UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIG IÃO
MESTRADO EM CIÊNCIAS DAS RELIG IÕES
Crenças Ocidentais e Orientais, Sentido de Vida e Visões de Morte:
um estudo correlacional.
ANA CAROLINA DINIZ ALVES
João Pessoa
2013
ANA CAROLINA DINIZ ALVES
Crenças Ocidentais e Orientais, Sentido de Vida e Visões de Morte:
um estudo correlacional.
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências das Religiões da
Universidade Federal da Paraíba, como
requisito para a titulação de Mestre e m
Ciências das Religiões, na Linha de Pesquisa
Espiritualidade e Saúde.
Orientador: Prof. Dr. Thiago Antônio Avellar
de Aquino.
João Pessoa
2013
A474c
Alves, Ana Caro lina Diniz.
Crenças ocidentais e orientais, sentido de vida e visões de morte: u m
estudo correlacional / Ana Carolina Din iz Alves.- João Pessoa, 2013.
83f.
Orientador: Th iago Antônio Avellar de Aquino
Dissertação (Mestrado) – UFPB/ CE
1. Ciências das relig iões. 2. Espiritualidade e saúde.
3. Crenças
religiosas. 4. Sentido da vida. 5. Percepção de morte.
UFPB/BC
CDU: 279.224 (043)
Aos meus queridos pais, Adalberto Alves da
Silva e Antônia Maria Diniz Alves e ao me u
amado esposo João Victor Martins Carneiro da
Cunha.
AGRADECIMENTOS
Ao autor e arquiteto da vida é a quem dedico estas primeiras palavras. Ao Deus
eterno, ao Pai amoroso, ao príncipe da paz agradeço pela vida, por me guardar diante de tantas
dificuldades e a me dar a cada instante a convicção de que em nenhum momento eu não
estaria só nessa caminhada, agradeço por experimentar a tua palavra que diz nem os olhos
viram nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou no coração humano o que Deus preparou
para os que o ama, podendo ver hoje mais uma etapa sendo construída em minha vida.
Obrigada meu Senhor.
Aos meus pais que dedicaram as suas vidas dia após dia para verem um sonho sendo
realizado em minha vida. Obrigada por acreditarem em mim, pela compreensão, pela
dedicação e por todo amor e carinho. Amo vocês.
Ao meu amado esposo João Victor Martins Carneiro da Cunha, obrigada pelo apoio,
compreensão e por todo amor e carinho.
As minhas primas-irmãs Georgiana, Lívia e Germana vocês não precisaram fazer algo
para despertar em mim o sentimento de gratidão. Posso dizer que Deus me presenteou com a
vida de vocês.
Aos meus tios Goret, Lauro e Socorro obrigada por tudo, pelo carinho e o amor de um
pai para com um filho, sei que vocês também acreditaram em mim.
A Thiago, meu orientador. Aprendi muito com você, exemplo de um verdadeiro
mestre. Levarei teus ensinamentos em todo a minha vida.
As minhas amigas Débora Leite, Andressa Florêncio, Priscyla Mariz, Cynthia Dias e
Kely Gomes há amigos mais chegados que irmão. Agradeço a Deus por ter amigas tão
especiais como vocês. Sei que vocês torceram por mim. Amo vocês.
A Karen Guedes, Daniela, Monique, Luana e Ana Ouro. Vocês se tornaram pessoas
especiais na minha vida. Obrigada pelo carinho e pelas palavras de incentivo.
A minha amada igreja Primeira Igreja Batista do João Agripino – PIBJA por ser parte
do reino de Deus aqui na terra. É muito bom poder desfrutar de um pedacinho do céu com
vocês. Obrigada pelas orações e todo apoio.
A Carla Brandão e Patrícia Nunes por ter aceitado participar da minha banca de defesa
tão prontamente. Obrigada por tudo.
A minhas amigas e colegas do HGPMER obrigada pela força e palavras de carinho e
incentivo.
Ao meu grupo de pesquisa Nous - espiritualidade e sentido é muito bom estar com
vocês.
E a todos os meus professores que durante esses dois anos dedicaram - se em passar os
seus conhecimentos. Vocês são grandes mestres.
Crenças Ocidentais e Orientais, Sentido de Vida e Visões de Morte: um
estudo correlacional.
RESUMO
A morte faz parte do ciclo vital do ser humano sendo interpretada por meio da cultura, dos
valores e das crenças religiosas. Contudo, o que há de universal no ser humano seria a busca
de sentido da morte, tendo a religiosidade um papel preponderante nesse processo. Tendo em
vista as considerações supracitadas, foram realizados dois estudos buscando compreender a
relação entre crenças religiosas, sentido de vida e as atitudes perante a morte. O primeiro
estudo teve por objetivo validar um instrumento de crenças religiosas. Para tanto, contou-se
com uma amostra de 126 participantes, que foram 8,7% do Encontro da Consciência Cristã,
56,5% do Encontro da Nova Consciência e 34,8% foram estudantes de Ciência das Religiões
na UFPB e 51,6% do sexo feminino. Para a coleta de dados foi utilizado a Escala de Crenças
Religiosas, proposta para este estudo, e um questionário sócio-demográfico. O resultado
sugeriu a sua validade fatorial distinguindo dois fatores denominados de Crença Ocidental e
Crença Oriental. A precisão das escalas foi satisfatória (α > 0,70) indicando a pertinência
dessa medida como um índice para a aferição das crenças religiosas. Já o segundo estudo teve
como objetivo averiguar as relações entre as crenças e a percepção de sentindo na vida,
identificar as associações entre as crenças e as atitudes perante a morte e, por fim, verificar as
relações entre percepção de sentido e atitudes perante a morte. A amostra foi composta por
121 participantes, sendo 57% do sexo feminino. Os entrevistados eram 5% do Encontro da
Consciência Cristã, 61,1% do Encontro da Nova Consciência e 33,9% foram estudantes de
Ciência das Religiões na UFPB. Para a coleta de dados foram utilizados três escalas: Escala
de crenças religiosas, Questionário de Sentido de Vida e o Perfil de Atitudes Perante a Morte,
sendo acrescido um instrumento sócio-demográfico. Os resultados sugeriram que a realização
de sentido se associou diretamente com a crença ocidental, enquanto que a busca de sentido se
correlaciono positivamente com a crença oriental. A concepção da finitude na crença
ocidental é compreendida através da aceitação religiosa e escape, na crença oriental esse
resultado foi inverso. E quanto maior é a realização de sentido a percepção de morte é aceita
em uma visão religiosa e menos compreendida como evitação e medo e quanto maior for a
busca de sentido maior será a percepção de morte como medo. Os resultados foram discutidos
à luz da teoria de Viktor Frankl bem como a partir dos fundamentos das concepções acerca
das ciências das religiões.
Palavras-chave: Crenças Religiosas; Sentido de Vida, Percepção de morte.
Occidental and Oriental beliefs, Sense of Life and Visions of Death: a
correlational study.
ABSTRACT
Death is part of life cycle of the human being, and it is interpreted through culture, values and
religious beliefs. However, what is universal in human beings is the search for the meaning of
death, and religiosity has a leading role in this process. In view of the above considerations,
two studies were conducted in order to understand the relationship between religious beliefs,
sense of life and attitudes towards death. The first study had the objective of validating an
instrument of religious beliefs. To achieve that, we relied on a sample of 126 participants,
respondents were 8,7% from the Christian Conscience’s Meeting, 56,5% from the New
Consciousness’s Meeting and 34.8% were students of Science of Religions from UFPB and
51.6 % were female. To collect data we used the Scale of Religious Beliefs, proposed for this
study, and a socio-demographic questionnaire. The result suggested its factorial validity
distinguishing two factors called Occidental Belief and Oriental Belief. The precision of the
scales was satisfactory (α> 0.70), indicating the relevance of this measure as an index to
measure religious beliefs. The second study aimed to investigate the relationship between
beliefs and the perception of sense in life, identify the associations between beliefs and
attitudes towards death and, finally, to verify the relationship between perception of sense and
attitudes towards death. The sample consisted of 121 participants, that 57% were female.
Respondents were 5% from the Christian Conscience’s Meeting, 61.1% from the New
Consciousness’s Meeting and 33.9% were students of Science of Religions from UFPB. For
collecting data we used three scales: religious beliefs, Sense of Life Questionnaire and Profile
of Attitudes Against Death, in addition we inserted an socio-demographic instrument. The
results suggested that the sense of achievement was directly associated with the occidental
belief, while the search for meaning is a correlates positively with oriental belief. The
conception of finitude in occidental belief is understood by religious acceptance and escape,
but in the oriental belief this result was the opposite. And the greater the sense of
accomplishment the perception of death is accepted by a religious vision and less understood
as fear and avoidance, and the greater the search for meaning greater the perception of death
as fear. The results were discussed based on the theory of Viktor Frankl as well as from the
fundamentals of the conceptions of science of religions.
Keywords: Religious Beliefs; Sense of Life, Death Perception.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Representação gráfica dos valores próprios da escala de Crenças Religiosas .......... 55
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Estrutura Fatorial da Escala de Crenças Religiosas.................................................. 56
Tabela 2: Matriz Correlacional Crença Ocidental e Oriental e o sentido de vida. ................... 60
Tabela 3: Matriz Correlacional Crenças Ocidentais e Oriental e Visões de Morte .................. 61
Tabela 3: Matriz Correlacional Sentido de Vida e Visões de Morte ........................................ 61
SUMÁRIO
PARTE I - INTRODUÇÃO ................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO .......................................................................................... 14
PARTE II – MARCO TEÓRICO ......................................................................................... 16
CAPÍTULO 2 – MORTE ....................................................................................................... 17
2.1 HISTÓRIA DA MORTE .................................................................................................... 17
2.2 CRENÇAS E PERCEPÇÕES DA MORTE EM DIFERENTES RELIGIÕES ................. 21
2.2.1 Crenças ........................................................................................................................... 21
2.2.2 Crenças acerca da morte ............................................................................................... 23
2.2.3 Crenças Ocidentais ........................................................................................................ 24
2.2.3.1 Judaísmo ....................................................................................................................... 24
2.2.3.2 Cristianismo.................................................................................................................. 26
2.2.3.3 Islamismo ...................................................................................................................... 28
2.2.3 Crenças Orientais .......................................................................................................... 29
2.2.3.1 Budismo ........................................................................................................................ 29
2.2.3.2 Hinduísmo ..................................................................................................................... 30
2.2.3.3 Taoísmo......................................................................................................................... 31
2.3 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA MORTE ................................................. 32
2.4 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A MORTE ................................................................... 36
CAPÍTULO 3 – RELIGIÃO, ESPIRITALIDADE E SENTIDO DE VIDA ..................... 40
3.1 RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE ................................................. 40
3.2 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE ESPIRITUALIDADE E A MORTE ........................... 43
3.3 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A ESPIRITUALIDADE .............................................. 45
3.4 BUSCA DE SENTIDO COMO ESPIRITUALIDADE ..................................................... 48
PARTE III – ESTUDOS EMPÍRICOS ................................................................................ 52
CAPÍTULO 4 – ESTUDO 1: ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA ESCALA DE
CRENÇAS RELIGIOSAS ................................................................................................ 53
4.1 DELINEAMENTO ............................................................................................................. 53
4.2 AMOSTRA ......................................................................................................................... 53
4.3 INSTRUMENTOS ............................................................................................................. 53
4.4 PROCEDIMENTO ............................................................................................................. 54
4.5 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 54
4.6 RESULTADOS .................................................................................................................. 54
4.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................................................. 57
CAPÍTULO 5 – ESTUDO 2: ESTUDO CORRELACIONAL DAS VARIÁVEIS........... 58
5.1 DELINEAMENTO ............................................................................................................. 58
5.2 AMOSTRA ......................................................................................................................... 58
5.3 INSTRUMENTOS ............................................................................................................. 58
5.4 PROCEDIMENTO ............................................................................................................. 59
5.5 ANÁLISE DOS DADOS ................................................................................................... 60
5.6 RESULTADOS .................................................................................................................. 60
5.7 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS ................................................................................ 61
5.7.1 Crenças e o sentido de vida ........................................................................................... 62
5.7.2 Crenças Ocidentais e Orientais e Visões de Morte ..................................................... 63
5.7.3 Sentido de Vida e Visões de Morte ............................................................................... 65
PARTE IV – CONCLUSÃO .................................................................................................. 67
CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 68
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 70
APÊNDICES ........................................................................................................................... 75
PARTE I - INTRODUÇÃO
14
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO
___________________________________________________________________________
A religião é uma das expressões mais antigas do homem (JUNG, 1958). Desde a PréHistória, há registros de atitudes e crenças religiosas bem como lugares reservados para a sua
expressão, seja através de mitos, ritos e hierofanias. Além disso, observa-se em todas as
culturas, a existência de uma palavra específica para qualificar o que é sagrado e diferenciá- lo
do profano (CHAUI, 1997; ELIADE, 1949; GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
Nesse sentido, a religiosidade e o espaço do sagrado podem ser considerados como
fenômenos universais e, consequentemente, uma característica antropológica.
As religiões através dos seus dogmas, doutrinas e crenças refletem acerca da vida e da
morte, dessa forma o homem busca por meio da religião respostas para as suas indagações
existenciais, tais como: de onde eu vim e para onde eu vou. O medo de morrer, segundo
Kovács (1992), está presente na humanidade e alguns fatores (a exemplo do envolvimento
religioso e a capacidade de resiliência) podem ajudar no enfrentamento e na aceitabilidade da
morte.
Outro aspecto que as religiões se preocupam é sobre a busca de sentido, também
concebida como espiritualidade. Nessa perspectiva, Viktor Frankl compreendeu o ser humano
como vontade de sentido. A busca de sentido pelo homem, para Frankl (1989/1991), seria a
motivação primária da vida, o indivíduo sempre se move em busca de um sentido para se
viver. E deve ser individual e específico, pois só pode ser vivenciado por cada pessoa segundo
o grau de importância para a realização dos valores. As religiões para Frankl seria concebidas
como sistema simbólico, pelo qual o ser humano religioso expressaria a sua espiritualidade.
Esta última por sua vez, diz respeito à busca do sentido ultimo da vida (FRANKL, 2003).
Assim, o estudo teve como objetivo verificar a fatorabilidade de uma escala acerca das
crenças ocidentais e orientais. Como objetivos específicos, averiguar as relações entre as
crenças e a percepção de sentindo na vida; identificar as associações entre as crenças e as
atitudes perante a morte e, por fim, verificar as relações entre percepção de sentido e atitudes
perante a morte.
Para tanto, a presente dissertação foi dividida em quatro partes: após essa primeira
parte, de Introdução, a segunda parte apresenta a revisão teórica sobre morte e espiritualidade,
crenças e sentido da vida, cujos capítulos traçam o percurso da percepção da morte no
ocidente culminado com o medo da morte, bem como no que tange às crenças e de que forma
15
as matrizes religiosas entendem o fenômeno da morte, assim como a filosofia entende a
finitude através dos teóricos Schopenhauer e Max Scheler; por fim, apresentam-se
brevemente os estudos empíricos sobre a morte, para, no capítulo seguinte, realizar-se uma
reflexão sobre os termos religião, religiosidade, espiritualidade e crenças, a relação
espiritualidade e morte e alguns estudos empíricos sobre a espiritualidade. Por fim, encerra-se
esta seção com a teoria de Viktor Frankl e o sentido de vida. A terceira parte deste estudo
explicita a pesquisa empírica com seus resultados e discussões. Já a quarta parte, discorre
sobre as considerações finais do estudo, apontando para seus pontos de convergência e a
necessidade de maiores considerações futuras sobre o tema.
PARTE II – MARCO TEÓRICO
17
CAPÍTULO 2 – MORTE
Com o objetivo de compreender como o medo da morte influencia na qualidade de
vida do ser humano, o presente capítulo reuniu elementos históricos e sociais no ocidente que
possibilitam ter uma visão panorâmica sobre esse aspecto ao longo do tempo. Ademais,
também apresentou como, o temor da morte, nos tempos atuais, facilita uma melhor
compreensão das atitudes e comportamentos do homem diante da vida.
2.1 HISTÓRIA DA MORTE
As reflexões sobre a morte foram à fonte de inspiração da maioria dos sistemas
filosóficos, da religião. É através do questionamento do homem sobre a vida e a morte, que
conteúdos internos são mobilizados e a dor e angústia se fazem presentes. Para Schopenhauer
(2000) a mesma razão que teme a morte é a que traz alivio e consolo, onde estão orientadas as
religiões e os sistemas filosóficos, que proporciona uma maior aceitação da morte.
Historicamente as percepções sobre a morte, assim como as transformações sociais,
econômicas de uma sociedade, passaram por mudanças significativas no seu modo de pensar
e agir. Em seu livro, História da Morte no Ocidente (2003), Philippe Ariès (2003) percorre o
caminho das diversas concepções acerca da morte, desde Idade Média até o advento do
capitalismo. Para este autor, a mudança em relação à morte se configurou em quatro períodos,
pelas quais as atitudes diante do morrer sofreram mudanças, muitas vezes, quase
imperceptíveis e outras de forma mais rápida e dramatizada.
Na primeira metade da Idade Média a morte era percebida como domada, ou seja, o
moribundo sabia que ia morrer e a esperava no próprio leito, tomando todas as providências
em relação à cerimônia pública do ritual de sua morte. Os familiares, as crianças e amigos
ficavam velando o morto. Nessa época a morte era aceitável e vista como parte do ciclo de
vida, simples e sem caráter dramático, fato que não gerava emoções excessivas de choro.
Nesse período o que predominava no ocidente era a visão cristã sobre a vida e morte,
assim, a morte era o caminho para a eternidade, crendo na ressurreição da carne. Os cristãos
acreditavam em vida após a morte, o que transmitia um sentimento de conforto, já que o
morto renasceria e se encontraria com seus entes em outra vida, vista como eterna. A morte
era concebida apenas como uma separação temporária entre os familiares, pois era oferecida
18
uma vida plena e eterna na presença de Deus. Assim a imagem que prevalece na época é a que
existe um laço contínuo entre vivos e mortos (ARIÈS, 2003).
