FOL • Faculdade de Odontologia de Lins / UNIMEP
ENXERTO ÓSSEO ALVEOLAR SECUNDÁRIO
EM PACIENTES PORTADORES
DE FISSURAS LÁBIO-PALATAIS:
UM PROTOCOLO DE TRATAMENTO
SECONDARY ALVEOLAR BONE GRAFTS IN CLEFT LIP AND PALATE PATIENTS:
A TREATMENT PROTOCOL
DANILO IBRAHIM
Residente do Setor de Cirurgia Ortognática do Hospital de Reabilitação
de Anomalias Cranifaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP),
Bauru/SP
EDUARDO FRANCISCO DE SOUZA FACO
Mestrando do Curso de Pós-Graduação – Área de Fissuras Orofaciais do
HRAC/ USP, Bauru/SP
JOSÉ HENRIQUE GOMES DOS SANTOS FILHO
Residente do Setor de Cirurgia Ortognática do Hospital de Reabilitação
de Anomalias Cranifaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP),
Bauru/SP
RENATO ANDRÉ DE SOUZA FACO
Cirurgião-dentista do Setor de Cirurgia Ortognática do HRAC/USP,
Bauru/SP
RESUMO
ABSTRACT
O enxerto ósseo alveolar secundário é um protocolo de tratamento utilizado no Hospital de Reabilitação de Anomalias
Craniofaciais/USP que promove a estabilidade dos segmentos maxilares, possibilitando a movimentação ortodôntica e a
seqüência do tratamento reabilitador. A idade indicada para
a realização do enxerto ósseo está relacionada à idade cronológica entre 9 e 12 anos e a época de irrupção do canino
permanente adjacente à fissura, pois, se realizado precocemente, impede o crescimento ântero-posterior da maxila e, se
após essa irrupção, na grande maioria dos casos nota-se uma
pobre condição periodontal da área. A área doadora de escolha é a crista ilíaca, por ser de fácil acesso e fornecer a quantidade suficiente, o que permite movimentação ortodôntica e
seguir o plano de tratamento.
The secondary alveolar bone graft is a protocol of treatment
used at the Hospital for Rehabilitation of Craniofacial
Anomalies/USP which promotes the stability of the maxillary
segments, allowing orthodontic movements and the sequence
of the treatment. The time for bone grafting is related to the
chronological age (from 9 to 12) and the time of the irruption
of the permanent canine tooth adjacent to the cleft.When the
bone graft is precociously done, it disturbs the anteroposterior
growth of the maxilla and if it is done after the irruption of
the permanent canine, we notice a poor periodontal condition
in most of the cases. The donor area of choice is the iliac crest
because of its easy access and competent quantity supplied,
which allows orthodontic movement and sequence for the
treatment plan.
UNITERMOS: ENXERTO ÓSSEO ALVEOLAR – FISSURA LÁBIO
UNITERMS: SECONDARY ALVEOLAR BONE GRAFT – CLEFT LIP AND
PALATAL.
PALATE.
Rev. Fac. Odontol. Lins, Piracicaba, 16 (2): 13-18, 2004
13
Para que ocorra a completa reabilitação
do paciente portador de fissura lábio palatal, é necessária a intervenção de uma equipe
multidisciplinar constituída basicamente de
cirurgiões plásticos, dentistas e fonoaudiólogos.17 Nos primeiros anos de vida, o paciente
é submetido às cirurgias primárias de lábio
(queiloplastia) e palato (palatoplastia), para
que ocorra melhora dos aspectos funcionais,
estéticos e psicológicos.2
Em épocas em que a utilização do
enxerto ósseo na região da fissura não era
empregada, o tratamento ortodôntico era
limitado22 e o uso de próteses em pacientes
jovens tornava-se a solução final. Os segmentos maxilares permaneciam instáveis, principalmente a pré-maxila em casos de fissuras
bilaterais, e o suporte ósseo insuficiente na
base alar trazia dificuldades para a correção
de assimetrias da asa do nariz.2, 15
REVISÃO
14
DA
Boyne e Sands5 descreveram a técnica
de EOAS e apresentaram 10 casos clínicos de
pacientes com idade entre 9 e 11 anos, que
foram acompanhados por dois anos. Relataram presença de ponte óssea em todos esses
casos e obtiveram fechamento ortodôntico
da fissura em oito deles. Como área doadora,
foi utilizada a crista do osso ilíaco, o que
reforça a clara preferência verificada na literatura pela crista ilíaca como área doadora.
