ANTONIO CARLOS LESSA MAFFEI ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA GARANTIA DA QUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DE NAVIOS MILITARES DE SUPERFÍCIE Trabalho de Conclusão de Curso Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientadora: Profª. Maria Leonor da Silva Teixeira. Rio de Janeiro 2013 C2013 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _____________________________ Assinatura do autor Biblioteca General Cordeiro de Farias Maffei, Antonio Carlos Lessa Título da obra: Garantia da Qualidade na Construção de Navios Militares de Superfície / Engenheiro de Tecnologia Militar Antonio Carlos Lessa Maffei - Rio de Janeiro : ESG, 2013. 48 f.: il. Orientadora: Profª. Maria Leonor da Silva Teixeira. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013. 1. Construção Naval. 2. Garantia da Qualidade. 3. Navios de Superfície. I.Título. Dedico esta monografia a minha mãe, esposa e filhas. A minha mãe, pelo tanto que lutou para que eu pudesse me formar. A minha esposa, pelo carinho e a paciência necessária para completar mais esta jornada. As minhas filhas, pela compreensão de alguns momentos de ausência e pelo exemplo de que “o saber não ocupa espaço”. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................12 2 HISTÓRICO..........................................................................................15 3 A QUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DE NAVIOS MILITARES...........18 3.1 CONCEITUAÇÃO.................................................................................18 3.1.1 Qualidade.............................................................................................18 3.1.2 Controle da Qualidade........................................................................18 3.1.3 Garantia da Qualidade........................................................................19 3.2 A EVOLUÇÃO DA GARANTIA DA QUALIDADE NA MB.....................20 3.3 O SISTEMA DE QUALIDADE DA MB..................................................21 3.4 A DIRETORIA DE ENGENHARIA NAVAL E A GARANTIA DA QUALIDADE NOS ESTALEIROS.........................................................21 3.4.1 Estaleiro Ishikawagima do Brasil (ISHIBRAS) .................................22 3.4.2 Estaleiro Mac Laren Aços e Fibras....................................................22 3.4.3 Estaleiro Só.........................................................................................23 3.4.4 Estaleiro Mauá.....................................................................................23 3.4.5 Estaleiro Verolme................................................................................24 3.4.6 Estaleiro Wilson & Sons.....................................................................25 3.4.7 Estaleiro INACE...................................................................................26 3.4.8 Considerações Preliminares..............................................................26 4 A INDÚSTRIA NAVAL NO BRASIL.....................................................27 4.1 OS ESTALEIROS PRIVADOS..............................................................27 4.2 ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO E BASES NAVAIS.................................................................................................31 4.2.1 Quadro de Pessoal Técnico...............................................................31 4.2.2 Parque de Equipamentos das Bases Navais...................................32 5 A GARANTIA DA QUALIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DOS NAVIOS PREVISTOS NA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA..34 5.1 GRUPO DE FISCALIZAÇÃO OU TESTE.............................................35 5.2 ESTRUTURA A SER ADOTADA..........................................................35 5.2.1 Navios Patrulha de 500 Toneladas....................................................37 5.2.2 Navios de Escolta...............................................................................38 5.2.3 Navios de Propósitos Múltiplos.........................................................40 5.2.4 Navios Patrulha de 1800 Toneladas..................................................40 5.2.5 Navios Patrulha Fluvial.......................................................................41 5.2.6 Navios Aeródromos............................................................................42 6 CONCLUSÃO.......................................................................................44 REFERÊNCIAS....................................................................................47 AGRADECIMENTOS A minha orientadora, Profª. Maria Leonor da Silva Teixeira, pela atenção e compreensão demonstradas ao longo desta jornada. Ao Exmo. Sr. Diretor de Engenharia Naval, VA (EN) Francisco Roberto Portella Deiana, por ter-me proporcionado a oportunidade de cursar o CAEPE2013. Ao amigo CMG (RM-1) Caetano Tepedino Martins pelas contribuições extremamente necessárias para a execução da presente monografia. Ao Corpo Permanente da ESG pelos ensinamentos e orientações sobre a importância de se estudar mais o Brasil. Aos amigos da Turma Força Brasil do CAEPE-2013 pelo convívio harmonioso de todas as horas. Não há defesa forte e poder sem desenvolvimento. E não existe desenvolvimento forte sem projeto. Nenhum país se fez grande sem projetos próprios de seus meios de defesa. V. Alte. (EN-Ref.) Elcio de Sá Freitas RESUMO Em 18 de dezembro de 2008, pelo Decreto n° 6.703 foi aprovado pelo Presidente da República a Estratégia Nacional de Defesa, que trata da reorganização e reorientação das Forças Armadas, da organização da Base Industrial de Defesa e da Política de composição dos efetivos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Por este decreto, a Marinha do Brasil deverá iniciar os estudos para a construção em território nacional de navios aeródromos, navios de guerra, navios transportes e navios de patrulha oceânica, litorânea e fluvial, bem como ficará responsável pelos preparativos para estabelecer, em lugar próprio, o mais próximo possível da foz do rio Amazonas, uma base naval de uso múltiplo, comparável, na abrangência e na densidade de seus meios, à Base Naval do Rio de Janeiro. Esta monografia aborda as necessidades para a implantação do sistema da Garantia da Qualidade (GQ) durante o projeto e a construção destes navios e tem como objetivo básico, prever/antever, diante de um mercado carente de mão de obra qualificada, o dimensionamento de uma equipe de fiscalização para exercer esta GQ. A metodologia adotada comportou a pesquisa bibliográfica e documental, visando buscar referenciais teóricos, e da experiência do autor, como engenheiro da Garantia da Qualidade durante a construção de diversos navios e embarcações militares. A construção destes navios, de complexidade maior que os navios mercantes, deverá obrigatoriamente utilizar os estaleiros privados, que se encontram atualmente com as suas carteiras de construção repletas de navios mercantes e de plataformas oceânicas. Estes estaleiros estão localizados em diferentes estados da federação, o que irá demandar um número ainda maior de Engenheiros e Técnicos com experiência na área naval militar, para o desempenho/aplicação da GQ. Atualmente, na MB, são poucos os Engenheiros e Técnicos com experiência em GQ e, mesmo assim, estão com possibilidades de aposentadoria nos próximos 5 anos. Palavras chave: Construção Naval Militar no Brasil, Garantia da Qualidade. Navios de Guerra, Navios, Estratégia Nacional de Defesa. ABSTRACT On December 18, 2008, by Decree no. 6703 was approved by the President of the Republic of Brazil, the National Defense Strategy, which deals with the reorganization and reorientation of the Armed Forces, the organization of the Defense Industrial Base Policy and the effective composition of the Navy, Army and Air Force. By this decree, the Brazilian Navy should initiate studies for the construction in domestics shipyards, of aircrafts carriers, warships, transport and ocean, coastal and riverine patrol vessels, and will be responsible for the