Entre os séculos XI e XII a atitude diante da morte sofre transformações sutis, que
pouco a pouco, darão um sentido dramático e pessoal à familiaridade tradicional do homem
com a morte, percebem-se mudanças nas representações do juízo final e das sepulturas
(ARIÈS, 2003).
Segundo Ariès (2003), no século XII até o século XVIII, o capitalismo começa a se
emergir na Europa surgindo com força o individualismo que começa a se fazer sentir em
relação ao fenômeno da morte, na medida em que ela começa a se personalizar.
A partir do século XVIII o homem ocidental atribui outro sentido à morte, preocupa-se
menos com a sua própria morte, voltando-se para a morte do outro. Assim, a morte nesse
momento passa a ser exaltada, romântica cuja saudade e as lembranças inspiram o novo culto
dos túmulos e dos cemitérios. Sai de cena a aceitação da morte como parte normal do ciclo de
vida a qual é expressa pela dor devida e não aceitação da separação. A morte temida não é a
própria morte, mas a do outro (ARIÈS, 2003).
No decorrer do período compreendido entre a Idade Média até a metade do século
XIX, a morte que estava presente na vida das pessoas vai se apagar e desaparecer, tornando-se
vergonhosa e objeto de interdição. O leito de morte sai da casa, onde ficavam perto dos seus
entes queridos, e passa para o hospital, afastando-se dos familiares.
Todas essas mudanças no modo de vida social e econômico vão interferir no
fenômeno da morte, que passa a ser exaltada e dramatizada, o que se evidenciam com as
cenas do choro. O luto passa então a ser um cerimonial, um ritual cada vez mais sofisticado,
no sentido de exaltar, de fazer discursos aos mortos. Todas essas transformações ocorreram
com o fenômeno da morte que passou a ser sentida e vivida, fazendo parte do cotidiano dos
homens (ARIÈS, 2003).
Por meio do desenvolvimento do capitalismo e o advento da modernidade, a morte que
estava presente na sala de visita, rodeado pelos seus familiares, passou para o leito de
hospital, onde janelas estão fechadas, a luz é artificial, a temperatura constante mantida por ar
condicionado e os equipamentos técnicos, tentando a todo custo eliminar o que é eliminável, a
morte (OLIVEIRA, 2002, apud COMBINATO; QUEIROZ, 2006).
Conforme Rodrigues (1983, apud ESSLINGER, 2004) com o desenvolvimento da
individualização e o aparecimento de uma consciência especial na biografia individual, à
morte passa a ter uma conotação negativa, passando a ser um acontecimento temido por todos
os seres humanos. Corroborando com esta visão Morin (1997) concebe que o homem passa a
19
ter horror da morte, o que pode ser traduzido na dor pelo funeral, pelo terror da decomposição
do corpo, pela obsessão da morte e, principalmente, pela perda da individualidade. Já
Carvalho et al. (2006) compreendem que o processo de morte e de morrer, tem sido algo de
grande aflição e angústia para a humanidade, já que seria tão suscetível e tênue o estar vivo,
ou seja, o ser mortal.
O homem ocidental evita pensar sobre a morte, para conservar a felicidade, tendo em
vista que refletir sobre a morte traz angústia e medo (SCHUMACHER, 2009). Para Martins
(2007) o homem é um ser lançado nesse mundo e a sua existência vai se constituindo do uso
das coisas feitas no tempo, entre o início e o fim da vida. Sendo assim, o homem é um ser de
possibilidades de usufruir as coisas manipuladas por ele, mas para este homem encontrar seu
ser autêntico é necessário reconhecer a possibilidade de morte, e esta consciência de finitude
não deixa o homem inerte, paralisada, sem a menor perspectiva de realização. Este ser para a
morte vem acompanhado de angústia e dor, gerando sofrimento, antecipando o pensar sobre a
morte. Refletir sobre a morte causa angústia, mas leva o homem a utilizar melhor as coisas, a
dor que imanente ao ser para a morte, é a abertura para chegar à consciência da possibilidade
das impossibilidades e, assim viver bem.
De acordo com Kovács (1992), o medo da morte é a resposta psicológica mais comum
diante da morte. O medo de morrer é universal e atinge todos os seres humanos, independente
da idade, sexo, nível sócio econômico e crédulo religioso. Entretanto, Kubler-Ross (1998)
compreende que a morte constitui um acontecimento “medonho”, pavoroso e um medo
universal. Colocando à tona toda a fragilidade humana e impulsionando a ciência na busca se
sua exterminação.
Para Martins (2007, p. 177) “no nosso contexto social, a morte é algo incompreensível
e inaceitável, pois vivemos num meio a uma supervalorização dos bens materiais. [...] Se o
sentido das coisas é serem usadas pelo homem, com a morte tudo perde o sentido”.
De acordo com Morin (1997), é nas atitudes e crenças diante da morte que o homem
exprime o que a vida tem de mais de fundamental. A sociedade funciona apesar da morte,
contra ela, mas só existe enquanto organizada pela morte, com a morte e na morte.
Confirmando o que foi proposto por Meltezer (1984, apud KOVÁCS, 1992) a morte é
o inimigo que os vivos passam suas vidas tentando superar e derrotar para sempre, sem ideia
das consequências que podem acarretar em suas vidas.
Kovács (1992) compreende que ao pensar sobra a morte cada pessoa pode relacioná- la
a um dos seguintes aspectos:
20
Medo de morrer: surge o medo do sofrimento e da indignidade pessoal.
Medo do que vem após a morte: o medo do julgamento, do castigo divino e da
rejeição.
Medo da extinção: diante da própria morte existe a ameaça do desconhecido, o medo
de não ser e o medo de não mais existir.
A morte difere em seu significado, as tensões provocadas pela morte de um dos seus
familiares, ou até mesmo pensar sobre a sua própria morte, traz sentimentos diferentes que
vão desde a raiva, a tristeza, a barganha até a negação (KUBLER-ROSS, 1998). Podendo ser
percebida de diferentes formas, de acordo com a história de vida do indivíduo, da religião e da
cultura envolvida nesse processo (AGRA; ALBUQUERQUE, 2008).
Os fatores que influenciam no enfrentamento referente ao medo da morte são: a
maturidade psicológica do indivíduo, a capacidade de enfrentamento, a orientação, o
envolvimento religioso e a sua própria idade (FEIFEL, 1959, apud KOVÁCS, 1992).
É difícil a diferenciação entre o medo e ansiedade. Mas, Hoelter (1979, apud
ESSLINGER, 2004) afirma que a ansiedade pode ser defendida como um estado geral que
precede uma preocupação mais específica do homem com a morte. Assim, as pessoas que
apresentam um maior nível de ansiedade têm medo da morte.
Segundo Kovács (1992), o medo da morte pode estar ligado à morte concreta, à
finitude, à extinção e também aos seus equivalentes, com medo do abandono, da vingança e
de outras forças destrutivas. O medo da morte tem um lado vital e por isso precisa estar
presente em certa medida.
O enfrentamento da morte é muito difícil e angustiante para quem vivencia, podendo
ser ainda bem mais para a pessoa que fica observando a morte do outro porque provocam
rupturas profundas um ajustamento no modo de pensar, de entender, de perceber e viver no
mundo. Nessa perspectiva Carvalho et al. (2006) afirmam que os valores e as crenças do
homem, influenciam a sua preparação para morrer ou para aumentar a dificuldade do
enfrentamento da morte.
De acordo com Moreira e Lisboa (2006, p. 448), “[...] defende-se a premissa de que
ser o máximo possível em todos os momentos é valorizar a vida, entendendo que o ser, para
viver em sua plenitude tem que ter inserido todas as suas possibilidades, incluindo da própria
finitude”. O medo da morte influencia a maneira de agir do homem, tendo a religião um
importante papel na formação das atitudes perante a morte.
21
2.2 CRENÇAS E PERCEPÇÕES DA MORTE EM DIFERENTES RELIGIÕES
2.2.1 Crenças
Segundo Helmuth Kruger (1986, p.32), as crenças, em uma perspectiva da Psicologia
Social, são “proposições que, na sua formulação mais simples, afirmam ou negam uma
relação entre dois aspectos concretos ou abstratos ou entre um objeto e um possível atributo
deste”. De acordo com esse mesmo autor, as crenças se organizam em sistemas e podem
ativar comportamentos sociais. Nessa perspectiva, o presente trabalho de dissertação parte do
pressuposto de que as crenças religiosas são possíveis atributos acerca de Deus, da vida, da
morte e de todos os objetos considerados sagrados.
Smith (1963) explica a crença a partir da relação desta com a fé. Esta última é algo
pessoal, diz respeito à experiência humana com o transcendente, a qual é manifesta em algo
que pode ser descrito como uma crença. Uma vez que estas descrições, ou conceitos que
expressam a fé também influenciam outros a terem fé. Há uma relação de reciprocidade entre
fé e crenças em uma perspectiva dinâmica. Crenças, portanto, seriam as proposições
resultantes da fé.
Em sua obra Crenças, atitudes e valores, Rokeach (1981) afirma que esses três
elementos forma um sistema que funciona de forma integrada, uma mudança em qualquer
parte desse sistema resultará em uma mudança comportamental. Mas, cada elemento possui
os seus conceitos e particularidades, que é necessário ser compreendido e fazer uma distinção
de cada conceito. Abordaremos neste trabalho as questões relacionadas com as crenças,
focando em nosso objetivo de estudo.
Um sistema de crenças, na perspectiva de Rokeach (1981), pode ser definido como
pensamentos ou convicções que estão ordenadas psicologicamente, mas não na lógica. Cada
pessoa possui inúmeras crenças sobre vários aspectos da vida, e estão organizadas em um
sistema estrutural e valorativo, assim as crenças possuem consequências comportamentais
observáveis. O autor faz três afirmações sobre os tipos de crenças: que são valorativas, quanto
mais for central a crença maior a resistência para a mudança e quanto mais central for à
crença que mudou, irá repercutir em todas as outras crenças.
As crenças apresentam certa estabilidade que é relativa ao grau de “enraizamento”
numa sociedade, ou indivíduo; Rokeach (1981) aventa que as crenças são passíveis de serem
hierarquizadas, tendo em vista que estas apresentam uma gradação em função de sua
importância. Nessa direção, seria possível aferir a variação de importância de uma crença
22
entre indivíduos distintos, ou da importância de uma crença dentro do sistema de crenças de
um único indivíduo, podendo ser observada de forma empírica.
Baseado num atributo de importância, Rokeach (1981) identificou cinco classes de
crenças do sistema individual num sentido “periférico-central” para avaliar a resistência delas
e os efeitos de tal mudança para o resto do sistema; a importância de uma crença tem a ver
com o nível de interação e influência com outras dentro do sistema de crenças, o que é
chamado de encadeamento lógico. Quatro critérios foram sugeridos por Milton Rokeach
(1981) para avaliar qual das crenças dentro dos sistemas, teriam mais ligações e
consequências funcionais com outras crenças:
◦ Quanto à existência (crenças existenciais e não existenciais): estão ligadas as
convicções sobre a própria existência e ao mundo físico e apresenta uma maior
interação e consequências funcionais com outras crenças.
◦ Quanto ao Compartilhamento (crenças compartilhadas versus crenças não
compartilhadas sobre a existência e autoidentidade): são crenças que podem ser
compartilhadas ou não no que se refere à existência e à identidade.
◦ Quanto à derivação (crenças derivadas versus crenças não derivadas): é caracterizada
por ser compreendida de forma indiretas, com outras pessoas e grupo e não diretamente
com a própria crença. É adquirida sob a influência do meio e possui menos ligações e
consequências funcionais com outras crenças.
◦ Quanto à questão de gosto (crenças relativas e não relativas à questão de gosto): são
crenças de fácil apreensão para o ser humano e corresponde com a preferência do
indivíduo.
Sob o arranjo de uma dimensão periférico-central estão apresentadas a seguir as cincos
classes de crenças:
Tipo A – Crenças Primitivas – Consenso: 100%: são aprendidas pelo encontro direto
com o objeto da crença, reforçada por um consenso social. São as crenças mais centrais
ou nucleares do sistema e raramente são sujeitas a controvérsias. Podem ser
compreendidas como os pressupostos de um indivíduo. Esta classe é composta por dois
subconjuntos de crenças: um relativo à constância dos objetos físicos e o outro relativo
à constância das pessoas com respeito aos objetos físicos.
Tipo B – Crenças Primitivas – Consenso: Zero: são crenças também adquiridas pelo
encontro direto com o objeto de crença, embora não dependa do consenso social. Pode
ser entendida pela expressão: “Eu acredito, mas nenhum outro poderia saber.”.
23
Tipo C – Crenças de Autoridade: são crenças não primitivas, portanto, controversíveis.
Estão relacionadas à necessidade de conhecimento a respeito da construção de mundo,
sofrendo influência de pessoas e grupos de referência, as quais podem ser positivas ou
negativas, ou seja, alguns compartilham dessa crença, enquanto outros não a
compartilham. O que leva o indivíduo a estabelecer quem terá autoridade sobre suas
crenças.
Tipo D – Crenças Derivadas: a crença em certa autoridade implica em crenças
provenientes dela, ou seja, crenças derivadas. A qual está submetida à crença na
autoridade de tal forma que, se a primeira for atingida, as crenças derivadas dela
também serão. São caracterizadas como “as ideologias institucionalizadas”. Estas
crenças dão a identidade de um grupo.
Tipo E – Crenças Inconsequentes: são crenças relacionadas às questões de gosto. São
resultantes da experiência direta com o objeto de crença, portanto, incontroversíveis.
Todavia, são inconsequentes por terem pouca ou nenhuma ligação com outras crenças.
De acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), as crenças são definidas como
conceitos fixos dos praticantes das matrizes religiosas sobre quem é Deus, sobre o inicio e o
fim da existência humana e o sentido da vida, tendo um viés intelectual. Essas crenças são
expressas por meio de cerimônias, ritos e pela linguagem. Com o intuito de compreender e
classificar as crenças religiosas, os autores agruparam em dois grupos de crenças que a
nomearam de ocidental e oriental, segundo as semelhanças de convicções da visão histórica,
do conceito de Deus, da noção de humanidade, salvação, ética e culto. A partir da
classificação utilizada por Gaarder, Hellern e Notaker (2005), foi proposto na presente
dissertação um instrumento de crenças religiosas.
2.2.2 Crenças acerca da morte
Segundo Ferreira (2007), uma das questões mais preocupantes para o homem é a
morte. Ao conhecer o que é aguardado para o fim da vida as pessoas têm oportunidade de se
preparar para enfrentar essa realidade, fazendo com que todas as culturas procurem recursos
através da religião para ajudar ao ser humano a obter respostas para as suas indagações acerca
da morte.
O fenômeno da morte é um organizador cultural, permitindo à expressão de afetos e
significação da existência. Cada tradição religiosa seja o Judaísmo, Cristianismo, Islamismo,
Budismo, Espiritismo e Hinduísmo têm em sua doutrina explicações sobre a morte e possuem
24
os seus próprios rituais. A religião é um excelente espaço para que a morte tenha voz e cada
tradição transmite isso de uma forma diferente, no entanto é comum a todas elas encararem a
morte como um rito de passagem (TEIXEIRA, 2006).
Assim, cada doutrina religiosa, em sua forma de expressar os seus ritos e mitos, possui
tantos aspectos comuns como incomuns. Nesta perspectiva Gaarder, Hellern e Notaker (2005)
agrupam as religiões em dois segmentos: crenças orientais e ocidentais. Para essa divisão os
autores levam em consideração a visão histórica, o conceito de Deus, a noção de humanidade,
a salvação, a ética e o culto. Consideram-se crenças ocidentais o judaísmo, o islã e o
cristianismo enquanto que as crenças orientais são o budismo, o hinduísmo e o taoísmo.
2.2.3 Crenças Ocidentais
As crenças ocidentais, segundo Gaarder, Hellern e Notaker (2005) compreendem a
história tanto da humanidade tanto do espaço geográfico no qual ela está inserida, como tendo
um começo e fim. Para esse grupo, Deus é o Único, Criador de todas as coisas e o Todo
Poderoso, é o Divino que redime o ser humano do seu pecado, e o homem é um instrumento
da ação divina.
2.2.3.1 Judaísmo
O judaísmo é a menor das grandes religiões, mas talvez uma das mais importantes, no
sentido de ter influenciado a cultura ocidental e até mesmo a mundial. O judaísmo tem, por
assim dizer, dois filhos que seguem seus princípios fundamentais: o cristianismo e o
islamismo. Pode-se de fato dizer que o judaísmo está na origem dessas duas grandes religiões
(COOGAN, 2007). É a religião dos antigos hebreus, atualmente chamados de judeus,
compreendendo todo o acervo não só de crenças religiosas, como também de costumes,
cultura e estilo de vida dessas comunidades, que se têm mantido ao longo da sua existência.
A religião judaica está muito ligada aos aspectos históricos, pois as histórias bíblicas
se fundamentam na crença de que Deus fez uma promessa para os hebreus, os quais seriam
um povo especial e escolhido (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Assim, o
comportamento religioso dos judeus é caracterizado pela influência do relacionamento do
povo com Jeová. Vale salientar, que para os israelitas a ética e doutrina religiosa não se
distinguem, não há linha divisória que separe o sagrado do profano, pois tudo pertence à Lei
de Deus.
25
Na religião judaica toda a vida depende de um único Deus e tudo o que é bom vem
dele. No coração do Judaísmo reina a crença em Deus (“Jeová” ou “Javé”) único, onipotente e
ilimitado. Deus transcende o universo que criou e todos os componentes que nele habitam.
Jeová criou o mundo, e ensinou o homem a viver em função dos seus deveres, seguindo
somente a Deus, amando, ajudando e respeitando o seu próximo. A Tora é, para os judeus,
mais que um livro Sagrado, é acima de tudo o fundamento da relação entre Deus e o povo
judeu. Os textos são inspirados por Deus e neles se estabelece a aliança entre Deus e os
Homens (BOWKER, 1995).