Abyholm et al.1 empregaram a crista ilíaca e
costela; a primeira foi citada como mais favo-
FIGURA 1. MOSTRANDO
A IDADE IDEAL PARA A REALI-
ZAÇÃO DA CIRURGIA DE ENXERTO ÓSSEO
ALVEOLAR SECUNDÁRIO, ANTES DA IRRUPÇÃO DO CANINO.
LITERATURA
O enxerto ósseo surgiu como uma solução de excelência para preencher uma lacuna
no processo reabilitador. De acordo com
a época em que é realizado, divide-se em
enxerto ósseo primário, secundário e secundário tardio ou terciário.2, 15 O primário é realizado precocemente nos primeiros anos de
vida, trazendo, a nosso ver, grandes desvantagens ao paciente, sendo a principal delas o
comprometimento do crescimento maxilar.
O enxerto ósseo alveolar secundário (EOAS)
é realizado antes da irrupção do canino permanente e o secundário tardio, ou terciário,
após essa irrupção. O secundário apresenta
resultados superiores ao terciário por proporcionar melhores condições periodontais aos
dentes adjacentes à fissura8, 18 (fig. 1 e 2).
Descrita pela primeira vez por Boyne
e Sands5 (1972), o EOAS tem apresentado
em toda literatrura1-5, 7, 8, 9, 11, 12, 15, 18 resultados muito bons, proporcionando: melhor
suporte ósseo aos dentes adjacentes à fissura;
apoio para a asa do nariz, diminuindo a assimetria facial e facilitando a futura rinoplastia; finalização da reabilitação dentária sem
a necessidade do uso de prótese; tratamento
ortodôntico sem a limitação da falha óssea;
melhora no fechamento de fístulas buconasais e colocação de implantes osseointegrados na região da fissura (fig. 3 e 4).
FIGURA 2. CANINO
PERMANENTE IRROMPENDO NA
ÁREA ENXERTADA.
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UNIMEP • Universidade Metodista de Piracicaba
INTRODUÇÃO
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FIGURA 3. PACIENTE
COM
FISSURA
TRANSFORAME
INCISIVO BILATERAL.
FIGURA 4. ENXERTO
FIGURA 5. ENXERTO
ÓSSEO RETIRADO DA CRISTA DO OSSO ILÍACO ESQUERDO,
PODENDO SER BLOCO OU APENAS MEDULAR.
ÓSSEO POSICIONADO NA ÁREA
DAS FISSURAS.
FIGURA 6. ENXERTO
ÓSSEO RETIRADO DA CRISTA DO OSSO ILÍACO ESQUERDO,
PODENDO SER BLOCO OU APENAS MEDULAR.
rável, de acordo com os resultados de Hogeman et al.11 Comparando o índice de sucesso
de enxertos realizados com osso do ilíaco
e calota craniana, Kortebein et al.14 alcançaram melhores resultados com a crista do
ilíaco (89,9% contra 63%). Desde que a técnica passou a ser empregada como protocolo de tratamento no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), a crista
do ilíaco tem sido usada como área doadora
devido à facilidade de acesso para obtenção
do enxerto, quantidade suficiente do mesmo
e bom resultado pós-operatório, permitindo
a movimentação ortodôntica dos dentes vizinhos à área enxertada (fig. 5 e 6).
A incorporação do enxerto ósseo ao osso
circundante foi avaliada por meio de diferentes metodologias. Boyne e Sands,5 em estudo
realizado com seis macacos Rhesus jovens,
utilizaram exames histológicos e verificaram
trabeculado ósseo normal na área enxertada. Jhonson12 comprovou, após seis meses,
por avaliação radiográfica, a integração óssea
satisfatória em 80% de seus casos.
Rev. Fac. Odontol. Lins, Piracicaba, 16 (2): 13-18, 2004
Para que o EOAS obtenha sucesso, é
necessário o completo fechamento da fístula
buconasal (quando ela estiver presente), de
modo que não ocorra a contaminação do
enxerto tanto pela via bucal quanto nasal2, 15
(fig. 7). O momento ideal para sua realização é uma relação entre idade cronológica
e época de irrupção do canino permanente
adjacente à fissura. As idades mais recomendadas variam de 7 a 12 anos, mas sempre
antes da irrupção do canino. De acordo com
a fase de rizogênese desse dente, o momento
ideal da cirurgia seria quando o canino tivesse
1
/4 a 1/2 da sua raiz formada, de acordo com os
trabalhos de EldeebQ9. Amanat e Langdon3
prescreveram aguardar 1/3 de formação radicular do canino, já para Turvey21 o ideal seria
a presença de 1/2 à 2/3 da raiz desse dente para
a realização do enxerto ósseo.
15
BUSCO-NASAL SUTURADA, EVITANDO A CONTAMINAÇÃO DO
ENXERTO ÓSSEO.
FIGURA 8. ENXERTO ÓSSEO DANDO SUPORTE AOS DENTES ADJACENTES.
16
O EOAS realizado anteriormente à irrupção do canino permanente proporciona suporte
ósseo para seu irrompimento espontâneo por
meio do enxerto22 e, quando isto não ocorre,
permite seu tracionamento ortodôntico (Silva
Filho et al.17). Muitos autores 1-5, 7, 9, 11, 12, 15, 18, 20
relatam que o enxerto facilita a irrupção dos
dentes próximos à fissura, proporcionando,
conseqüentemente, melhor posicionamento
dentário, movimentos ortodônticos menores
e mais seguros (fig. 8) e condições periodontais mais favoráveis.
Tratando do efeito deletério dos enxertos secundários para o crescimento, poucos
trabalhos existem na literatura. Porém, o que
se tem visto é que esse efeito não ocorre
ou, se ocorre, é mínimo. Daskalogiannakis e
Ross,7 em estudo para avaliar os efeitos do
enxerto ósseo alveolar no crescimento facial
em pacientes portadores de fissura unilateral
de lábio e palato na dentadura mista, obtiveram uma amostra de 58 pacientes, sendo
21 deles operados e 37 não operados. Esses
autores concluíram que o enxerto ósseo nessa
fase não afeta o subseqüente desenvolvimento ântero-posterior e vertical da maxila,
ao menos durante os cinco anos estudados.
Enemark et al.10 encontraram menor altura
facial anterior (N-ANS) e menor comprimento maxilar (ANS-PNS) em pacientes operados com a idade de 13 anos após a irrupção
do canino e não verificaram restrição no crescimento sagital por meio de estudo cefalométrico. Abyholm et al.1 e Bergland et al.4 relataram que o EOAS não influencia significativamente o crescimento maxilar. Para Semb15
o EOAS não causa prejuízo ao crescimento
maxilar, uma vez que essa cirurgia é realizada
após já ter ocorrido grande parte de tal crescimento, tanto sagital quanto transversal.
Na maioria dos casos é necessário tratamento ortodôntico prévio à cirurgia de
enxerto ósseo alveolar, visando, principalmente, a preparar o local da fissura para
receber o enxerto. É realizada, portanto, a
ortodontia preventiva, atuando no sentido
de eliminar mordidas cruzadas posteriores
e anteriores, giroversões dentárias e indicar
extrações de dentes que não poderão ser
aproveitados durante a reabilitação e que
dificultarão o manejo dos tecidos durante a
realização da cirurgia. Como principal mecânica está a expansão maxilar com emprego
de aparelhos do tipo Hass2, 6, 10, 13.