preparations to establish, near to the entrance of the Amazon River, a multipurpose Naval Base, comparable in scope and density of their military assets, to the Naval Base in Rio de Janeiro. This monograph addresses the needs for the employment of the Quality Assurance (QA) for the design and construction of these ships and has as primary objective, predict/anticipate, in face of a market devoid of skilled labor, the sizing of an inspection team to perform QA. The methodology involved a literature review and documentary, aiming to seek theoretical frameworks, and the author's experience as a Quality Assurance Engineer for the construction of several ships and military vessels. The construction of these vessels, of greater complexity than of merchant ships will required to use of private shipyards, currently with their wallets full of merchant ships and ocean platforms, located in different states of the federation, which will require the need for an even larger number of Engineers and Technicians with experience in naval, for performance/implementation of QA. Currently, in the Brazilian Navy, there are few engineers and technicians with experience in QA, and yet, on the verge of retirement in the next 5 years. Keywords: Military Shipbuilding in Brazil, Quality Assurance, Warships, Ships, Brazilian National Defense Strategy. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 Corveta Barroso ...............................................................................17 FIGURA 2 Corveta Frontin (classe Inhaúma) ....................................................25 FIGURA 3 Navios-sonda encomendados pela Transpetro ................................27 FIGURA 4 Navios encomendado pela Transpetro ............................................28 FIGURA 5 Lista de encomendas de plataformas de Exploração/Produção de Petróleo pela Petrobras ..............................................................29 QUADRO 1 Informações Adicionais ....................................................................30 QUADRO 2 Composição Necessária de Pessoal de GQ por Área de Atuação ..37 QUADRO 3 Configuração da Equipe da GQ para os Navios de Patrulha de 500 toneladas...................................................................................38 QUADRO 4 Configuração da Equipe da GQ para os Navios de Escolta a serem Construídos no Exterior.........................................................38 FIGURA 6 Concepção Artística do Navio de Escolta ........................................39 QUADRO 5 Configuração da Equipe da GQ para os Navios de Escolta a serem Construídos no Brasil ............................................................40 QUADRO 6 Configuração da Equipe da GQ para os Navios de Patrulha de 1800 Toneladas ...............................................................................41 QUADRO 7 Configuração da Equipe da GQ para os Navios de Patrulha Fluvial ...............................................................................................42 QUADRO 8 Configuração da Equipe da GQ para os Navios Aeródromos ..........43 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas AMRJ Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro AQAP Allied Quality Assurance Publications ASQC American Society for Quality Control BN Brazilian Navy BNA Base Naval de Aratú BNN Base Naval de Natal BNRJ Base Naval do Rio de Janeiro BNVC Base Naval de Val-de-Cães BrasFELS Estaleiro do grupo Keppel-Fels - Singapura CCM Centro de Controle de Máquinas CLT Consolidação das Leis do Trabalho CQ Controle da Qualidade CSD Curso Superior de Defesa Cv Corveta CVRD Companhia Vale do Rio Doce DCTIM Diretoria de Comunicação e Tecnologia de Informação da Marinha DEN Diretoria de Engenharia Naval DGMM Diretoria Geral de Material da Marinha DN Distrito Naval DSAM Diretoria de Sistema de Armas da Marinha EAS Estaleiro Atlântico Sul EIM Embarcação de Instrução e Mergulho EMGEPRON Empresa Gerenciadora de Projetos Navais END Estratégia Nacional de Defesa Eng. Engenheiro ERG Estaleiro Rio Grande ETAM Escola Técnica do Arsenal de Marinha FRONAPE Frota Nacional de Petroleiros GQ Garantia da Qualidade HPC Hélice de Passo Controlável IPqM Instituto de Pesquisas da Marinha ISO Organização Internacional de Normalização LB Lancha Balizadora LPaPN Lancha de Patrulha e Polícia Naval MB Marinha do Brasil MoD Ministry of Defense ou Ministério da Defesa do Reino Unido MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão NAe Navio Aeródromo NE Navio-escola NHi Navio-hidrográfico NPa Navio-patrulha NPa200 Navio Patrulha de 200 Toneladas NPa500 Navio Patrulha de 500 Toneladas NaPaFlu Navio-patrulha Fluvial OM Organização Militar da Marinha do Brasil OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PAEMB Plano de Obtenção de Equipamentos da Marinha do Brasil PETROBRAS Petróleo Brasileiro S/A PMG Plano de Manutenção Geral PMI Plano de Manutenção Intermediário PROMEF Programa da Transpetro de Modernização e Expansão da Frota QUIP Estaleiro formado em sociedade pelas empresas Queiroz Galvão, UTC Engenharia e IESA Óleo e Gás SINAVAL Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Off-Shore. SNAC Submarino Nacional TAF Teste de Aceitação em Fábrica TPB Tonelagem de Porte Bruto Transpetro Petrobras Transportes S.A. 12 1 INTRODUÇÃO O Brasil é banhado pelo Oceano Atlântico, desde o cabo Orange (no estado do Amapá) até o arroio Chuí no Rio Grande do Sul, um litoral de 7.408 quilômetros de extensão, e “território” marítimo de aproximadamente 3,5 milhões de quilômetros quadrados, podendo esta área vir a ser ampliada para 4,4 milhões de quilômetros quadrados, em face da reivindicação brasileira perante a Comissão de Limites das Nações Unidas. “Uma outra Amazônia” em pleno mar, assim chamada de “Amazônia Azul”, não por sua localização geográfica, mas pelos seus imensos recursos naturais e suas grandes dimensões. Uma área maior que a Amazônia verde. (https://www.mar.mil.br). Do ponto de vista econômico, 95% de todo o comércio exterior brasileiro são transportados por via marítima. Ademais, 80% do petróleo nacional é extraído do subsolo marítimo (www.mar.mil.br, 2013), havendo a expectativa de se atingir uma produção de 4,2 milhões de barris em 2020, incluindo aí as jazidas do pré-sal (O Globo de 19/03/2013). Do mar, também, se retira uma infinidade de outros recursos econômicos, desde o pescado, sal, algas, uma vasta gama de compostos orgânicos e até minerais e matérias-primas diversas. Tal fonte tende a aguçar os interesses estrangeiros e a desenvolver dependências. No caso do Brasil, onde hoje já representa muito, poderá tornar-se a virtual fronteira econômica do futuro (https://www.mar.mil.br). A criação do Ministério da Defesa em 1999, conduziu à revisão e criação de instrumentos formais de divulgação das políticas e estratégias necessárias ao aprimoramento do segmento militar da Defesa, coerentes com a estrutura político/estratégica que o Brasil já atingiu e almeja suplantar. Um desses instrumentos norteadores é a Estratégia Nacional de Defesa (END). 13 A Estratégia Nacional de Defesa descreve que o crescente desenvolvimento do Brasil deve ser acompanhado pelo aumento do preparo de sua defesa contra ameaças e agressões. Neste contexto, a prioridade da Marinha do Brasil (MB) é a de assegurar os meios necessários para negar o uso do mar a qualquer concentração de forças inimigas que se aproxime do Brasil por via marítima. Para tanto, a Marinha deverá estar preparada para assegurar a sua capacidade de projeção de poder e de negação do uso do mar, tarefas clássicas de um Poder Naval. A END explicita que a MB dedicará especial atenção ao projeto e à fabricação de navios de propósitos múltiplos, navios aeródromos e também de embarcações de combate, transporte e de patrulha oceânica, litorânea e fluvial. Nesta prioridade, com o intúito de desenvolver e capacitar a Base Industrial de Defesa. A forma que a MB encarou este desafio de projetar e providenciar a fabricação desses meios navais, foi pela elaboração de um Plano de Obtenção de Equipamentos (PAEMB), de curto, médio e longo prazos. Em sua apresentação para o Primeiro Curso Superior de Defesa (CSD)1, em 13 de março de 2013, o Exmo. Sr. Comandante da Marinha discursou a respeito deste Plano de Obtenção, onde consta a aquisição de 2 novos navios aeródromos, 30 navios de escolta, 15 submarinos convencionais, 5 navios de apoio logístico, 4 navios-anfíbios, 46 navios patrulha de 500 Toneladas, 4 navios patrulha de 200 Toneladas, 12 navios patrula de 1800 Toneladas e 14 navios de patrulha fluvial. O quadro de Engenheiros e Técnicos de nível médio com experiência em GQ durante a construção de navios e embarcações militares na MB encontra-se bastante reduzido, e estes poucos profissionais estão prestes a se aposentar nos próximos anos. O recrutamento hoje, será uma tarefa bastante 1 O Curso Superior de Defesa (CSD), iniciado no ano de 2013, destina-se a preparar civis e militares das Forças Armadas e das Forças Auxiliares para o exercício de funções de assessoramento de alto nível que envolvam assuntos de defesa, tanto no âmbito do Ministério da Defesa como nos demais órgãos governamentais de interesse. 