A própria morte é entendida como parte da criação de Deus. Segundo a narrativa
bíblica, o homem foi feito por Deus para ambos desfrutarem de um eterno relacionamento,
por consequência da desobediência de Adão e Eva, a morte entra na humanidade. Assim, todo
o homem que nasceu e nascerá após o pecado original tem como fim da existência a morte,
mas, conforme as histórias bíblicas, Deus, com o seu infinito amor, faz uma aliança como seu
povo através de Abraão e com a sua descendência, reiterando-a ao líder Moisés, prometendo a
restauração e a vida eterna em um mundo espiritual (BOWKER, 1995). A Bíblia relata,
segundo Glasman (2007), que o moribundo Moisés recebe a visita de Deus, o qual, com um
beijo, levou a sua alma, demostrando todo o seu amor pelos seus. Assim, a morte não
significaria a extinção do ser, mas o começo de uma nova fase.
O fim da existência não é considerado uma tragédia e nem é dramatizada, mesmo que
ocorra numa fase inicial da vida ou por circunstâncias infelizes. Ela é contemplada como um
processo natural a que todos estão sujeitos, e que é cuidadosamente planejada por Deus. Os
judeus acreditam na vida no além, um mundo no qual os que tiveram uma vida terrena digna e
virtuosa serão recompensados. A morte é entendida como uma transição da vida que existe
para a vida que ainda virá. Os judeus confiam que, embora estejam deixando a vida por uma
porta, a ela voltarão por outra no dia da ressurreição, com a ideia de que a alma que partia
voaria em direção ao céu e aninhar-se- ia em paz no seio de Deus (GLASMAN, 2007).
A maneira de um homem lidar com a morte indica muito sobre sua atitude para com a
vida. Assim como há um estilo judaico de vida, também existe um estilo judaico de morte. Da
mesma forma que a maneira judaica de viver é uma perspectiva distinta e um estilo de vida
singular específicas de Deus, assim também a maneira judaica de morrer implica atitudes
singulares em relação a Deus e a natureza, e relativamente ao problema do bem e do mal. Há
também uma maneira distintiva de demonstrar as qualidades específicas judaicas de
reverência pelo homem e respeito pelos mortos.
26
Assim como um recém- nascido é imediatamente lavado e entra neste mundo limpo e
puro, também aquele que parte deste mundo deve ser limpo e purificado através do ritual
religioso chamado taharat, purificação. O taharat é realizado pela Chevra Kadisha, consistindo
de judeus instruídos na área de deveres tradicionais, que podem mostrar o respeito adequado
pelo falecido (GLASMAN, 2007).
A aflição da morte é uma das emoções mais pessoais, intransferível e às vezes
incompreensível, os costumes de luto judaicos servem para transformar os caos de aflição
interiorizada em um padrão de ordem, para que a introversão possa ser substituída por um
reconhecimento aberto de perda compartilhada. O objetivo das práticas é de manter a honra
do falecido (kibud há- met) e confortar as pessoas de luto (nihum avelim). O judaísmo
tradicional proíbe o embalsamamento, a cremação e a exibição de féretro aberto. O funeral
deve processar-se com presteza e ser conduzido com simplicidade (GLASMAN, 2007). Não
usa flores, nem música. No enterro jogam-se três pares de terra, enquanto recita: ”O Senhor
dá o Senhor tira- bendito seja o nome do Senhor”. Após o funeral a família fica de luto por
uma semana e no aniversário de morte do falecido a família ascende uma vela na sepultura e
recita o Kadish.
2.2.3.2 Cristianismo
O cristianismo é uma das chamadas grandes religiões é a filosofia que mais caracteriza
a sociedade ocidental (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Cristianismo vem da
palavra Cristo, que significa messias, pessoa consagrada e ungida (OLIVEIRA, 2008). A
característica chave desta doutrina é seguir a Jesus Cristo. Ele é o Messias, Filho de Deus, o
único salvador. Segundo essa matriz religiosa, Jesus, através de sua vida, morte e
ressurreição, libertou os cristãos do pecado original de Adão e Eva. Os cristãos são
monoteístas e seu Deus é Onipotente, Onisciente e Onipresente. Os cristãos no mundo estão
divididos entre Católicos, Ortodoxos e Protestantes, que apresentam algumas diferenças nas
doutrinas e nos rituais, mas que se encontram dentro da mesma crença em Jesus.
O preceito central da fé cristã assenta na crença de que Jesus era filho de Deus, o
Messias, o salvador, e foi enviado à Terra pelo Pai para salvar a raça humana do pecado,
preferindo morrer na cruz como sinal e demonstração do seu amor pelo próximo. Desde
então, ficava implícita a mensagem de que todos os que se arrependessem dos seus pecados e
a Ele se convertessem seriam perdoados e se juntariam a Ele no céu após a morte
(TEIXEIRA, 2006).
27
A doutrina do cristianismo baseia-se na crença de que todo o ser humano é eterno, a
exemplo de Cristo, que ressuscitou após sua morte. A alma nasce no momento da concepção,
sendo eterna a partir daí. Já que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, que lhe
deu (criou) a sua alma, deve tornar-se sempre mais próximo à imagem d'Ele, cada vez mais
subordinado ao Criador, um corpo cada vez mais subordinado à alma.
O messias é o ressuscitado, Jesus, filho enviado por Deus para libertar os homens do
pecado e da morte. A conversão estabelece uma relação de participação mística com Cristo.
Todo crente efetua a união mística com Cristo mediante o sacramento do batismo. Porque "os
que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte. Fomos, pois, batizados
com ele na morte pelo batismo; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela
glória do Pai, assim também andemos nós em novidade de vida". A fé cristã ensina que a vida
presente é uma caminhada e que a morte é uma passagem para uma vida eterna e feliz para
todos os que seguirem os ensinamentos de Cristo (OLIVEIRA, 2008).
Os cristãos têm na morte uma esperança, a presença do eterno no tempo, a
ressurreição. O homem deve passar pelos sofrimentos da morte e crer em Jesus para salvar-se
de seus pecados. Para os cristãos Jesus morreu para salvar a humanidade. A morte não é o
aniquilamento de tudo, não é o aniquilamento do ser, é apenas a transição para a ressurreição.
Não é uma fatalidade, é um aspecto real e cotidiano. Ao final dos tempos, com Cristo, os
corpos daqueles que creram em Jesus e, portanto, foram purificados do pecado, triunfarão da
morte e viverão eternamente, modificados pela imortalidade da alma (LE TROCQUER,
1960).
Os cristãos creem que após a morte (separação da alma do corpo) a alma vai para o
céu paraíso celeste (lugar onde se encontram todos os que morreram na graça de Deus (dom
interior e sobrenatural que o senhor concede para a salvação), a casa do Pai, o reino dos bons,
no qual gozam todos os bens eternamente), para o inferno (lugar onde se encontraram todo os
que morreram em pecado mortal). A religião cristã encara a morte como sendo uma
passagem, o fim de uma vida terrena cheia de angústia e de pesar e o início de uma nova vida,
uma vida celeste, junto de Deus, se a pessoa ao longo da sua vida enquanto mortal fez por
merecer. Os rituais de morte e luto têm similaridades, incluindo: unção, velório, enterro e
oração (TEIXEIRA, 2006).
28
2.2.3.3 Islamismo
O Islamismo, religião monoteísta, é considerado uma das maiores e principais
religiões do mundo, datando do início do século VII. As suas raízes mergulham no Judaísmo
e no Cristianismo. A palavra “islamismo” enquanto nome da religião tem significado de
rendição e submissão a Deus. O Islamismo é entendido como uma forma de vida para além de
ser uma religião, sendo a palavra utilizada para definir uma sociedade, um tipo de cultura, de
civilização (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
Historicamente, o islamismo tem as suas origens com Maomé no século VII. O profeta
foi presenteado com as revelações verbais de Deus (Alá) por intermédio do Arcanjo Gabriel,
cuja mensagem abria entendimento a duas ordenações fundamentais: - a humanidade devia
respeitar e adorar Alá; - Alá um dia viria a punir os homens de acordo com as suas leis e
crenças (BOWKER, 1995).
O Alcorão é o livro sagrado desta religião, contém a transcrição das ordenações
celestes reveladas a Maomé. Representa um código de conduta para todos os aspectos da vida
de um muçulmano, desde o berço até à sepultura. O Alcorão deve constituir um guia para a
vida de um muçulmano justo e crente na sua prova para o juízo final (TEIXEIRA, 2006).
Na religião islâmica existe uma submissão absoluta à vontade de Alá, e são
estabelecidos cinco pilares de fé, a serem cumpridos pelos muçulmanos: credo, oração,
caridade, jejum e peregrinação a Meca. O credo “Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é
seu profeta” é repetido várias vezes ao dia, é a primeira atitude no nascimento da criança e a
última na pessoa que esta para morrer. A oração é realizada cinco vezes por dia, antes da
oração o fiel deve estar ritualmente limpo, exige palavras e gestes bem definidos enfatizando
a submissão do homem a Deus. A caridade é um taxa de imposto formal sobre a riqueza e a
propriedade, que deve ser retirada dos ricos e dada aos pobres. O jejum é durante o Ramadan,
entre o sol nascer e o por do sol é proibido comer, beber, fumar ou ter relações sexuais. E por
fim, todo mulçumano deve pelo menos uma vez na vida ir a Meca (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005). Cumpridas estas obrigações, o homem deve saber os ensinamentos do
Alcorão e cumprir o Shari’ah (conjunto de direitos e obrigações do Islão) a fim de se manter
preparado para o momento em que abandonará este mundo e será julgado pelo seu criador –
Alá (TEIXEIRA, 2006).
Os muçulmanos, à semelhança dos cristãos, acreditam num único Deus, Alá, eterno,
piedoso e criador de todo o universo. De acordo com o Islamismo, Alá, criou uma vida para
além da morte onde cada um dos homens tem um lugar, vida esta que ocorrerá em dois locais
29
distintos: o paraíso, recompensa dos crentes e seguidores da doutrina islâmica, e o Inferno,
castigo dos pecadores que duvidam da essência do Islamismo e seus preceitos fundamentais.
Os muçulmanos acreditam na vida para além da morte, no céu ou no inferno, junto ou distante
de Alá, o Deus supremo, de acordo com o que foi praticado durante o seu percurso de vida
terrena. Acreditam no dia do juízo final e na ressurreição do corpo. A vida após a morte terá
início no Dia do Juízo Final, ou seja, no dia em que todos os defuntos ressuscitarão
fisicamente, e serão julgados pelas ações praticadas durante a sua vida terrena. Nesse dia
haverá uma divisão do mundo em duas partes essenciais: o paraíso e o inferno, para onde irá o
povo ressuscitado. A morte é vista como um momento de passagem para outra etapa; no Juízo
Final acontecerá a ressurreição, todas as almas retomarão corpos jovens e sem defeitos, sendo
entendida como um acontecimento natural (TEIXEIRA, 2006).
2.2.3 Crenças Orientais
Nas crenças orientais, encontram-se agrupadas as matrizes religiosas: budismo,
taoísmo e o hinduísmo. Nessas religiões, os pontos em comum são a percepção do mundo
como uma vida cíclica, repetindo em um ciclo eterno. O divino esta presente em todos os
lugares e em muitas divindades. O homem pode relacionar-se com o Sagrado por meio da
meditação, alcançando a salvação se libertando do ciclo de reencarnação.
2.2.3.1 Budismo
Sidartha Gautama, o Buda, nasce na Índia no século VI a. C., em meio a uma família
de famosos guerreiros - os Shakya. Filho de um príncipe indiano, foi criado com todo luxo e
sem contato com a realidade exterior ao palácio. Um eremita por ocasião do nascimento do
príncipe lança uma profecia afirmando que a criança seria um mestre de roda, um justo, um
iluminado. Preferindo continuar a linhagem real, Sidartha é afastado de toda a realidade
humana fora do palácio e criado apenas na vida luxuosa. Aos 29 anos ele resolve sair dos
muros reais e se depara com quatro situações que mudaram a trajetória de sua vida: um velho
esquelético, um doente gemendo, um cadáver e um monge itinerante. Sendo confrontado com
essas situações, é tomado por muitas indagações sobre o sofrimento humano e decide deixar
as mordomias reais e sair em sua busca pessoal (GNERRE, no prelo).
Assim, nasce uma nova história para aquele que posteriormente seria o Buda, o
iluminado. A busca inicialmente foi junto a mestres renomados de Yoga e o asceticismo, mas
30
as práticas ascéticas não convence Buda de que esta no caminho certo. Após se alimentar,
tomar um banho, Sidarta cruza um campo, e chegando a uma frondosa figueira resolve sentar
e não se levantar dali ate que encontrasse o remédio para a dor, o sofrimento e o mal de viver.
Nesse processo de meditação que Buda trava uma batalha com Mara, ou demônio, vencido a
batalha ele entra em um estagio profundo de meditação e finalmente alcança a iluminação e
sabedoria (GNERRE, no prelo).
Após a iluminação, Buda fala para os seus seguidores sobre as quatro nobres verdades:
afirma que tudo no mundo é sofrimento e que o sofrimento é causado pelo apego e o desejo,
pela eliminação dos desejos a dor é extinta e que o homem pode se libertar do sofrimento pelo
caminho de oito vias. Assim, o caminho que cessava o sofrimento. Acreditava que o homem
devia evitar os extremos da vida (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
O preceito básico dentro da doutrina budista é ter consciência da impermanência e da
morte. Parte-se da afirmação de que a morte é certa e que precisamos nos preparar para ela,
devemos pois pensar diariamente no sofrimento, quer seja na hora do nascimento ou na hora
da morte. A consciência da morte leva a desprender-se de qualquer apego material, uma vez
que tudo fica, nada será levado desta vida e deste mundo. Os prazeres mundanos são
desprovidos de qualquer relevância. Ao se chegar ao derradeiro dia de vida, nas últimas horas
não deve se ter nenhum tipo de arrependimento, remorso ou medo, pois a negatividade na
hora da morte pode levar o indivíduo a um próximo renascimento inferior. Para "acalmar" o
indivíduo é bom que se mostre imagens de Buda. Logo após a ocorrência da morte, os seres
de mentes virtuosas terão a sensação de passar de escuridão para a luz e não terão sofrimento.
Os seres dominados pelo desejo ou rancor terão alucinações e ansiedade. Poderão sentir-se
queimando ou adentrando à escuridão. Estas visões e sensações nada mais são que
adiantamentos acerca do futuro destes seres. Ao morrer, a pessoa ingressa no estado
intermediário, o bardo. Possui sentidos físicos completos e sua aparência corresponde à seu
próximo renascimento. Consegue ver através de objetos, viaja para qualquer lugar, mas só são
visíveis àqueles da mesma categoria. O tempo neste estado corresponde a sete dias (DALAI
LAMA, 1997).
2.2.3.2 Hinduísmo
Considerada uma das mais antigas religiões do mundo, o Hinduísmo é uma religião
que se apresenta sem fundador humano concreto, tendo subjacente um conjunto de textos
sagrados (os Veda) enviados pelo absoluto divino (Brahaman) que livremente comunica com
31
o homem, e que marca profundamente a sociedade e o seu estilo de vida, conjugando e
permitindo a fusão entre a vida religiosa e a vida social (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005). Apesar de o Hinduísmo ter Brahman como Deus supremo, é considerada
uma religião politeísta (mais de um deus), existindo um número de deuses menores, contudo
eles integram-se num tronco comum constituído por três deuses principais ou superiores e à
volta do qual gravitam: Brama, Vixnu, e Xiva (TEIXEIRA, 2006).
Na Índia o sistema de castas é o mais bem organizado, desde os tempos antigos as
castas eram divididas em quatro classes: os sacerdotes, guerreiros, agricultores, comerciantes
e artesões e servos. O que rege a divisão das tarefas para cada casta é a pureza, assim certos
trabalhos são considerados tão impuros que só podem ser exercidos por uma determinada
casta. E somente a casta que preenche os requisitos de pureza podem se aproximar dos deuses
mais elevados (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
O pensamento hindu sobre a morte, é que a alma renasce numa nova criatura vivente,
podendo reencarnar em uma casta mais alta ou mais baixa, ou ate mesmo no animal
(GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005). Os Hindus creem no Samsara, palavra vinda
do sânscrito que se refere ao ciclo da morte e do renascimento. E o renascimento depende
diretamente do estado espiritual de quando se morre. O Karma é a lei de causa e efeito que
governa vida e renascimento. O Karma, bom ou mau, ligado ao fato de haver o Samsara é o
que determina a Jati, ou casta social, na vida próxima. Para libertar-se do Samsara, o hindu
visa alcançar o Moksha e portanto entrar em harmonia com o Brahman. Para chegar ao
Moksha existem vários caminhos, dos quais estão entre eles: Jnana Marga (caminho da
sabedoria), Karma Marga (caminho da ação) e Bhakti Marga (caminho da devoção). Cada
caminho requer uma anulação do eu, dos sentidos e de outros aspectos terrenos (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005).
As etapas da vida de um hindu, como a morte, são marcadas pelo Samkara, um rito de
passagem que se destina a orientar a pessoa em sua próxima existência. Com referência a
morte, geralmente os hindus são cremados numa pira aberta que é acesa pelo filho mais velho
de quem faleceu. Os ossos são jogados no Rio Ganges, preferencialmente, para purificar e
libertar o espírito da pessoa (TEIXEIRA, 2006).
2.2.3.3 Taoísmo
A base do taoísmo é um pequeno livro de apenas 25 páginas, o Tao e do Te (Tao
significa ordem do mundo e Te força vital). Há controvérsias sobre o autor da obra, alguns
32
afirmam que não se sabe quem escreveu, mas alguns pesquisadores afirmam que o filosofo
Lao-Tse foi o escritor do texto (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
Nos escritos o Tao é a suprema ordem do mundo, a harmonia do mundo,
especialmente do mundo natural. Em várias ocasiões o tao é descrito como algo divino. Mas,
é impossível descrever o tao de maneira racional, portanto o homem não pode chegar a
compreender o tao, pois não pode ser compreendido pela razão humana. O homem só
consegue alcançar a união com o tao meditando e se afastando de todos os aspectos externos
(GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
A forma da organização social do taoísmo é caracterizada pela passividade, as pessoas
devem permanecer ingênuas e simples, como crianças. O ser humano dever então, se envolver
o menos possível no movimento natural dos fatos, quanto mais mandamentos e leis existirem,
mais bandidos e ladrões haverá, afirma Tao Te Ching (GAARDER; HELLERN; NOTAKER,
2005). Essa passividade levaria a pessoa preservar a sua força vital, assim alguns seguidores
interpretaram que a não ação os levaria a longevidade, e passaram a se interessar em se tornar
imortais. Assim, filósofos taoístas passaram a meditar e praticavam magias na tentativa de
descobrir o remédio para a vida eterna (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005).
