CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
Djenane Alves Costa Pio
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO:
potencialidades e limites na formação de indivíduos i-protagonistas
Belo Horizonte
2013
DJENANE ALVES COSTA PIO
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO:
potencialidades e limites na formação de indivíduos i-protagonistas
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado em Gestão Social, Educação e
Desenvolvimento
Local
do
Centro
Universitário UNA, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre.
Área de Concentração: Inovações Sociais,
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de Pesquisa Processos Educacionais:
Tecnologias Sociais e Desenvolvimento
Local.
Orientadora: Profª.
Guimarães Thomazi
Belo Horizonte
2013
Drª.
Áurea
Regina
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: potencialidades e
limites na formação de indivíduos i-protagonistas
Djenane Alves Costa Pio
Dissertação defendida pela aluna acima aprovada em agosto de 2013 pela banca de
examinadores:
Profª. Drª. Áurea Regina Guimarães Thomazi- Orientadora
Centro Universitário UMA
Prof.Dr. Cláudio MárcioMagalhães
Centro Universitário UMA
Profª Drª Ana Maria Pereira Cardoso
PUC Minas
A Ele, toda honra, toda glória e todo
louvor.
AGRADECIMENTOS
Agradecer não é uma tarefa difícil. Difícil mesmo é, em um espaço tão limitado,
retribuir tudo o que me foi dado por cada um durante todo esse percurso.
Ao meu amado esposo, por suas renúncias, apoio e gestos de amor, imprescindíveis
para a conclusão desta etapa.
Aos meus filhos, minha maior motivação, pela tolerância nas ausências.
Aos meus pais, primeiros incentivadores dos meus primeiros passos na educação,
sem estes eu não teria chegado até aqui.
Às minhas irmãs, pelo incentivo e apoio; vocês sempre acreditaram e me fizeram
crer que seria possível.
À amiga Camila, pelos empurrões e intensos momentos de reflexão, quando não
havia mais ninguém com interesse em escutar as leituras e releituras construídas ao
longo deste percurso.
À professora Áurea, mais que orientadora, incentivadora; seria difícil acreditar que
chegar ao final era possível sem a certeza da sua presença dando suporte, mesmo
que à distância, e os meus próprios limites em ser orientanda.
À professora Ana Maria, pela generosidade imensurável em compartilhar
conhecimentos, estimular a reflexão e até me aterrissar quando o pensamento voava
alto demais. Apesar da ausência de títulos formalizados pela instância acadêmica,
para mim será sempre a professora/orientadora/mestra.
Aos colegas de pesquisa, Simone, pelos ouvidos sempre disponíveis; Roberto, por
ter iniciado parte do percurso sobre as minhas indagações; e Pedro, pelos socorros
sempre necessários no uso das tecnologias digitais.
À professora Adriane e sua equipe, pelas discussões compartilhadas.
Aos professores desse programa de mestrado, pelas contribuições. Especialmente,
ao professor Cláudio, que teve um papel fundamental ao meu processo de
superação da ingenuidade política.
Aos gestores, professores, funcionários e alunos do Plug Minas, por dividirem
comigo um pouco das suas opiniões, pensamentos e vivências no cotidiano na
instituição.
À Fapemig, pelo apoio a esta pesquisa.
E, temendo esquecer alguém, a todos que de alguma forma contribuíram para a
concretização desta etapa.
RESUMO
A fim de que avance o processo de gestação da Sociedade da Informação, ou seja,
de construção de uma sociedade em que as pessoas dominem as informações que
nela circulam utilizando-as como instrumento de transformação social, é
imprescindível que se adotem práticas pedagógicas que contribuam para a formação
de indivíduos i-protagonistas, que saibam fazer uso das Tecnologias de Informação
e Comunicação e das possibilidades que estas oferecem para acesso a informações
socialmente relevantes e que sejam capazes de atuar num cenário político no qual,
ampliam-se progressivamente os canais de participação social. Inúmeras ações têm
sido desenvolvidas no sentido de possibilitar o acesso a computadores e internet.
