Famílias, poderes locais e redes de poder: estratégias e ascensão política das
elites coloniais no Rio de Janeiro (1750-1808)
Maria Fernanda Vieira MARTINS
Universidade Federal de Juiz de Fora
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No Brasil, o período entre meados do século XVIII e o início do Oitocentos é marcado
por uma série de rupturas que irão influenciar diretamente a composição e equilíbrio de forças
e interesses na colônia, desde as reformas pombalinas até a instalação da Corte portuguesa no
Rio de Janeiro, em 1808. Nesse momento, a arquitetura da nova configuração do poder
beneficiou-se amplamente das redes de relacionamento e alianças tradicionais entre as
autoridades régias e as elites locais, que haviam se intensificado na segunda metade do
setecentos, especialmente a partir do período pombalino. Tal conjuntura viria a promover a
progressiva ascensão, no sentido da ocupação dos altos cargos jurídico-administrativos, de
uma elite mais efetivamente colonial, que combinava a acumulação das funções de mando no
nível local com uma certa profissionalização, representada pela presença crescente desses
grupos nas universidades européias.
Nesse sentido, o trabalho pretende analisar o comportamento e as estratégias políticas
das elites coloniais fluminenses ao longo de um período de intensas transformações, tomando
por base o grupo de estudantes fluminenses na universidade de Coimbra, na segunda metade
do século XVIII. Assim, busca-se identificar as origens sociais e familiares, as trajetórias,
estratégias e redes de poder construídas por esses grupos e suas famílias para manterem-se
próximos às esferas decisórias, considerando sua progressiva inserção na estrutura
governamental.
De fato, em uma perspectiva de longa duração, é notável a persistência, na
historiografia brasileira, de interpretações baseadas em uma noção reificada de Estado, na
qual marcos importantes, como a manutenção da unidade nacional/territorial e a construção de
uma autoridade central, no século XIX, vinham sendo considerados, em geral, como
conseqüências da ação de uma elite homogeneizada e treinada para esse fim, ou como
projetos de classes hegemônicas, através de representantes que integram e dirigem, por sua
vez, os diversos órgãos da burocracia. Entretanto, tais análises arriscam deixar de lado
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dinâmicas importantes e inerentes ao processo de expansão de uma autoridade central, como a
relação entre público e privado e a diversidade e os conflitos de interesses no interior de
setores dominantes em suas diferentes esferas de poder.
Ao centrar a análise no grupo de estudantes da universidade de Coimbra, busca-se
inverter o tradicional panorama onde ainda predomina a visão que relaciona a formação
acadêmica a uma certa intencionalidade da ação da Coroa na constituição de quadros
burocráticos, em uma conjuntura de expansão da autoridade central e de reformulação e
racionalização de suas estruturas de controle e governo. Propõe-se, ao contrário, analisar a
presença desses estudantes na instituição como resultantes de escolhas que se conectam às
estratégias de reiteração de status e de ascensão política e social dos diferentes grupos e
famílias atuantes nessa sociedade.
Os interesses dessas elites coloniais encontravam-se, naturalmente, em expansão.
Desde meados do século XVIII, os domínios portugueses na América vinham sendo alvos de
importantes transformações e reformas, que iriam influir diretamente na composição e
equilíbrio de forças e interesses na colônia1. A crise política e econômica do reino, que já se
prolongava desde a restauração, contrastava com a intensa atividade nos domínios de
ultramar, marcada pela expulsão dos holandeses no norte, a expansão das fronteiras para o sul
e oeste e a própria exploração das minas de ouro e diamantes, desde as Minas Gerais até o
planalto central, movimentos que se integravam em uma dinâmica mais ampla de expansão e
consolidação de interesses mercantis e financeiros na colônia2.
