DESCRIÇÃO DE TUBARÕES CAPTURADOS NA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE-BRAZIL E ARMAZENADOS NO GRUPAMENTO DE BOMBEIROS MARÍTIMO DE PERNAMBUCO (Ordem Carcharhiniformes) ANDRÉ DE SOUZA FERRAZ ALVES [email protected] RESUMO Tubarões da ordem Carcharhiniformes freqüentemente são associados aos incidentes contra os seres humanos em Pernambuco, onde no período de janeiro de 1992 a setembro de 2004 foram confirmados 46 ataques pelo CEMIT (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões); duas espécies desta ordem têm sido relacionadas com estes ataques: Charcarhinus leucas (Valenciennes, 1839) e Galeocerdo cuivier (Perón & Lê Sueur,1822); o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, através do seu Grupamento de Bombeiros Marítimo (GBMar), foi freqüentemente acionado quando da captura de tubarões por populares. O presente trabalho descreve 16 animais colecionados neste Grupamento e os relaciona com a possibilidade de oferecer ou não risco aos usuários das praias da Região Metropolitana do Recife. Destes animais, destacamos que dos 16 indivíduos estudados apenas 02 apresentaram características que possivelmente poderiam por em risco a integridade física desses usuários e, que diante da inexistência de métodos imediatos para mitigar o problema ora em questão, a prevenção continua sendo a forma menos onerosa e eficaz para diminuir esses incidentes. INTRODUÇÃO Os tubarões são animais bastante conhecidos junto do público em geral devido aos eventuais ataques contra seres humanos altamente explorados pela imprensa (GADIG,1994); os incidentes envolvendo estes animais no litoral da Região Metropolitana de Recife-PE desde a década de 1990 até hoje, vêem ocupando local de destaque na mídia brasileira, com dados comparáveis aos da Austrália, África do Sul e do Estado da Flórida (EUA). Os incidentes envolvendo tubarões trazem severas repercussões sociais às populações humanas dependentes do uso de ambientes costeiros, seja pela ótica econômica como a do turismo e a da pesca, seja de segurança pública - prevenção de acidentes e pronto-atendimento às possíveis vítimas. A análise detalhada dos casos de ataque de tubarões ocorridos nessa região sugere que os principais agressores pertencem às espécies cabeça–chata Carcharhinus leucas (Valenciennes, 1839) e tigre Galeocerdo cuvier (Perón & Lê Sueur, 1822) (OLIVEIRA, 1995). Esses incidentes mostram–se numericamente menor em relação às ocorrências de afogamento; porém, qualitativamente, os incidentes por tubarões provocados ou não, causam uma maior repercussão sócio-econômica e demandam respostas eficazes do poder público. O objetivo do presente trabalho foi descrever espécies de tubarões sob a guarda do Grupamento de Bombeiros Marítimo; bem como descrever ações profiláticas e operacionais desenvolvidas na Região Metropolitana do Recife, no tocante aos incidentes envolvendo tubarões. DESCRIÇÃO DA ÁREA Na costa de Recife encontra-se a maior concentração urbana costeira na Região Nordeste do Brasil. Considerando-se apenas os municípios costeiros ou localizados em estuários, aí residem cerca de 40% da população do Estado de Pernambuco. O índice de 40.000 habitantes/km de linha de costa é superado, no Brasil, apenas pela Cidade do Rio de Janeiro. Pela sua localização na embocadura de um complexo estuarino, ao longo de áreas naturalmente alagáveis, e entrecortada por canais, a Cidade do Recife é muito vulnerável à elevação de nível do mar. Uma cidade que cresceu e se desenvolveu a partir de uma natural incorporação do seu tecido urbano com as águas de superfície, justificando-lhe o antigo título de Veneza brasileira de acordo com Araújo (1998). Apresenta densidade demográfica de 1.116 hab/Km² contra 75 hab/Km² no Estado, corroborando com o fato da intensa relação de suas comunidades com ambientes costeiros. MÉTODOS. Os materiais utilizados foram tubarões do acervo do Grupamento de Bombeiros