2.3 CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA MORTE
A humanidade, ao longo de sua existência e na forma das mais diferentes culturas,
indaga por uma resposta ainda não encontrada acerca da morte. O ser humano desenvolveu
diversas formas de questionamentos a fim de alcançá- la. Dentre elas, a filosofia é a que
indaga com maior rigor.
Apresentam-se aqui uma breve apresentação das reflexões filosóficas de Arthur
Schopenhauer e Max Scheler acerca da vida e da morte. Embora suas investigações se
encaminhem por métodos diferentes a morte seria o ponto convergente dos dois pensadores.
Seguindo a tradição metafísica, Schopenhauer trata a morte como simples deixar de viver. O
filósofo alemão Max Scheler pertencente ao movimento fenomenológico traz considerações
sobre a temática da morte a partir do conhecimento indutivo.
O pensamento de Schopenhauer (2000) parte de uma interpretação de alguns
pressupostos da filosofia Kantiana, em especial da sua concepção dos fenômenos. Introduz
em sua metafisica as diferenças entre a representação e a vontade e a pluralidade e a unidade.
Esta noção leva Schopenhauer a postular que o mundo não é mais que representação. Esta
conta com dois polos inseparáveis: por um lado, o objeto, constituído a partir de espaço,
33
tempo e o princípio de causalidade; por outro, a consciência íntima e subjetiva acerca do
mundo, sem a qual este não existiria. Para Schopenhauer, ao tomar consciência de si, o
homem se experiência como um ser movido por aspirações e paixões. Estas constituem a
unidade da vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana ( REYDSON,
2009).
A filosofia pessimista é atribuída a Schopenhauer, ele percebe o mundo como cheio de
dor e sofrimento, afirma que o mundo onde estão todos os seres humanos e os organismos,
que estes seres são finitos e a vontade de viver é infindável, e é essa vontade de vida que traz
o consolo real para a morte. O pensamento pessimista schopenhaueriano diz que para o
indivíduo o melhor é a não existência e que o mundo é o pior mundo possível. Assim, “a mera
existência do mal no mundo o torna algo cuja inexistência é preferível à existência”
(REYDSON, 2009, p.55), logo, o desejável seria a não existência nesse mundo que é
tenebroso e cheio de dores. Portanto, a vontade é o que sustenta toda a condição humana é
entendida na ótica de Schopenhauer como causa de toda as mazelas e sofrimentos, possuindo
um desejo irracional de viver (REYDSON, 2009).
O filósofo Arthur Schopenhauer (2000) afirma que o temor da morte é um medo
inerente ao ser, ao dizer que mesmo o animal, destituído de conhecimento, foge de ameaças
de perigo, sempre protegendo a sua prole, para não se perder, nem perder os seus. O apego à
vida se explica pela Vontade de vida, termo utilizado por Schopenhauer para se referir à
forma irracional, sem conhecimento e cega, isto é, mesmo que a vida seja incerta e breve, e
até esteja difícil, o homem a ela se apega, já que a Vontade de vida é a essência mais íntima
do homem.
De in ício está diante de nós o fato inegável de que, de acordo com a consciência
natural, o homem teme mais a morte do que qualquer outra coisa, não só para a sua
pessoa, mas também chora com veemência a dos seus próximos, e em verdade, é
man ifesto, não egoisticamente devido a sua própria perda, mas por co mpaixão pela
grande desgraça que lhes acontece; por isso ele também censura como duro de
coração e destituído de amor aquele que, em tais casos, não chora e não mostra
aflição (SCHOPENHA UER, 2000, p. 62).
A morte enquanto mero desaparecimento do organismo refere-se apenas ao fenômeno,
não ao ser íntimo, particular. Schopenhauer (2000) trabalha com a distinção kantiana entre
coisa-em-si e fenômeno, isto é, a coisa-em-si diz respeito à realidade das coisas, enquanto o
fenômeno consiste no modo como as coisas nos afetam no tempo e no espaço.
Desse modo, o homem, como fenômeno, é transitório, porém como coisa-em-si é
imperecível e reaparece, pois dele há que sobreviver um germe, um núcleo de existência, que
pode vivificar-se em outro indivíduo.
34
O apego à vida é irracional, isto é, todo o nosso ser em si é uma concentração da
Vontade de vida. O indivíduo teme a morte, pois teme o não ser como consequência da morte.
Vale salientar que não é a parte cognoscente do homem que teme a morte, mas
exclusivamente a coisa-em-si, a Vontade de vida.
Para Schopenhauer, o medo da morte tem seu fundamento na Vontade de vida, isto é
facilmente verificável porque todos os animais temem a morte. O temor da morte é, tal como
a própria objetivação da vida, algo puramente fenomenal, tendo em vista que ela significa o
fim da vida enquanto objetivação da Vontade.
Deste modo, para Schopenhauer, o medo da morte não se funda no conhecimento, mas
na Vontade de vida, uma vez que ela significa o fim do organismo vivo, representada pelo
corpo. O conhecimento, por sua vez, atuaria como um elixir no alívio desta “perda”.
Sendo assim, em Schopenhauer, a morte não deve ser temida porque ela é apenas
perda aparente, uma vez que apenas o princípio de individuação cessa. Aqueles que se
apegam de modo descomedido à vida, enquanto fenômeno, não a experimenta de modo
consciente, enquanto Vontade de vida, que, de fato, é a coisa em si. Para ele, o homem
enquanto vive está preso aos desígnios do agir; não sendo, portanto livre.
A morte não é o oposto da vida, mas um acontecimento complementar que a define. A
filosofia schopenhaueriana exposta na Metafísica da Morte tenta ajudar a encarar com um
olhar mais tranquilo a morte. Na medida em que tenta provar que no ser em si de cada um
reside um núcleo de eternidade, que não se aniquila quando do desaparecimento do
organismo.
Como consolo, o filósofo diz que a morte também tem o seu lado positivo, já que o
homem não perde a sua essência e sempre estará de volta. Schopenhauer (2000) afirma que
quem entende que a existência repousa numa certa necessidade originária, não acreditará que
esta seja limitada a lapso de tempo tão curto, mas acredita que ela atua para sempre. O
filósofo ainda acrescenta que a única prova imanente, ou seja, a que permanece conforme à
experiência, é a indestrutibilidade de nosso ser verdadeiro.
Max Scheler diferente do pensamento de Schopenhauer, não parte de uma discussão
Kantiana na análise do fenômeno da morte. As suas opiniões confrontava o idealismo alemão,
não concordava que a morte não afetava o ser humano. Para o autor a mortalidade esta
intrinsicamente ligado ao ser, faz parte de toda a vida, não se pode separar a vida da morte.
Portanto, o homem é um ser orientado para morte (SCHELER, 2001).
Para embasar a sua tese, Scheler através do método intuitivo, parte de reflexões que
permeiam o pensamento da época, onde afirma que todo o sistema de crença religiosa esta em
35
decadência por consequência da ciência e do seu progresso. Opondo-se a essa interpretação,
Scheler afirma que os fins e os métodos da ciência não são neutros, mas originam também de
pressuposições religiosas. Assim, o crescente progresso da ciência jamais poderá comprovar
se os dados das religiões são verdadeiros ou falsos, nada pode contra a religião (SCHELER,
2001). A explicação para o declínio na crença em outra vida deve ser investigada na atitude
do homem moderno, ou seja, na forma como o homem moderno imagina sua vida e morte e
como ele a experiência. O ser humano foge da certeza intuitiva de sua morte, ele a rejeita de
sua consciência e se contenta em considera- la como um mero fato que um dia lhe acontecerá
(SCHELER, 2001).
Para fundamentar as explicações acima, se faz necessário recorrer a Scheler (2001), a
fim de se pensar sobre a essência e epistemologia da morte, isto é, entender como o indivíduo
se depara com a morte e a certeza que dela se têm. O pensamento da época era que a certeza
da mortalidade se dava pela experiência externa na observação e indução da morte dos outros.
Diante dessa afirmação uma pessoa que nunca tivesse tido contato com outros seres viventes
jamais saberia sobre a finitude. Essa ideia da morte como conceito puramente empírico,
extraído de casos isolados é recusada por Scheler.
Pôs-se em busca de uma razão que faria com que o indivíduo solitário, que nunca
havia tido experiência com a morte dos outros chegasse a um conhecimento absolutamente
certo de sua condição mortal. Scheler (2001) explica que, mesmo se houvesse um único ser
vivente sobre a terra, ele saberia de alguma forma que o fim lhe alcançaria. Cita um exemplo
de uma pessoa solitária que pressentiria o seu fim se fizesse comparações com fases da sua
vida, se observasse a curva de suas experiências, chegaria a conclusão que um dia poderia
deixar de existir. De acordo com Scheler (2001), a ideia da morte faz parte dos elementos
constitutivos da consciência humana, faz parte da essência da vida, da sua forma e estrutura.
A morte está fundamentada em cada fase da vida, por limitada que seja e na estrutura que esta
oferece à experiência.
Ao pensar em sua analise sob o olhar no sentido biológico, verifica que a vida se
apresenta de duas maneiras: de um lado um grupo dos fenômenos de ordem morfológica e
motora, pela percepção exterior dos homens, animais e plantas e por outro lado como
processo de uma consciência especial que se desenvolve nas sensações do corpo. Esse
processo se apresenta com uma estrutura e uma forma própria e idêntica, que estão presente
em todos os seres humanos. É por meio dessa estrutura inerente a todos que permite a
vivenciar e a perceber intuitivamente a morte, que esta persente nas fases da vida. Assim, leva
36
o homem a ter a certeza do seu fim. Essa concepção de morte não pode ser entendida a nível
emocional, pois ela se compreende num sentido mais profundo do ser (SCHELER, 2001).
A estrutura do processo vital e da consciência interna consiste em três dimensões:
presente imediato (x), o passado imediato (y) e o futuro imediato (z). Três extensões lhe são
atribuíveis: percepção (que se liga ao presente), a lembrança (que se liga ao passado) e a
expectativa (que se liga ao futuro). A consciência do ser vivo percebe intuitivamente, no
processo vital, não só as três dimensões imediatas, mas também a sua totalidade (T). Que
pode ser representada pela equação T = x + y + z. Na medida em que o homem vivencia os
anos de vida a dimensão do passado cresce cada vez mais, amos tempo que o futuro imediato
e suas realizações vão se diminuindo. E o campo do presente fica cada vez mais comprimido
pelas outras duas dimensões. Portanto, à medida que a vida passa, diminuem as possibilidades
de experiências. Scheler, afirma que aumentando o passado, as duas outras dimensões
(presente e futuro) necessariamente diminuem, pois a totalidade é constante. Essa experiência
da diminuição do futuro e aumento do passado exprime uma experiência intima da nossa
orientação para a morte. A experiência de estrutura num instante de vida fundamenta a certeza
de nossa condição mortal e revela a realidade da morte natural (SCHELER, 2001).
2.4 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A MORTE
Os estudos sobre a temática da morte têm crescido nas ciências sociais e humanas, seja
na condição teórica como também na criação e validação de instrumentos para a testagem das
diversas teorias (LOUREIRO, 2010). A concepção da finitude ainda é um desafio tanto para
os pesquisadores como para o próprio ser humano, pois não se pode estuda- la através do
método experimental e sim pelo meio simbólico e imaginário (MACEDO; MACEDO;
GOMES; PERES, 2010).
Um dos instrumentos utilizados nas pesquisas sobre a finitude é a Escala de Avaliação
do Perfil de Atitudes acerca da Morte (EAPAM) construída por Wong, Reker e Gesser
(1994), revista a partir do DAP (Death Attitude Profile) versão original de Wong, Reker e
Gesser (1987). Este instrumento é composto por 32 itens que mensura cinco dimensões da
morte: medo, evitamento, neutralidade, aproximação e escape. A partir desse instrumento
Loureiro (2010) fez uma tradução e adaptação do EAPAM para a língua portuguesa. A
amostra deste estudo foi de 1543 indivíduos, sendo 866 profissionais da saúde e 677 da
população geral. O estudo de fidelidade do instrumento revelou que os valores de consistência
interna foram satisfatórios para cada uma das dimensões: Medo (α = 0,84), Evitamento (α =
37
0,87), Neutralidade (α = 0,64), Aproximação (α = 0,91) e Escape (α = 0,82). Após a analise
dos dados observou que a Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte é uma
medida fidedigna e valida. Por um lado, os valores satisfatórios da consistência interna das
dimensões, por outro, a estrutura da analise fatorial nada se opõe ao proposto por Wong,
Reker e Gesser (1994). A escala também mostrou ser sensível aos dois grupos: saúde e
população geral.
Em um estudo realizado por Barros-Oliveira e Neto (2004) contendo uma amostra de
387 participantes divididos em quatro grupos: 102 freiras, 77 estudantes de teologia de
diversos segmentos teológicos, 110 estudantes de educação física e 98 professores do ensino
básico e secundário. Tendo como finalidade a validação de um instrumento sobre diversas
perspectivas de morte: morte como sofrimento e solidão, morte como além da vida e
recompensa, indiferença em face da morte, morte como desconhecido, morte como abandono
dos que dependem de nós, morte como coragem, morte como fracasso, e morte como um fim
natural. Constatou que as pessoas religiosas como as freiras e os seminaristas há uma maior
aceitação da finitude do que os estudantes de educação física e os professores de ensino
básico e secundário.
A morte enquanto tal é praticamente impensável e quando, por alguma razão de força
maior, ela se impõe à consciência e à elaboração, isso só se dá com muito sofrimento.
Segundo Venâncio (2004), o momento em que é diagnosticado o câncer, a pessoa vivencia o
momento com dor e angustia, mesmo que seja um bom prognostico, o rotulo da enfermidade
já é de sofrimento e mortal. Silva, Aquino e Santos (2008) desenvolveram uma pesquisa com
pacientes oncológicos com o objetivo de investigar os sentimentos vivenciados ao
diagnosticar a doença. Os resultados concluíram que o momento do diagnóstico é vivido de
forma conturbada, por evocar pensamentos sobre a morte e reações negativas que interferem
no bem estar psíquico do portador. Outro estudo Ferreira e Raminelli (2012) analisou a
percepção que os pacientes oncológicos possuem sobre a sua doença e que estratégias
utilizam em relação à morte que esta condição lhe apresenta. Foram observados diferentes
olhares acerca da terminalidade, dentre os quais a negação da morte foi à questão que obteve
maior destaque ao longo dos discursos.
Um estudo de caso realizado por Oliveira; Santos e Mastropietro (2010) de um
paciente oncológico em fase terminal foram utilizados da assistência psicológica no processo
do morrer e suas implicações para a definição de estratégias que o ajudem a enfrentar e
elaborar experiências emocionais intensas e inusitadas que são vivenciadas na fase anterior à
38
morte. Percebeu que o acompanhamento da psicóloga durante todo o processo, permitiu que o
paciente ressignificasse a sua dor, encontrando um sentido para morte.
A experiência de ter doença grave gera sofrimento, impulsionando na busca por
atribuir significados para a enfermidade, na tentativa de que essa situação faça algum sentido.
Pois essa experiência pode ser, muitas vezes, confusa e desgastante, tanto para a vida da
pessoa quanto para a de sua família. Com intuito de conhecer a relação entre as experiências
de famílias de crianças que vivenciaram uma doença grave com a sua religião, doença e suas
histórias de vida, Bousso, Serafim Misko (2010) realizou uma pesquisa qualitativa com nove
famílias de seis diferentes religiões. As narrativas evidenciaram a busca da família por atribuir
significados às experiências vivenciadas, a partir de suas crenças religiosas O trabalho
evidencia a importância das crenças religiosas e desenvolvimento da espiritualidade como
suporte na situação de doença e morte e como forma de enfrentá- las da melhor maneira
possível, já que aumenta a fé e esperança de cura e traz sensação de tranquilidade para
enfrentar a adversidade.
O temor da morte não aflige somente adulto, mas está presente desde a infância,
Papalia e Olds (2000) afirmam que crianças entre cinco a sete anos já compreendem que a
morte é algo irreversível - que uma pessoa, animal, uma flor morta não pode voltar a viver
novamente, compreendendo nessa etapa do seu ciclo vital, duas coisas importantes: que ela é
universal e que uma pessoa morta não possui as funções vitais. Em uma pesquisa realizada
com 42 crianças dos oito aos onze anos de idade, percebeu que os pensamentos sobre a morte
provocam sentimentos dolorosos e um desconforto ao debaterem sobre o assunto abordado.
Sendo relevante que a comunicação sobre o tema seja discutido tanto no âmbito escolar
quanto na família, para uma maior integração da criança diante da vida (MACEDO;
MACEDO; GOMES; PERES, 2010).
É impossível falar de morte sem mencionar, os profissionais de saúde. De acordo com
Andrade (2007) a literatura existente sobre o lidar com a morte oferece um olhar que salienta
a importância das atitudes perante a morte sendo que, da mesma forma, o sentido de vida tem
sido relevante como um elemento importante neste lidar com morte. Ora como uma
consequência, ora como um fator protetor. A fim de compreender o impacto que a exposição
ocupacional diante do morrer pode ter nas atitudes perante a morte em profissionais de saúde
e como o sentido de vida atua como fator de proteção, prevenindo questões emocionais como
a depressão e ansiedade Andrade (2007), pesquisou 281 profissionais de saúde com formação
em áreas distintas e com diferentes graus de contato com a mortalidade. Os resultados
encontrados afirmam que um elevado sentido de vida protege os indivíduos de atitudes
39
negativas perante a morte bem como de sintomas depressivos sendo esta proteção
particularmente visível em situação de maior exposição ocupacional à morte. Indica que a
existência de um propósito ou sentido de vida constitui um dos aspectos que mais protege os
profissionais de saúde do sofrimento psicológico, resultantes do desgaste intrínseco das suas
áreas profissionais e do contato com a morte dos seus pacientes.