Apesar de serem válidas, muitas iniciativas não demonstram preocupação em
propiciar condições às pessoas para que sejam capazes de buscar, selecionar,
interpretar e apropriar-se da informação, compartilhando-a, ou seja, que alcancem
um nível satisfatório de literacia digital/informacional. Diante desse quadro, propôsse nesta pesquisa verificar quais as potencialidades e limites das práticas
pedagógicas adotadas no Plug Minas - Centro de Formação e Experimentação
Digital, tendo em vista que esse Programa governamental tem como norteador o
protagonismo juvenil e como princípio o uso de recursos da cultura digital para o
desenvolvimento das diversas atividades oferecidas aos jovens da região
metropolitana de Belo Horizonte, aspectos que o tornam um instrumento potencial
para a formação de indivíduos i-protagonistas. Sob a perspectiva da abordagem
quanti qualitativa, para esta pesquisa estabeleceu-se a realização da coleta de
dados em três dos seis núcleos que atendiam o público jovem, utilizando-se análise
documental, entrevista a gestores, grupo focal com professores e observação das
práticas pedagógicas. Os resultados obtidos detectam potencialidades nas práticas
pedagógicas adotadas no Programa, mas também alertam para alguns limites da
ação docente que estão relacionados tanto a questões pessoais do professor que
precisam ser superadas, quanto a falhas no processo de implementação e execução
dessa ação. Finalmente, reforça-se a necessidade de aprimoramento das ações que
pretendem intervir no campo da educação para a cultura digital em resposta às
demandas sociais emergentes, especificamente em três aspectos: Gestão,
Formulação de Concepções e Atuação Docente.
Palavras-chave:
Práticas
pedagógicas.
digital/informacional. I-protagonismo.
Inclusão
digital.
Literacia
ABSTRACT
In order to advance the process of gestation of the Information Society, ie, to build a
society in which people master the information that it circulate using them as an
instrument of social transformation, it is essential to adopt pedagogical practices that
contribute for the training of individuals i-protagonists, they know to make use of
Information and Communication Technologies and the possibilities they offer for
access to socially relevant information and are able to act in a political landscape in
which progressively expand channels social participation. Numerous actions have
been developed in order to provide access to computers and internet. Although they
are valid, many initiatives do not demonstrate concern for providing conditions for
people to be able to search, select, interpret and appropriate the information, sharing
it, or they reach a satisfactory level of digital literacy / informational. Given this
situation, it is proposed in this research see what the potentials and limits of
pedagogical practices adopted in Plug Mines - Center for Digital Training and
Experimentation, considering that this government program has as guiding youth
participation and the principle of the use of resources digital culture for the
development of the various activities offered to young people in the metropolitan area
of Belo Horizonte, aspects that make it a potential tool for the training of individuals iprotagonists. From the perspective of quantitative qualitative approach for this study
was established to collect the data in three of the six cores that met the young
audience, using document analysis, interviews with managers, focus groups with
teachers and observation of teaching practices. The results detect potential
pedagogical practices adopted in the program, but also serve to illustrate some
limitations of teaching activities that are related to both the teacher's personal issues
that need to be overcome, as the flaws in the process of implementation and
execution of this action. Finally, it reinforces the need to improve actions seeking to
intervene in the field of education for digital culture in response to emerging social
demands, specifically in three areas: Management, Formulation Concepts and
Practice Teaching.
Keywords: Pedagogical practices. Digital inclusion. Digital literacy / informational. Irole
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 Programas de Inclusão Digital no Brasil..........................................46
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Mapeamento Resumido do Modelo de Gestão Plug Minas......................85
FIGURA 2 Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 1.................................113
FIGURA 3 Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 2.................................113
FIGURA 4 Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 3.................................113
FIGURA 5 Visão Docente acerca do Perfil dos jovens atendidos no núcleo 1........116
FIGURA 6 Visão Docente acerca do Perfil dos jovens atendidos no núcleo 2........116
FIGURA 7 Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no núcleo 1..118
FIGURA 8 Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no núcleo 2..118
FIGURA 9 Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no núcleo 3..119
FIGURA 10 Práticas e Atitudes Docentes no Núcleo 1............................................123
FIGURA 11 Manifestações dos Alunos no Núcleo 1................................................124
FIGURA 12 Práticas e Atitudes Docentes no Núcleo 2............................................125
FIGURA 13 Manifestações dos Alunos no Núcleo 2................................................125
FIGURA 14 Práticas e Atitudes Docentes no Núcleo 3............................................127
FIGURA 15 Manifestações dos Alunos no Núcleo 3................................................127
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF – Constituição Federal
DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
FEBEM – Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor
FGV – Fundação Getúlio Vargas
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
NPG – Núcleo de Planejamento e Gestão
ONG – Organização não-governamental
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PCNEF - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12
2 A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A SOCIEDADE ..................................................... 26
2.1 Processo de Avanço das TIC: acelerado e contínuo – produto do
desenvolvimento da informática associado à evolução das
telecomunicações ........................................................................................................... 27
2.2 Impactos da evolução tecnológica na sociedade ............................................ 30
