ESPECIFICAÇÃO DE UM BUSINESS PROCESS DE DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS ATENDENDO AOS REQUISITOS QS-9000 Henrique Rozenfeld, Dr-Ing. Lab. de Máquinas e Ferramentas - Depto. Eng. Mecânica - Escola de Engenharia de São Carlos - USP Av. Dr. Carlos Botelho 1465 - 13560-250 - São Carlos - SP - Fone: (016) 2749251- Fax: (016) 2749280 André Carlos Marchioni Lab. de Máquinas e Ferramentas - Depto. Eng. Mecânica - Escola de Engenharia de São Carlos - USP Av. Dr. Carlos Botelho 1465 - 13560-250 - São Carlos - SP - Fone: (016) 2749251- Fax: (016) 2749280 Eduardo de Senzi Zancul Lab. de Máquinas e Ferramentas - Depto. Eng. Mecânica - Escola de Engenharia de São Carlos - USP Av. Dr. Carlos Botelho 1465 - 13560-250 - São Carlos - SP - Fone: (016) 2749251- Fax: (016) 2749280 Abstract The economic globalization and growing competitivity bring great challenges to the Mercosul economy. As an answer to these challenges, the companies implement new technologies and philosophies to become world class manufacturing companies. QS-9000 certification has as goals the guarantee of continuos improvement, defect preventions and reduction of variation and waste, establishing a new relationship between clients and suppliers. The Model Integrated Factory (FIM) at NUMA in USP- São Carlos, is an implementation environment in which occurs the assesment of metodologies and proposal solutions. Working with Business Processes-BP representation, the Integrated Engeneering Group actually works with the BP Product Development. The goal of this article is to show how this BP was adequated at the QS-9000 requirements, a must at the automotive sector nowdays. Keywords: QS-9000, product development, reference model 1. Introdução A globalização da economia e a crescente competitividade trazem enormes desafios à indústria instalada no Mercosul. Diminuição do lead time de desenvolvimento de produtos, redução de custos, necessidade de certificação ISO-9000/QS-9000 e melhoria na qualidade dos produtos são exigências do mercado global. Para atender a estes requisitos, as empresas implementam novas tecnologias e filosofias, a fim de se tornarem empresas de classe mundial (world class manufacturing). Este artigo analisa o impacto dos requisitos da QS-9000/APQP (Advanced Product Quality Planning Manual) no processo de desenvolvimento de produtos e indica como se obter vantagens competitivas significativas neste Business Process a partir da necessidade de certificação. Para isto foi utilizado o atual cenário de desenvolvimento do grupo de Engenharia Integrada do NUMA, Núcleo de Manufatura Avançada, com sede na USP-São Carlos, onde se está estudando o desenvolvimento de produtos a partir do mapeamento de seu Business Process e da aplicação de várias técnicas como engenharia simultânea, workflow, equipes multifuncionais, entre outras, atendendo aos requisitos da QS-9000/APQP. Tem-se como objetivo tornar o desenvolvimento de produtos um fator de competitividade extremamente significativo, onde a capacidade das empresas em atender ao tratamento individualizado exigido atualmente pelo mercado consumidor seja explorada. 2. A QS 9000 A QS-9000 tem como objetivo uniformizar os requisitos de qualidade para a indústria automotiva, normatizando a documentação exigida pelos fabricantes de equipamentos originais. Fornece subsídios para a garantia de melhoria contínua, prevenção de defeitos e redução de variações, estabelecendo uma nova relação entre clientes e fornecedores, tendo como conseqüência a redução do custo final do produto. Em 1988 durante a Conferência da Divisão Automotiva da ASQC (American Society for Quality Control) foi criada uma equipe de trabalho para discutir as preocupações de fornecedores com relação à duplicação de esforços e a documentação necessária para satisfazer as exigências do chamado Big Three (três maiores empresas do setor automotivo norte-americano). A idéia inicial era a harmonização dos documentos existentes e isto ocorreu entre 1990 e 1994. Em Dezembro de 1993, foi pedido à equipe a possibilidade da elaboração de um único documento sobre a avaliação e aprovação de fornecedores [LAK95]. Em Setembro de 1994, a equipe de trabalho lançou os documentos Requisitos do Sistema da Qualidade (Quality System Requirements : QS-9000), e Avaliação