Marítimo, dos quais apenas fizemos constar no presente estudo, os representantes da ordem Carcharhiniformes, capturados durante o período de maio de 1996 a outubro de 2004 nessa região, delimitando–se ao sul, com a Praia de Gaibú, Município de Cabo de Sant Agostinho-PE, e ao norte, com a Praia de Pau Amarelo, Município do Paulista - PE. Foram realizadas revisão bibliográfica e as seguintes atividades: pesquisas no Laboratório de Necton do Departamento de Oceanografia – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em julho de 2004; visitas ao posto de Pesca do Mercado Público do Município de Itapissuma-PE em julho de 2004; participação no II Shark Attack Internacional Workshop - D.A. Dept. de Biologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Agosto de 2004; apresentação de seminário sobre Condrichtyes, em agosto de 2004, no Departamento de Biologia da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); identificação de espécimes no GBMAR (Grupamento de Bombeiros Marítimos) em agosto de 2004 (Figura 01); participação em instrução sobre morfologia externa de tubarões na Universidade de Pernambuco (UPE), Nazaré da Mata – PE, em setembro de 2004 (Fig.03); entre outras. A determinação dos espécimes foi pautada nos seguintes trabalhos: Compagno (1984), Figueiredo (1977); Roman (1978), Fischer (1978); Menezes (2003), Nelson (1994), Gadig (1995), Hazin (1995) e Szpilman (2004). RESULTADOS Caracteres morfométricos das espécies estudadas. Foram registrados comprimentos totais de: Carcharhinus acronotus (Poey, 1860); Carcharhinus falciformes (Bibron,1839); Carcharhinus leucas (Valenciennes, 1839); Carcharhinus limbatus (Valenciennes, 1839); Carcharhinus obscurus (Lê Sueur, 1818); Carcharhinus porosus (Ranzani, 1839); Galeocerdo cuvier (Perón & Lê Sueur,1822); Sphyrna lewini (Griffith & Smith, 1834); e Sphyrna zygaena (Linneaus, 1758). O espécime que apresentou maior comprimento total foi o Galeocerdo cuvier apresentando 372,00 cm, ao passo que o menor espécime registrado foi um embrião de Carcharhinus leucas de 20,80 cm. Dos 16 animais estudados, apenas 01 exemplar adulto de Carcharhinus leucas e 01 adulto de Galeocerdo cuvier, agregam características biológicas para oferecer riscos aos freqüentadores das praias da Região Metropolitana do Recife. Incidentes envolvendo tubarões na Região Metropolitana do Recife. O CEMIT reconheceu 46 ataques por tubarões contabilizadas no período de 28 de junho de 1992 a 08 de setembro de 2004 na área que compreende: praia do Paiva (Município de Ipojuca), praias de Barra de Jangada, de Candeias e de Piedade (Município de Jaboatão dos Guararapes), praia de Boa Viagem (Município do Recife) e praia de Del Chipre (Olinda), totalizando uma extensão máxima de 20Km. Estas localidades são centros de grande densidade demográfica, correspondendo a segunda maior densidade em áreas costeiras no Brasil. O aumento de incidentes envolvendo tubarões, dentre outros diversos fatores, também está relacionado ao aumento das populações costeiras e suas atividades nos ambientes costeiros. As alterações ambientais causadas pela poluição dos rios presentes locais, pelo aterramento de mangues com a construção do Porto de SUAPE, (bem como a proximidade também com o Porto de Recife), pela pesca predatória do camarão (que interfere na teia trófica); pela geologia marinha (canais em forma de labirintos em direção à costa e associando–se com corrente marinha predominante no sentido sul-norte) favorecem a aproximação de tubarões de grande porte nesta área, em particular nas praias de Paiva, Piedade e de Boa Viagem. A questão econômica também deve ser lembrada, pois a população carente, diante de poucas alternativas de lazer, faz uso da praia, representando grande número de banhistas que algumas vezes resistem quando advertidos do perigo pelos Guarda–Vidas e/ou placas (de advertência, de orientação ou de proibição). O Estado de Pernambuco dispõe de