2.3 Modernização tecnológica no Brasil: diversidade e desigualdade............. 34
3 INCLUSÃO DIGITAL: O SIMPLES ACESSO E A PERSPECTIVA DA LITERACIA
DIGITAL/INFORMACIONAL ............................................................................................... 41
3.1 Inclusão digital é uma questão de cidadania .................................................... 41
3.2 Os números da Inclusão digital (limitada à visão do acesso aos
equipamentos e à internet) no Brasil ......................................................................... 47
3.3 Ampliando o escopo da inclusão: literacia digital/informacional, uma
habilidade necessária..................................................................................................... 53
4 I-PROTAGONISMO: UMA EXPRESSÃO QUE EMERGE NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO ....................................................................................................................... 57
4.1 O surgimento do termo protagonismo: contexto histórico, político e
social ................................................................................................................................... 57
4.2 Protagonismo: concepção teórica ....................................................................... 63
4.3 Protagonismo juvenil e a emergência de um novo termo: i-protagonismo
.............................................................................................................................................. 65
5 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DA PEDAGOGIA PARA A FORMAÇÃO DE
INDIVÍDUOS I-PROTAGONISTAS .................................................................................... 71
5.1 Breve discurso acerca do campo da educação e algumas realidades do
Brasil ................................................................................................................................... 72
5.2 Educação e tecnologia ............................................................................................ 75
5.3 As práticas pedagógicas na formação de indivíduos i-protagonistas....... 79
6 A PESQUISA DE CAMPO: Aspectos metodológicos ............................................ 90
6.1 O campo da pesquisa: universo ........................................................................... 92
6.1.1 O universo – Breve apresentação, delimitação e caracterização do
campo de pesquisa ..................................................................................................... 92
6.1.1.1 Núcleo 1 – Características .......................................................................... 96
6.1.1.2 Núcleo 2 – Características .......................................................................... 97
6.1.1.3 Núcleo 3 – Características .......................................................................... 97
6.2 Os instrumentos de coleta de dados ................................................................. 98
7 O PROGRAMA PLUG MINAS COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM ............... 102
7.1 Análise de dados - na análise documental, nas entrevistas e na
observação não-sistemática do espaço .................................................................. 102
7.1.1 Estrutura física e instalações ....................................................................... 102
7.1.2 Quanto aos tempos e espaços de aprendizagem................................... 105
7.1.3 Quanto ao perfil dos professores ............................................................... 106
7.1.4 Quanto aos princípios e concepções que orientam os projetos e o
Programa ..................................................................................................................... 109
7.1.4.1 Protagonismo juvenil .................................................................................. 109
7.1.4.2 Educação e Ensino-aprendizagem .......................................................... 114
7.1.5 Síntese das considerações propostas .......................................................... 119
7.2 Análise de dados - Grupos Focais ..................................................................... 121
7.2.1 Inclusão Digital................................................................................................. 122
7.2.2 Literacia digital/informacional ..................................................................... 128
7.2.3 Síntese das considerações propostas neste item ................................. 131
7.3 Análise de dados – Observação das Práticas Pedagógicas ....................... 132
7.3.1 Práticas pedagógicas e atitudes docentes x respostas dos discentes
........................................................................................................................................ 133
7.3.2 Síntese das considerações deste item ...................................................... 140
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 142
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 148
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA GESTÃO NÚCLEOS PLUG MINAS 154
APÊNDICE B - ROTEIRO PARA GRUPO FOCAL ....................................................... 156
APÊNDICE C - ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
................................................................................................................................................ 157
APÊNDICE D – Produto Final ......................................................................................... 158
ANEXO – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ............................................... 171
12
1 INTRODUÇÃO
A necessidade de construção de uma Sociedade da Informação é, nos dias atuais,
fato reconhecido como imprescindível ao desenvolvimento econômico e social de
uma nação. Essa necessidade está diretamente ligada à crescente velocidade da
expansão das telecomunicações, tendo a Internet como protagonista nessa
revolução, que através da conectividade promoveu o estreitamento da distância
entre o homem e a informação alterando as formas de relações, acelerando o campo
de construção e disseminação do conhecimento, e modificando os meios e os
processos de produção e mercado.
Numa dimensão mundial que situa numa melhor posição os que detêm e dominam
com maior competência as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), quanto
melhores forem as condições oferecidas num país para a gestação desta sociedade,
maiores serão também as possibilidades que este país alcance uma melhor
colocação no campo econômico global.