Brito (2003) investigou a ansiedade perante a morte em estudantes de enfermagem, os
resultados indicaram que há uma maior incidência do medo da morte nas mulheres do que nos
homens, também aponta para um maior temor da finitude em indivíduos que nunca passaram
por alguma situação que o deparassem com a possibilidade de morte, tanto pessoal como de
alguém próximo.
Considerando a relevância da temática da finitude para a existência humana, Aquino;
Alves; Aguiar e Refosco (2010) desenvolveu um estudo com objetivo de conhecer as
correlações entre o sentido da vida e as concepções acerca da morte. Participaram do estudo
190 estudantes universitários dos cursos de Direito, Educação Física, Fisioterapia e
Psicologia. Os resultados apontaram para a existência de correlações positivas entre o vazio
existencial e as visões de morte como fracasso, dor e solidão, e abandono. Por outro lado, o
vazio existencial correlacionou-se negativamente com a visão de morte como fim natural.
Tais resultados apoiam a concepção teleológica de Viktor Frankl quando pressupõe que a
consciência da finitude põe em movimento a vontade de encontrar um sentido para a vida.
Conclui-se que variáveis existenciais são relevantes para compreender as concepções que as
pessoas têm sobre a morte.
40
CAPÍTULO 3 – RELIGIÃO, ESPIRITALIDADE E SENTIDO DE VIDA
___________________________________________________________________________
Os aspectos religiosos são um tema que tem sido foco de muitos estudos, extrapolando
as fronteiras da teologia e exigindo outras perspectivas para melhor compreensão desse
fenômeno humano (GIOVANETTI, 2005).
Dentro da psicologia alguns autores ignoraram a questão da espiritualidade, como por
exemplo, Sigmund Freud que reduziu o homem ao um organismo psicofísico, este via o
homem como um ser constituído pela alma (psique) e o corpo físico. Para Valle (2005, p.86),
“com o avanço do behaviorismo e da psicanálise, a religião começou a ser negligenciada por
essas correntes, que a julgavam de pouca importância, sem nenhuma validade”.
“Frankl discorda de Freud, que considerou a religião como a sublimação dos impulsos
sexuais, denominando-a de neurose obsessiva da humanidade. Frankl valoriza a religião como
um fenômeno humano a ser considerado pela psicologia, afinando-se com o pensamento de
Jung” (XAUSA, 1992, p. 8). Assim Frankl encontra um homem humano, que busca pelo
espiritual, e vai além do impulso para eternizar uma ideia, ou alcançar o eterno, saindo de toda
aquela visão do homem como uma máquina, mas um homem que busca um sentido em seu
existir (XAUSA, 1992).
Carl Jung sempre utilizou o termo espiritualidade em suas obras (XAVIER, 2006),
afirmava que a religiosidade não está ligada a uma determinada profissão de fé, ou seja, uma
doutrina religiosa, mas sim na relação transcendental da alma com a divindade e na mudança
que resulta dessa relação transcendental. Está relacionada a uma atitude, uma ação interna, a
um contato do indivíduo com sentimentos e pensamentos superiores e no fortalecimento que
este contato pode resultar para a personalidade.
Através da compreensão dada por esses autores a respeito da espiritualidade e a sua
forma de perceber a constituição do homem, faz – se necessário um melhor entendimento da
definição e diferenciação entre os termos religião, religiosidade e espiritualidade, já que esta
perspectiva esteja presente no campo cientifico.
3.1 RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE
Percebe-se na literatura uma ampla variedade de definições ao uso do conceito de
religiosidade (XAVIER, 2006), dificultando assim a execução das pesquisas sobre esse tema
41
(FARIA; SEIDL, 2005). Para Valle (2005), na psicologia da religião as definições de religião
e religiosidade são conceitos antigos, mas o uso do termo espiritualidade é bastante recente na
psicologia científica. Para Roehe (2004), espiritualidade é um termo mais amplo do que a
religiosidade e a religião, mas estes aspectos estão relacionados entre si, mas não são
sinônimos (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001).
De acordo com Koenig (2012), a religião se define como um sistema de crenças por
uma determinada comunidade religiosa. Nas culturas ocidentais os ritos oferece ao religiosa
um relacionamento com o Transcendente e na matriz oriental esta orientada para o Nirvana.
Assim, a religião através das suas doutrinas traz uma compreensão sobre o significado do
mundo, a natureza da vida após a morte. Além de orientar os seus adeptos sobre a conduta
moral vivenciado por eles. A atividade religiosa, segundo Koening (2012), pode ser
classificada como institucional ou individual. A religiosidade institucional é caracterizada
como o envolvimento do crente com a instituição religiosa (participação nas reuniões, estudo
das doutrinas) enquanto a religião não organizada ou individual se refere ao comportamento
religioso individual, ou seja, a pratica religiosa é só, fora de um segmento religioso.
No que se refere à religião, Kovács (2007) descreve-a como crenças, tradições,
cerimônias, rituais que possuem um poder reflexivo e que explicam sobre a vida e morte. Na
visão de Vergote (1961, apud VALLE, 2005 p. 91), “a religião se caracteriza por uma união
de sentimentos e pensamentos no qual o homem e a sociedade tomam consciência de seu
intimo, tornando presente o poder divino”. Já a religiosidade está relacionada à experiência
individualizada do transcendente e deve ser distinguida da religião que é a sua matriz
instituída (VALLE, 2005).
Segundo Panzini et al. (2007), a religião é a crença na existência de um ser superior, já
a religiosidade é a extensão no qual uma pessoa acredita, segue e pratica a religião. Então a
religião esta relacionada com um sistema de doutrinas que é compartilhado por um grupo de
pessoas tendo características comportamentais, sociais e valores específicos (SAAD;
MASIERO; BATTISTELLA, 2001).
De acordo com Faria e Seidl (2005), alguns autores definem a religiosidade como a
característica relativa a uma religião específica, incluindo os aspectos individuais e
institucionais, ou seja, uma adesão que o indivíduo faz as crenças e as práticas de uma
instituição religiosa e organizada. Valle (2005) explica que a religião é um realidade
construída pelo o homem, os quais reagem de maneira que entre nessa ação o consciente e o
inconsciente e todos os componentes constitutivos do ser: biológico, afetivo, cognitivo e
interpessoal, e através disso é que se emerge o homem religioso.
42
Valle (2005) afirma que o belga Antoine Vergote, define a religiosidade do indivíduo
psicologicamente maduro como sendo uma atitude expressa por meios de palavras e
comportamentos, sendo esta composta por três elementos fundamentais para uma análise
psicológica do comportamento religioso individual ou grupal, a saber a maneira de ser própria
do homem, a relação intencional e implicando uma ação, essa atitude não pode ser separada
da totalidade pessoal e provoca uma posição que vai além de comportamentos religiosos
guiados pela emoção do momento ou pressões do ambiente, na atitude religiosa madura o
consciente tem um papel decisivo. Valle (2005) diz que a religiosidade precisa ser entendida
fenomenologicamente e que esta é algo inerente a experiência individual do ser humano sendo
mais do que uma mera soma dos elementos emocionais, motivacionais, racional que são
considerados pela psicologia. A religiosidade está relacionada à experiência individual do
homem e deve ser diferenciada da religião. As funções psicológicas da religião e da
religiosidade não são idênticas, mas se completam.
A espiritualidade é um conceito mais amplo do que religião, pois esta é uma expressão
da espiritualidade (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001) e a essa pode ser definida
como aquilo que traz significado e propósito à vida das pessoas (PERES; ARANTES;
LESSA; CAOUS, 2007). Para Kovács (2007) a espiritualidade é uma busca do homem em
direção a um sentido, possuindo uma dimensão transcendente, relacionado a uma
compreensão do sentido da vida.
Espiritualidade é algo pessoal, que estimula um interesse pelos outros e por si, um
sentido de significado da vida capaz de fazer suportar sentimentos debilitantes de culpa, raiva
e ansiedade (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001).
Espiritualidade não é algo que se opõe ao material e corpóreo, não rejeita ou nega a
natureza, não pode ser entendida como um estado de alma que só se consegue por meio da
fuga, mas sim é algo pertencente ao contexto real da vida de cada pessoa e de cada época,
expressando o sentido profundo do que se é e do que se vive, unida a uma necessidade
profunda de crer, lutar e amar. Sendo uma necessidade psicológica inerente a todo ser
humano, consistindo por uma busca pessoal do sentido para o próprio existir e agir (VALLE,
2005) designando o mergulho que se faz no próprio eu (GIOVANETTI, 2005). É uma
expressão do humano, não é algo que ocorre além da esfera humana, mas algo que toca em
profundidade vida e a experiência de uma pessoa (TEXEIRA, 2005).
A maturidade dessa espiritualidade conjetura um conhecimento em suas próprias
limitações e possibilidades, sendo uma ação corajosa e humilde de alguém que entende que a
vida é um projeto aberto ao ser mais, ao comungar mais, ao cuidar do que precisa ser cuidado
43
(VALLE, 2005). Para esse autor quem cultiva a dimensão espiritual não compactua com o
que é injusto e violento, levando a caminhos honestos e comporta-se com tal modo de pensar.
Espiritualidade coincide com valores que implicam o cuidado com o outro e o respeito do
outro pela expansão do seu eu (PAIVA, 2005).
Pode-se dizer que viver cultivando a espiritualidade é buscar seguir a vida em acordo
com as características do espírito, pois esse tem uma dimensão principal que é captar a
profundidade das coisas, de captação do simbólico, de mostrar o que move a vida é um
sentido, pois só o espírito é capaz de descobrir um sentido para a sua existência. É uma
conquista de significação na vida e uma construção ativa de sentido, é a busca de um sentido
interior o que dará luz a existência humana (GIOVANETTI, 2005).
Para Giovanetti (2005), a espiritualidade designa toda vivência que pode produzir
mudanças profundas no interior do homem levando-o à integração pessoal e a integração com
outros homens.
Entende-se espiritualidade como o conhecimento e a percepção sobre as motivações,
sentimentos, desejos e atitudes referentes ao comportamento religioso, para que entenda como
essa experiência influência de modo único a vida dos indivíduos (VALLE, 2005).
Embora exista na literatura uma diferenciação entre o conceito de religião,
religiosidade e espiritualidade, esta faz parte do modo como cada indivíduo perceberá a sua
morte, influenciando na maneira de agir.
3.2 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE ESPIRITUALIDADE E A MORTE
Ao descrever o primeiro capítulo referente à morte, pôde-se entender que a morte
sempre foi alvo de discussões e de busca de respostas, ademais varia de acordo com a
sociedade em que o indivíduo se insere.
Uma das maiores ambiguidades em que o homem se confronta é a morte, mas a
religião como uma manifestação da espiritualidade tem cumprido um papel importante nessas
questões relacionadas à morte (rituais, expectativas, percepção), as diferentes religiões e o
nível de espiritualidade oferecem ao indivíduo diferentes ângulos de perceber a morte
(NOGUEIRA; PEREIRA, 2006).
Nogueira e Pereira (2006) em seu estudo com 277 sujeitos procuram verificar a
relação existente entre a espiritualidade e a percepção de morte. Os resultados encontrados
indicam que as mulheres apresentam índices de religiosidade mais elevados do que os
homens, quanto maior o nível de religiosidade maior é a crença de vida após a morte, quanto
44
maior o nível de religiosidade menor é a indiferença em face da morte, na morte como
desconhecido foi encontrado que os níveis intermédios da religiosidade apontam para uma
maior dúvida relativa à morte, quanto maior o nível da religiosidade menor é a perspectiva de
morte como fracasso e quanto menor o nível da religiosidade menor é a percepção de morte
como coragem.
Kovács realizou uma pesquisa em 1985 com estudantes universitários, tendo como
objetivo verificar há existência da relação entre o medo da morte e a religião, após a análise
dos dados verificou que os indivíduos que declararam um maior envolvimento religioso
apresentaram menores escores de medo da morte e os que declararam médio envolvimento
religioso obtiveram escores mais altos frente ao medo da morte e, ateus referiram-se aos
escores intermediários (KOVÀCS, 1992).
Através dos dados obtidos pelos dois estudos acima citado pode-se constatar a
existência de uma relação positiva entre a espiritualidade e percepção do indivíduo frente à
morte, quanto maior é o nível de religiosidade do indivíduo melhor a sua ação frente o pensar
e agir sobre a morte e morrer.
Alves e Aquino (2009) realizou um estudo com o objetivo de identificar as relações
entre a religiosidade e as concepções acerca da morte. Participaram do estudo 190 estudantes
universitários dos cursos de Direito, Educação Física, Fisioterapia e Psicologia de ambos os
sexos. A maioria destes participantes é do sexo feminino (68,9%) e de religião católica
(61,6%). Os resultados apontaram para a existência de correlações positivas entre
religiosidade e vida do além, coragem e fim natural. Por outro lado, a religiosidade se
correlacionou negativamente com a visão de morte como fracasso.
Segundo Martins (2007), a espiritualidade é um fator presente nos pacientes em que
estão próximos da morte, contribuindo para um final de vida mais tranquilo. Oferece sentido
para a dor e para o sofrimento levando a uma preparação para a morte, não sendo vista como
perda, mas um ganho, pois o ser ultrapassa o limite humano da existência finita para ter um
encontro com o infinito.
Alguns pacientes se veem frustrados ou derrotados diante de sua doença, enquanto que
outros encontram um sentido para a sua dor e sofrimento, este modo de pensar e agir dando
um sentido à sua experiência se dá ao fato de que tais pacientes acreditam em uma dimensão
espiritual, sendo esta um fator decisivo neste momento de enfermidade (KOVÁCS, 2007).
O envolvimento religioso é uma prática comum em pacientes severamente enfermos,
que fazem uso das crenças religiosas para melhor lidarem com a sua doença e dessa forma
predizem o enfrentamento bem sucedido desta situação, pois irão encontrar um sentido para a
45
sua dor e uma motivação para encarar o tratamento (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA,
2001).
Sendo a espiritualidade uma dimensão humana em que o ser humano dar um sentido a
sua existência, entra em contato com o seu mundo interior e se abre para possibilidades de ser
e agir em sua experiência humana, resultando assim uma forma de perceber e agir diante do
seu pensar e existir para a morte.
3.3 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE A ESPIRITUALIDADE
A espiritualidade não apenas se relaciona com a percepção da morte como foi exposto
no tópico anterior, mas também está relacionada com outros aspectos da vida do indivíduo
como será apresentado a seguir.
As práticas religiosas desempenham um papel significativo de como as pessoas
interpretam eventos traumáticos e lidam com eles, promovendo percepções resilientes,
amparo para a superação da dor psicológica e a autoconfiança em lidar com as adversidades
(PERES; SIMÃO; NASELLO, 2007).
Em um estudo realizado por Refosco (2008) com 229 estudantes universitários foi
encontrado uma relação existente entre a espiritualidade e a resiliência, mostrando que as
pessoas que possuíam um grau elevado de espiritualidade
apresentaram menor
autossuficiência, manifestando menos características de independência ou confiança em si
mesma, quanto maior é a religiosidade maior é a autodeterminação na pessoa, não desistindo
fácil dos seus sonhos e objetivos de vida.
Pereira (2012) desenvolveu um estudo que objetivou conhecer as relações entre as
dimensões de culpa (subjetiva, objetiva e temporal), as atitudes religiosas e o sentido da vida.
Os resultados sugeriram que tanto o sentimento religioso, quanto a busca de sentido se
associaram diretamente com as três dimensões da culpa. Já a corporeidade religiosa se
correlacionou positivamente com a culpa subjetiva e com a objetiva e o comportamento
religioso, por sua vez, correlacionou com a culpa subjetiva. Os resultados também indicaram
que a presença de sentido está inversamente relacionada com a culpa temporal e inferiu-se
que, se por um lado as pessoas mais religiosas são mais susceptíveis à culpabilidade, por
outro, a culpa provém também da perspectiva ontológica, quando o ser humano deixa de
realizar o seu dever-ser.
Aguiar (2011) realizou um estudo que objetivou investigar os correlatos valorativos e
existenciais dos participantes das Novas Comunidades Católicas presentes na cidade de João
46
Pessoa-PB.
Foram encontrados como resultados que os valores mais importantes nessas
organizações são religiosidade e obediência e que foram mais presentes as subfunções
normativa e interativa e que os membros do grupo “Comunidade de Vida” dão mais
importância ao valor obediência quando comparados aos membros da “Comunidade de
Aliança” e que os homens dão mais importância a valores de subfunção realização do que as
mulheres. Resultou ainda que a depressão correlacionou-se positivamente com a subfunção
experimentação; a ansiedade correlacionou-se positivamente com a subfunção existência;
depressão e ansiedade correlacionaram-se ainda positivamente com o vazio existencial. Por
outro lado, a pesquisa mostrou que o vazio existencial correlacionou-se negativamente com o
fato de o membro sentir-se importante para a sua comunidade e com a condição de ter
parceiro (a) fazendo parte do mesmo grupo, o que representou fatores de proteção do bem
estar subjetivo.
Pontes (2012) realizou um estudo que teve como objetivo testar um modelo teórico
proposto por Viktor Frankl que explica a dinâmica da noopsicossomática em pessoas que
vivem com HIV/AIDS. Isto é, buscou-se entender como a dimensão noológica (representada
pela atitude religiosa e a realização de sentido) influencia a dimensão psíquica (afetos
positivos e a percepção do passado) e, consequentemente, repercute na dimensão somática
(representada pelo funcionamento do sistema imunológico por meio do nível de células
CD4/CD8). Os resultados apontaram que a atitude religiosa associou-se diretamente com a
realização de sentido, que se relacionou com a satisfação com o passado. Desse modo,
compreendeu-se a relevância da religiosidade/espiritualidade e do sentido da vida no processo
de adoecimento e saúde.