Visando ampliar e racionalizar seus mecanismos de controle, a administração
pombalina promoveu diversas medidas, particularmente nos âmbitos fiscais e administrativos,
no sentido da modernização do modelo político-administrativo. As reformas assumiram um
caráter mais amplo ao incluir a extinção das últimas capitanias hereditárias, a unificação dos
estados do Brasil e do Maranhão, a criação do Tribunal da Relação no Rio de Janeiro, assim
1
Ao se tornar figura central da administração reinol, Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal,
nomeado secretário de estado de Dom José I (1750), procurou empreender uma série de reformas de modo a
reverter a situação de crise que vivia o reino português, situação que, em linhas gerais, era atribuída à
preponderância dos interesses ingleses no Brasil, particularmente no que se referia ao destino dos recursos
provenientes da colônia, que auferiam escassos lucros a Portugal. Kenneth Maxwell. A política.
Condicionalismos da Independência do Brasil. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). O Império lusobrasileiro, 1750-1822. Lisboa: Editorial Estampa, 1986. pp.335-395, p.337. Ver também Kenneth Maxwell. The
generation of the 1790’s and the idea of luso-brazilian empire. In: ALDEN, Dauril (ed.) Colonial roots of
modern Brazil: papers of the Newberry Library Conference. Berkeley; Los Angeles: University of California
Press, 1973.
2
RUSSEL-WOOD, A. J. R.. Centros e periferias no mundo luso-brasileiro, 1500-1808. Rev. bras. Hist. [online].
1998, vol.18, n.36, pp. 187-250. Ver também Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo F. Monteiro,
“Governadores e capitães-mores do império atlântico português nos séculos XVII e XVIII”, in CUNHA,
Mafalda Soares da, MONTEIRO, Nuno Gonçalo F. e CARDIM, Pedro (orgs.). Optima Pars: Elites IberoAmericanas do Antigo Regime, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2005, p. 22.
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como a constituição de novas capitanias nas fronteiras. Paralelamente, seria ainda efetivada a
mudança da capital colonial, até então localizada na Bahia, para a cidade do Rio de Janeiro
em 1763, medida que visava, principalmente, o controle quanto ao acesso à região das minas
e a proteção das fronteiras setentrionais, constantemente ameaçadas pelos interesses espanhóis
e de seus colonos na América3.
As reformas pombalinas na colônia atingiram diretamente as bases e redes de poder
local, promovendo a progressiva especialização e ampliação dos cargos e a extensão do
controle sobre as capitanias. Ao dinamizar a administração colonial, a política pombalina
possibilitou, indireta e progressivamente, a ascensão de diversos setores da economia e
governança, que transformavam suas estratégias e projetos políticos em função das novas
diretrizes e perspectivas que então se criavam. Ao atingirem principalmente o equilíbrio de
poder entre agentes da Coroa e potentados locais, essas transformações tiveram ainda
conseqüências diretas sobre as práticas políticas de negociação e intermediação, que também
precisaram se adequar aos novos tempos.
No que se refere aos estudantes do Rio de Janeiro, se na primeira metade do século
XVIII pode-se observar a predominância de uma formação ligada à carreira eclesiástica e à
medicina, o quadro começaria a transformar-se a partir da década de 1750, quando bacharéis
fluminenses começam a retornar ao Brasil para a ocupação de cargos ligados à administração.
Um bom exemplo dessas estratégias seria o comportamento do Tenente-mestre de campo
Bernardo da Silva Ferrão. Nascido na freguesia de Pernes, arcebispado de Lisboa, em 1688,
ingressou na carreira militar em 1708, tendo sido promovido a oficial e transferido primeiro
para Recife (PE), como ajudante de ordens do governador D. Lourenço de Almeida e, mais
tarde, em 1719, para o Rio de Janeiro. Em 1736, após ser designado para vigiar o contrabando
do ouro às beiras do Rio Paraibuna, transferiu-se para Vila Rica (atual Ouro Preto, Minas
Gerais), onde serviu ao Governador Gomes Freire de Andrade e onde recebeu quatro cartas de
sesmarias.
Cavaleiro do Hábito de Cristo, Bernardo da Silva Ferrão casou-se no Rio de Janeiro,
em 1727, com Francisca de Seixas da Fonseca, filha de um rico negociante da cidade,
Francisco de Seixas da Fonseca, que diretamente se beneficiava com esta aliança, em sua
3
MAXWELL, Kenneth. A política. Condicionalismos da Independência do Brasil. In: SILVA, Maria Beatriz
Nizza da (coord.). O Império luso-brasileiro, 1750-1822. Lisboa: Editorial Estampa, 1986. pp. 335-395, p.339.
BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti (Dir.). História da expansão portuguesa. Navarra: Círculo
de Leitores, 1998. 4v. v. 3 - O Brasil na balança do Império (1687-1808), p.35-6.
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busca de ascensão social 4. Bernardo Ferrão enviou seus três filhos, todos nascidos no Rio de
Janeiro, à universidade de Coimbra: Matheus Antonio da Silva Ferrão, formado em 1756, que
seguiria a carreira eclesiástica; Francisco Roberto da Silva Ferrão, formado em 1752, que
seria desembargador da Relação do Porto; e Bernardo Manoel da Silva Ferrão, formado
também em 1756, inicialmente advogado em Vila Rica, tesoureiro da Intendência, deputado e
escrivão da Junta da Fazenda da Capitania de Minas Gerais, escrivão da Receita da
Intendência de Vila Rica, em 1791, e escrivão da Receita e Despesa da Casa de Fundição, em
São João Del Rei (MG).
Dentre as filhas, Joana Rosa Marcelina de Seixas, casou-se com o sargento-mor de
Sabará Manoel da Rocha Brandão, e Maria Dorothea Joaquina de Seixas com o capitão
Balthazar João Mayrink, casamento que uniria a família aos Manso da Costa Reis e Sayão, de
Ouro Preto, linhagens de importantes políticos e magistrados no II Reinado.
Exemplo semelhante é o do capitão-mor do Rio de Janeiro Manuel Pereira Ramos de
Lemos Faria, senhor dos engenhos de Marapicu, Cabuçu, Itaúna, do Gama e outros, e casado,
em 1721, com Helena de Andrada Souto-Maior, da tradicional família fluminense dos
Azeredo Coutinho. O Capitão-mor também enviou seus três filhos à universidade de Coimbra,
dois dos quais se tornariam eminentes jurisconsultos no reino: Francisco de Lemos de Faria
Pereira, formado em 1754, reitor do colégio das Ordens militares, lente na Universidade, juiz
geral das ordens militares, desembargador dos agravos da Casa da Suplicação e, em 1765,
também membro extraordinário do tribunal do Santo Oficio e deputado da Mesa Censória; e
João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, desembargador do Paço, Procurador da Coroa,
deputado ordinário da Real Mesa Censória e professor do curso de Direito da Universidade de
Coimbra.
As mesmas estratégias seguiriam, entre diversos outros proprietários e oficiais, Luís
Fortes de Bustamante e Sá, capitão-mor do termo da Vila de São João Del Rei; Pedro Dias
Paes Leme, guarda-mor geral das Minas, cargo no qual o sucederia seu filho, o bacharel
Roque Luis de Macedo Leme; João Carneiro da Silva, antigo morgado de Santo Antônio do
Capivari e Quissamã e contratador de diamantes da Coroa no Tijuco; Manuel Freire Ribeiro,
senhor de engenho em Campo Grande, cujo filho, Jose Antonio Ribeiro, seria desembargador,
juiz e ouvidor da Alfândega do Rio de Janeiro (1801-1811) e provedor da Fazenda Real; o
mestre de campo Fernando José Mascarenhas Castelo Branco; o senhor de engenhos
4
Sobre as estratégias desse negociante, ver SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. A produção política da
economia: formas não-mercantis de acumulação e transmissão de riqueza numa sociedade colonial (Rio de
Janeiro, 1650-1750) Topoi, v. 4, n. 7, jul.-dez. 2003, pp. 276-312, p. 302-3.
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Bartolomeu Correia de Medeiros; o mestre-de-campo das freguesias de Tambi, Trindade e
Guapimirim (Santo Antônio de Sá) Alexandre Alves Duarte de Azevedo; o coronel e
proprietário de terras Domingos de Azeredo Coutinho e Melo, cujo filho, Manuel da Cunha
de Azeredo Coutinho Sousa Chichorro, seria secretário do governo e ouvidor geral da em São
Paulo.
Entretanto, particularmente relevantes e representativos da nova ordem são as
estratégias e comportamento dos grandes negociantes fluminenses, que buscavam ampliar seu
status, poder político e decisório em direção aos novos cargos que se criavam, especialmente
na capital colonial, o Rio de Janeiro, sede do vice-reino desde 1763.
Esses negociantes já vinham se inserindo nas instâncias decisórias no âmbito
municipal, particularmente no senado da Câmara do Rio de Janeiro, desde meados do século
XVIII 5, em trajetórias que os permitiria, no período joanino, a concentração de cargos
econômicos e financeiros na nova estrutura institucional, como a Real Junta de Comércio, o
Banco do Brasil e o Real Erário. Em trajetória ascendente, no que se refere às estruturas de
poder, também intensificaram as alianças familiares com tradicionais proprietários de terra e
com os detentores de cargos judiciários e administrativos, assim como começavam a garantir
espaço para seus descendentes.
As aspirações de ascensão social e política do grupo podem ser apreendidas a partir da
concentração do número de filhos de negociantes fluminenses dentre aqueles que se
graduavam no curso de direito da Universidade de Coimbra, particularmente após 1770. Entre
aqueles em que foi possível a identificação da ocupação dos pais, na década de 1770, 62%
eram filhos de negociantes, concentração que se repetiria na década de 1780, com cerca de
60% dos estudantes; nas décadas seguintes, tal número permaneceria expressivo, com 31%
(década de 1790) e 35% (década de 1800).
Tal seria o caso dos negociantes Bento Esteves de Araújo (que enviou seus três filhos
para a Universidade de Coimbra); Braz Gonçalves Portugal; João Homem do Amaral;
Antônio de Oliveira Durão; Domingos Pereira da Fonseca; José Vieira Souto (que enviou dois
filhos, um dos quais Lourenço José Vieira Souto, seria ouvidor e Juiz de Fora do Rio de
Janeiro); Lourenço Fernandes Viana; Cosme Velho Pereira, cujo filho seria vereador do
Senado da Câmara e advogado do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro; André de Barros
Brandão (dois filhos); Antônio Borges de Freitas (três filhos); Domingos Mendes Viana (dois
5
João Fragoso, Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro. In:
FRAGOSO, João; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; ALMEIDA, Carla. (Org.). Conquistadores e
negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos Trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. 1 ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, v. 1, pp. 33-120
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filhos); Domingos Rebelo Leite (dois filhos); Feliciano Gomes Neves (dois filhos, um dos
quais ouvidor no Serro Frio); João Alves Carneiro (dois filhos); Simão de Freitas Guimarães
(dois filhos), entre diversos outros. Assim, na medida em que avançava a especialização de
cargos e funções, fazia-se necessário o desenvolvimento de novas estratégias para garantir a
manutenção do status quo e as vias de acesso às instâncias decisórias.
No que se refere aos cargos ocupados por seus descendentes e familiares ao longo do
período joanino, há inúmeros exemplos. Apenas na família do comerciante Brás Carneiro
Leão, destacam-se o filho José Fernando Carneiro Leão, conde de Vila Nova de São José,
nomeado diretor do Banco do Brasil, e os genros, o mineiro Manoel Jacinto Nogueira da
Gama, futuro marquês de Baependi, que se tornou funcionário do Real Erário e do Conselho
da Fazenda; Paulo Fernandes Viana, também filho de outro negociante fluminense, Lourenço
Fernandes Viana, nomeado para o cargo de intendente geral de Polícia; o baiano Luiz José de
Carvalho e Melo, mais tarde visconde da Cachoeira, nomeado desembargador da Casa da
Suplicação do Rio de Janeiro. Baependi e Cachoeira tornar-se-iam ainda importantes nomes
da política imperial, como ministros e conselheiros de Estado.