O Brasil deu um grande passo no âmbito da construção dessa sociedade com a
aprovação da Lei de Acesso à Informação nº 12.527 de 18 de novembro de 2011
que trouxe como expectativa uma maior transparência das ações governamentais,
visando reafirmar a perspectiva de um regime democrático, visto que amplia a
participação cidadã e fortalece os instrumentos de controle da gestão pública. Várias
ações precederam a regulamentação da Lei, tendo em vista que o processo de
regulamentação de uma Lei, em qualquer âmbito, geralmente é permeado por
conflitos, afinal, trata-se da composição de uma agenda que abarca uma infinidade
de temáticas relacionadas à segurança pública, saúde, habitação, entre outras, num
campo de interesses bastante diverso dos diferentes grupos sociais.
Considerando a regulamentação dessa lei e ampliando o cenário para o momento
13
de evolução tecnológica que temos vivido nas últimas décadas com a disseminação
da internet, um canal potencial para veicular informações é o virtual. Esse canal
possibilita inúmeras maneiras de tráfego da informação, com uma velocidade não
imaginada pouco tempo atrás, e se apresenta em diferentes formatos, traduzindo-se
na era dos computadores pessoais, de bolsa ou bolso, de acordo com o gosto do
usuário.
Por outro lado, considerando a perspectiva sociopolítica atual, a proposta de
transição da Gestão Pública para uma Gestão Social está presente nos discursos
governamentais e é discutida na literatura sobre o assunto, tendo como destaque a
importância da participação social. Essa proposta denominada gestão social busca
substituir a gestão até então vigente - tecnoburocrática e com seu discurso
autoritário – por um modelo mais participativo, pautado no diálogo e que seja capaz
de agregar e de ser exercido por sujeitos sociais diversos. (TENÓRIO, 1998)
A gestão nestes moldes, ou seja, a gestão social é um ato relacional que se
estabelece entre pessoas, em espaços e tempos relativamente delimitados,
objetivando realizações e expressando interesses de indivíduos, grupos e
coletividades (FISCHER, 2002). Sendo assim, espera-se que os cidadãos
contemporâneos participem ativamente dos processos políticos do país.
Já se percebe a abertura de espaços e canais em que esses cidadãos tem a
oportunidade de vocalização apresentando suas ideias sobre as problemáticas do
contexto em que vivem e discutindo as melhores respostas para solucionar essas
questões. Alguns exemplos dessa iniciativa são os conselhos gestores, os
orçamentos participativos, as conferências municipais, entre outras.
Num contexto em que as TIC imperam como canais de relacionamento e de fluxo da
informação, a necessidade política de construir uma cultura de participação social
vem agregada à de investir recursos e esforços que viabilizem essa participação por
14
meio desses canais.
Diante disso, pode-se dizer que tanto o cenário socioeconômico mundial quanto
a proposta vigente de gestão, ou seja, a Gestão Social, requisitam a emergência de
indivíduos i-protagonistas (esse termo será explicado no decorrer do trabalho) e com
bom nível de literacia digital/informacional. Estas características possibilitarão não
apenas o desenvolvimento de uma nação, mas também serão determinantes para
um planejamento consciente e comprometido desse desenvolvimento, levando a
uma reflexão a nível global, mas também avaliando os impactos e consequências a
nível local.
Nesse âmbito, é bastante relevante para uma nação como o Brasil, marcada
historicamente pelas disparidades sociais que afetam o acesso de muitas pessoas
aos bens culturais existentes, buscar iniciativas que visem possibilitar a equidade no
acesso às ferramentas digitais, a capacitação para seu uso e manuseio das
informações possibilitadas por meio delas.
Diante disso, alguns desafios surgem para que se assegure não apenas a
implementação da Lei de Acesso à Informação, mas o acesso a qualquer informação
que interesse aos indivíduos num contexto social nacional, em qualquer campo de
conhecimento e que esteja sendo veiculada de forma pública. O primeiro é a
questão da possibilidade de acesso a esses meios, a quem é dado; o segundo é
qual a qualidade desse acesso às ferramentas digitais e um terceiro é capacitar as
pessoas para lidarem com elas e as informações que trazem.
Considerando o presente contexto, no qual predominam as TIC, suscita-se a
emergência de pessoas capazes de manusear as novas tecnologias, utilizando-as
como ferramentas para a obtenção de informações e, ainda, que sejam capazes de
interpretar e analisar essas informações, levando em conta suas fontes, construindo
autonomamente um conhecimento próprio e disseminando esse conhecimento a
15
quem interessar.