14 difícil, principalmente pela não ocorrência de concursos públicos nos últimos anos, pela falta de profissionais qualificados no mercado, além dos baixos salários iniciais oferecidos às carreira ligadas a construção naval. Esta monografia procura abordar quais são as necessidades de profissionais para a implantação do sistema da Garantia da Qualidade (GQ) no projeto e na construção desses navios constantes do Plano de Obtenção de Equipamentos da Marinha do Brasil, e tem como objetivo básico, prever/antever, diante de um mercado carente de mão de obra qualificada, o dimensionamento de uma equipe de fiscalização para exercer a GQ. A metodologia adotada comportou uma pesquisa bibliográfica e documental, visando buscar referenciais teóricos, além da experiência do autor como engenheiro da Garantia da Qualidade durante a construção de diversos navios e embarcações militares, em um período de 27 anos, na Diretoria de Engenharia Naval. A construção desses navios militares, de complexidade maior que a maioria dos navios mercantes, deverá, obrigatoriamente, utilizar os estaleiros privados de médio e grande porte, atualmente com as suas carteiras de construção repletas de navios mercantes, plataformas oceânicas e demais serviços demandados pela indústria de petróleo, e ainda localizados em diferentes estados da federação, o que irá demandar um número ainda maior de Engenheiros e Técnicos civis com desejada experiência na área naval militar, para o desempenho e aplicação da Garantia da Qualidade. 15 2 HISTÓRICO A construção naval militar brasileira no passado recente retrocede aos anos 70 do século XX, com a intenção da MB de adquirir seis fragatas da classe Niterói (projeto Vosper Mk 10) no estaleiro Vosper Thornycroft Ltd., localizado na cidade de Woolston, condado de Hampshire, na Inglaterra. Como o estaleiro não podia construir as seis Fragatas, as partes contratantes decidiram pela construção das quatro primeiras Fragatas na Inglaterra e duas últimas no Brasil, mais precisamente no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ), com projeto, documentação, equipamentos e assistência técnica fornecidos pelos ingleses. Devido ao grande atraso tecnológico que se encontrava à época, o AMRJ teve que se modernizar, e para isto, enviou engenheiros, técnicos e até operários para se capacitarem na Inglaterra. Os resultados foram considerados excelentes. Antes mesmo da incorporação da Fragata União, a segunda a ser construída no AMRJ em 1980, a Diretoria de Engenharia Naval (DEN), em 1978, tendo como base os desenhos dos cascos das Fragatas, concluiu a viabilidade do projeto do Navio Escola Brasil. Já em 1981 foram concluídos os trabalhos de detalhamento do projeto e ainda, em setembro do mesmo ano, foi realizado o batimento de quilha do Navio Escola Brasil. A modernidade do navio, prontificado em março de 1987, impressionava. A partir de 1980, prossegue o avanço tecnológico da Marinha na construção naval com o início do projeto das corvetas da classe Inhaúma, pela DEN, as quais, segundo o V. Alte. (EN-Ref.) Élcio de Sá Feitas, só 7,5% da mão de obra de concepção de projeto não eram nacionais. Duas destas corvetas foram construídas no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro e outras duas no estaleiro privado Verolme, sendo a última - a Corveta Frontin - 16 incorporada à MB em 1994. Como política de nacionalização, cabe lembrar os índices de nacionalização atingidos em alguns dos seus principais sistemas das corvetas classe Inhaúma: Governo (máquina do leme) 100% (nos 4 navios da classe) Eixos Propulsores 100% (nos 3 últimos navios da classe) Engrenagem Redutora2 75% (nos 3 últimos navios da classe) Estabilizadores3 92% (nos 4 navios da classe) Posteriormente, o projeto da quinta corveta, a Barroso, sanou os problemas identificados/ocorridos no projeto pioneiro das corvetas classe Inhaúma, sendo o primeiro não protótipo de navio de guerra construído no Brasil. O longo período decorrido entre o batimento de quilha4 em 1994 e sua real incorporação em 2009, permitiu ao Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) a nacionalizar os sistemas de controle e monitoração da propulsão, dos sistemas auxiliares e o sistema de controle de avarias. Houve um avanço tecnológico. A perda da expertise adquirida ficou por conta de não se produzir eixos propulsores e HPC no Brasil, além da perda de grande parte da mão de obra especializada do AMRJ e da DEN, seja pela aposentadoria ou por pedidos de demissão em face da defasagem salarial na década de 1990 do século passado. 2 Engrenagem redutora – equipamento que possui a função de reduzir a alta velocidade de rotação do eixo de um motor ou de uma turbina de propulsão, aumentando o torque a ser transmitido ao hélice de um navio ou embarcação. 3 Estabilizadores – equipamentos destinados a diminuir o jogo lateral da embarcação, visando estabilizar a plataforma de tiro e aumentar o conforto da tripulação. 4 Batimento de quilha – consiste na cerimônia que marca oficialmente o início da construção de uma embarcação. 17 Figura 1 - Corveta Barroso Nos anos 80 do século passado a MB, com surpreendente visão estratégica, pretendeu nacionalizar o projeto de construção de submarinos, para se habilitar no projeto e construção dos submarinos nacionais (SNAC-1 e SNAC-2). Para tanto, assinou contrato com o consórcio HDW-Ferrostaal para a construção de um submarino da classe IKL-1400 na Alemanha/classe Tupi no Brasil (S-30 – Submarino Tupi) e, também, o outro contrato para o fornecimento de equipamentos, documentação e assistência técnica para a construção de um segundo submarino da mesma classe no Brasil. A obtenção no exterior não se limitou a enviar um grupo de fiscalização para exercer a garantia da qualidade da construção, um grupo de recebimento do meio no exterior, e ao AMRJ, mas como também, criar, estabelecer, contratar quadros nas diversas Diretorias Técnicas da Marinha relacionadas com a construção naval. Posteriormente foram assinados outros dois contratos: um para a construção no AMRJ de mais dois submarinos da classe Tupi, e o outro para a construção do submarino Tikuna, que é uma classe Tupi modificada. 18 3 A QUALIDADE NA CONSTRUÇÃO DE NAVIOS MILITARES 3.1 CONCEITUAÇÃO 3.1.1 Qualidade A ISO5 9001/1994 definiu a qualidade como a “Totalidade de propriedades e características de um produto ou serviços, que confere a habilidade de satisfazer as necessidades explicitas e implícitas”. A ASQC6 / 1983 define a qualidade como a “Totalidade de características ou aspectos de um produto ou serviço que possui a habilidade de satisfazer as necessidades de um determinado usuário”. A qualidade existe como conceito a milhares de anos. No início, os homens produziam suas roupas, calçados, utensílios domésticos e armas. Sem perceber, produziam produtos com qualidade. Uma lança não poderia quebrar em uma caçada. Com o passar dos séculos, e a necessidade dos homens viverem em grupos, surge a figura do artesão. A qualidade do produto estava diretamente ligada à capacidade do artesão de executar as suas tarefas. Cada artesão tinha orgulho do seu trabalho, que normalmente levava o seu nome e o conhecimento era transmitido aos seus filhos ou aprendizes, de uma maneira lenta e prática. 