para o Sistema da Qualidade (Quality System Assesment QSA). A QS-9000 está dividida em três partes. A seção 1 é a ISO 9001 com requisitos complementares, exigindo quatro tipos de documentação: 1. Manual da Qualidade : Afirma a política da empresa e os componentes do sistema da qualidade; 2. Procedimentos : Procedimentos gerais de operações. Descreve o que é feito, onde, por quê e por quem; 3. Instruções de Trabalho : Requisitos detalhados de cada operação; 4. Registros : Provam a eficiência do sistema da qualidade. A seção 2 lida com critérios específicos do setor automotivo como PPAP (Production Part Approval Process - Processo de Aprovação de Produção de Peça), melhoria contínua e capacidade de manufatura, garantindo-se também processos a prova de erros (Poka Yoke). A seção 3 são os requisitos específicos de cada uma da três montadoras, que continuam existindo num nível inferior de informações como, por exemplo, símbolos de ítens de segurança ou peças critícas. Como conclusão tem-se que a QS-9000 é dirigida para garantir a qualidade mais alta possível com o menor aumento de custos que não agregam valor ao produto, homogeneizando os requisitos específicos das empresas (Big Three) e dividindo por toda a cadeia produtiva a responsabilidade sobre a documentação e garantia da qualidade (figura 1). Documentação Técnica específica para cada produto Produto Produto Empresa Seção III QS-9000 Empresa Setor Seção II QS-9000 Seção I QS-9000 Setor Indústria Indústria QUALIDADE CUSTOS Figura 1: Redução de Requisitos Específicos das Empresas 3. APQP (Advanced Product Quality Planning) Na uniformização proposta através da QS-9000, também foram editados quatro manuais de referência dos clientes aos fornecedores: 1. CEP Fundamental (Fundamental SPC), tratando sobre o controle estatístico dos processos; 2. Sistema de Análise de Medidas (Measurement Systems Analysis), tratando dos aspectos de medição de peças; 3. Análise dos Modos de Falhas e Efeitos (Failure Mode and Effects Analysis), tratando sobre as falhas que podem influenciar a performance de um produto ou partes de um produto; 4. Planejamento Avançado da Qualidade do Produto e Plano de Controle (Advanced Product Quality Planning & Control Plan - APQP), que será aqui melhor analisado por ter uma relação direta com a garantia e o controle da qualidade do desenvolvimento de produtos. O objetivo da APQP é enfatizar o planejamento adiantado da qualidade, através de um método estruturado, para definir e estabelecer as etapas necessárias para assegurar a qualidade exigida pelo cliente [AIA94]. Os benefícios conseguidos pela correta utilização do APQP são o direcionamento dos recursos da empresa para a plena satisfação do cliente; a identificação antecipada de mudanças necessárias para o sucesso do projeto com conseqüente redução, ou até eliminação, de mudanças tardias; e a garantia de um produto de qualidade, sem atraso no seu lead-time e ao menor custo possível. Cada Plano de Qualidade do Produto é único, com lead-time e seqüência de execução sendo dependentes das necessidades e expectativas do cliente e de problemas práticos existindo certas premissas que têm que ser satisfeitas para a correta utilização da metodologia proposta. São levadas em consideração a montagem de uma equipe multifuncional que deve acompanhar, do início ao fim, o desenvolvimento do produto; o escopo do desenvolvimento, ou seja, a identificação das necessidades e expectativas do cliente; a comunicação com outras equipes, ocorrendo o envolvimento de fornecedores e clientes; o ensinamento pelo qual os colaboradores terão que passar, a fim de que não sejam perdidas as necessidades dos clientes por praticas já existentes na empresa; a utilização de práticas de engenharia simultânea; a utilização de Planos de Controle, para a correta medição de peças e processos; e a organização de cronogramas das etapas e tarefas necessárias para o desenvolvimento do produto. Se todas estas etapas e técnicas forem adequadamente utilizadas fica mais fácil o acompanhamento do desenvolvimento do produto e da garantia da qualidade, pois a idéia deste manual é distribuir entre fornecedor e cliente a garantia, e responsabilidade, de produtos de qualidade. 