Para Gastaud et al. (2005), a espiritualidade ou a religiosidade sempre foram
consideradas importantes aliadas das pessoas que estão doentes. Durante o ano de 2002, esses
autores realizaram um estudo comparativo com os alunos de psicologia da Universidade
Católica de Pelotas, comparando os escores atuais com os dos alunos de direito e medicina na
mesma faculdade em 2001. Os resultados encontrados indicaram que os alunos de psicologia
apresentaram espiritualidade negativa comparada aos alunos de direito e medicina, diferenças
semelhantes também foram encontradas em relação ao bem-estar religioso e existencial,
sendo este achado preocupante, pois se supõe que os estudantes de psicologia deveriam estar
mais voltados para as questões de natureza existenciais, tanto para si próprios como para os
seus clientes.
No que se refere ao uso de drogas psicotrópicas, a espiritualidade ou a religiosidade
vem sendo claramente identificada como um fator protetor ao uso desta. Através de uma
47
revisão de estudos, Sanchez e Nappo (2007) concluíram que fatores como a frequência a
igreja, a prática dos pressupostos de uma religião, a importância dada à religião e a educação
religiosa na infância são possíveis fatores de proteção para o uso de drogas. Verificando
também uma relação positiva da religiosidade na recuperação dos dependentes químicos.
Uma pesquisa desempenhada por Sanchez, Oliveira e Nappo (2004) com o objetivo de
investigar as questões relativas ao comportamento de indivíduos pertencentes a nível
econômico baixo diante do uso de drogas, realizou a pesquisa com dois grupos: um grupo não
usuário de drogas e o outro grupo sendo usuário. Os resultados indicaram que o consumo e a
dependência de substâncias psicotrópicas, pode não ser encontrados em ambientes
caracterizados pela abundância de fatores de riscos. Essa prevenção pode ser facilitada pela
presença dos fatores protetores como a estrutura familiar, a religiosidade, a disponibilidade de
informação acerca da dependência e as suas consequências e perspectivas para o futuro. A
espiritualidade foi relatada em todos os entrevistados não usuários mostrando uma
preocupação quanto à manutenção do seu bem - estar, já os usuários relatavam que não
participavam de nenhuma religião ou não possuíam uma crença religiosa, fatos que poderiam
justificar a ausência de valorização da vida. A questão da espiritualidade, além de se tratar de
um aspecto importante para os entrevistados, ocupou um importante papel na estrutura
familiar, na humanização do indivíduo, auxiliando na construção de sua personalidade.
Os fatores religiosos e espirituais são tão importantes quanto os fatores emocionais,
biológico, social para o bem estar do homem (MONTEIRO, 2007). Através de uma revisão
bibliográfica Panzini (2007) verificou a existência da relação entre a qualidade de vida das
pessoas e a espiritualidade. Para a autora o campo da qualidade de vida pode vir a se tornar
um mediador entre o campo da saúde e das questões espirituais facilitando o desenvolvimento
de intervenções, todavia é necessário um engajamento profissional para pesquisar esses
fatores, pois é uma área de conhecimento recente.
A saúde dos indivíduos é determinada pela interação dos fatores físicos, mentais,
sociais e espirituais (SAAD; MASIERO; BATTISTELLA, 2001). Para a melhoria da
qualidade de vida em pacientes com dor crônica, é relevante integrar os aspectos pertencentes
à espiritualidade ou religiosidade, fazendo-se necessárias nesta área futuras pesquisas a fim de
definir o exato papel da espiritualidade na prevalência, impacto e tratamento de tais
enfermidades (PERES; ARANTES; LESSA; CAUS, 2007).
Em um estudo sobre a espiritualidade e a psicoterapia, Peres; Simão e Nasello (2007)
concluem que faz necessário que os profissionais da área de saúde reconheçam a
espiritualidade como componente da personalidade e do bem-estar de seus pacientes e que
48
haja a inclusão da espiritualidade como recurso da saúde na formação dos novos profissionais
contribuindo para uma melhor qualidade de atendimento às necessidades dos clientes.
A espiritualidade tem funcionado com importante aliada no manejo de dor, da
qualidade de vida, na prevenção o uso de drogas, na percepção e perspectivas relacionadas à
morte. Tornando-se cada vez mais necessária á pratica da saúde e ao bem estar do indivíduo
(PERES; ARANTES; LESSA; CAOUS, 2007).
O homem através da espiritualidade/religiosidade busca um sentido para a sua
existência, para o seu sofrimento, portanto para a sua vida. Essa busca de sentido como
espiritualidade é fundamentalmente humano, para uma maior compreensão dessa busca de
sentido como espiritualidade, o ponto a seguir tratará a questão.
3.4 BUSCA DE SENTIDO COMO ESPIRITUALIDADE
O conceito de homem, na perspectiva de Frankl (1989), é tridimensional sendo
composto pela dimensão somática, onde ocorrem todos os fenômenos corporais do homem, os
processos químicos e físicos, a dimensão psíquica que se refere à existência humana com as
suas disposições, sensações, impulsos, esperanças e desejos e a outra dimensão que é a
espiritual nela localiza-se a tomada de posição, achando-se as decisões pessoais de vontade,
intencionalidade, interesse prático e artístico, pensamento criativo, senso ético, compreensão
de valor e religiosidade (LUKAS, 1989).
Esta dimensão espiritual é a dimensão propriamente do homem sendo dominada por
Viktor Frankl como a dimensão noética por causa da derivação da palavra grega nous
(espírito, mente) sendo as outras duas, a somática e psíquica, as que o homem partilha com os
animais (LUKAS, 1989). A questão do sentido da vida é um problema característico do
homem, pois só a ele diferentemente dos outros seres é dado à capacidade de experimentar a
problemática do seu ser (FRANKL, 2003).
A busca de sentido pelo homem para Frankl (1991) é em sua vida a motivação
primária, o indivíduo sempre se move em busca de um sentido para se viver (FRANKL,
1989), sendo esse sentido individual e específico, pois só pode ser somente por uma
determinada pessoa assumindo uma importância para este indivíduo que satisfará a sua
própria vontade de sentido, tal sentido é contestado por alguns autores como forma reativa e
sublimações, ou seja, mecanismos de defesa. O autor sobre esse entendimento de sentido
como mecanismo de defesa declara “Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver
em função dos meus “mecanismos de defesa”. Nem tão pouco estaria pronto a morrer
49
simplesmente por amor às minhas “formações reativas”, o que acontece, porém, é que o ser
humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores” (FRANKL, 1991, p. 92,
grifo do autor). Ao invés de reagir a tais estímulos o ser humano responde as questões que lhe
coloca a vida e realiza os significados que a vida lhe oferece (FRANKL, 1989).
Frankl (1991) aponta que uma pesquisa de opinião pública realizada na França
mostrou que 89% das pessoas consultadas declararam que a pessoa precisa de algo em função
do qual se viver e 61% admitiram existir alguma coisa ou alguém em suas vidas por qual
estariam prontas para morrer. Posteriormente, ao autor realizou uma pesquisa em Viena com
pacientes e funcionários e os resultados encontrados foram semelhantes.
Os sentidos são únicos e é objeto de descoberta pessoal, que devem ser procurados e
encontrados por conta própria de cada um. A vida não deixa jamais de ter sentido, mesmo que
esta pareça sombria, sem esperanças, mesmo diante desta percepção negativa da vida, existe
um sentido potencial unicamente humano a ser descoberto, que pode transformar uma
situação trágica em um triunfo pessoal, sendo acessível a qualquer condição que uma pessoa
possa se encontrar. O sentido para a vida é algo único e mutável, em cada situação vivida o
homem pode encontrar um sentido para o seu existir, mas esse sentido jamais acaba, pois a
vida não deixa jamais de ter sentido, permanecendo cheia de sentido até o suspiro final do seu
existir (FRANKL, 1989).
Essa vontade de sentido pode ser frustrada, denominada por Viktor Frankl de vazio
existencial, que pode ser entendida de três maneiras: o modo especificamente humano de ser,
o sentido da existência e a busca por um sentido. A falta de um sentido para a vida, ou seja, a
presença de um vazio existencial, pode resultar em neuroses, num processo através do qual
nascem problemas existenciais e não de conflitos entre os impulsos e o instinto (FRANKL,
1991).
Para o fundador da logoterapia, esse vazio se dá porque o homem perdeu alguns
alicerces que serviam de sustentação para o seu comportamento, fazendo com que o mesmo
aja de acordo com que os outros fazem (conformismo) ou faça aquilo que as outras pessoas
querem que ele faça (totalitarismo), nessa maneira de agir diante da sua vida faz com que o
seu sentido de vida não seja descoberto, tornando a sua vida em função das regras e atitudes
ditadas pelos outros, como consequência frustra a sua vontade de sentido levando-o a um
vazio existencial (FRANKL, 1991).
O vazio existencial para Frankl (1991) manifesta-se através de um estado de tédio, se
referindo o mesmo autor a neurose dominical, pois, as pessoas não sabem como lidar com os
seus momentos livres. Essa neurose dominical se refere aquela espécie de depressão que
50
aborda as pessoas que dão por falta o conteúdo de suas vidas quando passa do corre-corre da
vida diária para um tempo livre, tornando manifesto esse vazio. Existem também outras
maneiras que deixa transparecer o vazio existencial, onde podemos encontrar a vontade do
poder, a vontade do dinheiro e a vontade do prazer.
A abordagem a qual tem como pilar o sentido da vida procura proporcionar ao homem
uma consciência plena de sua responsabilidade, deixando que ele opte por aquilo que ele julga
ser responsável, decidindo a interpretação da sua vida como sendo responsável perante uma
sociedade ou perante a sua própria consciência. O ser humano é um ser responsável e precisa
o sentido que esta em potencial em sua vida, sendo este descoberto no mundo e não dentro da
própria pessoa ou da sua psique (FRANKL, 1991). Ele é responsável pelo o qual se sente
livre, tendo a característica de sempre estar voltado para o outro e decidir por esse outro. Ser
responsável implica a liberdade da vontade e se este homem abdica da sua vontade mesmo
assim continua sendo uma decisão responsável seja qual for à decisão escolhida pelo homem,
ele continua sendo o verdadeiro responsável pela sua vida (FIZZOTTI, 1998).
A responsabilidade do indivíduo está nas possibilidades do futuro e em saber
transformar estas possibilidades dadas pela vida em realidade, armazenando-os entre as
riquezas passadas. Portanto, a motivação da pessoa é pela necessidade que ela possui de
compreender o sentido da vida. Quando esse sentido é descoberto, este ser responsável sentese realizado e encontra energias para enfrentar os obstáculos encontrados em seu percurso da
vida (FIZZOTTI, 1998).
Para Fizzotti (1998), o homem se relaciona com o mundo de forma ativa
desenvolvendo as suas capacidades para a transformação desse mundo de forma criativa,
construtiva e de forma receptiva, recebendo o amor a as alegrias da vida ele sente-se
satisfeito, sendo provocado pela imposição do sofrimento e da morte. Nesse relacionamento
com o mundo, Viktor Frankl apresenta três categorias de valores, que são: o valor que permite
o homem a agir no mundo (valores de criação, produção); valores que permite ao homem
receber algo como presente (amor, gratidão, amizade, belezas) e os valores de comportamento
(liberdade para tomar decisões, permitindo encontrar um sentido mesmo em situação de
dificuldade).
Como foi descrito anteriormente, o sentido da vida é mutável e jamais deixa de existir.
Podendo ser descoberto em três diferentes formas: criando um trabalho ou praticando algo;
experimentando algo ou encontrando alguém, essa segunda maneira de achar um sentido é
experimentando algo com: bondade, a verdade, a beleza, a cultura ou experimentando outro
ser humano em sua originalidade única que é amando-o e a terceira forma é a atitude que se
51
toma em relação ao sofrimento inevitável (FRANKL, 1991). Diante de um sofrimento que
aparentemente parece tirar o sentido da vida a pessoa pode encontrar um sentido, quando se
encontra em uma situação sem esperança, o que verdadeiramente importe é converter o
sofrimento numa conquista humana. Ao aceitar o sofrer com bravura, a vida recebe um
sentido até o seu derradeiro instante, mantendo esse sentido até o fim (FRANKL, 1991).
O autor ao falar da transitoriedade da vida afirma que os aspectos transitórios são as
potencialidades, mas no momento que são realizadas se transformam em realidade e são
entregues ao passado, mas não esta perdido e sim guardado. Sendo assim, a transitoriedade da
vida nunca perde o sentido. Mas não resta dúvidas de que as pessoas fixam o seu olhar para a
transitoriedade e se esquece dos acontecimentos do seu passado, suas alegrias, seus atos e
também seus sofrimentos. Como dia Frankl (1991, p. 106) “a pessoa que enfrenta ativamente
os problemas da vida é como um homem que, dia após dia, vai destacando cada folha do seu
calendário e cuidadosamente a guarda junto às precedentes, tendo primeiro feito no verso
alguns apontamentos referentes ao dia que passou. É com orgulho e alegria que ele pensa em
toda riqueza contida nas anotações” (FRANKL, 1991).
Não é só o sofrimento que tenta abafar o sentido da vida, mas também a morte tenta
tirar a existência desse sentido (FRANKL, 1991). Viktor Frankl percebe aspectos positivos no
homem que é um ser voltado para a morte, para ele ou a vida tem sentido independente de ser
breve ou longa, ou não tem sentido por mais longa e infinita que ela possa ser. O homem que
esta diante de sua morte questiona-se qualitativamente, de modo que o sentido para a sua
morte depende do sentido que ele soube dar a vida (FIZZOTTI, 1998).
Se as pessoas fossem imortais poderia adiar as escolhas e atitudes, e prolongar estas
até o infinito, não tendo nenhuma importância de realizar no tempo presente. Mas é morte que
o limite da existência, das escolhas e do futuro, sendo obrigados a utilizar o tempo de vida, a
não perder as oportunidades que são oferecidas, tendo a morte um critério que caracteriza a
vida como única, irreversível. Fizzotti (1998) afirma que Viktor Frankl não concorda aquela
angústia do homem diante das limitações da vida e através das possibilidades que a vida
oferece a pessoa encontra um sentido para viver uma vida plena e autêntica, encontrando no
final do seu caminho sentido e alegria que estão guardados no seu passado.
Até na morte, o homem encontra um sentido para a sua finitude, olhando para a sua
trajetória de vida e resgatar do seu passado as alegrias, as atitudes e até mesmo os momentos
difíceis que foram enfrentados com tanto vigor, traz a vida e o seu pensar sobra o fim um
sentido e alegria de ter vivido uma vida de realização e satisfações.
PARTE III – ESTUDOS EMPÍRICOS
53
CAPÍTULO 4 – ESTUDO 1: ANÁLISE EXPLORATÓRIA DA ESCALA
DE CRENÇAS RELIGIOSAS
___________________________________________________________________________
O objetivo desse primeiro estudo foi o de verificar a validade fatorial da medida de
Crenças Religiosas.
4.1 DELINEAMENTO
Tratou-se de uma análise exploratória do instrumento de Crenças Religiosas proposto
pelo presente trabalho de dissertação. A ênfase foi psicometrista, como objetivo de propor um
instrumento de Crenças Religiosas para o contexto brasileiro, buscando evidências acerca da
validade e fidedignidade desse instrumento.
4.2 AMOSTRA
Para este estudo, contou-se com uma amostra de conveniência (não probabilística) de
126 participantes, sendo 51,6% do sexo feminino. Os entrevistados eram 8,7% do Encontro
da Consciência Cristã, 56,5% do Encontro da Nova Consciência na cidade de Campina
Grande-PB no período do carnaval e 34,8% foram estudantes de Ciência das Religiões na
UFPB. A idade média da amostra foi de 33,55% (DP = 12,61) e amplitude de 16 a 76 anos. A
maioria dos participantes 78,6% ou já cursaram o ensino superior ou estava em andamento,
9,5% ensino médio, 11,1% Pós-graduado e 0,8% não responderam. O estado civil 58%
solteiros, 25% casados, 9% separados, 7% outros e 1% não responderam. No que se refere a
religião 26,2% católica, 23,8% evangélica, 8,7% espiritas, 0,8% candomblé, 1,6% umbanda,
1,6% Budistas, 36,5% Outras e 0,8 não responderam. Quanto à autoatribuição religiosa, a
média foi de 2,99 (DP= 1,62), mínima de 0 a máxima de 5.
4.3 INSTRUMENTOS
Os participantes responderam a um questionário com as seguintes medidas:
Instrumento das Crenças Religiosas. O Inventário de Crenças Religiosas adaptado de
Aquino (2005), constituída por 12 itens distribuídos igualmente em duas crenças: ocidentais e
54
oriental. Conforme descrevem Hellern, Notaker e Gaarder (2005), os itens foram dispostos em
uma escala tipo Likert, variando de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente.
Questionário Sociodemográfico. Todos os participantes responderam a um conjunto
de perguntas de natureza sociodemográfica (idade, sexo, escolaridade, estado civil, religião,
atribuição religiosa).
4.4 PROCEDIMENTO
Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva em sala de aula e no auditório
entre os intervalos das palestras no Encontro da Nova Consciência e Consciência Cristã,
bastando aos participantes seguirem as orientações dadas por escrito no próprio questionário.
Num primeiro momento, foram passados, oralmente, para os participantes os esclarecimentos
sobre o anonimato e o sigilo da participação, seguindo os preceitos éticos estabelecidos para
participação de seres humanos, conforme estabelece a Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde. Todos os participantes foram solicitados a assinar termo de consentimento
livre e esclarecido. No final da aplicação, foram deixados endereços (e- mails do mestrando e
de seu orientador) com os quais os participantes poderiam obter informações adicionais
acerca do estudo. Os participantes levaram, em média, 20 minutos para responder ao
questionário.
4.5 ANÁLISE DOS DADOS
O pacote estatístico SPSS versão 17.0 foi utilizado para tabular e realizar as análises
dos dados. Utilizou-se a Análise Fatorial Exploratória, por meio do método dos eixos
principais (Principal Axis factoring), a fim de conhecer a estrutura fatorial das escalas. Para
análise de consistência interna foi utilizado o alfa de Cronbach.
4.6 RESULTADOS
Este estudo teve por objetivo apresentar o resultado da análise fatorial exploratória da
Escala de Crenças Religiosas (ECR). A seguir será apresentado os resultados parciais dessa
análise.