Outros antigos estudantes que igualmente ocupariam importantes posições na nova
estrutura institucional da Corte foram o já citado Francisco Lopes de Sousa de Faria Lemos,
genro do negociante e vereador coronel Antonio Gomes Barroso; Claudio José Pereira da
Costa, português, desembargador da Relação na Corte, casado com a filha de Manoel Velho
da Silva, comerciante e vereador do senado da Câmara do Rio de Janeiro; José Joaquim
Carneiro de Campos, futuro marquês de Caravelas, filho do negociante baiano José Carneiro
de Campos, nomeado oficial maior da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros; o
fluminense Mariano José Pereira da Fonseca, futuro visconde e marquês de Maricá, filho do
negociante português radicado no Rio de Janeiro Domingos Pereira da Fonseca e genro do
negociante mineiro capitão Julião Martins da Costa, e que se tornou deputado da Junta do
Comércio e tesoureiro da Real Fábrica de Pólvora; o baiano José Egidio Álvares de Almeida,
mais tarde barão, visconde e marquês de Santo Amaro, filho de José Álvares Pinto de
Almeida, Fidalgo Cavaleiro da Casa Real e capitão-mor das Ordenanças da Bahia, que
passava a integrar o conselho da Fazenda, no Rio de Janeiro. Também entre estes, quase todos
tiveram inserção na alta cúpula da política imperial, a partir do I Reinado.
Por outro lado, deve-se ainda considerar que as representações no senado da Câmara
ou mesmo a ascensão para cargos políticos e jurídicos na Corte já se faziam mediante
intrincadas redes que relacionavam proprietários de terras, comerciantes, oficiais régios e
poderes locais. Um exemplo seriam as trajetórias e alianças desenvolvidas pelos irmãos João
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e Antônio Gomes Barroso, comerciantes portugueses que se estabeleceram no Rio de Janeiro
em fins do século XVIII, proprietários dos engenhos de Itaguaí e Piraí, provedores da Santa
Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Fidalgos Cavaleiros da Casa Real e vereadores do
Senado da Câmara do Rio de Janeiro. Antonio Gomes Barroso casara-se com uma filha de
outro comerciante e proprietário mineiro, Francisco Lopes de Souza, por sua vez irmã do
conselheiro de Fazenda Faria Lemos, já mencionado, e que se tornaria também seu genro.
João Gomes casou-se com a filha do mestre de campo Alexandre Álvares Duarte de Azevedo;
sua filha unir-se-ia a Paulo Fernandes Carneiro Viana, conde de São Simão, filho de Paulo
Fernandes Viana - Intendente Geral de Polícia e genro de Brás Carneiro Leão –, e a neta a
Pedro Justiniano Carneiro de Carvalho e Melo, 3º visconde da Cachoeira. Duarte de Azevedo
era proprietário de engenho e de vastas terras no vale do Macacu, familiar do Santo Ofício,
sargento-mor nas vilas de Macacu e de Santo Antonio de Sá, onde havia se aliara às famílias
de tradicionais proprietários da região, como os Azeredo Coutinho, Macedo Freire e Duque
Estrada.
Essas relações, que no período joanino se articulavam e se consolidavam em torno das
novas instituições, tinham como instrumento fundamental a vivência de jovens estudantes em
Coimbra e as relações e trajetórias que se faziam no reino, o que significa dizer que a
universidade, além de formar quadros para administração lusa no ultramar, ainda possibilitava
o estabelecimento e reprodução de novas e antigas redes comerciais, políticas, familiares e
sociais, o que, aliado às transformações administrativas que se efetuavam na corte, acelerava a
ascensão político-administrativa dessas elites.
Esses elementos, ao se interligarem, permitem reinterpretar a própria dinâmica da
sociedade, uma abordagem na qual trajetórias, redes e conjunturas políticas aparecem
perfeitamente imbricadas e onde as diversas transformações podem surgir assinaladas pelas
mudanças de atitudes, escolhas e comportamentos individuais. Nesse sentido, mais do que as
experiências, ações e trajetórias individuais por si mesmas, importa a forma como nelas
repercutem as normas, a cultura e práticas políticas e sociais, bem como as mudanças
vivenciadas pelas sociedades onde se inserem.
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