instrumentos legais que regulam da prática de surf, através de campanhas educativas, preventivas e ostensivas promovidas pelos órgãos operativos, como o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (prevenção, fiscalização e resgate). CONCLUSÕES A ordem estudada dos tubarões foi a Carcharhiniformes; foram identificadas 07 espécies pertencentes à família Carcharhinidae e 02 da família Sphyrnidae, conforme tabela 01; Os animais mais abundantes na coleção foram embriões de Carcharhinus leucas e juvenis de Carcharhinus falciformes; Apenas 05 animais apresentam comprimento total considerável, acima de 01 metro; dos quais apenas 01 Carcharhinus leucas fêmea e 01 Galeocerdo cuvier macho (Figura 01), pertencentes às espécies relacionadas com os incidentes na Região Metropolitana do Recife, apresentam características biológicas e comportamentais, que indicam risco aos usuários das praias da área estudada. Seis espécimes estudados foram caracterizados como adultos (maturação sexual), segundo padrões de comprimento totais das respectivas espécies e, inclusive, calcificação do clásper. Os indivíduos estudados numericamente não são representativos quanto ao estudo de ecologia, reprodução e distribuição, sendo apenas alvo de estudo descritivo e informativo. Pode-se afirmar que a vítima mais provável continua sendo o indivíduo de sexo masculino, surfista, freqüentador da Praia de Boa Viagem, surfando no início ou crepúsculo do dia, em fase de lua nova. Os banhistas estão mais expostos a acidentes com fatalidade que os surfistas na área estudada (Figura 02); Independentemente dos recursos operacionais disponibilizados pelo Estado, a gravidade das lesões ocorridas é um fator determinante quando do atendimento às vítimas de ataques por tubarões e a quantidade de óbitos (Figura 03); As ações de cunho preventivo e ostensivo se desenvolvem pela educação dos usuários da orla metropolitana do Recife promovidas pelo Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, através da ação pró-ativa de Guarda-Vidas, quando da realização dos serviços de busca, resgate e atendimento pré-hospitalar (Figura 04). Tabela 01 – Distribuição dos 16 animais estudados, quanto às respectivas espécies, segundo o comprimento total (CT) e sexo. Item FAMÍLIA ESPÉCIE CT(cm) SEXO IDADE 1 Carcharhinidae Carcharhinus aconotus 60,02 MACHO Adulto 2 Carcharhinidae Carcharhinus falciformes 54,00 MACHO juvenil 3 Carcharhinidae Carcharhinus falciformes 78,70 MACHO juvenil 4 Carcharhinidae Carcharhinus falciformes 73,00 FÊMEA juvenil 5 Carcharhinidae Carcharhinus leucas 54,60 MACHO 6 Carcharhinidae Carcharhinus leucas 43,00 MACHO Embrião Embrião 7 Carcharhinidae Carcharhinus leucas 20,80 MACHO Embrião 8 Carcharhinidae Carcharhinus leucas >100,00 FÊMEA Adulto 9 Carcharhinidae Carcharhinus limbatus 69,60 FÊMEA Embrião 10 Carcharhinidae Carcharhinus obscurus >100,00 MACHO Adulto 11 Carcharhinidae Charcarinus obscurus 43,51 MACHO juvenil 12 Carcharhinidae Carcharhinus porosus 38,50 MACHO juvenil 13 Carcharhinidae Galeocerdo cuvier 372,00 MACHO Adulto 14 Carcharhinidae Sphyrna zigaenna 54,60 MACHO 15 Sphyrnidae Sphyrna lewini >100,00 FÊMEA Embrião Adulto 16 Sphyrnidae Sphyrna lewini >100,00 FÊMEA Adulto REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Alex Maurício. 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FATAL FEM. 4 SURFISTA BANHISTA 0 0 3 FATAL MASC. 14 0 10 20 30 Figura 02 –Distribuição dos 46 incidentes confirmados por tubarões na RMR, quanto à fatalidade, segundo o sexo e a atividade desenvolvida pela vítima no momento do ataque. 0 3 RESTOS HUMANOS 0 3 TRONCO MEMB. INFERIORES 20 3 MEMB. SUPERIORES 1 3 6 POLITRAUMA 0 5 NÃO FATAL FATAL 7 10 15 20 Figura 03 – Distribuição dos 46 incidentes confirmados por tubarões na RMR, quanto ao local da lesão, segundo a fatalidade. Figura 04 – Praias de Boa Viagem e Piedade: risco de afogamento e ataques por tubarões. Cadeirão de Guarda-Vidas ao centro.