Inicialmente o conjunto de 12 itens foi submetido a uma Análise Fatorial (PAF), tendo
em vista que os índices iniciais indicaram a pertinência dessa análise (KMO = 0,83; χ2 (66) =
55
746,53; p < 0,0001). Emergiram dois fatores com valores próprios superiores a 1, que juntos
explicaram 60,59% da variância total.
Figura 1: Representação gráfica dos valores próprios da escala de Crenças Religiosas
Fonte: Elaboração própria, 2013.
Conforme demonstrado na Figura 1, a escala parece ser bidimensional. Assim, os
componentes atenderam ao critério Kaise, apresentando valores próprios superiores a 1. Já o
critério de Cattell, indicado na Figura 1, sugere a presença de dois fatores, parecendo
plausível assumirem essa estrutura.
56
Tabela 1: Estrutura Fatorial da Escala de Crenças Religiosas
Fatores
Crença
Crença
Ocidental
Oriental
03. O ser humano deve obedecer à vontade de Deus
0,87*
-0,01
11. Deus redime o ser humano do seu pecado.
0,82*
-0,07
09. Após a morte, o ser humano será julgado e
poderá ir para o céu ou para o inferno.
05. Deus é o criador, é o todo poderoso e é o único.
0,76*
-0,23
0,69*
0,09
01. O mundo foi criado por Deus e um dia irá
terminar.
07. O grande pecado do homem é desejar se
transformar em Deus.
08. O Divino se manifesta como uma força que
penetra em tudo e em todos.
06. O Divino está presente em todas as coisas.
0,63*
-0,07
0,63*
0,04
0,10
0,89*
0,12
0,71*
02. O Divino se manifesta em muitas Divindades.
-0,36*
0,65*
10. A alma se purifica após vários ciclos de
reencarnações.
04. A pessoa pode alcançar a união com o Divino
por meio da meditação.
12. A graça vem por meio de sacrifícios
-0,42*
0,64*
-0,15
0,62*
0,09
0,44*
Número de itens
8
6
Eigenvalues
4,33
2,94
% de variância explicada
36,12
24,47
Alfa de Cronbach (α)
0,86
0,82
Nota: |0,30| carga fatorial mínima considerada para interpretação dos fatores.
Fonte: Elaboração própria, 2013.
O primeiro fator reuniu 8 itens, com saturação variando de 0,87 (O ser humano deve
obedecer a vontade de Deus) a -0,42 (A alma se purifica após várias reencarnações).
Apresentou valor próprio de 4,33 explicando 36,12% da variância total. A consistência interna
deste fator foi aferida através do alfa de Cronbach, que resultou num coeficiente de 0,86. A
média 26,92 e o desvio padrão 7,773.
O segundo fator agrupou 6 itens, com saturação de 0, 89 (O Divino se manifesta como
uma força que penetra em tudo e em todos) a 0,44 (A graça vem por meio de sacrifícios). Seu
valor próprio foi de 2,94 e explicou 24,47 da variância total. A consistência interna deste fator
(alfa de Cronbach) foi de 0,82. A média 20,25e o desvio padrão 5,701.
57
4.7 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O primeiro estudo teve por objetivo conhecer a evidência de validade da Escala de
Crenças Religiosas, o que foi perfeitamente observado por meio de uma análise fatorial
exploratória (método PAF, com rotação varimax). Como foi esperado, o primeiro fator
englobou itens referentes às crenças ocidentais, enquanto o segundo fator reuniu todos os
itens que dizem respeito às crenças orientais. Para avaliar as consistências internas das
subescalas optou-se pelo uso do teste Alfa de Cronbach, o que foi considerado plausível tendo
em conta as recomendações da literatura (NUNNALLY, 1991; PASQUALI, 1999) a qual
sugerem índices iguais ou superiores a 0,70.
A fatorabilidade das crenças religiosas parece condizente com a perspectiva de
Rokeach (1991), o qual aventa que as crenças se agrupam como um sistema e que são
derivadas de um consenso social. Também foi compatível com o marco teórico que a
fundamenta (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005), quando pressupõe uma distinção
entre as Crenças Ocidentais e Orientais. Tais crenças foram agrupadas segundo as concepções
religiosas acerca da história, da concepção de Deus, da concepção de humanidade, da
compreensão acerca da salvação da ética e dos cultos.
O instrumento parece ser pertinente como um índice de medida para as crenças
religiosas, podendo ser recomendado para futuras pesquisas acerca da religiosidade. Não
obstante, recomenda-se fortemente que outros estudos possam ser realizados com o escopo de
confirmar a estrutura aqui sugerida. Para uma melhor avaliação dessa medida, o estudo 2
apresentará as associações entre a Escala de Crenças Religiosas e as demais variáveis desse
estudo.
58
CAPÍTULO 5 – ESTUDO 2: ESTUDO CORRELACIONAL DAS
VARIÁVEIS
O estudo 2 teve por objetivos (1) averiguar as relações entre as crenças e a percepção
de sentindo na vida; (2) identificar as associações entre as crenças e as atitudes perante a
morte e, por fim (3) verificar as relações entre percepção de sentido e atitudes perante a morte
5.1 DELINEAMENTO
Tratou-se de uma análise correlacional das variáveis crenças ocidentais e orientais,
sentido de vida e visões de morte.
5.2 AMOSTRA
Para este estudo, contou-se com uma amostra de conveniência (não probabilística) de
121 participantes, sendo 57% do sexo feminino. Os entrevistados eram 5% do Encontro da
Consciência Cristã, 61,1% do Encontro da Nova Consciência na cidade de Campina GrandePB no período do carnaval e 33,9% foram estudantes de Ciência das Religiões na UFPB. A
idade média da amostra foi de 36,93% (DP = 13,50) e amplitude de 18 a 66 anos. A maioria
dos participantes 82,6% ensino superior, 10% ensino médio, 7,4% Pós- graduado. O estado
civil 49,6% solteiros, 33,1% casados, 10,7% separados, 6,6% outros. No que se refere a
religião 24% católica, 18,2% evangélica, 15,7% espiritas, 1,7% candomblé, 0,8% umbanda,
39,6% Outras. Quanto à autoatribuição religiosa, a média foi de 33,31 (DP= 1,37), mínima de
0 a máxima de 5.
5.3 INSTRUMENTOS
Os participantes responderam a um questionário com as seguintes medidas:
Questionário Perfil de atitudes perante a morte. Aquino e Vasconcelos (2012) realizou um
estudo a fim de elaborar e validar a escala de finitude humana, a partir do instr umento de
Wong, Reker e Gesser (1994). A escala do perfil perante a morte é composta por: 32 itens,
medindo quatro fatores: O primeiro fator o da aceitação religiosa reuniu 8 itens, o segundo
fator agrupou 12 itens que mensura a evitação e o medo da morte, o terceiro fator de
59
aceitação e escape apresentou 4 itens, e por fim, o quarto fator de aceitação neutra congregou
4 itens. Os itens variam segundo o grau de concordância/discordância do participante: 1 –
Discordo a 7- Concordo muitíssimo. O numero de itens para cada dimensão foi: 10 itens para
a aceitação religiosa, 7 itens para a escala de medo da morte, 5 itens para a evitação da morte,
5 itens para a aceitação de escape e 5 itens para a aceitação neutra. Da análise fatorial
realizada verificou-se que os cinco componentes se mostram independentes e que os fatores
são puros e internamente consistentes (com alfa de Cronbach a variar entre 0,57 a 0,90 para as
componentes).
Questionário Sentido de Vida (QSV). Este instrumento contém 20 itens dispostos
numa escala de 7 pontos. Contendo dois fatores um a realização de sentido como nos itens
“Minha Vida tem um sentido claro; Eu compreendo o sentido da minha vida” e o outro fator
analisa a busca de sentido como estão descritos nos itens: “Minha vida não tem um propósito
claro; Estou procurando um sentido na minha vida”. O fator Presença de sentido Alfa = 0,82
e Fator Busca de sentido, Alfa = 0,87. Uma análise fatorial confirmatória (AMOS) indicou a
adequação do instrumento (STEGER; FRAZIER; OISHI; KALER, 2006).
Instrumento das Crenças Religiosas. O Instrumento de Crenças Religiosas adaptado
de Aquino (2005). Na escala original as crenças eram mensuradas através de nove itens, que
mediam três concepções: crenças orientais e ocidentais e o niilistas. Com a finalidade de se
aproximar da classificação de crenças proposto por Gaarder; Hellern; Notaker, (2005) foram
acrescentados mais seis itens e retirados três da escala original. Assim, o instrumento contém
12 itens distribuídos igualmente em duas crenças: ocidentais e oriental. Conforme descrevem
Hellern, Notaker e Gaarder (1989) os itens foram dispostos em uma escala tipo Likert,
variando de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente.
Questionário Sociodemográfico. Todos os participantes responderam a um conjunto
de perguntas de natureza sociodemográfica (idade, sexo, escolaridade, estado civil, religião,
atribuição religiosa).
5.4 PROCEDIMENTO
Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva em sala de aula e no auditório
entre os intervalos das palestras no Encontro da Nova Consciência e Consciência Cristã,
bastando aos participantes seguirem as orientações dadas por escrito no próprio questionário.
Num primeiro momento, foram passados, oralmente, para os participantes os esclarecimentos
sobre o anonimato e o sigilo da participação, seguindo os preceitos éticos estabelecidos para
60
participação de seres humanos, conforme estabelece a Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde. Todos os participantes foram solicitados a assinar termo de consentimento
livre e esclarecido. No final da aplicação, foram deixados endereços (e- mails do mestrando e
de seu orientador) com os quais os participantes poderiam obter informações adicionais
acerca do estudo. Os participantes levaram, em média, 20 minutos para responder ao
questionário.
5.5 ANÁLISE DOS DADOS
Após a coleta dos dados, foram codificados os mesmos no programa estatístico SPSS,
versão 16. Posteriormente foram verificados a fatorabilidades das escalas bem como as suas
precisões através do alfa de Cronbach. Posteriormente utilizou-se o teste estatístico de
correlação de Pearson.
5.6 RESULTADOS
Após verificar a fatorabilidade da escala de crenças religiosas, procurou-se verificar as
relações existentes entre crenças ocidentais e orientais e realização e busca de sentido (Tabela
2); as crenças ocidental e oriental e as visões de morte (Tabela 3) e a correlação entre o
sentido de vida e a atitude perante a morte (Tabela 2).
Tabela 2: Matriz Correlacional Crença Ocidental e Oriental e o sentido de vida.
Crença Ocidental
Crença Oriental
Realização
Busca
p < 0,0001*; p < 0,01**
0,35*
-0,40*
-0,25**
0,40**
Com base na observação da Tabela 2, que diz respeito à matriz correlacional entre os
componentes apresentados no resultado da pesquisa, verificou-se a correlação de vários
componentes. Mas vamos nos deter nas correlações existentes entre as crenças ocidentais e
orientais e o sentido de vida.
Foi observada uma associação negativa entre as crenças ocidental e oriental (r = 0,44; p < 0,0001). Verificou-se uma correlação positiva entre a crença ocidental e a realização
61
de sentido (r = 0,35; p < 0,0001) e a crença oriental e busca de sentido (r = 0,40; p < 0,01).
Também foi constatado há correlação negativa entre os componentes da crença ocidental e
busca de sentido (r = -0,40; p < 0,0001) e crença oriental e realização de sentido (r = -0,25; p
< 0,01).
Tabela 3: Matriz Correlacional Crenças Ocidentais e Oriental e Visões de Morte
Crença Ocidental
Crença Oriental
Aceitação religiosa
Evitação e Medo
Aceitação de escape
Aceitação neutra
0,71*
0,17
0,50*
-0,09
-0,20**
0,16
-,0,32*
0,12
p < 0,0001*; p < 0,05**
Ao examinar a Tabela 3, referente às correlações entre as crenças ocidentais e orientais
e as visões de morte, pode-se constatar várias correlações existentes entre os componentes.
Percebe-se uma correlação positiva entre crença ocidental e aceitação religiosa (r = 0,71; p <
0,0001), crença ocidental e aceitação de escape (r = 0,50; p < 0,0001). Além disso, observouse uma correlação negativa entre crença oriental e aceitação religiosa (r = -0,20; p < 0,0001) e
crença oriental e aceitação de escape (r = -0,32; p < 0,0001).
Tabela 4: Matriz Correlacional Sentido de Vida e Visões de Morte
Realização
Busca
Aceitação religiosa
Evitação e Medo
Aceitação de escape
Aceitação neutra
p < 0,0001*; p < 0,01**; p < 0,05***
0,27**
-0,43*
0,10
-0,01
-0,17
0,22***
-0,06
0,05
Verificou-se a existência de uma correlação positiva entre realização e aceitação
religiosa (r = 0,27; p < 0,01), busca e Evitação e medo (r = 0,22; p < 0,05). Também foi
constatado há correlação negativa entre os componentes realização e evitação e medo (r = 0,43; p < 0,0001).
5.7 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS
Este estudo teve como objetivo identificar as possíveis associações entre as crenças
religiosas, sentido de vida e a atitude perante a morte. Considera-se que tais objetivos foram
62
atingidos, entretanto, torna-se necessário, nesse momento, estabelecer algumas limitações do
referido estudo. Inicialmente aponta-se a impossibilidade de generalizar tais resultados,
devido ao fato de que a amostra foi de conveniência. Sugere-se, portanto, que novos estudos
possam testar as correlações aqui encontradas, para verificar se as mesmas permaneceriam
constantes em amostras alternativas.
Outra limitação que poderia ser aventada diz respeito ao fato de que as medidas aqui
propostas não são conhecidas no âmbito brasileiro, o que se faz necessário uma análise
confirmatória da fatorabilidade das mesmas, sobretudo o instrumento proposto a Escala de
Crenças Religiosas. Recomenda-se que novas pesquisas possa realizar esse escopo com
amostras mais abrangentes.
Ao analisar os resultados obtidos neste estudo foram verificadas várias correlações
entre os componentes apresentados nos resultados, mas, como é o objetivo desta pesquisa,
apenas nos deteremos na discussão das correlações entre as crenças religiosas, as visões de
morte e o sentido de vida.
5.7.1 Crenças e o sentido de vida
A realização de sentido se associou diretamente com a Crença Ocidental (r= 0,35; p <
0,0001) e negativamente com a Crença Oriental (r = -0,25, p < 0,0001), Já a busca de sentido
apresentou uma estrutura oposta, se correlacionando negativamente com a Crença Ocidental
(r = 0,40, p < 0,01) e positivamente com a Crença Oriental (r = 0,40 p < 0,0001).
Esses resultados podem ser mais bem compreendidos tendo em conta a cultura na qual
a pesquisa foi realizada. Enquanto nas culturas ocidentais o ser humano necessita de um
redentor, nas culturas orientais o homem é o seu próprio redentor, o que poderia explicar as
correlações inversas em função da tipologia de crença adotada pelos indivíduos estudados.
Segundo a cultura judaico-cristã, o homem seria concebido como um instrumento da
ação divina e por consequência deve obedecer à vontade de Deus, assim nessa crença o
homem se posiciona perante algo ou alguém para encontrar um sentido religioso para a sua
existência.
De acordo com Frankl (1991), o indivíduo se moveria em busca de um sentido que
estaria no mundo, o que promoveria uma ascese. A motivação para o sentido consiste em
orientar a própria vida para além de si mesmo, para algo ou alguém, o que Frankl (2003)
denomina de autotranscendência da existência humana. Para esse autor, o ser humano se
realiza na medida em que está direcionado para a realização de uma tarefa, quando se
63
distancia de si mesmo em favor de uma causa ou no amor a alguém. Portanto, nesta
perspectiva, o ser humano é um ser aberto ao mundo, motivado e dirigido para algo que
sempre o transcende.
Já as Crenças Orientais pressupõem uma busca de sentido por meio de uma
espiritualidade que enfatiza o autoconhecimento (meditação, exercícios espirituais etc.) bem
como uma purificação da alma, por meio de ciclos de reencarnações. A própria estrutura da
crença oriental reforçaria mais uma busca de sentido como um princípio de para a sua prática
espiritual. Ademais, adotar uma crença oriental em uma cultura ocidental poderia caracterizar
uma quebra de tradição religiosa, o que poderia suscitar uma busca de sentido, conforme
pressupõe Frankl (2003). É possível pensar que as crenças ocidentais não estejam
respondendo as questões existenciais relevantes para aqueles indivíduos que aderem as
crenças orientais, gerando uma busca por uma nova cosmovisão que possa dar novas
respostas para as suas vidas.
Faz-se mister dizer que, para Steger, Frazier, Oishi e Kaler (2006), a busca de sentido
não seria uma condição de um vazio existencial estabelecido, mas apenas um indicativo de
que o ser humano está mobilizado para procurar sentidos, posto que a sua condição existencial
não o satisfaria. Dessa forma, não caberia estabelecer uma interpretação desses resultados
apontando para uma forma de crenças que resultaria em mais sentido em comparação com a
sua antípoda, mas apenas poderiam indicar que as crenças ocidentais se expressam por meio
da realização de sentido, enquanto que as crenças orientais por uma busca de sentido.
5.7.2 Crenças Ocidentais e Orientais e Visões de Morte
Como foi observado, as crenças ocidentais se associaram positivamente com a
Aceitação Religiosa (r = 0,71; p < 0,0001) e com a Aceitação de escape (r = 0,50; p <
0,0001), enquanto que as crenças orientais o fizeram de forma negativa.
Gaarder et al. (2005) afirmam que as “questões existenciais surgem em todas as culturas e
formam a base de todas as religiões p.11”. Entretanto, Constata-se que a aceitação da morte
por meio da atitude de Aceitação Religiosa e de escape apenas se associam diretamente com
as crenças ocidentais. Uma possível explicação para esse fato é a de que, para as crenças
orientais, a morte seria concebida como uma mera ilusão, se destituindo, dessa forma, da
necessidade de uma aceitabilidade. Tal argumento decorre da condição que o binômio vidamorte se encerram em um ciclo de reencarnações sucessivas.