Algumas habilidades necessárias para o manuseio dessas informações concernem
às aprendizagens já estabelecidas no currículo escolar do país como, por exemplo, a
leitura e interpretação de textos, em qualquer formato. Poderia se dizer, então, que
compete à escola propiciar essa formação aos indivíduos e não seria errôneo afirmar
isso, já que o trabalho da escola deveria acompanhar as mudanças societárias,
buscando preparar os seus discentes para o contexto em que vivem. Porém, apesar
das inúmeras mudanças de pequeno ou grande porte que a escola vem sofrendo ao
longo dos anos, estas não conseguiram ainda garantir nem a efetiva aprendizagem
das habilidades básicas necessárias que se espera adquirir nesta instituição; apenas
conseguiram inibir o analfabetismo muito mais por acesso e tempo de permanência
na instituição. (UNESCO, 2011)
Outras habilidades, porém, são mais específicas do contexto das TIC, como a
busca, a seleção, a validação da fonte, que ocorrem devido ao volume, velocidade e
diversidade que o recurso da internet possibilita. Isso não quer dizer que já não se
realizavam esses procedimentos antes da evolução tecnológica, mas a proporção
era bem aquém da que se tem hoje.
Algumas iniciativas têm sido colocadas em prática no sentido de favorecer o acesso
às TIC. Percebe-se que essas iniciativas realmente propiciam o acesso às
ferramentas tecnológicas, porém, tal acesso ainda não é suficiente para garantir que
os indivíduos sejam capazes de fazer uso efetivo dessas ferramentas, exercendo a
sua cidadania e manuseando com autonomia e a devida criticidade as informações
que estão veiculadas através desses meios.
Ciente desta brecha definiu-se nesta pesquisa abordar a questão relativa às
habilidades necessárias ao manuseio das informações veiculadas por meio das
ferramentas digitais, tendo em vista que as questões do acesso e manuseio destas
16
já têm sido debatidas em trabalhos de outras áreas com subsídio acadêmico mais
consistente para análise destas questões. Os limites e potencialidades das práticas
pedagógicas adotadas para a formação de indivíduos i-protagonistas e que
detenham essas habilidades é o recorte mais específico delimitado neste trabalho.
Considerando o quadro apresentado, qualquer ação compensatória, como é o caso
dos programas de inclusão digital no Brasil, que vislumbre a inserção dos indivíduos
no contexto das TIC, deve considerar a disponibilidade de acesso às ferramentas
digitais, mas também que as pessoas precisam ser formadas para a busca, seleção,
leitura crítica e interpretação das informações que são disponibilizadas.
Apesar disso, a maioria das pesquisas no campo da inclusão digital está focada na
questão do acesso às ferramentas. Ainda são escassos os registros de estudos que
tenham interesse na questão da formação das pessoas para o manuseio das
informações.
Tal escassez constitui uma lacuna que prejudica a possibilidade de uma visão mais
completa na implementação e monitoramento de programas sociais com o
objetivo de inclusão digital e na avaliação da efetividade desses programas. A
discussão proposta neste trabalho pretende contribuir para a execução dessas
tarefas no sentido que agrega conhecimentos relevantes sobre as necessidades
sociais na área e também apresenta dados obtidos num contexto real, interpretados
a partir do olhar do campo da Pedagogia que até a presente data pouco se
manifestou sobre o assunto, apesar do real potencial que pode ter em relação à
construção de propostas pedagógicas com qualquer foco de aprendizagem.
Trazer para a pauta a discussão dessa temática implica agregar diferentes assuntos
em campos diversos que estão compreendidos em todos os contextos aos quais se
refere a cidadania, ou seja, tanto no civil, quanto no político, no econômico e no
social; e, ainda, requer considerar o tempo histórico ao qual estamos nos referindo.
17
Afinal, a efetivação da cidadania por uma pessoa sempre envolveu e ainda envolve
uma grande complexidade de aspectos, entre eles o surgimento irrefreável de novos
bens culturais que a sociedade cria a cada momento.
Marshall (1967) traduziu a cidadania como um status concedido às pessoas que são
membros integrais dentro de uma comunidade. Ao considerar cidadania como status
também podemos entendê-la como uma posição momentânea de privilégio de
alguns. Algumas décadas depois, Coutinho (1997) reafirma essa interpretação
descrevendo cidadania como a conquista alcançada pelo indivíduo de apropriação
dos bens criados pela sociedade e de se realizar socialmente, de acordo com o
contexto social em que vivem. Ao estender essa conquista para além dos direitos e
obrigações
faz
refletir
sobre
situações
cotidianas
que
ainda
não
foram
regulamentadas, mas já constituem aspirações de um ser cidadão.
Esses anseios surgem quanto melhor for a qualidade da consciência social dos
indivíduos, ou seja, quando as pessoas que vivenciam uma determinada
problemática comum aos mesmos, conseguem desta situação social ter uma
compreensão apropriada e buscam a mudança da sua posição atual afim de
conquistar o que comungam que lhes falta. Nem sempre as circunstâncias
favorecem, e, às vezes, há uma distorção dessa consciência que leva as pessoas a
não enxergarem ou a compreenderem equivocadamente sua própria situação social
(MARTINS, 2003).
No Brasil, a discussão sobre cidadania é mais acirrada visto que há uma brecha
social, no momento instransponível, representada pelas destacadas diferenças de
renda que ocasionam outras distâncias que influenciam prejudicialmente no acesso
das pessoas menos favorecidas a esses bens. Apesar das políticas e da legislação
regulamentada ao longo dos anos no país que visam corrigir essas diferenças, as
desigualdades persistem, parecendo sucumbir ao sistema capitalista que ora impera.
18
Uma reflexão sobre o contexto atual do Brasil no que se refere às desigualdades
sociais e à necessidade de acesso às TIC (principalmente nessa leitura mais ampla
proposta neste trabalho) que determina a possibilidade de maior sucesso na
participação social, seja em qualquer âmbito, conduz ao entendimento de que estes
dois aspectos caminham em direções bastante distintas e que há obstáculos
históricos no caminho que impedem o primeiro de ser solucionado a fim de seguir
em direção ao segundo.
A necessidade de acesso às TIC é uma construção atual da sociedade. Ao criar
novos bens a sociedade impulsiona um processo automático que ao mesmo tempo
inclui e exclui. Segundo Martins (2003) os excluídos não são definidos por eles
próprios, mas por aqueles que se consideram integrados porque sucumbiram ao
sistema. Assim, a preocupação com a situação dos ditos excluídos, geralmente é
dos excludentes que pensam que eles – os excluídos - não saberiam lutar por si
mesmos.
Fato é que a desvantagem à qual são expostos os ditos excluídos, no panorama
atual, os impede inclusive de almejar uma mudança social. Se a habilidade de lidar
com as novas tecnologias, especialmente com as que imperam como canal de
comunicação e para obter informação, constitui um impedimento para que se
concretize a participação social de uma pessoa, então é necessário acontecer um
movimento que busque intervir nesse quadro, mesmo que por um lado se esteja
cooperando para a manutenção de um sistema que já é por natureza excludente.
No caso desta pesquisa, o movimento que se propõe é no sentido de despertar para
a
necessidade
de
propiciar
às
pessoas
o
desenvolvimento
da
literacia
digital/informacional, expressão que melhor traduz a habilidade em lidar com as TIC,
numa perspectiva de busca, seleção, validação da fonte, leitura crítica e
interpretação das informações. A formulação deste conceito baseou-se nos estudos
de Soares (2004), Ribeiro (2008; 2009), Ferreira e Dudziak (2004) e Eshet (2002;
19
2004, apud SILVA, 2012)..
Como visto anteriormente, essas habilidades são indispensáveis ao exercício das
possibilidades que essas tecnologias oferecem. Propiciar esse processo de
desenvolvimento significa inclusive interferir, se necessário, no processo de
aprendizagens até então atribuídas à instituição escolar como a leitura e
interpretação textual, cujos dados levantados nas pesquisas não têm obtido
resultado satisfatório. (UNESCO, 2011)
Caminhar no sentido de buscar a equidade na questão do acesso aos bens
tecnológicos-informacionais, ou como sintetizamos, no sentido da inclusão digital,
extrapola a dimensão do acesso aos equipamentos e aos recursos, ou mesmo das
condições em que ocorre esse acesso; implica contemplar outros requisitos
necessários ao uso eficiente de tudo isso.
Sem desprezar o ponto de vista de Martins (2003) sobre o processo contraditório
que provoca a abstração da inclusão e da exclusão, preferiu-se manter essa
nomenclatura considerando que sua popularidade permite uma melhor referência
para despertar o interesse do público alvo deste trabalho. A ideia é agregar outros
pensamentos que façam refletir essa questão, sob um discurso mais inquieto do que
acomodado, ancorado na contribuição
de
Buzato
(2008) e alicerçado
nas
discussões sobre cidadania proposta pelos autores Marshall (1967), Martins (2003),
Silva et al. (2005) e Barros et al. (2007), sendo os dois primeiros já citados nessa
introdução.
Considera-se que o domínio dessas habilidades é um fator que atribui à pessoa
condições para atuar na transformação do meio em que vive, e mais ainda, para que
se tornem i-protagonistas sociais na Sociedade da Informação. Esta expressão
deriva de outra inédita1 - i-protanismo social – que procura traduzir com maior grau
1
A expressão i-protagonismo foi citada pela primeira vez na pesquisa "I-protagonismo: inovação
20
de aproximação o perfil deste indivíduo que emerge a partir de três fatores
principais: o boom das TIC nas últimas décadas, a transição do modelo de gestão
que se fundamenta na participação social e a condicionante do domínio da
informação pelos cidadãos como instrumento de mensuração do nível de
desenvolvimento de um país.
Souza (2008), Dowbor (2006), Costa (1999) e Ferreti et al (2004) norteiam a
construção do conceito de i-protagonismo a partir da visão que trazem sobre
protagonismo social. A abordagem de Freire (1979) e de Stamato (2008) contribuem
para essa discussão no sentido que apontam características fundamentais a um
indivíduo que se encontra nesse processo. Coutinho (1997) auxilia a situar esse
indivíduo no contexto político contemporâneo.
Diante de toda a complexidade apresentada que envolve a discussão proposta e no
intuito
de
buscar
respostas
para
a
problemática
da
implementação,
acompanhamento e avaliação de programas sociais que de alguma forma se
relacionam com a questão da inclusão digital, definiu-se como objeto dessa
pesquisa as práticas pedagógicas adotadas em ações que visem propiciar a
inclusão de indivíduos na cultura das TIC, dominantes na sociedade em que
vivemos, tendo em vista dar resposta à demanda emergente de cidadãos iprotagonistas na Sociedade da Informação.
A temática está situada na Linha de Pesquisa Processos Educacionais: tecnologias
sociais e desenvolvimento local deste Programa de mestrado, tendo em vista que
tem como objetivo final subsidiar a reflexão e a construção de novas práticas
profissionais referidas a processos educacionais na área da inserção na cultura das
TIC, sendo o domínio desta cultura de grande relevância para o processo de
desenvolvimento local no âmbito nacional ou mundial no atual cenário.
social, juventude e literacia digital/informacional nas redes sociais do Plug Minas”, desenvolvida pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com recursos financiados pela FAPEMIG (SHAAPQ 00149-1), e da qual o interesse pelo estudo da temática desta dissertação derivou.
21
Contemplou-se como objetivo principal verificar quais as potencialidades e limitações
das práticas pedagógicas adotadas num programa social que visa a inserção dos
indivíduos na cultura das TIC contribuindo para o processo de desenvolvimento da
literacia digital/informacional dos participantes a fim de que estes sejam cidadãos iprotagonistas na Sociedade da Informação.
Para se alcançar esse objetivo alguns passos foram necessários como identificar
quais as concepções pedagógicas norteiam a execução do programa e quais as
práticas pedagógicas adotadas pelos educadores no desenvolvimento das
atividades realizadas junto aos participantes, bem como verificar qual a
compreensão dos educadores sobre literacia digital/informacional e como essa
compreensão se relaciona com suas práticas pedagógicas.
Para esta pesquisa descritiva, a metodologia foi construída sob o ponto de vista da
abordagem qualitativa que, pela visão holística que propõe, permite compreender
melhor o objeto de estudo no âmbito dessa abordagem, pois leva em consideração
os muitos fatores envolvidos numa questão, ou seja, que os problemas
sociopolíticos, econômicos, culturais, educacionais devem ser levados em conta
quando se coloca em foco uma determinada situação de cunho social. (OLIVEIRA,
2007)
Quanto ao delineamento da pesquisa, optou-se pelo estudo de campo, tendo em
vista o interesse no aprofundamento da questão proposta, estudando-se “um único
grupo ou comunidade” por meio do contato direto do pesquisador com o grupo ou
comunidade eleito numa “experiência direta com a situação de estudo” (OLIVEIRA,
2007, p.53).
O universo delimitado para a pesquisa foi o Programa Plug Minas – Centro de
Formação e Experimentação Digital2. Trata-se de um programa que visa atender o
2
O Plug Minas - Centro de Formação e Experimentação Digital foi implantado em Belo Horizonte
22
público jovem com faixa etária entre 14 e 24 anos, estudantes ou egressos das
escolas públicas de ensino, residentes em Belo Horizonte e na Região
Metropolitana, em cursos de formação e outras atividades nas áreas do
empreendedorismo, arte, tecnologia, jogos digitais e idiomas, por meio do uso
permanente dos recursos da cultura digital. O protagonismo juvenil faz parte da
proposta inscrita no projeto do Programa como princípio norteador.