4. A representação por Business Process Business Process (BP) pode ser entendido como um conjunto de atividades relacionadas entre si, que, quando executadas, transformam um determinado insumo em outro [MOR94]. A visão por processos ultrapassa as barreiras físicas da organização e define uma forma de atuação, onde o objetivo é atender ao cliente. O processo é algo natural, mas, as vezes é mascarado por disfunções estruturais da empresa quando ela tem uma organização burocrática. A realização de atividades que não agregam valor ao produto é um dos fatores que dificultam a identificação dos processos [VEG95]. Uma metodologia de mapeamento do BP foi desenvolvida pelo Grupo de Engenharia Integrada do Núcleo de Manufatura Avançada (NUMA) na USP de São Carlos como uma adaptação da técnica SADT (Structured Analysis Design Technic). Nas caixas onde se desenha uma atividade acrescentam-se informações sobre os recursos utilizados nessa atividade, assim como a organização que a realiza. Desenham-se somente dois níveis de detalhamento, montando-se com isso um "poster", que fornece um panorama abrangente do BP. Esta representação permite uma visão holística dos negócios da empresa abrangendo suas estratégias, atividades, informações, recursos e organização, assim como suas interrrelações (figura 2) [ROZ96]. Fornecedor Cliente Business Process Informação Informação Atividades Recursos Organização Figura 2: Definição de Business Process [ROZ96] 5. Reestruturação do Processo de Desenvolvimento de Produto Engenharia Engenharia QS-9000 QS-9000 Informação Organização Recursos Estratégias Clientes Figura 3: Adequação do Desenvolvimento de Produtos à QS-9000/APQP A Reestruturação do Processo de Desenvolvimento de Produto da empresa inicia-se com o mapeamento do seu BP e, paralelamente, com um estudo detalhado dos requisitos da QS9000/APQP, para que se possa saber do quanto exigido pela norma já está sendo cumprido pela empresa (figura 3). Estabelece-se então, de acordo com as exigências da QS-9000/APQP, as novas informações que deverão ser geradas. Na elaboração dessas informações estão envolvidos elementos organizacionais que utilizam recursos. Deve-se então estudar os métodos mais apropriados para o desenvolvimento das atividades especificadas no modelo de referência levando-se em consideração a aplicação de conceitos de Engenharia Simultânea e a utilização de sistemas computacionais como ferramentas de apoio. A utilização do modelo de referência permite então que se determine quais atividades serão impactadas pela implementação dos requisitos da QS-9000/APQP, possibilitando que os esforços de implementação sejam focados por atividades e por necessidades. Observa-se então que os BPs tornam-se uma referência para a formalização dos procedimentos. Muitas empresas não adotam essa premissa, tratando os procedimentos como ilhas desconectadas [ROZ96]. Elas deveriam tratar dos BPs no contexto da certificação e da aplicação da Qualidade Total [GAR95]. Um resultado natural da preparação para a certificação deveria ser uma melhoria dos processos atuais, mas muitas empresas preocupam-se somente com a certificação. Estas perdem a chance de obter os verdadeiros ganhos que a abordagem da qualidade fornece [ROZ96]. 6. Estudo De Caso: Fábrica Integrada Modelo A implementação dos requisitos da QS-9000/APQP no desenvolvimento de produtos, a partir do mapeamendo do BP, está sendo testada na FIM (Fábrica Integrada Modelo) da USP de São Carlos. A FIM é um ambiente para implementação teste de cenários de integração objetivando a avaliação das metodologias e soluções propostas. Atualmente, um dos cenários da FIM simula uma fábrica de redutores modulares. Inicialmente o BP-Desenvolvimento de Produtos foi mapeado utilizando-se a adaptação da técnica SADT. Obteve-se 6 atividades de primeiro nível: Conceber Produto, Conceituar Produto, Projetar Produto, Homologar Produto, Homologar Processo e Educar Empresa. A figura 4 apresenta as atividades de segundo nível da conceituação do produto. Divulgar diretrizes DIRTZ CP/PDT SA/GP/CE DIRTZ CRONO DIRTZ Detalhar requisitos de mercado RELRM INFMER PDT/FC/CL RELRT ET/(1) Definir caract. técnica PDT Especificar família PDT FAMIL CROQU PE/CAD/(1) ET/QFD/(1) DESCON ESTPR Desenhar e pré-estru- ESPCOM turar produto DIRTZ PDT PDT CAD/SEP/ PE/(1) Pré-estruturar processo PDT Fluxograma de Processo e Lista de Material