CENTRO EDUCACIONAL CHARLES DARWIN
Como lidar com o comportamento de birra?
“O adulto que diz quatro vezes ‘não’, mas na quinta vez cede, ensina para a criança que se
continuar fazendo birra, uma hora chega o que deseja.”
(Marcos Garcia – Psicólogo)
Eu quero, eu quero, eu quero!”. Depois da fala, o “show”: a criança se atira no chão, chorando
pelo desejo como se não houvesse amanhã. Ao lado, os pais envergonhados e a plateia
curiosa sobre o porquê de tal comportamento. Sem falar na opinião dos espectadores. Nessas
horas, não faltam “juízes” dizendo qual a melhor solução.
Quando se trata de filhos, é possível perceber que cada pai tenta o próprio método (nem
sempre bem-sucedido) para evitar o vexame na casa dos amigos, nas lojas ou nos
supermercados. Mas quais os caminhos, de fato, para evitar a birra dentro ou fora de casa?
Como devem agir os pais e educadores diante de um comportamento de birra?
De saída, não se deve tachar a criança de mimada ou chata. Nada pior para a autoestima de
um pequeno do que frases do tipo “Que feio que você é fazendo isso”. É um erro rejeitar a
criança em função da atitude.
Para a psicopedagoga Daina Ribeiro Silva de Souza, com 20 anos de experiência na área
educacional, à medida que a criança aprende a morder, chutar ou se atirar ao chão, ele usará
esse repertório e verá como as atitudes dela afetam as pessoas ao se redor: “Ela faz e presta
especial atenção ao modo como os adultos reagem. Os adultos, sem se darem conta, podem
reforçar o comportamento que tanto os incomoda. Por isso, a tarefa de nós educadores deve ir
muito além de impedir ou punir. As birras são as oportunidades que os adultos têm para ajudar
as crianças a dominar a raiva e a elaborar os sentimentos.”
Daiana lembra que para a escola é um grande desafio lidar com essa atitude birrenta:
“Recebemos crianças que já vêm de casa com esse comportamento estabelecido. Houve um
pai que me disse — ‘Sou o responsável mesmo. Sou médico e tenho um ritmo de trabalho
muito intenso. Quando estou em casa, não sei dizer não e acabo cedendo a todas as birras’.
Recordei a esse pai que a linguagem do amor é também ajudar o filho a lidar com a frustração.
Daí a importância de dizer não, de conversar com o filho apenas depois que ele se acalmar e
não puni-lo diante dos outros. Além disso, devemos lembrar que ninguém faz show sem
plateia”.
Para aprofundar o tema, confira a entrevista com o psicólogo Marcos Garcia, do Instituto de
Psicologia e Análise do Comportamento (IPAC), especialista em Terapia AnalíticoComportamental.
O que é birra?
Marcos Garcia – A palavra “birra” é uma expressão que os adultos usam para classificar o
comportamento que incomoda, praticado por crianças que estão querendo alguma coisa. Tratase de um comportamento aprendido e, muitas vezes, no contexto familiar.
Uma criança de meses já pode manifestar “birra”?
Marcos Garcia – É muito comum as crianças apresentarem este comportamento, o que parece
ser algo de sua personalidade. Por exemplo: quando uma criança que sente fome e chora, os
pais dão o “mamá”, ou seja, o leite. Sua barriguinha fica cheia e ela experimenta a sensação de
bem-estar. Ela aprendeu que chorar garante o alimento. As crianças não precisam falar para
manifestar o comportamento de querer alguma coisa, pois está desassociado da capacidade
intelectual e da própria fala. A birra é um aprendizado que ocorre nas relações mais simples.
Mas, nessa fase da vida, chorar para ganhar o leite é permitido. Ninguém se incomodará com
esse comportamento que está se instalando. Mas se incomodará se praticado por crianças de
2 ou 3 anos.
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O que mantém o comportamento de birra?
Marcos Garcia – o que mantém a birra é o alívio proporcionado pelos pais, educadores ou por
quem cedeu ao comportamento da criança. O adulto que diz quatro vezes “não”, mas na quinta
vez cede, ensina para o menor que se ele continuar fazendo birra, uma hora chega o que
deseja. Na verdade, são os pais, em primeira instância, que mantêm e reforçam o
comportamento de birra.
Então como evitar a birra?