64
De forma geral, constata-se que as religiões de diferentes maneiras e percepções
procuram explicar a origem e fim das coisas, na crença ocidental o homem religioso encontra
um sentido para a sua finitude, dando para esse ser finito uma razão para que a morte tenha
um significado positivo, como por exemplo, temos o cristianismo que acredita na vida eterna
após a morte física, alicerçando-se na doutrina de que todo ser humano é eterno (WILGES,
1986). Essa crença cristã, para Oliveira (2008), baseia-se na premissa de que a morte seria
uma passagem para uma vida eterna e feliz. Em consonância com este pensamento, Nogueira
e Pereira (2006) asseveram que as diferentes religiões e o nível de espiritualidade oferecem ao
indivíduo diferentes ângulos de perceber a morte.
Para a cultura judaico-cristã o homem encontra em suas crenças religiosas tanto um
sentido para sua vida quanto para a sua morte. Dessa forma, para essa cultura religiosa por
meio da crença em um Deus soberano, encontram-se argumentos para conceber que a morte
traz alegria e felicidade, pois será o dia em que terá o encontro com o seu Redentor e Criador
(MARTINS, 2007).
Resultados semelhantes foram encontrados num estudo realizado por Nogueira e
Pereira (2006), no qual foram observadas evidências de que a crença na vida após a morte se
relacionava com a religiosidade. Corroborando com os resultados, Alves e Aquino (2009)
realizaram um estudo com o objetivo de identificar as relações entre a religiosidade e as
concepções acerca da morte. Os resultados apontaram para a existência de correlações
positivas entre religiosidade e vida do além, coragem e fim natural.
Para cada cultura, a morte tem um significado diferente, na crença oriental que, de
acordo com Gaarder, Hellern e Notaker (2005), os orientais não possuem a mesma visão de
morte que os ocidentais. Constata-se que a morte, tanto para chineses, japoneses, tibetanos e
indianos, influenciados pela cultura budista, é ocasião de alegria e não de pranto. Como
exemplo, em algumas culturas como a budista, as pessoas choram quando nasce um bebê e
riem quando se vai um morto, pois acreditam que a morte seja um renascimento que
proporciona um crescimento espiritual.
Dessa forma, compreende-se que a concepção da morte na cultura oriental não está
voltada para uma ressurreição no paraíso celeste, mas para a purificação da alma através da
reencarnação. Segundo Gaarder et al. (2005), a crença oriental entende que a salvação é se
libertar dos vários ciclos de reencarnação, alcançando a graça por meio de atos de sacrifício e
ou do conhecimento místico. A consciência da morte, de acordo com o budismo leva o
indivíduo se desprender de qualquer apego material, os prazeres mundanos são desprovidos
de qualquer relevância (DALAI LAMA, 1997).
65
5.7.3 Sentido de Vida e Atitudes perante a morte
Com relação a associação entre sentido de vida e atitudes perante a morte, por um lado
foi observada uma associação direta entre realização de sentido e aceitação religiosa (r = 0,27;
p < 0,01) e uma relação inversa entre realização de sentido e evitação e medo da morte (r = 0,43; p < 0,0001); por outro, verificou-se uma associação positiva entre a busca de sentido e a
atitude de medo e evitação (r = 0,22; p < 0,05).
Segundo a concepção da logoterapia a morte daria sentido á vida, ou seja, quanto mais
o ser humano estiver consciente da sua finitude, mais ele procura encontrar e realizar sentidos
em sua existência (Frankl, 1991). Lukas, (1989) também assevera que pessoas realizadas no
seu sentido de vida apresentam uma maior aceitabilidade da morte como uma condição da
existência humana.
O ser humano que está realizado existencialmente encontra em sua crença religiosa um
motivo para o qual não se sentir fracassado e não perceber a sua morte como algo que lhe
impasse a sua realização pessoal, mas sim ver a sua vida na sua totalidade como uma
realização pessoal e a morte consiste em uma realização.
Para Martins (2007) a crença religiosa é um fator muito presente em pessoas que es tão
muito próximas da morte, contribuindo para um final de vida feliz, pois oferece sentido para o
seu fim levando-o a uma preparação para a sua morte. Frankl (2003), por sua vez, concebe
que muitas vezes se pensa de forma equivocada que morte põe em jogo o sentido inteiro de
uma vida. Para ele a morte não acaba com o sentido da vida, tendo em vista que apesar da
morte, e por sua causa, o ser humano homem vê-se impelido a realizar as possibilidades de
sentido disponíveis em suas existências. Ao contrário, se a vida humana fosse infinita, as
pessoas tenderiam a adiar suas responsabilidades sempre para o dia seguinte. Dessa forma,
compreende-se que o medo e a esquiva da morte, poderiam ser explicados por meio do medo
em assumir responsabilidades na própria existência, o que sugere que realizar o seu dever
seria um fator de proteção contra o temor e a evitação da morte.
A morte é geralmente percebida como uma quebra entre as possibilidades da vida,
deixar esta vida por algo que é obscuro, trazendo para as pessoas que não conseguem perceber
que até na morte se encontra um sentido, uma espécie de dor e desespero, pois irá se deparar
com algo que para ela romperá definitivamente com a sua ligação com a vida e com as
pessoas amadas desta vida.
A maneira que cada pessoa irá perceber a sua finitude dependerá de como ela
vivenciou os momentos da sua vida, Frankl (1989) faz uma comparação entre dois tipos de
66
pessoas que entendem a sua vida de maneiras diferentes, dizendo que aquelas pessoas que
estão existencialmente vazias são comparadas a um homem que com tristeza olha o seu
calendário a cada dia afinando mais, ao contrario das pessoas que encaram os seus problemas
com alegria e de forma ativa, pois ao destacar as folhas do seu calendário poderá no fim de
tudo olhar para trás e ver como foi vivida plenamente a sua vida.
Deparando-se com a busca de sentido, o homem, vê que nada se realizou ou nada foi
acrescentado em sua vida e que, por outro lado, a fatalidade da vida que é a morte será
concebida como algo negativo. O medo de morrer e de perceber que nada foi realizado em sua
vida faz com que o homem que busca um sentido não aceita a morte. Diferente do homem que
entende que é um ser ativo e responsável por suas escolhas, faz da sua vida uma realização
plena, percebendo ao fim da vida que realmente teve um sentido para se viver e ao pensar
sobre o seu fim, reconhecerá que uma realização plena dos seus dias.
Assim, a morte aparentemente retiraria o sentido da existência, porém ou a vida tem
sentido independente de ser breve ou longa, ou, caso contrário, não teria sentido por mais
longa e infinita que ela possa ser (FRANKL, 1991). A morte e a finitude teriam um fator
pedagógico para o ser humano, posto que a partir de sua consciência o ser humano refletiria
acerca do sentido que imprime a sua vida como um ser no mundo.
PARTE IV – CONCLUSÃO
68
CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, considera-se de forma geral que os objetivos propostos para esta
pesquisa tenham sido alcançados e, dessa forma, espera-se trazer contribuições aos próximos
estudos, visando colaborar também com a área das Ciências das Religiões e, mais
especificamente, com a Psicologia da Religião, no que diz respeito às três variáveis
pesquisadas (crenças religiosas, sentido de vida e atitude perante a morte).
As crenças religiosas tem cumprido um papel preponderante nas questões relativas as
visões de morte e na percepção do sentido de vida. Concebe-se que a morte faz parte da
facticidade da existência humana podendo gerar angústia dependendo da sua significação.
Cada cultura religiosa possui sua percepção sobre a morte, que se expressam por meio das
crenças religiosas. Dessa forma, a consciência da finitude pode evocar a pergunta pelo sentido
da vida (Frankl, 1989/2003), posto que a transitoriedade da existência humana poderia
destituir a vida de um sentido ou de um “para que viver”.
Vale salientar as limitações desta pesquisa, que os resultados discutidos nesse estudo,
ainda que tenham evidenciado concordâncias satisfatórias com a literatura seguida, foram
limitados devido à amostra utilizada não ser extensa, o que faz não ser possível generalizar
tais resultados, devido ao fato de que a amostra foi de conveniência. Sugere-se, portanto, que
novos estudos possam testar as correlações aqui encontradas, para verificar se as mesmas
permaneceriam constantes em amostras alternativas. Por isso, torna-se necessário que outros
estudos possam aprofundar ainda mais a temática da finitude humana, podendo ser realizada
com uma população maior e mais diversificada.
No entanto, mesmo considerando tais limitações do estudo, ficou evidenciado nos
resultados encontrados referentes à população participante que existe, que a escala de crenças
religiosas é um instrumento pertinente e que pode ser recome ndado para futuras pesquisas
sobre a temática, também observou relações significativas entre crença religiosa e o sentido
da vida, crença religiosa e a atitude perante a morte e sentido de vida e atitude perante a
morte, e que tais relações são determinantes na orientação dos indivíduos nas suas vidas e de
seus posicionamentos perante a mesma.
Recomenda-se fortemente que outros estudos possam ser realizados para contribuir
com a área da psicologia da religião no contexto brasileiro. Dessa forma sugere-se identificar
as relações entre as crenças e os valores humanos, bem como verificar a influência das
atitudes religiosas (afetos, comportamentos e cognições) nas crenças religiosas. Outros
69
estudos sugeridos poderiam discorrer sobre como as crenças religiosas poderiam ser
mediadoras da angustia perante a morte. Fomentando, assim, novas descobertas em como as
crenças e o enfrentamento religioso pode ser ativado quando o ser humano se depara com a
sua condição de finitude e mortalidade.
70
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74
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SMITH, W. C.. The meaning and end of religion. New York: Macmillan, 1963.
STEGER, F. M.; FRAZIER, P.; OISHI, S.; KALER, M. The meaning in Life Questionnaire:
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TEXEIRA, P. F.. Diante da morte: representações sociais da morte em enfermeiros.
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TEXEIRA, F. O potencial libertador da espiritualidade e da experiência religiosa. In:
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.
APÊNDICES
76
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TECLE)
Universidade Federal da Paraíba
Programa de Pós-graduação em Ciências das Religiões
Cidade Universitária - João Pessoa - PB - Brasil –
CEP - 58059-900
Professor responsável: Dr. Thiago A. Avellar de Aquino
E-mail: [email protected]
Caro participante,
Estamos realizando uma pesquisa com o propósito de conhecer como as pessoas se
posicionam perante a religiosidade e a morte. Solicitamos a sua colaboração para responder os
questionários, como também sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em
eventos da área de humanas e publicar em revista científica. Por ocasião da publicação dos
resultados, seu nome será mantido em sigilo. Informamos que essa pesquisa não oferece
riscos, previsíveis, para a sua saúde. Esclarecemos que sua participação no estudo é voluntária
e, portanto, o(a) senhor(a) não é obrigado(a) a fornecer as informações e/ou colaborar com as
atividades solicitadas pelo Pesquisador(a). Caso decida não participar do estudo, ou resolver a
qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano.
Os pesquisadores estarão a sua disposição para qualquer esclarecimento que considere
necessário em qualquer etapa da pesquisa.
Termo de Consentimento
Diante do exposto, declaro que fui devidamente esclarecido(a) e dou o meu
consentimento para participar da pesquisa e para publicação dos resultados.
.
João Pessoa, ____de ____________ de ______.
________________________________________________
77
APÊNDICE B – Questionário “Perfil de Atitudes perante a Morte”
Perfil de Atitudes perante a Morte
Este questionário contém uma série de afirmações relativas a diferentes atitudes perante a
morte. Leia atentamente cada afirmação, e depois indique o quanto concorda ou discorda com
a mesma. É importante que pense bem em cada afirmação e que responda a todas elas. Muitas
das afirmações podem parecer semelhantes, mas todas são necessárias para evidenciar
Concordo
muitíssimo
Concordo
Concordo
moderadamente
Não concordo
nem discordo
Discordo
moderadamente
Discordo
Discordo
muitíssimo
pequenas diferenças ao nível das atitudes.
1.A morte constitui sem
dúvida uma experiência
terrível.
1
2
3
4
5
6
7
2.Perspectivar a minha
própria morte gera-me
ansiedade
1
2
3
4
5
6
7
3. Evito pensamentos acerca
da morte a todo o custo
1
2
3
4
5
6
7
4. Acredito que irei para o
Céu depois de morrer
1
2
3
4
5
6
7
5. A morte porá fim a todos
os meus problemas
1
2
3
4
5
6
7
6. A morte devia ser olhada
como um acontecimento
natural, inegável e
inevitável.
1
2
3
4
5
6
7
7. Perturba-me o fato da
morte ser irreversível
1
2
3
4
5
6
7
78
8. A morte é uma passagem
para um local de satisfação
plena
1
2
3
4
5
6
7
9. A morte permite escapar
deste mundo terrível
1
2
3
4
5
6
7
10. Sempre que me ocorrem
pensamentos acerca da
morte, procuro afastá-los
1
2
3
4
5
6
7
11. A morte é a libertação da
dor e do sofrimento
1
2
3
4
5
6
7
12. Tento sempre não pensar
na morte
1
2
3
4
5
6
7
13. Acredito que o céu será
um local bem melhor do que
este mundo
1
2
3
4
5
6
7
14. A morte é um aspecto
natural da vida
1
2
3
4
5
6
7
15. A morte é a união com
Deus e com a felicidade
eterna
1
2
3
4
5
6
7
16. A morte traz uma
promessa de uma vida nova
e gloriosa
1
2
3
4
5
6
7
17. Não temerei a morte,
mas também não a receberei
de braços abertos
1
2
3
4
5
6
7
18. Tenho um intenso medo
da morte
1
2
3
4
5
6
7
19. Evito por completo
pensar na morte
1
2
3
4
5
6
7
20. O tema da vida depois da
morte perturba-me bastante
1
2
3
4
5
6
7
21. Assusta-me o fato de que
morte pode significar o final
de tudo o que conheço
1
2
3
4
5
6
7
79
22. Aguardo com
expectativa a reunião com os
que amei, depois da morte
1
2
3
4
5
6
7
23. Vejo a morte como alívio
do sofrimento terreno
1
2
3
4
5
6
7
24. A morte é simplesmente
uma parte do processo da
vida
1
2
3
4
5
6
7
25. Vejo a morte como uma
passagem para um lugar
eterno e abençoado
1
2
3
4
5
6
7
26. Tento não me envolver
em nada que tenha a ver com
o tema da morte
1
2
3
4
5
6
7
27. A morte oferece a
maravilhosa libertação da
alma
1
2
3
4
5
6
7
28. Uma das coisas que me
conforta perante a morte é a
minha crença numa
continuidade da vida depois
da morte
1
2
3
4
5
6
7
29. Vejo a morte como alívio
dos fardos desta vida
1
2
3
4
5
6
7
30. A morte não é boa nem
má
1
2
3
4
5
6
7
31. Aguardo com
expectativa a vida depois da
morte
1
2
3
4
5
6
7
32. Preocupa-me a incerteza
de não se saber o que
acontece depois da morte
1
2
3
4
5
6
7
80
APÊNDICE C – Questionário “Sentido da Vida”
Questionário de Sentido de Vida
Pense por um momento sobre o que faz com que sua vida seja importante para você. Agora
responda as sentenças seguintes de modo verdadeiro e com o máximo de cuidado que você
puder. Também se lembre de que estas questões muito subjetivas e que não existem respostas
certas ou erradas. Por favor, responda de acordo com a seguinte escala:
Falso
Nem
verdadeiro
nem Falso
Parcialmente
Verdadeiro
Geralmente
Verdadeiro
Absolutamente
Verdade
3
4
5
6
7
Totalmente
Falso
Geralmente
Falso
Parcialmente
1
2
01. ____ Eu compreendo o sentido da minha vida.
02. ____ Eu estou procurando alguma coisa que faça com que minha vida tenha sentido.
03. ____ Eu sempre estou em busca do sentido da minha vida.
04. ____ Minha vida tem um sentido claro.
05. ____ Eu tenho uma boa consciência do que faz minha vida ter sentido.
06. ____ Eu descobri um sentido de vida satisfatório.
07. ____ Eu estou sempre procurando por algo que faça com que minha vida seja significante.
08. ____ Eu estou buscando um significado ou missão para minha vida.
09. ____ Minha vida não tem um propósito claro.
10. ____ Eu estou procurando um sentido em minha vida.
81
APÊNDICE D – Questionário “Instrumento de Crenças Religiosas”
Instrumento de Crenças Religiosas
INSTRUÇÕES: Para cada concepção religiosa indique o grau de concordância/discordância
Discordo
totalmente
Discordo
Nem
concordo nem
discordo
Concordo
Concordo
totalmente
que se aproxime mais de sua convicção religiosa segundo a escala que se segue:
01. O mundo foi criado por Deus e
um dia irá terminar.
1
2
3
4
5
02. O Divino se manifesta em
muitas Divindades.
1
2
3
4
5
03. O ser humano deve obedecer à
vontade de Deus.
1
2
3
4
5
04. A pessoa pode alcançar a união
com o Divino por meio da
meditação.
1
2
3
4
5
05. Deus é o criador, é o todo
poderoso e é o único.
1
2
3
4
5
06. O Divino está presente em todas
as coisas.
1
2
3
4
5
07. O grande pecado do homem é
desejar se transformar em Deus.
1
2
3
4
5
1
2
3
4
5
08. O Divino se manifesta como
uma força que penetra em tudo e
em todos.
82
09. Após a morte, o ser humano será
julgado e poderá ir para o céu ou
para o inferno.
1
2
3
4
5
10. A alma se purifica após vários
ciclos de reencarnações.
1
2
3
4
5
11. Deus redime o ser humano do
seu pecado.
1
2
3
4
5
12. A graça vem por meio de
sacrifícios.
1
2
3
4
5
83
APÊNDICE E – Questionário Sociodemográfico
Questionário Sociodemográfico
Gostaríamos de obter algumas informações sobre você. Não pretendemos identificá- lo(a), por
isso, não assine ou coloque o seu nome. Estas informações unicamente descrevem os
participantes deste estudo.
1. Idade: ______anos
2. Sexo:  Masculino
 Feminino
3. Escolaridade________________
4. Religião:  Católica
 Evangélica
 Candomblé  Umbanda
 Espírita
 Budista
 Outra:________________________
5. Estado Civil:  Solteiro
 Casado
 Separado
 Outro:_________________________
6. O quanto você se sente uma pessoa religiosa?
Nada religioso
0
1
2
3
4 5 Muito religioso
7. Cidade de origem:__________________________
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA