestação da espiritualidade tem cumprido um papel importante nessas questões relacionadas à morte (rituais, expectativas, percepção), as diferentes religiões e o nível de espiritualidade oferecem ao indivíduo diferentes ângulos de perceber a morte (NOGUEIRA; PEREIRA, 2006). Nogueira e Pereira (2006) em seu estudo com 277 sujeitos procuram verificar a relação existente entre a espiritualidade e a percepção de morte. Os resultados encontrados indicam que as mulheres apresentam índices de religiosidade mais elevados do que os homens, quanto maior o nível de religiosidade maior é a crença de vida após a morte, quanto 44 maior o nível de religiosidade menor é a indiferença em face da morte, na morte como desconhecido foi encontrado que os níveis intermédios da religiosidade apontam para uma maior dúvida relativa à morte, quanto maior o nível da religiosidade menor é a perspectiva de morte como fracasso e quanto menor o nível da religiosidade menor é a percepção de morte como coragem. Kovács realizou uma pesquisa em 1985 com estudantes universitários, tendo como objetivo verificar há existência da relação entre o medo da morte e a religião, após a análise dos dados verificou que os indivíduos que declararam um maior envolvimento religioso apresentaram menores escores de medo da morte e os que declararam médio envolvimento religioso obtiveram escores mais altos frente ao medo da morte e, ateus referiram-se aos escores intermediários (KOVÀCS, 1992). Através dos dados obtidos pelos dois estudos acima citado pode-se constatar a existência de uma relação positiva entre a espiritualidade e percepção do indivíduo frente à morte, quanto maior é o nível de religiosidade do indivíduo melhor a sua ação frente o pensar e agir sobre a morte e morrer. Alves e Aquino (2009) realizou um estudo com o objetivo de identificar as relações entre a religiosidade e as concepções acerca da morte. Participaram do estudo 190 estudantes universitários dos cursos de Direito, Educação Física, Fisioterapia e Psicologia de ambos os sexos. A maioria destes participantes é do sexo feminino (68,9%) e de religião católica (61,6%). Os resultados apontaram para a existência de correlações positivas entre religiosidade e vida do além, coragem e fim natural. Por outro lado, a religiosidade se correlacionou negativamente com a visão de morte como fracasso. Segundo Martins (2007), a espiritualidade é um fator presente nos pacientes em que estão próximos da morte, contribuindo para um final de vida mais tranquilo. Oferece sentido para a dor e para o sofrimento levando a uma preparação para a morte, não sendo vista como perda, mas um ganho, pois o ser ultrapassa o limite humano da existência finita para ter um encontro com o infinito. Alguns pacientes se veem frustrados ou derrotados diante de sua doença, enquanto que outros encontram um sentido para a sua dor e sofrimento, este modo de pensar e agir dando um sentido à sua experiência se dá ao fato de que tais pacientes acreditam em uma dimensão espiritual, sendo esta um fator decisivo neste momento de enfermidade (KOVÁCS, 2007). O envolvimento religioso é uma prática comum em pacientes severamente enfermos, que fazem uso das crenças religiosas para melhor lidarem com a sua doença e dessa forma predizem o enfrentamento bem sucedido desta situação, pois irão encontrar um sentido para a 45 sua dor e uma motivação para encarar o tratamento (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001). Sendo a espiritualidade uma dimensão humana em que o ser humano dar um sentido a sua existência, entra em contato com o seu mundo interior e se abre para possibilidades de ser e agir em sua experiência humana, resultando assim uma forma de perceber e agir diante do seu pensar e existir para a morte. 3.3 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A ESPIRITUALIDADE A espiritualidade não apenas se relaciona com a percepção da morte como foi exposto no tópico anterior, mas também está relacionada com outros aspectos da vida do indivíduo como será apresentado a seguir. As práticas religiosas desempenham um papel significativo de como as pessoas interpretam eventos traumáticos e lidam com eles, promovendo percepções resilientes, amparo para a superação da dor psicológica e a autoconfiança em lidar com as adversidades (PERES; SIMÃO; NASELLO, 2007). Em um estudo realizado por Refosco (2008) com 229 estudantes universitários foi encontrado uma relação existente entre a espiritualidade e a resiliência, mostrando que as pessoas que possuíam um grau elevado de espiritualidade apresentaram menor autossuficiência, manifestando menos características de independência ou confiança em si mesma, quanto maior é a religiosidade maior é a autodeterminação na pessoa, não desistindo fácil dos seus sonhos e objetivos de vida. Pereira (2012) desenvolveu um estudo que objetivou conhecer as relações entre as dimensões de culpa (subjetiva, objetiva e temporal), as atitudes religiosas e o sentido da vida. Os resultados sugeriram que tanto o sentimento religioso, quanto a busca de sentido se associaram diretamente com as três dimensões da culpa. Já a corporeidade religiosa se correlacionou positivamente com a culpa subjetiva e com a objetiva e o comportamento religioso, por sua vez, correlacionou com a culpa subjetiva. Os resultados também indicaram que a presença de sentido está inversamente relacionada com a culpa temporal e inferiu-se que, se por um lado as pessoas mais religiosas são mais susceptíveis à culpabilidade, por outro, a culpa provém também da perspectiva ontológica, quando o ser humano deixa de realizar o seu dever-ser. Aguiar (2011) realizou um estudo que objetivou investigar os correlatos valorativos e existenciais dos participantes das Novas Comunidades Católicas presentes na cidade de João 46 Pessoa-PB. Foram encontrados como resultados que os valores mais importantes nessas organizações são religiosidade e obediência e que foram mais presentes as subfunções normativa e interativa e que os membros do grupo “Comunidade de Vida” dão mais importância ao valor obediência quando comparados aos membros da “Comunidade de Aliança” e que os homens dão mais importância a valores de subfunção realização do que as mulheres. Resultou ainda que a depressão correlacionou-se positivamente com a subfunção experimentação; a ansiedade correlacionou-se positivamente com a subfunção existência; depressão e ansiedade correlacionaram-se ainda positivamente com o vazio existencial. Por outro lado, a pesquisa mostrou que o vazio existencial correlacionou-se negativamente com o fato de o membro sentir-se importante para a sua comunidade e com a condição de ter parceiro (a) fazendo parte do mesmo grupo, o que representou fatores de proteção do bem estar subjetivo. Pontes (2012) realizou um estudo que teve como objetivo testar um modelo teórico proposto por Viktor Frankl que explica a dinâmica da noopsicossomática em pessoas que vivem com HIV/AIDS. Isto é, buscou-se entender como a dimensão noológica (representada pela atitude religiosa e a realização de sentido) influencia a dimensão psíquica (afetos positivos e a percepção do passado) e, consequentemente, repercute na dimensão somática (representada pelo funcionamento do sistema imunológico por meio do nível de células CD4/CD8). Os resultados apontaram que a atitude religiosa associou-se diretamente com a realização de sentido, que se relacionou com a satisfação com o passado. Desse modo, compreendeu-se a relevância da religiosidade/espiritualidade e do sentido da vida no processo de adoecimento e saúde. Para