Marcos Garcia – A Psicologia propõe dois caminhos. O primeiro é a extinção: é dizer “não” e
permanecer nessa postura até a birra passar. A criança aprenderá que a birra não dá
resultado. Isso evita “shows” em público, agressividade e comportamentos de birra mais
elaborados. Mas só funciona se aplicado desde os primeiros anos de vida, ou seja, se ele ainda
não aprendeu que chorar ou se atirar ao chão dá certo. Quando o comportamento já foi
mantido, a extinção pode gerar danos emocionais, isso significa que a criança vai sofrer. Uma
criança é capaz de passar a noite inteira em prantos, até obter o que deseja. Nesse caso, já
está estabelecido um comportamento resistente à extinção. Um segundo caminho é mais
elaborado e exige maiores esclarecimentos: não achar que a criança é mimada, ignorando-se
diante da birra; é saber que a birra traz sofrimento. Quando a criança está fazendo birra, ele
está sofrendo. Por isso, é preciso mudar relações, ou seja, propor outra situação mais
adequada. Se a criança está fazendo birra porque deseja refrigerante antes do almoço, o
caminho é trocar por chá, água ou outra coisa que não seja tão saborosa. Se na escola ela
quer ir ao parquinho antes da hora, uma alternativa é tornar a atividade atual tão prazerosa
quanto o parquinho. Com a criança em birra, não adianta falar muito, o verbal tem pouco
controle sobre esse comportamento. É preciso agir, isto é, criar situações para que o
comportamento desapareça, e com isso o sofrimento. É uma questão de procedimento.
E quando se trata de crianças maiores e até adolescentes?
Marcos Garcia – A birra está presente em todas as idades. A diferença é que o
comportamento de birra vai se tornando mais elaborado. A grande dificuldade do momento é
tirar os filhos de frente do computador. Os adultos devem estabelecer um tempo “X” e avisar:
“Faltam 15, 10, 5 minutos”. Em casa eu também vivo esse dilema. Tenho dois filhos. Eu e
minha esposa sabemos a importância das regras e dos limites. Mas educar dá trabalho e exige
muita disposição e autocontrole. Vou avisando meus filhos que o tempo do computador está
encerrando. Vou pedindo para terminarem com o jogo ou filme. Quando dá o tempo, vou lá e
digo para saírem. Hoje eles já saem com muita facilidade, mas no começo não era assim.
Educar não é uma tarefa fácil. É mais “fácil” bater, gritar ou punir diante da desobediência. Mas
esse não é o caminho. Os educadores precisam estipular regras e cumpri-las. Educadores —
sejam eles pais ou professores — que burlam as próprias regras geram crianças que fazem o
mesmo. Os pais, em primeiro lugar, precisam ser consistentes. Sim e se faz; não e não se faz.
Birra em sala de aula. O que fazer?
Marcos Garcia – Quando se trata de crianças, o caminho é alternar as atividades, tornando o
aprendizado algo prazeroso e saboroso. Por vários motivos, a criança tem um “querer”
incompatível com o que é permitido no momento. A saída é aproximá-la daquilo que é
compatível, oferecendo alternativas. O que está em jogo é o objetivo que o professor quer
atingir e o procedimento que está utilizando para atingi-lo. Por outro lado, faz parte de qualquer
aprendizado saber esperar e diferenciar o modo de se comportar. É importantíssimo esse
aprendizado. Por isso é preciso, no ambiente escolar, como no familiar, ter regras e rotinas.
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Logo os nossos comportamentos serão aprendidos pela criança. É isso que forma o cidadão.
Na vida adulta, temos hora para tudo: parar sair, para chegar, para fazer determinada tarefa,
entre outras. A escola deve ser assim.
E quando um aluno começa a chorar, em sala de aula, querendo algo e interferindo no
andamento da atividade?
Marcos Garcia – É preciso saber “ler” o choro, chegando até mesmo a ignorá-lo, mas não a
criança. A criança precisa se sentir valorizada e entender que o choro não a levará a lugar
algum. Ou seja, que o choro não vai “render”. Não é fácil lidar com o comportamento, por isso é
necessário que as escolas tenham um protocolo para todas essas situações, orientando os
professores. Muitos educadores sabem ensinar, mas não sabem lidar com o comportamento
humano. O professor – qualquer que seja a idade do aluno – que sabe dar aula e lidar com o
comportamento se destaca rapidamente. Ele se torna um profissional diferenciado. Ele instiga
novos repertórios e ensina autonomia. Para isso é preciso estabelecer objetivos e ser
consciente nos procedimentos. O comportamento de birra é inevitável, mas é mutável. É
preciso ensinar os educadores a conquistarem o que desejam, mas sem o comportamento de
birra. Isso é instigar novos repertórios comportamentais e, por consequência, gerar cidadãos
criativos e proativos.
Psicólogo Marcos Garcia
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