Após 40 dias a três meses da cirurgia,
é liberada a movimentação ortodôntica nos
dentes adjacentes à fissura (fig. 9 e 10),
dando-se a confirmação da perfeita incorporação óssea por meio de radiografias periapicais e oclusais da maxila durante o pósoperatório. Para se conseguir maior precisão
no diagnóstico pós-operatório e auxílio ao
exame clínico, são usadas tomografias computadorizadas, principalmente para analisar
a presença óssea em espessura, ou seja, no
sentido vestíbulo-palatino.14, 16, 20
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FIGURA 7. FÍSTULA
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FIGURA 9. MOVIMENTAÇÃO
ORTODÔNTICA LIBERADA
FIGURA 10. CASO
APÓS TRÊS MESES DE PÓS-OPERATÓRIO.
Como complicações desse procedimento
cirúrgico, podemos encontrar reabsorção do
osso enxertado, deiscência de sutura, necrose
de tecido, principalmente do palato, e a contaminação do enxerto. Isso é causado pelas
próprias características inerentes à região da
fissura, como dificuldade de acesso a ela,
deficiência de irrigação sangüínea da área,
tecidos fibrosados, amplitude da fissura, presença de fístulas buconasais de tamanhos
variáveis e quantidade mínima de tecidos
sadios para o recobrimento do enxerto ósseo,
bem como a habilidade do cirurgião.
DISCUSSÃO
O enxerto ósseo alveolar secundário,
segundo Silva Filho et al.17 e Bergland et
al.4, representa papel importante no processo
de reabilitação dos pacientes portadores de
fissura lábio palatal. Apesar desse enxerto
poder ser realizado em qualquer idade, apresenta melhores resultados quando executado entre 7 e 12 anos, principalmente se o
canino permanente adjacente à fissura não
tiver irrompido. Nessa fase recebe o nome de
enxerto ósseo alveolar secundário.2, 3, 4, 10, 12, 15, 16
A crista do osso ilíaco é a área doadora
mais comumente empregada em virtude de
alguns fatores, como: facilidade de acesso para
obtenção do enxerto, quantidade de osso até
mesmo para fissuras amplas e, quando integrado à região da fissura, permitir a movimentação ortodôntica e irrupção dentária.1, 3, 9, 12
Para comprovarmos a incorporação do
enxerto ósseo, realizamos tomadas radiográficas periapicais e oclusais após a cirurgia;
porém, para um diagnóstico mais preciso,
pode-se, quando possível, utilizar tomografia
computadorizada, principalmente para avaRev. Fac. Odontol. Lins, Piracicaba, 16 (2): 13-18, 2004
FINALIZADO, APÓS REMOÇÃO DO
APARELHO ORTODÔNTICO.
liar a quantidade óssea no sentido vestíbulo
lingual.4, 5, 16, 19, 22
Em concordância com Albuquerque,2
previamente ao enxerto ósseo alveolar secundário, os pacientes são submetidos ao tratamento ortodôntico, sendo a expansão maxilar a principal mecânica.
O EOAS, na época em que é realizado,
não causa restrição no crescimento maxilar,
pois este já teve seu surto, como pode ser
observado no trabalho de Semb.15
CONCLUSÃO
Os pacientes portadores de fissura lábiopalatal requerem um tratamento complexo e
multidisciplinar desde a infância até a idade
adulta.
O enxerto ósseo alveolar secundário,
fazendo parte de um protocolo de tratamento, contribui sobremaneira no processo
de reabilitação dos pacientes, pois permite
o preenchimento do defeito ósseo residual
causado pela fissura, favorecendo a erupção
dentária nessa região, bem como um tratamento ortodôntico mais propício.
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enxerto ósseo alveolar secundário em pacientes