Gastaud et al. (2005), a espiritualidade ou a religiosidade sempre foram consideradas importantes aliadas das pessoas que estão doentes. Durante o ano de 2002, esses autores realizaram um estudo comparativo com os alunos de psicologia da Universidade Católica de Pelotas, comparando os escores atuais com os dos alunos de direito e medicina na mesma faculdade em 2001. Os resultados encontrados indicaram que os alunos de psicologia apresentaram espiritualidade negativa comparada aos alunos de direito e medicina, diferenças semelhantes também foram encontradas em relação ao bem-estar religioso e existencial, sendo este achado preocupante, pois se supõe que os estudantes de psicologia deveriam estar mais voltados para as questões de natureza existenciais, tanto para si próprios como para os seus clientes. No que se refere ao uso de drogas psicotrópicas, a espiritualidade ou a religiosidade vem sendo claramente identificada como um fator protetor ao uso desta. Através de uma 47 revisão de estudos, Sanchez e Nappo (2007) concluíram que fatores como a frequência a igreja, a prática dos pressupostos de uma religião, a importância dada à religião e a educação religiosa na infância são possíveis fatores de proteção para o uso de drogas. Verificando também uma relação positiva da religiosidade na recuperação dos dependentes químicos. Uma pesquisa desempenhada por Sanchez, Oliveira e Nappo (2004) com o objetivo de investigar as questões relativas ao comportamento de indivíduos pertencentes a nível econômico baixo diante do uso de drogas, realizou a pesquisa com dois grupos: um grupo não usuário de drogas e o outro grupo sendo usuário. Os resultados indicaram que o consumo e a dependência de substâncias psicotrópicas, pode não ser encontrados em ambientes caracterizados pela abundância de fatores de riscos. Essa prevenção pode ser facilitada pela presença dos fatores protetores como a estrutura familiar, a religiosidade, a disponibilidade de informação acerca da dependência e as suas consequências e perspectivas para o futuro. A espiritualidade foi relatada em todos os entrevistados não usuários mostrando uma preocupação quanto à manutenção do seu bem - estar, já os usuários relatavam que não participavam de nenhuma religião ou não possuíam uma crença religiosa, fatos que poderiam justificar a ausência de valorização da vida. A questão da espiritualidade, além de se tratar de um aspecto importante para os entrevistados, ocupou um importante papel na estrutura familiar, na humanização do indivíduo, auxiliando na construção de sua personalidade. Os fatores religiosos e espirituais são tão importantes quanto os fatores emocionais, biológico, social para o bem estar do homem (MONTEIRO, 2007). Através de uma revisão bibliográfica Panzini (2007) verificou a existência da relação entre a qualidade de vida das pessoas e a espiritualidade. Para a autora o campo da qualidade de vida pode vir a se tornar um mediador entre o campo da saúde e das questões espirituais facilitando o desenvolvimento de intervenções, todavia é necessário um engajamento profissional para pesquisar esses fatores, pois é uma área de conhecimento recente. A saúde dos indivíduos é determinada pela interação dos fatores físicos, mentais, sociais e espirituais (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001). Para a melhoria da qualidade de vida em pacientes com dor crônica, é relevante integrar os aspectos pertencentes à espiritualidade ou religiosidade, fazendo-se necessárias nesta área futuras pesquisas a fim de definir o exato papel da espiritualidade na prevalência, impacto e tratamento de tais enfermidades (PERES; ARANTES; LESSA; CAUS, 2007). Em um estudo sobre a espiritualidade e a psicoterapia, Peres; Simão e Nasello (2007) concluem que faz necessário que os profissionais da área de saúde reconheçam a espiritualidade como componente da personalidade e do bem-estar de seus pacientes e que 48 haja a inclusão da espiritualidade como recurso da saúde na formação dos novos profissionais contribuindo para uma melhor qualidade de atendimento às necessidades dos clientes. A espiritualidade tem funcionado com importante aliada no manejo de dor, da qualidade de vida, na prevenção o uso de drogas, na percepção e perspectivas relacionadas à morte. Tornando-se cada vez mais necessária á pratica da saúde e ao bem estar do indivíduo (PERES; ARANTES; LESSA; CAOUS, 2007). O homem através da espiritualidade/religiosidade busca um sentido para a sua existência, para o seu sofrimento, portanto para a sua vida. Essa busca de sentido como espiritualidade é fundamentalmente humano, para uma maior compreensão dessa busca de sentido como espiritualidade, o ponto a seguir tratará a questão. 3.4 BUSCA DE SENTIDO COMO ESPIRITUALIDADE O conceito de homem, na perspectiva de Frankl (1989), é tridimensional sendo composto pela dimensão somática, onde ocorrem todos os fenômenos corporais do homem, os processos químicos e físicos, a dimensão psíquica que se refere à existência humana com as suas disposições, sensações, impulsos, esperanças e desejos e a outra dimensão que é a espiritual nela localiza-se a tomada de posição, achando-se as decisões pessoais de vontade, intencionalidade, interesse prático e artístico, pensamento criativo, senso ético, compreensão de valor e religiosidade (LUKAS, 1989). Esta dimensão espiritual é a dimensão propriamente do homem sendo dominada por Viktor Frankl como a dimensão noética por causa da derivação da palavra grega nous (espírito, mente) sendo as outras duas, a somática e psíquica, as que o homem partilha com os animais (LUKAS, 1989). A questão do sentido da vida é um problema característico do homem, pois só a ele diferentemente dos outros seres é dado à capacidade de experimentar a problemática do seu ser (FRANKL, 2003). A busca de sentido pelo homem para Frankl (1991) é em sua vida a motivação primária, o indivíduo sempre se move em busca de um sentido para se viver (FRANKL, 1989), sendo esse sentido individual e específico, pois só pode ser somente por uma determinada pessoa assumindo uma importância para este indivíduo que satisfará a sua própria vontade de sentido, tal sentido é contestado por alguns autores como forma reativa e sublimações, ou seja, mecanismos de defesa. O autor sobre esse entendimento de sentido como mecanismo de defesa declara “Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus “mecanismos de defesa”. Nem tão pouco estaria pronto a morrer 49 simplesmente por amor às minhas “formações reativas”, o que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores” (FRANKL, 1991, p. 92, grifo do autor). Ao invés de reagir a tais estímulos o ser humano responde as questões que lhe coloca a vida e realiza os significados que a vida lhe oferece (FRANKL, 1989). Frankl (1991) aponta que uma pesquisa de opinião pública realizada na França mostrou que 89% das pessoas consultadas declararam que a pessoa precisa de algo em função do qual se viver e 61% admitiram existir alguma coisa ou alguém em suas vidas por qual estariam prontas para morrer. Posteriormente, ao autor realizou uma pesquisa em Viena com pacientes e funcionários e os resultados encontrados foram semelhantes. Os sentidos são únicos e é objeto de descoberta pessoal, que devem ser procurados e encontrados por conta própria de cada um. A vida não deixa jamais de ter sentido, mesmo que esta pareça sombria, sem esperanças, mesmo diante desta percepção negativa da vida, existe um sentido potencial unicamente humano a ser descoberto, que pode transformar uma situação trágica em um