Preliminar FPROC PM Consolidar conceituação SEP/CAD/ CAPP/(1) PDT/GP/ CP RECON ET/AE/CE Analisar custo/benefício PDT CAPP/SEP/ SC/(1) Analisar impacto interno PDT RELCB Validar diretrizes REIMP DIRTZ PCP/SEP/ CAPP/(1) PDT/GP/ CP PDM/WORKFLOW ET/AE/CE Figura 4: Atividade Envolvidas na Conceituação de um Produto Modular O estudo dos requisitos da QS-9000/APQP mostrou que novas informações deveriam ser geradas para se garantir a qualidade do produto e assegurar a certificação. A atividade não previa, por exemplo, a elaboração preliminar de um Fluxograma de Processo e de uma Lista de Material. A análise dos processos indicou que as potencialidade das técnicas de Engenharia Simultânea, QFD (Quality Function Deployment) e Benchmarking não eram exploradas ao máximo. Havia também grande dificuldade na recuperação e aproveitamento de informações de produtos similares. Participavam do desenvolvimento de produto uma Equipe de Conceituação e um Grupo de Projeto. Dessa forma havia perda de informações na transição entre os grupos. Buscando maior eficiência o desenvolvimento passou a ser executado apenas por um grupo de trabalho, o PDT (Product Development Team). Para a comunicação entre os elementos desse time foi proposta a utilização de softwares de workgroup computing que suportam o trabalho em grupo. Foram então determinadas quais atividades e elementos organizacionais seriam responsáveis pela elaboração das novas informações necessárias. Para melhor exploração dos benefícios da Engenharia Simultânea foram reavaliadas as atividades executadas e implementado um sistema PDM (Product Data Managment) com recurso de workflow . Os sistemas PDM focalizam o gerenciamento e auxílio ao desenvolvimento de projetos. Basicamente eles oferecem suporte ao armazenamento de desenhos, lista de material e outras informações mais específicas de engenharia, permitindo mais tarde, uma recuperação rápida e segura além de um controle eficiente de versões [TIB95]. Sistemas workflow auxiliam a distribuição de forma sistemática e automática das informações geradas durante um processo de negócio. Com eles pode-se ainda rastrear as distribuições de informações, contabilizando as atividades, e informando os prazos e os limites de suas realizações [TIB95]. Visando atingir o máximo benefício na aplicação de metodologias e filosofias (QFD, Benchmarkin, FMEA) foi proposta a educação das pessoas envolvidos nas atividades. A avaliação dos resultados dessa implementação indicou que a FIM passou a atender os requisitos da QS-9000/APQP e além disso otimizou o seu processo de Desenvolvimento de Produtos com redução do lead-time e custos de desenvolvimento além de garantir a qualidade de seu produto. 7. Conclusões A QS-9000/APQP, implementada a partir do mapeamento do BP de Desenvolvimento de Produtos da empresa, atua como uma técnica de aprimoramento das atividades. Utilizandose de suas informações e suportada pelo equipamento de hardware, software e recursos financeiros, melhora a estrutura, cultura, e aprendizagem da organização. A partir do preenchimento dos requisitos, tem-se a organização partindo para ser uma empresa de classe mundial (world class manufacturing), obtendo máxima vantagem competitiva como, por exemplo, diminuição dos custos de desenvolvimento e time to market dos produtos, além de melhoria da qualidade dos mesmos. 8. Bibliografia [AIA94] APQP. Advanced Product Quality Planning & Control Plan. Automotive Industry Action Group, 1994 [GAR95] GARVIN, D. A. Leveraging Process for Strategic Advantage. Harvard Business Review. 73(5), Harvard, 1995. [LAK95] LAKE, P. B.; MARTIN, T.; PETT, J. QS-9000 and Automotive Quality. 1995 Annual Quality Congress, 49th AQC Proceedings, 1995. [MOR94] MOREIRA, D. A. Reengenharia : dinânica para a mudança. Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1994. [ROZ96] ROZENFELD, H. Reflexões sobre a Manufatura Integrada por Computador (CIM). Manufatura Classe Mundial: Mitos e Realidade, São Paulo, 1996. [TIB95] TIBERTI, A. J.;ROZENFELD, H. Engenharia simultânea através da integração otimiza o desenvolvimento de produtos. Máquinas e Metais. São Paulo, Dezembro, 1995. [VEG95] VEGA, H. A. et all. Aplicação de ferramentas CAE/CAD/CAPP em processos de negócios definidos pela reengenharia. Máquinas e Metais. São Paulo, Junho, 1995.