3.1.2 Controle da Qualidade Um sistema de métodos de produção que produzem economicamente bens ou serviços de boa qualidade atendendo aos requisitos dos consumidores (ISHIKAWA, K. 1993, p. 75). 5 ISO – International Organization for Standardization (Organização Internacional de Normalização). 6 ASQC – American Society for Quality Control (Sociedade Americana para o Controle da Qualidade). 19 Devido a permanente necessidade de redução de custos na fabricação de bens e na realização de serviços, houve uma busca do aprimoramento da técnica de inspeção. Segundo QUELHAS, O.L.G.,1997, em 1922, G. S. RADFORD em seu livro - O Controle da Qualidade da Manufatura - mostrava a necessidade de se ter um Controle “da Qualidade” e não apenas um Controle de Qualidade. Surge, a partir desta visão, o Controle da Qualidade, desenvolvido em bases estatístacas. Praticar um bom Controle da Qualidade é desenvolver, projetar, produzir e comercializar um produto de qualidade que é mais econômico, mais útil e sempre satisfatório ao consumidor (ISHIKAWA, K. 1993, p. 43). 3.1.3 Garantia da Qualidade O conceito de Garantia da Qualidade está associado ao risco potencial da ocorrência da “não qualidade”. Em outras palavras, um produto (seja um bem tangível ou serviço prestado) tem a GQ, quando o seu fornecedor estabelece um processo para o fornecimento deste produto de tal forma que a possibilidade de falha seja nula. Representa o conjunto de atividades sistemáticas e planejadas, implementadas no Sistema da Qualidade e demonstradas como necessárias, para promover a confiança adequada de que uma entidade atenderá aos requisitos para a consecução da Qualidade. O registro e o controle de todas as etapas relativas à Garantia da Qualidade proporcionam maior confiabilidade ao produto. Em qualquer atividade produtiva, acertar da primeira vez é o desejável. No setor de serviços, acertar da primeira vez é fundamental. Os sistemas de GQ foram inicialmente desenvolvidos a partir da exigência explícita de determinado segmento do mercado, pelo fato de que o custo causado pela “não qualidade” dos materiais recebidos, em muito dos casos ser superior ao preço do material adquirido. Este custo segundo se 20 verificou, está associado ao não atendimento dos requisitos, inclusive no desempenho. 3.2 A EVOLUÇÃO DA QUALIDADE NA MARINHA DO BRASIL O conceito da Qualidade foi introduzido na Marinha do Brasil no início da década de 1970, ao se iniciar a construção de seis Fragatas classe “Niterói”, quando quatro delas foram construídas no Estaleiro Vosper Thornycroft e as outras duas restantes no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Na construção das duas últimas unidades, a MB iniciou a adequação das técnicas de projeto e construção necessárias a consecução deste projeto tecnologicamente avançado às oficinas do AMRJ, colocando em prática as rotinas de inspeção nas etapas de construção, testes e provas aplicadas à construção, sendo que nessas últimas fases, começou efetivamente a implantação do sistema de Garantia da Qualidade na Marinha, que contou com extensa colaboração da Vosper e do Ministério da Defesa do Reino Unido (MoD). Em 1981, com a modernização do Navio Hidrográfico (NHi) Sirius, o Sistema de Garantia da Qualidade foi readequado, com base nas experiências obtidas anteriormente, durante a construção das Fragatas, e que consistia à época, em um Sistema simplesmente de garantia outorgado pelos ingleses. Ao término das obras de modernização do NHi Sirius, observou-se que a qualidade final do produto era inferior a das Fragatas, sendo assim necessária a implementação de mudanças e aprimoramento ao Sistema. Paralelamente à modernização do NHi Sirius, a MB desenvolvia o projeto de construção do Navio Escola Brasil, de complexidade superior à modernização em andamento. Todas as fases de execução, desde o projeto, até os testes e provas finais do NE, ficaram a cargo da MB, que buscou reformular o Sistema de Garantia da Qualidade de forma que regesse a aquisição de sistemas e equipamentos, em sua maioria, de alta complexidade, na indústria privada e que a efetiva construção fosse realizada no AMRJ. 21 A partir de 1985, com o projeto e construção das Corvetas da classe Inhaúma no AMRJ e no Estaleiro Verolme e, posteriormente com a construção do Navio Tanque Gastão Motta, no Estaleiro ISHIBRAS, a MB consolidou seu Sistema da Qualidade. 3.3 O SISTEMA DE QUALIDADE DA MB Baseado nas normas Européias, as – Allied Quality Assurance Publications (AQAP), adotadas pelos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e precursoras da série ISO 90007, o Sistema de Garantia da Qualidade adotado pela MB, possui características próprias de uma organização contratante de produtos e serviços e ao mesmo tempo de uma organização fornecedora de produtos acabados. A Diretoria de Engenharia Naval, organização gestora da Garantia da Qualidade na MB, possui como uma de suas principais atribuições, garantir a qualidade na licitação, no contrato, na análise documental e no acompanhamento do projeto e da construção dos navios militares, visando assegurar o cumprimento dos requisitos básicos, estabelecidos pelas especificações dos seus clientes, que são as diversas Organizações da própria MB. 3.4 A DEN E A GARANTIA DA QUALIDADE NOS ESTALEIRO Organização gestora da Garantia da Qualidade na MB, a DEN com seu quadro técnico atua na análise da documentação técnica produzida pelos estaleiros contratados, bem como possui grupos de fiscalização atuando diretamente nas construções. 7 ISO 9000 – conjunto de normas técnicas publicadas pela International Organization for Standadardization, de aceitação internacional, e que estabelecem um modelo de gestão da qualidade. 22 3.4.1 Estaleiro ISHIBRAS O estaleiro ISHIBRAS, à época da construção do Navio Tanque Gastão Motta, possuía um sistema voltado para a qualidade. Seus quadros eram compostos por engenheiros e técnicos com grande experiência na construção naval, incluindo nestas construções os diversos navios de 280.000 e 311.000 TPB para a Frota Nacional de Petroleiros (FRONAPE) da Petrobras e para a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). O Controle da Qualidade e a Garantia da Qualidade do estaleiro eram atuantes, o que facilitou o serviço do grupo de fiscalização da DEN, permitindo em determinados casos o deslocamento dos mesmos para inspeções de garantia da qualidade em outras embarcações em construção para a MB, em diferentes estaleiros. 3.4.2 Estaleiro Mac Laren Aços e Fibras O Controle da Qualidade e a Garantia da Qualidade do estaleiro, durante a construção da Embarcação de Instrução e Mergulho (EIM-17) eram fictícios. Um engenheiro do Departamento Técnico era o responsável, apenas no papel, pelo CQ e GQ, sem qualquer autoridade e comprometimento com a encomenda feita pela MB. A Garantia da Qualidade da DEN se encontrava totalmente absorvida com os testes e provas do NE Brasil, ficando a construção da EIM-17 desprovida da necessária inspeção. A entrega do NE Brasil à MB, coincidiu com a convocação da DEN por parte do estaleiro para as provas de mar e entrega da embarcação à Marinha. O Diretor de Engenharia Naval determinou que fosse designado um grupo de engenheiros para efetuar uma auditoria para se determinar as reais condições da embarcação a ser recebida. A auditoria constatou que o estaleiro não havia aplicado os formulários de testes de funcionamento dos diversos sistemas, concluindo que a embarcação não se encontrava em condições de efetuar as provas de mar. Com a aplicação dos testes dos sistemas da EIM-17, diversas não conformidades8 foram 8 Não Conformidades – constitui no não atendimento aos requisitos contratuais ou às boas normas de engenharia. 23 observadas, inclusive algumas consideradas graves por colocarem em risco a tripulação e a embarcação, dentre elas podemos citar: A queda da lança do pórtico de popa durante o teste de funcionamento por falha do sistema hidráulico de controle; A ventilação insuficiente da praça de máquinas, acarretando em alta temperatura no compartimento, atingindo 65º C em poucos minutos; e O vazamento de ar pela porta de visita da câmara de descompressão9, comprometendo o seu funcionamento. 3.4.3 Estaleiro Só Na construção das lanchas classe Rio (LPaPN02), o Controle da Qualidade do estaleiro era constituído por apenas dois engenheiros recémformados, sem qualquer experiência de construção naval. A Garantia da Qualidade do estaleiro existia somente no papel. A DEN atuou diretamente na obra, seja como Controle de Qualidade e no treinamento dos Engenheiros do CQ, seja como Garantia da Qualidade, atuando desde o detalhamento do projeto até a montagem e testes dos sistemas e equipamentos de bordo. 3.4.4 Estaleiro Mauá Durante a fase da construção dos Navios Patrulha Graúna e Goiana (NPa200), embarcações da classe Grajaú, no Estaleiro Mauá (de 1988 até 1997), apesar do Controle da Qualidade deste estaleiro possuir uma grande estrutura, os inspetores designados dificilmente eram encontrados na embarcação em construção. As raras inspeções efetuadas pela Garantia da 9 Câmara de descompressão – é utilizada para re-equilibrar gradativamente a pressão a que os mergulhadores estiveram sujeitos nos longos períodos de mergulho em grandes profundidade. 24 Qualidade da DEN foram motivadas por eventos previstos e obrigatórios, constantes do cronograma físico-financeiro e, em sua maioria, executadas simultaneamente com o CQ do estaleiro. Da mesma forma, a Garantia da Qualidade deste estaleiro existia apenas no papel. Posteriormente os cascos dos NPa Graúna e Goiana, foram rebocados para o AMRJ, onde foram concluídos. 3.4.5 Estaleiro Verolme No início da construção das corvetas Júlio de Noronha e Frontin, da classe Inhaúma, o Controle da Qualidade possuía uma grande estrutura, com engenheiros e técnicos com larga experiência na construção de navios mercantes. Ao longo da construção, com mais uma crise na construção naval no Brasil, em 1989 este quadro foi alterado, quando, então, houve a demissão do pessoal mais antigo e experiente e a designação de engenheiros e técnicos com pouca ou nenhuma experiência para aplicar o Controle da Qualidade de maneira a atender aos requisitos contratuais durante a construção das corvetas. A DEN atuou diretamente na obra, seja como Controle de Qualidade, no treinamento do pessoal do CQ do estaleiro, seja como Garantia da Qualidade, atuando desde o detalhamento do projeto, passando pela montagem e testes dos sistemas e equipamentos de bordo. Nesse caso, a Garantia da Qualidade do Estaleiro, também, só existia no papel. O primeiro comandante da Cv Frontin, CF Luis Fernando Carvalho dos Santos, pelo ofício 002, datado de 12 de março de 1994 ao Diretor de Engenharia Naval, cita o quanto o trabalho desenvolvido pela Garantia da Qualidade da DEN no estaleiro foi “indispensável para que a Cv Frontin se 25 tornasse uma realidade, e para que a Marinha recebesse o melhor pelo dinheiro empregado”. Figura 2 - Corveta Frontin (classe Inhaúma) 3.4.6 Estaleiro Wilson & Sons As lanchas balizadoras de 20 metros (LB20) foram as primeiras embarcações construídas pelo estaleiro Wilson & Sons. Os serviços industriais navais, anteriormente lá realizados, consistiram nos reparos de rebocadores de sua própria frota. O Controle da Qualidade era embrionário, posto ser composto tão somente por um engenheiro recém formado e por um técnico em estruturas, os quais, constantemente confundiam as suas funções no CQ com as da produção industrial. Mais uma vez a Garantia da Qualidade da DEN atuou diretamente na obra, seja como Controle da Qualidade no treinamento do pessoal do CQ do estaleiro, seja como GQ, atuando desde o detalhamento do projeto até a montagem e testes dos sistemas e equipamentos de bordo. 26 3.4.7 Estaleiro INACE O Controle da Qualidade para construção dos Navios Patrulha Guanabara e Guarujá (NPa200), da classe Grajaú, no estaleiro Indústria Nval do Ceará (INACE), era composto por dois engenheiros e um técnico em estruturas navais. Dos engenheiros, um ficava dedicado ao controle da documentação, e o outro, embora estivesse sempre a bordo, não possuía experiência em construção naval. Constantemente, os engenheiros e o técnico do CQ do estaleiro confundiam as suas atribuições no CQ com as da produção industrial. A DEN atuou diretamente na obra realizando o Controle de Qualidade e no treinamento dos inspetores do CQ, como Garantia da Qualidade, mesmo durante a construção do segundo navio da série pelo estaleiro, atuando desde o detalhamento do projeto até a montagem e testes dos sistemas e equipamentos de bordo. Com o término do seu período de comando, um ano após a entrega da embarcação, o primeiro comandante do NPa Guarujá, o CT Marco Antonio Ismael Trovão de Oliveira encaminhou a Ordem de Serviço 044;00 a DEN, elogiando os serviços de GQ, realizados por esta Diretoria no estaleiro. 3.4.8 Considerações Preliminares Como se pode observar, a diversidade de estaleiros, aliada à falta de uma política de construção contínua de embarcações pela MB, leva os estaleiros privados a não apresentarem interesse na contratação de pessoal com experiência, bem como na elaboração de um sistema de Controle e Garantia da Qualidade, devido ao seu custo elevado, para a construção de algumas poucas embarcações, levando a Garantia da Qualidade da DEN, a atuar em sua quase totalidade como Inspetores da Qualidade e no treinamento dos funcionários destes estaleiros. 27 4 A INDÚSTRIA NAVAL NO BRASIL 4.1 ESTALEIROS PRIVADOS O balanço do 4° trimestre de 2012 do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Off-Shore (SINAVAL) apresenta os quadros de encomendas feitas aos estaleiros nacionais até 2020. Estes quadros mostram que as carteiras de encomendas somam 367 obras de construção naval e off-shore. Segundo o SINAVAL, são destaques as seguintes unidades de maior valor agregado10: 21 plataformas de exploração de petróleo e seus módulos de produção; 70 navios de apoio marítimo; 65 navios petroleiros e 15 navios gaseiros11. Fonte: SINAVAL Figura 3 – Navios Sonda encomendados pela Petrobras 10 Valor agregado – consiste do valor adicionado a um produto oferecido ao mercado ou a um cliente. 11 Navio gaseiro – navio destinado ao transporte de gás liquefeito de petróleo. 28 Fonte: SINAVAL Figura 4 – Navios encomendados pela Transpetro Suezmax – é um tipo de navio petroleiro com dimensões que permitem sua passagem pelo Canal de Suez. Aframax – é um tipo de navio petroleiro de óleo cru ou de produtos com largura superior a 32,31 metros e capacidade de 800 mil barris. Panamax – é um tipo de navio petroleiro com dimensões que permitem sua passagem pelo Canal do Panamá. Bunker – é um tipo de navio petroleiro para o transporte de óleo combustível pesado e/ou óleo diesel. 29 Figura 5 - Lista de encomendas de plataformas Exploração/Produção de Petróleo pela Petrobras Obs. 1 - As FPSOs (Floating Production, Storage and Offloading) são unidades flutuantes de produção, armazenamento e descarga de petróleo. Obs. 2 EAS – Estaleiro Atlântico Sul ERG – Estaleiro Rio Grande QUIP - Estaleiro formado em sociedade pelas empresas Queiroz Galvão, UTC Engenharia e IESA Óleo e Gás BrasFELS – Estaleiro do grupo Keppel-Fels - Singapura 30 O quadro abaixo apresenta uma relação de Estaleiros com capacidade de atender a construção de alguns dos navios previstos na Estratégia Nacional de Defesa. O Estaleiro BrasFELS, ocupa as instalações do antigo Estaleiro Verolme, onde foram construídas duas corvetas da classe Inhaúma. O Estaleiro INACE entregou em 2011 e 2012 os dois primeiros NPa500 ton., enquanto o Estaleiro EISA possui 5 NPa500 ton. em construção. Os Estaleiros Atlântico Sul, Rio Grande, OSX e EBASA possuem dique seco com capacidade para atender a construção dos navios Aeródromos. Estaleiro Dique Seco Outras Informações (Dimensões em metros) BrasFELS não possui Atlântico Sul 12 x 73 x 400 EISA não possui Rio Grande 14 x 130 x 350 STXosv PROMAR Inhaúma13 não possui 8 x 25 x 160 8 x 65 x 350 OSX 11 x 130 x 480 EBASA 12 x 130 x 360 INACE não possui Possui um galpão com capacidade para “load-out”12 (antigo Estaleiro VEROLME). Entrgou a Petrobrás o segundo navio tipo Suezmax, com 2 anos de atraso. Existem 5 navios de patrulha 500 ton. em construção (antigo Estaleiro EMAQ). Possui contrato de exclusividade com Petrobras até 2020. Dique (antigo Dique Flutuante Affonso Pena) - (antigo Estaleiro McLaren) Arrendado a Petrobras até 2030 com opção por mais 20 anos (antigo Estaleiro ISHIBRAS). Estaleiro encontra-se em construção, e já possui encomendas de Navios tipo FPSO e Jaquetas14. Estaleiro encontra-se em construção, e já possui encomendas para a área de exploração do petróleo (módulos, jaquetas, etc.). Entregou o segundo Navio Patrulha de 500 ton. à MB em 2012 e tem contrato para a construção de um Navio Hidrográfico Fluvial para a MB. Fonte: SINAVAL Quadro 1: Informações Adicionais dos Estaleiros com Capacidade de Atender as Construções dos Navios Previstos na END 12 Galpão com capacidade para load-out – é um galpão que tem capacidade transferência de grandes e volumosas cargas (como por exemplo um casco de navio) para um dique flutuante ou uma balsa. 13 Dimensões aproximadas. 14 Jaquetas – são grandes estruturas de aço modular, utilizadas para fixação de plataformas de petróleo ao solo marinho. 31 4.2 ARSENAL DE MARINHA DO RIO DE JANEIRO E BASES NAVAIS As Bases Navais do Rio de Janeiro (BNRJ), de Aratú (BNA), de Natal (BNN) e de Val-de-Cães (BNVC), juntamente com o Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) são os órgãos responsáveis pela manutenção dos meios navais da MB. O quadro técnico do AMRJ, tanto quanto o de material que possui, já não conseguem atender às demandas da esquadra para os PMI15 e PMG16 sem recorrer a contratação de empreiteiras. A construção naval neste estaleiro encontra-se paralisada. A BNRJ tem realizado a docagem de corvetas, fragatas e outros navios, liberando o AMRJ para os PMG dos navios de grande porte. A BNA demonstrou grande capacitação técnica quando da modernização da corveta Caboclo17. A BNVC também se destacou quando da remotorização18 dos Navios Patrulhas Fluviais (NaPaFlu) da classe Roraima e principalmente do NaPaFlu Raposo Tavares. 4.2.1 Quadro de Pessoal Técnico O Alte. Élcio de Sá Freitas cita em seu artigo na Revista Marítima Brasileira (3° trimestre/2011), que: “na década de 1990, quase cessaram as atividades de engenharia de projeto, construção e nacionalização de equipamentos principais, exceto as de fabricação dos submarinos IKL-1400. No entanto, até mesmo a construção dos submarinos enfrentou dificuldades, diante do êxodo dos técnicos altamente qualificados, cujos salários reais se reduziram, e da escassez dos necessários aportes financeiros nacionais”. 15 PMI – Período de manutenção intermediário de um navio militar. PMG – Período de manutenção geral de um navio militar. 17 Corveta Caboclo – foi construída no estaleiro Bodews Schepswer N.V., na cidade de Martenshoek, na Holanda, tendo sido incorporada à MB em 1955. Realizou um PMG entre 2007 e 2008, quando houve a substituição dos motores de propulsão e as engrenagens redutoras. 18 Remotorização – consiste na substituição dos antigos e obsoletos motores de propulsão e das e das engrenagens redutoras de navios por equipamentos novos. 16 32 Este quadro foi agravado pela aposentadoria de muitos engenheiros e técnicos e principalmente pela falta de uma política de reposição da mão de obra civil, essencial para a atividade industrial e que possibilita a transferência dos conhecimentos. Embora tardiamente, por intermédio da Portaria n° 80 de 22 de abril de 2008, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) autorizou a abertura de concurso público para a contratação de 67 novos engenheiros das mais diversas áreas, e, destes contratados em 2009, muitos partiram para a iniciativa privada buscando melhores salários. Esperase para os próximos anos a aposentadoria dos últimos remanescentes que trabalharam no projeto e na construção das corvetas classe Inhaúma e da corveta Barroso. Da mesma forma que os Engenheiros contratados por concurso público para o cargo de tecnologia militar, os técnicos de nível intermediário provenientes da Escola Técnica do Arsenal de Marinha, e contratados pela EMGEPRON, pelo regime da CLT, na sua maioria permanecem pouco tempo no AMRJ, sendo rapidamente contratados pela iniciativa privada. 4.2.2 Parque de Equipamentos das Bases Navais A ampliação da Esquadra e dos grupamentos de Navios Patrulha, a criação de uma segunda Esquadra no Norte ou Nordeste do país, conforme previsto na END, irá requerer: - A ampliação e modernização das BNVC e da BNN para atender a demanda dos navios da nova Esquadra, bem como dos meios dos grupamentos de patrulha naval do 3° DN e do 4° DN. - O crescimento da Esquadra e dos Grupamentos de Patrulha Naval do Sudeste e do Leste, exigirá medidas para a ampliação e modernização do parque de equipamento das oficinas da BNRJ e da BNA. O PAEMB já prevê a revitalização e modernização do AMRJ, o qual deverá ficar restrito a grandes reparos (PMG) dos navios de grande porte e possivelmente a construção dos navios de escolta. 33 - A Estação Naval do Rio Negro deverá ser transformada em Base Naval, para atender as demandas dos 16 NaPaFlu, dos 5 Navios de Assistência Hospitalar e demais embarcações do 9° DN19, e, com isto, irá desafogar a BNVC de modo a que possa cumprir as suas novas atribuições com o desenvolvimento e manutenção da segunda Esquadra. A revitalização e modernização do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro é muito bem vinda, porém, o AMRJ não possui área física suficiente para atender a expansão da frota, ainda mais considerando a existência de uma segunda Esquadra. A contratação de pessoal civil prevista no PAEMB se faz urgente, principalmente de engenheiros, para atender as demandas do AMRJ, das Diretorias especializadas (DEN, DSAM, DCTIM etc.), e das bases navais. 19 O 9° Distrito Naval abrange a área geográfica dos estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia. 34 5 A GARANTIA DA QUALIDADE PARA A CONSTRUÇÃO DOS NAVIOS PREVISTOS NA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DEFESA A base da Garantia da Qualidade está no planejamento e na sistematização de processos (procedimentos a serem adotados). Esta formalização estrutura-se na documentação escrita, que deve ser de fácil acesso, permitindo identificar o caminho percorrido (a rastreabilidade), nas diversas etapas de uma atividade industrial, como por exemplo, na construção naval. Segundo QUELHAS (1997), o registro e o controle de todas as etapas relativas à GQ proporcionam maior confiabilidade ao sistema. Os inspetores da GQ, engenheiros ou técnicos deverão estar familiarizados com os sistemas da qualidade de modo a poder proporcionar as futuras guarnições dos navios construídos a credibilidade e a confiabilidade necessárias ao seu bom desempenho. Pelas suas próprias características de concepção, os navios militares apresentam complexidade superior aos dos navios mercantes. para que possam atender aos mais diversos requisitos técnicos. O ineditismo da construção dos navios aeródromos, os requisitos de proteção contra agentes químicos e bacteriológicos, maior resistência ao choque devido a explosão de carga submarina próxima ao casco do navio, a proteção contra vibração, normalmente para melhorar a plataforma de tiro, contra radiação nuclear, e até mesmo a resistência ao “gun blast”20 em todas as embarcações que possuem canhão, tudo isto, considerando apenas o estrutural do casco e dos conveses, eleva a necessidade de uma Garantia da Qualidade mais presente e operativa, nas diversas fases do projeto a construção desses meios navais. 20 Gun blast – a resistência ao gun blast consiste no reforço da estrutura, e a instalação de amortecedores e reforço na fixação dos equipamentos, quadros elétricos e luminárias para resistir a onda de choque provocada pelo disparo de um canhão. 35 5.1 GRUPO DE FISCALIZAÇÃO OU DE TESTE A constituição e o dimensionamento da equipe a ser sugerida por este trabalho será responsável pela aplicação dos fundamentos da Garantia da Qualidade nas inspeções, testes e provas, quer seja na fábrica (TAF)21, quanto durante e após a instalação do equipamento ou sistema a bordo. Também será responsável pela análise dos documentos relativos a GQ, tais como: - Especificações de aquisição dos equipamentos (turbinas da propulsão, motores diesel da propulsão, hélices, diesel geradores etc.); - Procedimentos de inspeção, testes e provas (fábrica ou de bordo); - Listas de verificação (instalação dos eixos, instalação das turbinas da propulsão, pré-acabamento dos compartimentos etc.); - Formulários de testes dos diversos sistemas da embarcação (óleo diesel, incêndio, propulsão, geração de energia etc.). Um grupo de fiscalização, a exemplo do que existiu durante a construção do NE Brasil e das Corvetas das Classes Inhaúma e Barroso, tem como componentes engenheiros e técnicos das Diretorias Especializadas da DGMM, ou seja, da DEN, da Diretoria de Comunicação e Tecnologia da Informação da Marinha (DCTIM) e da Diretoria de Sistema de Armas da Marinha (DSAM). Este trabalho ficará restrito a construção das embarcações, ou seja, às atribuições da DEN, não levando em consideração os sistemas da DSAM e DCTIM. 5.2 ESTUTURA A SER ADOTADA A proposta da Estratégia Nacional de Defesa de expansão da frota, incluindo uma segunda Esquadra no norte ou nordeste do país, e, a orientação para que a construção dos seus navios seja feita no Brasil, chega em um momento que os estaleiros privados estão com as suas carteiras de 21 TAF – teste de aceitação em fábrica. 36 encomendas abarrotadas de serviços para atender a demanda do pré-sal, conforme pode ser observado no item 4 desta monografia. O espaço temporal entre o início da construção de embarcações mais complexas (e.g. aeródromos, submarinos e de navios de escolta) se mostra necessário e suficiente para a formação e preparação de um grupo de fiscalização da MB. O dimensionamento deste grupo fica condicionado à superposição das construções em andamento e a localizações dos estaleiros construtores, no Brasil e no exterior. O início da construção do primeiro dos dois navios Aeródromos está previsto para o ano de 2020. A construção dos primeiros 5 navios de escolta, dos 5 navios patrulha de 1800 toneladas e de um navio tanque, ainda não foi licitado. Nesta ampla licitação, está previsto que o primeiro navio de escolta seja construído no exterior e os 4 seguintes no Brasil, por estaleiro nacional, com supervisão técnica do vencedor da concorrência. Atualmente a MB possui embarcações em construção em dois estaleiros. O INACE com um Navio Hidroceanográfico Fluvial (NHoFlu) e o estaleiro EISA com 5 Navios Patrulha de 500 toneladas (NPa500). A construção dos NPa500 no estaleiro EISA, no Rio de Janeiro, cidade onde se encontram localizadas as Diretorias Especializadas da DGMM, embora sejam embarcações simples, podem servir como plataforma para o início do treinamento para os futuros engenheiros e técnicos da GQ. O quadro abaixo apresenta, na opinião do autor, as especialidades dos engenheiros e técnicos, por sistemas, necessários para a aplicação da GQ durante a construção dos navios de guerra. 37 Sistemas Especialidades Eng. Naval Casco e Acessórios Eng. Mecânico Téc. em Estruturas Navais Eng. Mecânico Máquinas e Redes Eng. Eletricista Eng. Mecatrônico Téc. Mecânico Eng. Mecânico Eletricidade e Eletrônicos Eng. Eletricista Téc. em Eletricidade Eng. Naval Acabamento Eng. Mecânico Eng. Eletricista Quadro 2 – Composição necessária de pessoal de GQ por áreas de atuação, na opinião do autor 5.2.1 Navios Patrulha de 500 toneladas (NPa500) A configuração do grupo da GQ durante a construção dos NPa500 Macaé e Macau, foi composta de engenheiros e técnicos citados no quadro 3, e pode ser considerado como referência para os 5 navios da mesma classe já em construção no Estaleiro EISA, bem como para os demais navios da classe a serem licitados, com o acréscimo de um engenheiro responsável pela Garantia da Qualidade (coordenador da GQ)22. 22 Coordenador da GQ - é o engenheiro responsável pela equipe da GQ, pela centralização das informações a serem passadas à MB, pelas cobranças das correções de defeitos e das não conformidades junto ao estaleiro construtor, bem como pelo controle de toda a documentação de uma determinada obra. 38 Especialidades Quantidades Eng. Coordenador da GQ 1 Eng. Naval 1 Eng. Mecânico 2 Eng. Eletricista 2 Eng. Mecatrônico 1 Téc. Estruturas Navais 1 Téc. Mecânico 1 Téc. Eletricista 1 Quadro 3 – Configuração da Equipe de GQ para os NPa500, na opinião do autor 5.2.2 Navios de Escolta A formação de uma equipe de GQ para os navios de escolta, caso se confirme a construção de uma primeira embarcação no exterior, deverá ser formada por 1 engenheiro coordenador da GQ e 2 engenheiros de cada área de atuação. Isto os preparará para a construção de navios desta classe no Brasil, atuando como disseminadores de informação, principalmente, caso seja necessário a utilização de mais de um estaleiro para atender a demanda de 30 navios escolta até o ano de 2031. Como será visto a seguir, os técnicos em GQ serão formados no Brasil a partir das experiências obtidas no exterior. Especialidades Quantidades Eng. Coordenador da GQ 1 Eng. Naval 2 Eng. Mecânico 2 Eng. Eletricista 2 Eng. Mecatrônico 2 Quadro 4: Configuração da equipe da GQ para o Navio de Escolta a ser construído no exterior, na opinião do autor 39 Figura 6 - Concepção artística do Navio de Escolta A formação de uma equipe de GQ para atuar durante a construção dos navios de escolta em estaleiros nacionais têm como base a equipe que trabalhou na construção das corvetas da classe Inhaúma, acrescida de 2 engenheiros mecatrônicos. Com o avanço tecnológico havido no lapso de tempo decorrido entre o projeto destas duas classes de navios, os engenheiros mecatrônicos se fazem necessários, pois são os responsáveis pela verificação do projeto, instalação a bordo e teste de funcionamento dos sensores de automação e controle (local23 e remoto24) de diversos componente e sistemas, incluindo aí, todos os equipamentos da propulsão, isto é, motores, turbinas, engrenagens redutoras, eixos e hélices de passo controlável. Esses profissionais também atuam nos sistemas de geração de energia e no de controle de avarias. 23 Controle local – diz que se pode exercer o controle local, quando as informações coletadas pelos sensores dos sistemas são disponibilizadas ao utilizador no interior da praça de máquinas. 24 Controle remoto – o controle será remoto, quando as informações coletadas pelos sensores dos sistemas são transferidas para o Passadiço, e/ou para o Centro de Controle de Máquinas (CCM) de um navio de guerra. 40 Especialidades Quantidade Eng. Coordenador da GQ 1 Eng. Naval 2 Eng. Mecânico 2 Eng. Eletricista 3 Eng. Mecatrônico 2 Téc. em Estruturas Navais 2 Téc. Mecânico 2 Téc. em Eletricidade 1 Quadro 5 – Configuração da equipe da GQ para os Navios de Escolta a serem construídos no Brasil, na opinião do autor 5.2.3 Navios de Propósitos Múltiplos A formação de uma equipe de GQ para atuar na construção dos navios de propósitos múltiplos, devido a suas dimensões e complexidade, no entender do autor, deve seguir a mesma dimensão dos navios de escolta, tanto para a construção no exterior quanto para a construção no Brasil. 5.2.4 Navios Patrulha de 1800 Toneladas (NPa1800) Para atuar nos navios patrulha de 1800 toneladas, a equipe de GQ deverá sofrer algumas alterações em relação aos 3 primeiros navios já recebidos da Inglaterra, principalmente pela modificação do projeto com a instalação de um hangar e pela substituição do canhão por um de maior calibre e complexidade. Estas alterações, bem como as maiores dimensões deste navio, em relação ao NPa500, exigirá mais dos engenheiros de estruturas navais, porém, não afetará de forma significativa a amplitude dos serviços a serem realizados pelos demais integrantes da equipe da GQ. 41 Especialidades Quantidade Eng. Coordenador da GQ 1 Eng. Naval 2 Eng. Mecânico 2 Eng. Eletricista 2 Eng. Mecatrônico 1 Téc. em Estruturas Navais 2 Téc. Mecânico 1 Téc. em Eletricidade 1 Quadro 6: Configuração da Equipe da GQ para os NPa1800, na opinião do autor 5.2.5 Navios de Patrulha Fluvial (NaPaFlu) Em termos de complexidade, os NaPaFlu, ficam posicionados entre os NPa500 e os NPa1800. Entretanto, exigem um acompanhamento mais criterioso em função do seu baixo calado pois são empregados unicamente em rios e águas interiores25 e da configuração do seu sistema da propulsão. Para estes navios, defende-se que a configuração da equipe da GQ poderá ser comparável ao do NPa500, podendo em determinados momentos exigir a presença de mais um engenheiro naval. 25 Águas interiores - Consideram-se águas interiores os mares completamente fechados (p. ex. a Baia da Guanabara), os lagos e os rios. 42 Especialidades Quantidade Eng. Coordenador da GQ 1 Eng. Naval 1 Eng. Mecânico 2 Eng. Eletricista 2 Eng. Mecatrônico 1 Téc. em Estruturas Navais 1 Téc. Mecânico 1 Téc. em Eletricidade 1 Quadro 7: Configuração da equipe da GQ para os Navios de Patrulha Fluvial, na opinião do autor 5.2.6 Navios Aeródromo (NAe) Os NAe são navios de grande porte e complexidade. A construção de 2 embarcações deste tipo, a partir de 2020, irá requer que o estaleiro construtor possua um dique seco de grandes dimensões (ver Quadro 1) e mão de obra altamente especializada. Partindo do pressuposto que os estaleiros brasileiros não possuem a tecnologia necessária, é de se prever a associação do estaleiro nacional escolhido com algum interveniente técnico estrangeiro. Diante deste contexto, a equipe da GQ deverá contar com um quadro de engenheiros e técnicos experientes e preferencialmente ficar localizado bem próximo do estaleiro construtor (residentes). A estrutura da equipe sugerida para este complexo empreendimento segue no quadro abaixo. 43 Especialidades Quantidade Eng. Coordenador da GQ 1 Eng. Naval 4 Eng. Mecânico 4 Eng. Eletricista 4 Eng. Mecatrônico 3 Téc. em Estruturas Navais 3 Téc. Mecânico 3 Téc. em Eletricidade 3 Quadro 8 – Configuração da Equipe da GQ para os NAe, na opinião do autor Para que as informações acima possam servir de subsídios às autoridades da MB, e tenham a devida validade, as seguintes premissas deverão ser seguidas: - os estaleiros privados, bem como os fornecedores dos equipamentos principais, deverão possuir certificação ISO 9001 ou estarem dotados apresentar um sistema de qualidade de aceitação internacional compatível; - é muito importante que as equipes da GQ tenham, pelo menos um dos integrantes de cada área já mencionada, com grande experiência em construção naval militar, a fim de atuar nas construções dos navios de escolta, de patrulha e de propósitos múltiplos; e - os testes de aceitação em fábrica dos equipamentos principais dos navios, deverão ser acompanhados pelos representantes da GQ. 44 6 CONCLUSÃO Conhecimento e experiência são decisivos em programas de projeto e construção de navios de guerra. Determinam custos, prazos e desempenho. (FREITAS, 2012, p. 59). A transformação de experiência em conhecimento requer exame atento de realizações recentes. Baseia-se em documentos técnicogerenciais e depoimentos de participantes ainda disponíveis. (FREITAS, 2012, p. 60). Conforme descrito na Estratégia Nacional de Defesa, a Marinha do Brasil tem como prioridade, assegurar os meios para negar o uso do mar a qualquer concentração de forças inimigas que se aproximem do Brasil por vias marítimas. A MB também é responsável pelo controle das águas marítimas e de projeção do poder. De forma a atender as suas tarefas estratégicas a MB irá reaparelhar e expandir a sua Esquadra, bem como incorporar uma segunda Esquadra, que a elevará a uma das mais importantes do mundo atual. Porém, existem desafios. A estagnação da indústria naval mercante na década de 1980 com o término antecipado do segundo Plano de Construção Naval26, que acarretou inclusive o fechamento de diversos estaleiros, bem como as crescentes restrições orçamentárias impostas à MB na década de1990, que acabaram por bloquear o Plano de Reaparelhamento da Marinha, isto tudo levou à falta de profissionais qualificados na área naval. Os poucos remanescentes, muitos já aposentados, se encontram trabalhando para estaleiros privados de pequeno, médio e grande porte, espalhados pelo Brasil. O desafio atual será o de encontrar e contratar engenheiros e técnicos qualificados para aplicar a Garantia da Qualidade no projeto e na construção dessas embarcações. 26 Segundo Plano de Construção Naval – Este Plano de construção naval foi iniciado no ano de 1975 e finalizado em 1980, e previa a construção de 5.100.000 TPB. Com a desaceleração da economia, parte das encomendas não foram entregues, bem como parte das dívidas não foram pagas. 45 Os engenheiros e técnicos de nível médio na área da construção naval, normalmente são aqueles que se tornam detentores do conhecimento, exatamente por exercerem continuamente a mesma função, e por buscarem se especializar. O contrário acontece com os mesmos tipos de profissionais militares, que por força da própria carreira estão em constante mudança de função e de OM. A substituição dos engenheiros civis aposentados, que trabalhavam nos estaleiros, por oficias da Reserva da Marinha de 2ª Classe (RM2), não atende as necessidades desejadas para a aplicação dos conhecimentos relativos a garantia da qualidade durante a construção dos navios previstos na END. São engenheiros normalmente recém-formados, isto é, com pouca ou sem a devida experiência requerida. Com isto, faz-se necessário tempo e recursos no treinamento destes engenheiros que sabidamente se desligarão da MB, pois possuem tempo máximo de permanência de 8 anos. Como alternativa pode-se propor: - a reestruturação das carreiras de tecnologia militar, oferecendo maiores salários iniciais, de forma a torná-las atraente em um mercado extremamente competitivo na iniciativa privada e a abertura urgente de concurso público para a contratação de engenheiros e técnicos de nível intermediário, nas áreas de eletricidade, estrutura e máquinas. - contratação de engenheiros com grande experiência em construção naval pela EMGEPRON, pelo regime da CLT, com vencimentos condizentes aos oferecidos pela iniciativa privada, com o objetivo de atuar não só na construção das embarcações, como também no treinamento dos novos engenheiros e técnicos. - um melhor aproveitamento da destinação dos alunos formados pela Escola Técnica do Arsenal de Marinha. Os baixos salários iniciais oferecidos têm sido um entrave para a contratação e quando contratados, pela 46 permanência destes profissionais, rapidamente contratados pela iniciativa privada. - incrementar o incentivo monetário à permanência dos engenheiros e técnicos que estão com tempo completo para se aposentar. O incentivo atual, que é o abono permanência, é de pequeno valor, não sendo suficiente para manter o funcionário no setor de trabalho. Da mesma forma, para manter uma indústria de material de defesa é necessário a existência de um programa de encomendas constantes, para que as empresas possam investir e se manter operando “no azul”, consequentemente, mantendo o nível de qualificação e desenvolvimento do seu quadro técnico. As forças armadas também necessitam manter o seu quadro técnico em constante aprimoramento e renovação com a substituição imediata daqueles que estão se aposentando. Para tanto é necessário um constante trabalho de convencimento das autoridades que direta ou indiretamente possam influenciar no orçamento do setor. É sempre bom lembrar, que o primeiro comandante da corveta Frontin, CF Luis Fernando Carvalho dos Santos, pelo ofício 002 de 12 de março de 1994 ao Diretor de Engenharia Naval, cita o quanto o trabalho desenvolvido pela Garantia da Qualidade da DEN no estaleiro foi “indispensável para que a corveta Frontin se tornasse uma realidade, e para que a Marinha recebesse o melhor pelo dinheiro empregado”. 47 REFERÊNCIAS AMAZÔNIA azul. o patrimônio brasileiro no mar. Disponível em: <https://www.mar.mil.br/menu_v/amazonia_azul/html/definicao.html>. Acesso em: 25 mar. 2013. BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa. 2. ed. Brasília, DF, 2008. Disponível em: <http://www.defesa.gov.br/projetosweb/estrategia/> Acesso em: 25 mar. 2013. BRASIL. Ministério da Defesa. Marinha do Brasil. Corveta Frontin. Rio de Janeiro. 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