triunfo pessoal, sendo acessível a qualquer condição que uma pessoa possa se encontrar. O sentido para a vida é algo único e mutável, em cada situação vivida o homem pode encontrar um sentido para o seu existir, mas esse sentido jamais acaba, pois a vida não deixa jamais de ter sentido, permanecendo cheia de sentido até o suspiro final do seu existir (FRANKL, 1989). Essa vontade de sentido pode ser frustrada, denominada por Viktor Frankl de vazio existencial, que pode ser entendida de três maneiras: o modo especificamente humano de ser, o sentido da existência e a busca por um sentido. A falta de um sentido para a vida, ou seja, a presença de um vazio existencial, pode resultar em neuroses, num processo através do qual nascem problemas existenciais e não de conflitos entre os impulsos e o instinto (FRANKL, 1991). Para o fundador da logoterapia, esse vazio se dá porque o homem perdeu alguns alicerces que serviam de sustentação para o seu comportamento, fazendo com que o mesmo aja de acordo com que os outros fazem (conformismo) ou faça aquilo que as outras pessoas querem que ele faça (totalitarismo), nessa maneira de agir diante da sua vida faz com que o seu sentido de vida não seja descoberto, tornando a sua vida em função das regras e atitudes ditadas pelos outros, como consequência frustra a sua vontade de sentido levando-o a um vazio existencial (FRANKL, 1991). O vazio existencial para Frankl (1991) manifesta-se através de um estado de tédio, se referindo o mesmo autor a neurose dominical, pois, as pessoas não sabem como lidar com os seus momentos livres. Essa neurose dominical se refere aquela espécie de depressão que 50 aborda as pessoas que dão por falta o conteúdo de suas vidas quando passa do corre-corre da vida diária para um tempo livre, tornando manifesto esse vazio. Existem também outras maneiras que deixa transparecer o vazio existencial, onde podemos encontrar a vontade do poder, a vontade do dinheiro e a vontade do prazer. A abordagem a qual tem como pilar o sentido da vida procura proporcionar ao homem uma consciência plena de sua responsabilidade, deixando que ele opte por aquilo que ele julga ser responsável, decidindo a interpretação da sua vida como sendo responsável perante uma sociedade ou perante a sua própria consciência. O ser humano é um ser responsável e precisa o sentido que esta em potencial em sua vida, sendo este descoberto no mundo e não dentro da própria pessoa ou da sua psique (FRANKL, 1991). Ele é responsável pelo o qual se sente livre, tendo a característica de sempre estar voltado para o outro e decidir por esse outro. Ser responsável implica a liberdade da vontade e se este homem abdica da sua vontade mesmo assim continua sendo uma decisão responsável seja qual for à decisão escolhida pelo homem, ele continua sendo o verdadeiro responsável pela sua vida (FIZZOTTI, 1998). A responsabilidade do indivíduo está nas possibilidades do futuro e em saber transformar estas possibilidades dadas pela vida em realidade, armazenando-os entre as riquezas passadas. Portanto, a motivação da pessoa é pela necessidade que ela possui de compreender o sentido da vida. Quando esse sentido é descoberto, este ser responsável sentese realizado e encontra energias para enfrentar os obstáculos encontrados em seu percurso da vida (FIZZOTTI, 1998). Para Fizzotti (1998), o homem se relaciona com o mundo de forma ativa desenvolvendo as suas capacidades para a transformação desse mundo de forma criativa, construtiva e de forma receptiva, recebendo o amor a as alegrias da vida ele sente-se satisfeito, sendo provocado pela imposição do sofrimento e da morte. Nesse relacionamento com o mundo, Viktor Frankl apresenta três categorias de valores, que são: o valor que permite o homem a agir no mundo (valores de criação, produção); valores que permite ao homem receber algo como presente (amor, gratidão, amizade, belezas) e os valores de comportamento (liberdade para tomar decisões, permitindo encontrar um sentido mesmo em situação de dificuldade). Como foi descrito anteriormente, o sentido da vida é mutável e jamais deixa de existir. Podendo ser descoberto em três diferentes formas: criando um trabalho ou praticando algo; experimentando algo ou encontrando alguém, essa segunda maneira de achar um sentido é experimentando algo com: bondade, a verdade, a beleza, a cultura ou experimentando outro ser humano em sua originalidade única que é amando-o e a terceira forma é a atitude que se 51 toma em relação ao sofrimento inevitável (FRANKL, 1991). Diante de um sofrimento que aparentemente parece tirar o sentido da vida a pessoa pode encontrar um sentido, quando se encontra em uma situação sem esperança, o que verdadeiramente importe é converter o sofrimento numa conquista humana. Ao aceitar o sofrer com bravura, a vida recebe um sentido até o seu derradeiro instante, mantendo esse sentido até o fim (FRANKL, 1991). O autor ao falar da transitoriedade da vida afirma que os aspectos transitórios são as potencialidades, mas no momento que são realizadas se transformam em realidade e são entregues ao passado, mas não esta perdido e sim guardado. Sendo assim, a transitoriedade da vida nunca perde o sentido. Mas não resta dúvidas de que as pessoas fixam o seu olhar para a transitoriedade e se esquece dos acontecimentos do seu passado, suas alegrias, seus atos e também seus sofrimentos. Como dia Frankl (1991, p. 106) “a pessoa que enfrenta ativamente os problemas da vida é como um homem que, dia após dia, vai destacando cada folha do seu calendário e cuidadosamente a guarda junto às precedentes, tendo primeiro feito no verso alguns apontamentos referentes ao dia que passou. É com orgulho e alegria que ele pensa em toda riqueza contida nas anotações” (FRANKL, 1991). Não é só o sofrimento que tenta abafar o sentido da vida, mas também a morte tenta tirar a existência desse sentido (FRANKL, 1991). Viktor Frankl percebe aspectos positivos no homem que é um ser voltado para a morte, para ele ou a vida tem sentido independente de ser breve ou longa, ou não tem sentido por mais longa e infinita que ela possa ser. O homem que esta diante de sua morte questiona-se qualitativamente, de modo que o sentido para a sua morte depende do sentido que ele soube dar a vida (FIZZOTTI, 1998). Se as pessoas fossem imortais poderia adiar as escolhas e atitudes, e prolongar estas até o infinito, não tendo nenhuma importância de realizar no tempo presente. Mas é morte que o limite da existência, das escolhas e do futuro, sendo obrigados a utilizar o tempo de vida, a não perder as oportunidades que são oferecidas, tendo a morte um critério que caracteriza a vida como única, irreversível. Fizzotti (1998) afirma que Viktor Frankl não concorda aquela angústia do homem diante das limitações da vida e através das possibilidades que a vida oferece a pessoa encontra um sentido para viver uma vida plena e autêntica, encontrando no final do seu caminho sentido e alegria que estão guardados no seu passado. Até na morte, o homem encontra um sentido para a sua finitude, olhando para a sua trajetória de vida e resgatar do seu passado as alegrias, as atitudes e até mesmo os momentos difíceis que foram enfrentados com tanto vigor, traz a vida e o seu pensar sobra o fim um sentido e alegria de ter vivido uma vida de realização e satisfações. PARTE III – ESTUDOS EMPÍRICOS 53 CAPÍTULO 4 – ESTUDO 1: ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA ESCALA DE CRENÇAS RELIGIOSAS ___________________________________________________________________________ O objetivo desse primeiro estudo foi o de verificar a validade fatorial da medida de Crenças Religiosas. 4.1 DELINEAMENTO Tratou-se de uma análise exploratória do instrumento de Crenças Religiosas proposto pelo presente trabalho de dissertação. A ênfase foi psicometrista, como objetivo de propor um instrumento de Crenças Religiosas para o contexto brasileiro, buscando evidências acerca da validade e fidedignidade desse instrumento. 4.2 AMOSTRA Para este estudo, contou-se com uma amostra de conveniência (não probabilística) de 126 participantes, sendo 51,6% do sexo feminino. Os entrevistados eram 8,7% do Encontro da Consciência Cristã, 56,5% do Encontro da Nova Consciência na cidade de Campina Grande-PB no período do carnaval e 34,8% foram estudantes de Ciência das Religiões na UFPB. A idade média da amostra foi de 33,55% (DP = 12,61) e amplitude de 16 a 76 anos. A maioria dos participantes 78,6% ou já cursaram o ensino superior ou estava em andamento, 9,5% ensino médio, 11,1% Pós-graduado e 0,8% não responderam. O estado civil 58% solteiros, 25% casados, 9% separados, 7% outros e 1% não responderam. No que se refere a religião 26,2% católica, 23,8% evangélica, 8,7% espiritas, 0,8% candomblé, 1,6% umbanda, 1,6% Budistas, 36,5% Outras e 0,8 não responderam. Quanto à autoatribuição religiosa, a média foi de 2,99 (DP= 1,62), mínima de 0 a máxima de 5. 4.3 INSTRUMENTOS Os participantes responderam a um questionário com as seguintes medidas: Instrumento das Crenças Religiosas. O Inventário de Crenças Religiosas adaptado de Aquino (2005), constituída por 12 itens distribuídos igualmente em duas crenças: ocidentais e 54 oriental. Conforme descrevem Hellern, Notaker e Gaarder (2005), os itens foram dispostos em uma escala tipo Likert, variando de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente. Questionário Sociodemográfico. Todos os participantes responderam a um conjunto de perguntas de natureza sociodemográfica (idade, sexo, escolaridade, estado civil, religião, atribuição religiosa). 4.4 PROCEDIMENTO Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva em sala de aula e no auditório entre os intervalos das palestras no Encontro da Nova Consciência e Consciência Cristã, bastando aos participantes seguirem as orientações dadas por escrito no próprio questionário. Num primeiro momento, foram passados, oralmente, para os participantes os esclarecimentos sobre o anonimato e o sigilo da participação, seguindo os preceitos éticos estabelecidos para participação de seres humanos, conforme estabelece a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes foram solicitados a assinar termo de consentimento livre e esclarecido. No final da aplicação, foram deixados endereços (e- mails do mestrando e de seu orientador) com os quais os participantes poderiam obter informações adicionais acerca do estudo. Os participantes levaram, em média, 20 minutos para responder ao questionário. 4.5 ANÁLISE DOS DADOS O pacote estatístico SPSS versão 17.0 foi utilizado para tabular e realizar as análises dos dados. Utilizou-se a Análise Fatorial Exploratória, por meio do método dos eixos principais (Principal Axis factoring), a fim de conhecer a estrutura fatorial das escalas. Para análise de consistência interna foi utilizado o alfa de Cronbach. 4.6 RESULTADOS Este estudo teve por objetivo apresentar o resultado da análise fatorial exploratória da Escala de Crenças Religiosas (ECR). A seguir será apresentado os resultados parciais dessa análise. Inicialmente o conjunto de 12 itens foi submetido a uma Análise Fatorial (PAF), tendo em vista que os índices iniciais indicaram a pertinência dessa análise (KMO = 0,83; χ2 (66) = 55 746,53; p < 0,0001). Emergiram dois fatores com valores próprios superiores a 1, que juntos explicaram 60,59% da variância total. Figura 1: Representação gráfica dos valores próprios da escala de Crenças Religiosas Fonte: Elaboração própria, 2013. Conforme demonstrado na Figura 1, a escala parece ser bidimensional. Assim, os componentes atenderam ao critério Kaise, apresentando valores próprios superiores a 1. Já o critério de Cattell, indicado na Figura 1, sugere a presença de dois fatores, parecendo plausível assumirem essa estrutura. 56 Tabela 1: Estrutura Fatorial da Escala de Crenças Religiosas Fatores Crença Crença Ocidental Oriental 03. O ser humano deve obedecer à vontade de Deus 0,87* -0,01 11. Deus redime o ser humano do seu pecado. 0,82* -0,07 09. Após a morte, o ser humano será julgado e poderá ir para o céu ou para o inferno. 05. Deus é o criador, é o todo poderoso e é o único. 0,76* -0,23 0,69* 0,09 01. O mundo foi criado por Deus e um dia irá terminar. 07. O grande pecado do homem é desejar se transformar em Deus. 08. O Divino se manifesta como uma força que penetra em tudo e em todos. 06. O Divino está presente em todas as coisas. 0,63* -0,07 0,63* 0,04 0,10 0,89* 0,12 0,71* 02. O Divino se manifesta em muitas Divindades. -0,36* 0,65* 10. A alma se purifica após vários ciclos de reencarnações. 04. A pessoa pode alcançar a união com o Divino por meio da meditação. 12. A graça vem por meio de sacrifícios -0,42* 0,64* -0,15 0,62* 0,09 0,44* Número de itens 8 6 Eigenvalues 4,33 2,94 % de variância explicada 36,12 24,47 Alfa de Cronbach (α) 0,86 0,82 Nota: |0,30| carga fatorial mínima considerada para interpretação dos fatores. Fonte: Elaboração própria, 2013. O primeiro fator reuniu 8 itens, com saturação variando de 0,87 (O ser humano deve obedecer a vontade de Deus) a -0,42 (A alma se purifica após várias reencarnações). Apresentou valor próprio de 4,33 explicando 36,12% da variância total. A consistência interna deste fator foi aferida através do alfa de Cronbach, que resultou num coeficiente de 0,86. A média 26,92 e o desvio padrão 7,773. O segundo fator agrupou 6 itens, com saturação de 0, 89 (O Divino se manifesta como uma força que penetra em tudo e em todos) a 0,44 (A graça vem por meio de sacrifícios). Seu valor próprio foi de 2,94 e explicou 24,47 da variância total. A consistência interna deste fator (alfa de Cronbach) foi de 0,82. A média 20,25e o desvio padrão 5,701. 57 4.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O primeiro estudo teve por objetivo conhecer a evidência de validade da Escala de Crenças Religiosas, o que foi perfeitamente observado por meio de uma análise fatorial exploratória (método PAF, com rotação varimax). Como foi esperado, o primeiro fator englobou itens referentes às crenças ocidentais, enquanto o segundo fator reuniu todos os itens que dizem respeito às crenças orientais. Para avaliar as consistências internas das subescalas optou-se pelo uso do teste Alfa de Cronbach, o que foi considerado plausível tendo em conta as recomendações da literatura (NUNNALLY, 1991; PASQUALI, 1999) a qual sugerem índices iguais ou superiores a 0,70. A fatorabilidade das crenças religiosas parece condizente com a perspectiva de Rokeach (1991), o qual aventa que as crenças se agrupam como um sistema e que são derivadas de um consenso social. Também foi compatível com o marco teórico que a fundamenta (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005), quando pressupõe uma distinção entre as Crenças Ocidentais e Orientais. Tais crenças foram agrupadas segundo as concepções religiosas acerca da história, da concepção de Deus, da concepção de humanidade, da compreensão acerca da salvação da ética e dos cultos. O instrumento parece ser pertinente como um índice de medida para as crenças religiosas, podendo ser recomendado para futuras pesquisas acerca da religiosidade. Não obstante, recomenda-se fortemente que outros estudos possam ser realizados com o escopo de confirmar a estrutura aqui sugerida. Para uma melhor avaliação dessa medida, o estudo 2 apresentará as associações entre a Escala de Crenças Religiosas e as demais variáveis desse estudo. 58 CAPÍTULO 5 – ESTUDO 2: ESTUDO CORRELACIONAL DAS VARIÁVEIS O estudo 2 teve por objetivos (1) averiguar as relações entre as crenças e a percepção de sentindo na vida; (2) identificar as associações entre as crenças e as atitudes perante a morte e, por fim (3) verificar as relações entre percepção de sentido e atitudes perante a morte 5.1 DELINEAMENTO Tratou-se de uma análise correlacional das variáveis crenças ocidentais e orientais, sentido de vida e visões de morte. 5.2 AMOSTRA Para este estudo, contou-se com uma amostra de conveniência (não probabilística) de 121 participantes, sendo 57% do sexo feminino. Os entrevistados eram 5% do Encontro da Consciência Cristã, 61,1% do Encontro da Nova Consciência na cidade de Campina GrandePB no período do carnaval e 33,9% foram estudantes de Ciência das Religiões na UFPB. A idade média da amostra foi de 36,93% (DP = 13,50) e amplitude de 18 a 66 anos. A maioria dos participantes 82,6% ensino superior, 10% ensino médio, 7,4% Pós- graduado. O estado civil 49,6% solteiros, 33,1% casados, 10,7% separados, 6,6% outros. No que se refere a religião 24% católica, 18,2% evangélica, 15,7% espiritas, 1,7% candomblé, 0,8% umbanda, 39,6% Outras. Quanto à autoatribuição religiosa, a média foi de 33,31 (DP= 1,37), mínima de 0 a máxima de 5. 5.3 INSTRUMENTOS Os participantes responderam a um questionário com as seguintes medidas: Questionário Perfil de atitudes perante a morte. Aquino e Vasconcelos (2012) realizou um estudo a fim de elaborar e validar a escala de finitude humana, a partir do instr umento de Wong, Reker e Gesser (1994). A escala do perfil perante a morte é composta por: 32 itens, medindo quatro fatores: O primeiro fator o da aceitação religiosa reuniu 8 itens, o segundo fator agrupou 12 itens que mensura a evitação e o medo da morte, o terceiro fator de 59 aceitação e escape apresentou 4 itens, e por fim, o quarto fator de aceitação neutra congregou 4 itens. Os itens variam segundo o grau de concordância/discordância do participante: 1 – Discordo a 7- Concordo muitíssimo. O numero de itens para cada dimensão foi: 10 itens para a aceitação religiosa, 7 itens para a escala de medo da morte, 5 itens para a evitação da morte, 5 itens para a aceitação de escape e 5 itens para a aceitação neutra. Da análise fatorial realizada verificou-se que os cinco componentes se mostram independentes e que os fatores são puros e internamente consistentes (com alfa de Cronbach a variar entre 0,57 a 0,90 para as componentes). Questionário Sentido de Vida (QSV). Este instrumento contém 20 itens dispostos numa escala de 7 pontos. Contendo dois fatores um a realização de sentido como nos itens “Minha Vida tem um sentido claro; Eu compreendo o sentido da minha vida” e o outro fator analisa a busca de sentido como estão descritos nos itens: “Minha vida não tem um propósito claro; Estou procurando um sentido na minha vida”. O fator Presença de sentido Alfa = 0,82 e Fator Busca de sentido, Alfa = 0,87. Uma análise fatorial confirmatória (AMOS) indicou a adequação do instrumento (STEGER; FRAZIER; OISHI; KALER, 2006). Instrumento das Crenças Religiosas. O Instrumento de Crenças Religiosas adaptado de Aquino (2005). Na escala original as crenças eram mensuradas através de nove itens, que mediam três concepções: crenças orientais e ocidentais e o niilistas. Com a finalidade de se aproximar da classificação de crenças proposto por Gaarder; Hellern; Notaker, (2005) foram acrescentados mais seis itens e retirados três da escala original. Assim, o instrumento contém 12 itens distribuídos igualmente em duas crenças: ocidentais e oriental. Conforme descrevem Hellern, Notaker e Gaarder (1989) os itens foram dispostos em uma escala tipo Likert, variando de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente. Questionário Sociodemográfico. Todos os participantes responderam a um conjunto de perguntas de natureza sociodemográfica (idade, sexo, escolaridade, estado civil, religião, atribuição religiosa). 5.4 PROCEDIMENTO Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva em sala de aula e no auditório entre os intervalos das palestras no Encontro da Nova Consciência e Consciência Cristã, bastando aos participantes seguirem as orientações dadas por escrito no próprio questionário. Num primeiro momento, foram passados, oralmente, para os participantes os esclarecimentos sobre o anonimato e o sigilo da participação, seguindo os preceitos éticos estabelecidos para 60 participação de seres humanos, conforme estabelece a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes foram solicitados a assinar termo de consentimento livre e esclarecido. No final da aplicação, foram deixados endereços (e- mails do mestrando e de seu orientador) com os quais os participantes poderiam obter informações adicionais acerca do estudo. Os participantes levaram, em média, 20 minutos para responder ao questionário. 5.5 ANÁLISE DOS DADOS Após a coleta dos dados, foram codificados os mesmos no programa estatístico SPSS, versão 16. Posteriormente foram verificados a fatorabilidades das escalas bem como as suas precisões através do alfa de Cronbach. Posteriormente utilizou-se o teste estatístico de correlação de Pearson. 5.6 RESULTADOS Após verificar a fatorabilidade da escala de crenças religiosas, procurou-se verificar as relações existentes entre crenças ocidentais e orientais e realização e busca de sentido (Tabela 2); as crenças ocidental e oriental e as visões de morte (Tabela 3) e a correlação entre o sentido de vida e a atitude perante a morte (Tabela 2). Tabela 2: Matriz Correlacional Crença Ocidental e Oriental e o sentido de vida. Crença Ocidental Crença Oriental Realização Busca p < 0,0001*; p < 0,01** 0,35* -0,40* -0,25** 0,40** Com base na observação da Tabela 2, que diz respeito à matriz correlacional entre os componentes apresentados no resultado da pesquisa, verificou-se a correlação de vários componentes. Mas vamos nos deter nas correlações existentes entre as crenças ocidentais e orientais e o sentido de vida. Foi observada uma associação negativa entre as crenças ocidental e oriental (r = 0,44; p < 0,0001). Verificou-se uma correlação positiva entre a crença ocidental e a realização 61 de sentido (r = 0,35; p < 0,0001) e a crença oriental e busca de sentido (r = 0,40; p < 0,01). Também foi constatado há correlação negativa entre os componentes da crença ocidental e busca de sentido (r = -0,40; p < 0,0001) e crença oriental e realização de sentido (r = -0,25; p < 0,01). Tabela 3: Matriz Correlacional Crenças Ocidentais e Oriental e Visões de Morte Crença Ocidental Crença Oriental Aceitação religiosa Evitação e Medo Aceitação de escape Aceitação neutra 0,71* 0,17 0,50* -0,09 -0,20** 0,16 -,0,32* 0,12 p < 0,0001*; p < 0,05** Ao examinar a Tabela 3, referente às correlações entre as crenças ocidentais e orientais e as visões de morte, pode-se constatar várias correlações existentes entre os componentes. Percebe-se uma correlação positiva entre crença ocidental e aceitação religiosa (r = 0,71; p < 0,0001), crença ocidental e aceitação de escape (r = 0,50; p < 0,0001). Além disso, observouse uma correlação negativa entre crença oriental e aceitação religiosa (r = -0,20; p < 0,0001) e crença oriental e aceitação de escape (r = -0,32; p < 0,0001). Tabela 4: Matriz Correlacional Sentido de Vida e Visões de Morte Realização Busca Aceitação religiosa Evitação e Medo Aceitação de escape Aceitação neutra p < 0,0001*; p < 0,01**; p < 0,05*** 0,27** -0,43* 0,10 -0,01 -0,17 0,22*** -0,06 0,05 Verificou-se a existência de uma correlação positiva entre realização e aceitação religiosa (r = 0,27; p < 0,01), busca e Evitação e medo (r = 0,22; p < 0,05). Também foi constatado há correlação negativa entre os componentes realização e evitação e medo (r = 0,43; p < 0,0001). 5.7 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS Este estudo teve como objetivo identificar as possíveis associações entre as crenças religiosas, sentido de vida e a atitude perante a morte. Considera-se que tais objetivos foram 62 atingidos, entretanto, torna-se necessário, nesse momento, estabelecer algumas limitações do referido estudo. Inicialmente aponta-se a impossibilidade de generalizar tais resultados, devido ao fato de que a amostra foi de conveniência. Sugere-se, portanto, que novos estudos possam testar as correlações aqui encontradas, para verificar se as mesmas permaneceriam constantes em amostras alternativas. Outra limitação que poderia ser aventada diz respeito ao fato de que as medidas aqui propostas não são conhecidas no âmbito brasileiro, o que se faz necessário uma análise confirmatória da fatorabilidade das mesmas, sobretudo o instrumento proposto a Escala de Crenças Religiosas. Recomenda-se que novas pesquisas possa realizar esse escopo com amostras mais abrangentes. Ao analisar os resultados obtidos neste estudo foram verificadas várias correlações entre os componentes apresentados nos resultados, mas, como é o objetivo desta pesquisa, apenas nos deteremos na discussão das correlações entre as crenças religiosas, as visões de morte e o sentido de vida. 5.7.1 Crenças e o sentido de vida A realização de sentido se associou diretamente com a Crença Ocidental (r= 0,35; p < 0,0001) e negativamente com a Crença Oriental (r = -0,25, p < 0,0001), Já a busca de sentido apresentou uma estrutura oposta, se correlacionando negativamente com a Crença Ocidental (r = 0,40, p < 0,01) e positivamente com a Crença Oriental (r = 0,40 p < 0,0001). Esses resultados podem ser mais bem compreendidos tendo em conta a cultura na qual a pesquisa foi realizada. Enquanto nas culturas ocidentais o ser humano necessita de um redentor, nas culturas orientais o homem é o seu próprio redentor, o que poderia explicar as correlações inversas em função da tipologia de crença adotada pelos indivíduos estudados. Segundo a cultura judaico-cristã, o homem seria concebido como um instrumento da ação divina e por consequência deve obedecer à vontade de Deus, assim nessa crença o homem se posiciona perante algo ou alguém para encontrar um sentido religioso para a sua existência. De acordo com Frankl (1991), o indivíduo se moveria em busca de um sentido que estaria no mundo, o que promoveria uma ascese. A motivação para o sentido consiste em orientar a própria vida para além de si mesmo, para algo ou alguém, o que Frankl (2003) denomina de autotranscendência da existência humana. Para esse autor, o ser humano se realiza na medida em que está direcionado para a realização de uma tarefa, quando se 63 distancia de si mesmo em favor de uma causa ou no amor a alguém. Portanto, nesta perspectiva, o ser humano é um ser aberto ao mundo, motivado e dirigido para algo que sempre o transcende. Já as Crenças Orientais pressupõem uma busca de sentido por meio de uma espiritualidade que enfatiza o autoconhecimento (meditação, exercícios espirituais etc.) bem como uma purificação da alma, por meio de ciclos de reencarnações. A própria estrutura da crença oriental reforçaria mais uma busca de sentido como um princípio de para a sua prática espiritual. Ademais, adotar uma crença oriental em uma cultura ocidental poderia caracterizar uma quebra de tradição religiosa, o que poderia suscitar uma busca de sentido, conforme pressupõe Frankl (2003). É possível pensar que as crenças ocidentais não estejam respondendo as questões existenciais relevantes para aqueles indivíduos que aderem as crenças orientais, gerando uma busca por uma nova cosmovisão que possa dar novas respostas para as suas vidas. Faz-se mister dizer que, para Steger, Frazier, Oishi e Kaler (2006), a busca de sentido não seria uma condição de um vazio existencial estabelecido, mas apenas um indicativo de que o ser humano está mobilizado para procurar sentidos, posto que a sua condição existencial não o satisfaria. Dessa forma, não caberia estabelecer uma interpretação desses resultados apontando para uma forma de crenças que resultaria em mais sentido em comparação com a sua antípoda, mas apenas poderiam indicar que as crenças ocidentais se expressam por meio da realização de sentido, enquanto que as crenças orientais por uma busca de sentido. 5.7.2 Crenças Ocidentais e Orientais e Visões de Morte Como foi observado, as crenças ocidentais se associaram positivamente com a Aceitação Religiosa (r = 0,71; p < 0,0001) e com a Aceitação de escape (r = 0,50; p < 0,0001), enquanto que as crenças orientais o fizeram de forma negativa. Gaarder et al. (2005) afirmam que as “questões existenciais surgem em todas as culturas e formam a base de todas as religiões p.11”. Entretanto, Constata-se que a aceitação da morte por meio da atitude de Aceitação Religiosa e de escape apenas se associam diretamente com as crenças ocidentais. Uma possível explicação para esse fato é a de que, para as crenças orientais, a morte seria concebida como uma mera ilusão, se destituindo, dessa forma, da necessidade de uma aceitabilidade. Tal argumento decorre da condição que o binômio vidamorte se encerram em um ciclo de reencarnações sucessivas. 64 De forma geral, constata-se que as religiões de diferentes maneiras e percepções procuram explicar a origem e fim das coisas, na crença ocidental o homem religioso encontra um sentido para a sua finitude, dando para esse ser finito uma razão para que a morte tenha um significado positivo, como por exemplo, temos o cristianismo que acredita na vida eterna após a morte física, alicerçando-se na doutrina de que todo ser humano é eterno (WILGES, 1986). Essa crença cristã, para Oliveira (2008), baseia-se na premissa de que a morte seria uma passagem para uma vida eterna e feliz. Em consonância com este pensamento, Nogueira e Pereira (2006) asseveram que as diferentes religiões e o nível de espiritualidade oferecem ao indivíduo diferentes ângulos de perceber a morte. Para a cultura judaico-cristã o homem encontra em suas crenças religiosas tanto um sentido para sua vida quanto para a sua morte. Dessa forma, para essa cultura religiosa por meio da crença em um Deus soberano, encontram-se argumentos para conceber que a morte traz alegria e felicidade, pois será o dia em que terá o encontro com o seu Redentor e Criador (MARTINS, 2007). Resultados semelhantes foram encontrados num estudo realizado por Nogueira e Pereira (2006), no qual foram observadas evidências de que a crença na vida após a morte se relacionava com a religiosidade. Corroborando com os resultados, Alves e Aquino (2009) realizaram um estudo com o objetivo de identificar as relações entre a religiosidade e as concepções acerca da morte. Os resultados apontaram para a existência de correlações positivas entre religiosidade e vida do além, coragem e fim natural. Para cada cultura, a morte tem um significado diferente, na crença oriental que, de acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), os orientais não possuem a mesma visão de morte que os ocidentais. Constata-se que a morte, tanto para chineses, japoneses, tibetanos e indianos, influenciados pela cultura budista, é ocasião de alegria e não de pranto. Como exemplo, em algumas culturas como a budista, as pessoas choram quando nasce um bebê e riem quando se vai um morto, pois acreditam que a morte seja um renascimento que proporciona um crescimento espiritual. Dessa forma, compreende-se que a concepção da morte na cultura oriental não está voltada para uma ressurreição no paraíso celeste, mas para a purificação da alma através da reencarnação. Segundo Gaarder et al. (2005), a crença oriental entende que a salvação é se libertar dos vários ciclos de reencarnação, alcançando a graça por meio de atos de sacrifício e ou do conhecimento místico. A consciência da morte, de acordo com o budismo leva o indivíduo se desprender de qualquer apego material, os prazeres mundanos são desprovidos de qualquer relevância (DALAI LAMA, 1997). 65 5.7.3 Sentido de Vida e Atitudes perante a morte Com relação a associação entre sentido de vida e atitudes perante a morte, por um lado foi observada uma associação direta entre realização de sentido e aceitação religiosa (r = 0,27; p < 0,01) e uma relação inversa entre realização de sentido e evitação e medo da morte (r = 0,43; p < 0,0001); por outro, verificou-se uma associação positiva entre a busca de sentido e a atitude de medo e evitação (r = 0,22; p < 0,05). Segundo a concepção da logoterapia a morte daria sentido á vida, ou seja, quanto mais o ser humano estiver consciente da sua finitude, mais ele procura encontrar e realizar sentidos em sua existência (Frankl, 1991). Lukas, (1989) também assevera que pessoas realizadas no seu sentido de vida apresentam uma maior aceitabilidade da morte como uma condição da existência humana. O ser humano que está realizado existencialmente encontra em sua crença religiosa um motivo para o qual não se sentir fracassado e não perceber a sua morte como algo que lhe impasse a sua realização pessoal, mas sim ver a sua vida na sua totalidade como uma realização pessoal e a morte consiste em uma realização. Para Martins (2007) a crença religiosa é um fator muito presente em pessoas que es tão muito próximas da morte, contribuindo para um final de vida feliz, pois oferece sentido para o seu fim levando-o a uma preparação para a sua morte. Frankl (2003), por sua vez, concebe que muitas vezes se pensa de forma equivocada que morte põe em jogo o sentido inteiro de uma vida. Para ele a morte não acaba com o sentido da vida, tendo em vista que apesar da morte, e por sua causa, o ser humano homem vê-se impelido a realizar as possibilidades de sentido disponíveis em suas existências. Ao contrário, se a vida humana fosse infinita, as pessoas tenderiam a adiar suas responsabilidades sempre para o dia seguinte. Dessa forma, compreende-se que o medo e a esquiva da morte, poderiam ser explicados por meio do medo em assumir responsabilidades na própria existência, o que sugere que realizar o seu dever seria um fator de proteção contra o temor e a evitação da morte. A morte é geralmente percebida como uma quebra entre as possibilidades da vida, deixar esta vida por algo que é obscuro, trazendo para as pessoas que não conseguem perceber que até na morte se encontra um sentido, uma espécie de dor e desespero, pois irá se deparar com algo que para ela romperá definitivamente com a sua ligação com a vida e com as pessoas amadas desta vida. A maneira que cada pessoa irá perceber a sua finitude dependerá de como ela vivenciou os momentos da sua vida, Frankl (1989) faz uma comparação entre dois tipos de 66 pessoas que entendem a sua vida de maneiras diferentes, dizendo que aquelas pessoas que estão existencialmente vazias são comparadas a um homem que com tristeza olha o seu calendário a cada dia afinando mais, ao contrario das pessoas que encaram os seus problemas com alegria e de forma ativa, pois ao destacar as folhas do seu calendário poderá no fim de tudo olhar para trás e ver como foi vivida plenamente a sua vida. Deparando-se com a busca de sentido, o homem, vê que nada se realizou ou nada foi acrescentado em sua vida e que, por outro lado, a fatalidade da vida que é a morte será concebida como algo negativo. O medo de morrer e de perceber que nada foi realizado em sua vida faz com que o homem que busca um sentido não aceita a morte. Diferente do homem que entende que é um ser ativo e responsável por suas escolhas, faz da sua vida uma realização plena, percebendo ao fim da vida que realmente teve um sentido para se viver e ao pensar sobre o seu fim, reconhecerá que uma realização plena dos seus dias. Assim, a morte aparentemente retiraria o sentido da existência, porém ou a vida tem sentido independente de ser breve ou longa, ou, caso contrário, não teria sentido por mais longa e infinita que ela possa ser (FRANKL, 1991). A morte e a finitude teriam um fator pedagógico para o ser humano, posto que a partir de sua consciência o ser humano refletiria acerca do sentido que imprime a sua vida como um ser no mundo. PARTE IV – CONCLUSÃO 68 CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, considera-se de forma geral que os objetivos propostos para esta pesquisa tenham sido alcançados e, dessa forma, espera-se trazer contribuições aos próximos estudos, visando colaborar também com a área das Ciências das Religiões e, mais especificamente, com a Psicologia da Religião, no que diz respeito às três variáveis pesquisadas (crenças religiosas, sentido de vida e atitude perante a morte). As crenças religiosas tem cumprido um papel preponderante nas questões relativas as visões de morte e na percepção do sentido de vida. Concebe-se que a morte faz parte da facticidade da existência humana podendo gerar angústia dependendo da sua significação. Cada cultura religiosa possui sua percepção sobre a morte, que se expressam por meio das crenças religiosas. Dessa forma, a consciência da finitude pode evocar a pergunta pelo sentido da vida (Frankl, 1989/2003), posto que a transitoriedade da existência humana poderia destituir a vida de um sentido ou de um “para que viver”. Vale salientar as limitações desta pesquisa, que os resultados discutidos nesse estudo, ainda que tenham evidenciado concordâncias satisfatórias com a literatura seguida, foram limitados devido à amostra utilizada não ser extensa, o que faz não ser possível generalizar tais resultados, devido ao fato de que a amostra foi de conveniência. Sugere-se, portanto, que novos estudos possam testar as correlações aqui encontradas, para verificar se as mesmas permaneceriam constantes em amostras alternativas. Por isso, torna-se necessário que outros estudos possam aprofundar ainda mais a temática da finitude humana, podendo ser realizada com uma população maior e mais diversificada. No entanto, mesmo considerando tais limitações do estudo, ficou evidenciado nos resultados encontrados referentes à população participante que existe, que a escala de crenças religiosas é um instrumento pertinente e que pode ser recome ndado para futuras pesquisas sobre a temática, também observou relações significativas entre crença religiosa e o sentido da vida, crença religiosa e a atitude perante a morte e sentido de vida e atitude perante a morte, e que tais relações são determinantes na orientação dos indivíduos nas suas vidas e de seus posicionamentos perante a mesma. Recomenda-se fortemente que outros estudos possam ser realizados para contribuir com a área da psicologia da religião no contexto brasileiro. Dessa forma sugere-se identificar as relações entre as crenças e os valores humanos, bem como verificar a influência das atitudes religiosas (afetos, comportamentos e cognições) nas crenças religiosas. Outros 69 estudos sugeridos poderiam discorrer sobre como as crenças religiosas poderiam ser mediadoras da angustia perante a morte. Fomentando, assim, novas descobertas em como as crenças e o enfrentamento religioso pode ser ativado quando o ser humano se depara com a sua condição de finitude e mortalidade. 70 REFERÊNCIAS ARIÉS, P. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. AGRA, L. M.; ALBUQUERQUE, Luciana H. M. Tanatologia: uma reflexão sobre a morte e o morrer. Pesquisa Psicológica, Maceió, ano 1, n. 2. Janeiro. 2008. AGUIAR, A. A. Relações entre valores, sentido da vida e be m-estar subjetivo em me mbros de novas comunidades católicas (Dissertação de Mestrado). João Pessoa, 2011. ALVES, A.C.D.; AQUINO, T.A.A. A relação da religiosidade com as visões de morte. 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Informamos que essa pesquisa não oferece riscos, previsíveis, para a sua saúde. Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária e, portanto, o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pelo Pesquisador(a). Caso decida não participar do estudo, ou resolver a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano. Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere necessário em qualquer etapa da pesquisa. Termo de Consentimento Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados. . João Pessoa, ____de ____________ de ______. ________________________________________________ 77 APÊNDICE B – Questionário “Perfil de Atitudes perante a Morte” Perfil de Atitudes perante a Morte Este questionário contém uma série de afirmações relativas a diferentes atitudes perante a morte. Leia atentamente cada afirmação, e depois indique o quanto concorda ou discorda com a mesma. É importante que pense bem em cada afirmação e que responda a todas elas. Muitas das afirmações podem parecer semelhantes, mas todas são necessárias para evidenciar Concordo muitíssimo Concordo Concordo moderadamente Não concordo nem discordo Discordo moderadamente Discordo Discordo muitíssimo pequenas diferenças ao nível das atitudes. 1.A morte constitui sem dúvida uma experiência terrível. 1 2 3 4 5 6 7 2.Perspectivar a minha própria morte gera-me ansiedade 1 2 3 4 5 6 7 3. Evito pensamentos acerca da morte a todo o custo 1 2 3 4 5 6 7 4. Acredito que irei para o Céu depois de morrer 1 2 3 4 5 6 7 5. A morte porá fim a todos os meus problemas 1 2 3 4 5 6 7 6. A morte devia ser olhada como um acontecimento natural, inegável e inevitável. 1 2 3 4 5 6 7 7. Perturba-me o fato da morte ser irreversível 1 2 3 4 5 6 7 78 8. A morte é uma passagem para um local de satisfação plena 1 2 3 4 5 6 7 9. A morte permite escapar deste mundo terrível 1 2 3 4 5 6 7 10. Sempre que me ocorrem pensamentos acerca da morte, procuro afastá-los 1 2 3 4 5 6 7 11. A morte é a libertação da dor e do sofrimento 1 2 3 4 5 6 7 12. Tento sempre não pensar na morte 1 2 3 4 5 6 7 13. Acredito que o céu será um local bem melhor do que este mundo 1 2 3 4 5 6 7 14. A morte é um aspecto natural da vida 1 2 3 4 5 6 7 15. A morte é a união com Deus e com a felicidade eterna 1 2 3 4 5 6 7 16. A morte traz uma promessa de uma vida nova e gloriosa 1 2 3 4 5 6 7 17. Não temerei a morte, mas também não a receberei de braços abertos 1 2 3 4 5 6 7 18. Tenho um intenso medo da morte 1 2 3 4 5 6 7 19. Evito por completo pensar na morte 1 2 3 4 5 6 7 20. O tema da vida depois da morte perturba-me bastante 1 2 3 4 5 6 7 21. Assusta-me o fato de que morte pode significar o final de tudo o que conheço 1 2 3 4 5 6 7 79 22. Aguardo com expectativa a reunião com os que amei, depois da morte 1 2 3 4 5 6 7 23. Vejo a morte como alívio do sofrimento terreno 1 2 3 4 5 6 7 24. A morte é simplesmente uma parte do processo da vida 1 2 3 4 5 6 7 25. Vejo a morte como uma passagem para um lugar eterno e abençoado 1 2 3 4 5 6 7 26. Tento não me envolver em nada que tenha a ver com o tema da morte 1 2 3 4 5 6 7 27. A morte oferece a maravilhosa libertação da alma 1 2 3 4 5 6 7 28. Uma das coisas que me conforta perante a morte é a minha crença numa continuidade da vida depois da morte 1 2 3 4 5 6 7 29. Vejo a morte como alívio dos fardos desta vida 1 2 3 4 5 6 7 30. A morte não é boa nem má 1 2 3 4 5 6 7 31. Aguardo com expectativa a vida depois da morte 1 2 3 4 5 6 7 32. Preocupa-me a incerteza de não se saber o que acontece depois da morte 1 2 3 4 5 6 7 80 APÊNDICE C – Questionário “Sentido da Vida” Questionário de Sentido de Vida Pense por um momento sobre o que faz com que sua vida seja importante para você. Agora responda as sentenças seguintes de modo verdadeiro e com o máximo de cuidado que você puder. Também se lembre de que estas questões muito subjetivas e que não existem respostas certas ou erradas. Por favor, responda de acordo com a seguinte escala: Falso Nem verdadeiro nem Falso Parcialmente Verdadeiro Geralmente Verdadeiro Absolutamente Verdade 3 4 5 6 7 Totalmente Falso Geralmente Falso Parcialmente 1 2 01. ____ Eu compreendo o sentido da minha vida. 02. ____ Eu estou procurando alguma coisa que faça com que minha vida tenha sentido. 03. ____ Eu sempre estou em busca do sentido da minha vida. 04. ____ Minha vida tem um sentido claro. 05. ____ Eu tenho uma boa consciência do que faz minha vida ter sentido. 06. ____ Eu descobri um sentido de vida satisfatório. 07. ____ Eu estou sempre procurando por algo que faça com que minha vida seja significante. 08. ____ Eu estou buscando um significado ou missão para minha vida. 09. ____ Minha vida não tem um propósito claro. 10. ____ Eu estou procurando um sentido em minha vida. 81 APÊNDICE D – Questionário “Instrumento de Crenças Religiosas” Instrumento de Crenças Religiosas INSTRUÇÕES: Para cada concepção religiosa indique o grau de concordância/discordância Discordo totalmente Discordo Nem concordo nem discordo Concordo Concordo totalmente que se aproxime mais de sua convicção religiosa segundo a escala que se segue: 01. O mundo foi criado por Deus e um dia irá terminar. 1 2 3 4 5 02. O Divino se manifesta em muitas Divindades. 1 2 3 4 5 03. O ser humano deve obedecer à vontade de Deus. 1 2 3 4 5 04. A pessoa pode alcançar a união com o Divino por meio da meditação. 1 2 3 4 5 05. Deus é o criador, é o todo poderoso e é o único. 1 2 3 4 5 06. O Divino está presente em todas as coisas. 1 2 3 4 5 07. O grande pecado do homem é desejar se transformar em Deus. 1 2 3 4 5 1 2 3 4 5 08. O Divino se manifesta como uma força que penetra em tudo e em todos. 82 09. Após a morte, o ser humano será julgado e poderá ir para o céu ou para o inferno. 1 2 3 4 5 10. A alma se purifica após vários ciclos de reencarnações. 1 2 3 4 5 11. Deus redime o ser humano do seu pecado. 1 2 3 4 5 12. A graça vem por meio de sacrifícios. 1 2 3 4 5 83 APÊNDICE E – Questionário Sociodemográfico Questionário Sociodemográfico Gostaríamos de obter algumas informações sobre você. Não pretendemos identificá- lo(a), por isso, não assine ou coloque o seu nome. Estas informações unicamente descrevem os participantes deste estudo. 1. Idade: ______anos 2. Sexo: Masculino Feminino 3. Escolaridade________________ 4. Religião: Católica Evangélica Candomblé Umbanda Espírita Budista Outra:________________________ 5. Estado Civil: Solteiro Casado Separado Outro:_________________________ 6. O quanto você se sente uma pessoa religiosa? Nada religioso 0 1 2 3 4 5 Muito religioso 7. Cidade de origem:__________________________