A pesquisa bibliográfica subsidiou todo o trabalho através do “contato direto com
obras, artigos ou documentos que tratam do tema em estudo” num encontro
contínuo de pensamentos de diferentes autores que discutem a grande diversidade
de assuntos abordados para abarcar a temática proposta. Ela também foi alicerce
para a construção de novos pensamentos e ideias que juntadas às discussões
iniciais serviram de aporte para a análise dos dados levantados no campo da
pesquisa. (OLIVEIRA, 2007, p.69)
A construção dos instrumentos de coleta de dados foi baseada na busca de
respostas para o problema apresentado, resultando no seguinte: o estudo dos
documentos constitutivos do Programa e dos projetos dos núcleos pesquisados,
bem como as entrevistas com as gestoras, para esclarecer as concepções
norteadoras dos trabalhos desenvolvidos; a observação das práticas pedagógicas
nos núcleos, para verificar quais são essas práticas e como elas são desenvolvidas;
o grupo focal com professores, para verificar quais os conhecimentos os mesmos
têm acerca da temática da literacia digital/informacional. Essa diversidade visou
ampliar o volume de informações coletados e, ainda, confirmar ou não as
informações obtidas mediante a aplicação de cada instrumento.
A análise dos dados coletados em campo foi realizada com base na análise de
conteúdo descrita por Bardin (2006, p.38) como “um conjunto de técnicas de análise
no ano de 2009, foi criado pela Secretaria de Estado de Cultura em parceria com a Secretaria de
Estado de Esportes e Juventude e integra Núcleos de formação e inovação em tecnologia, artes e
esportes.
23
das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens” e que deve ultrapassar a subjetividade e aprimorar a
leitura dos dados coletados.
Essa estratégia possibilitou perceber distinções entre o texto escrito, o pensamento
de indivíduos expresso na fala e a execução prática de tudo isso que está
documentado e expresso na fala. Foi possível confrontar os variados dados
coletados e descobrir questões que estavam encobertas nos conteúdos manifestos
nas falas (entrevistas e grupos focais), textos (análise documental) e nas ações
(observação das práticas pedagógicas), conforme já previsto por Minayo (2001). A
falta de conhecimento e as opiniões divergentes quanto à questão da inclusão digital
e da necessidade de estender os espaços educativos para além da instituição
escolar e a visão limitada sobre protagonismo são algumas dessas descobertas.
Para melhor organização deste trabalho e construção de um percurso contínuo e
coerente para as discussões necessárias ao entendimento da temática, na
introdução buscou-se apresentar um panorama atual da sociedade diante da
evolução revolucionária das TIC que despertou para a necessidade de emergência
de uma sociedade da informação; as consequências desse processo e as condições
necessárias para que esse tipo de sociedade se efetive. Destacou-se a problemática
que é o foco de interesse deste trabalho, as questões que justificam investimento de
estudo no assunto, e os objetivos desta pesquisa foram definidos embasados nessa
discussão.
No segundo capítulo intitulado a Evolução Tecnológica e a Sociedade abordou-se a
velocidade e a constância dos avanços no campo tecnológico, os impactos desse
avanço para a sociedade e especificamente para o Brasil diante da diversidade e
das desigualdades que imperam neste país.
O
terceiro
capítulo,
Inclusão
Digital:
do
simples
acesso
à
literacia
24
digital/informacional, buscou ampliar a discussão sobre inclusão digital para a
capacidade de exploração e domínio das possibilidades que as tecnologias digitais
oferecem que vai além do acesso aos equipamentos e recursos. O conceito de
cidadania analisado sob a perspectiva da sociedade contemporânea e os dados de
pesquisas quantitativas no campo da inclusão digital contribuíram para uma leitura
mais apurada da realidade e construção do diálogo proposto.
O quarto capítulo, I-protagonismo na Sociedade da Informação, trata das
características necessárias às pessoas para que efetivem a sua participação social
na sociedade emergente e consigam projetar transformações sociais que as
beneficiem e/ou beneficiem outras pessoas. Destaca-se o papel da juventude nesse
processo de transformação e definem-se quais os pré-requisitos para a formação de
jovens i-protagonistas capazes de atuar em todos os âmbitos sociais.
O quinto capítulo traça um breve histórico sobre o percurso da educação, aponta a
importância desse campo para a formação de indivíduos que sejam capazes de
atuar no sociedade da informação, despertando para a necessidade de alinhar as
práticas pedagógicas em ambientes de educação formal e não-formal a esse
objetivo a fim de que isso ocorra efetivamente.
O sexto capítulo apresenta e explica a metodologia adotada para essa pesquisa, os
fatores que implicaram na escolha da mesma, define o universo delimitado como
campo a ser pesquisado e os instrumentos utilizados para a coleta de dados.
O sétimo capítulo é o palco da análise dos dados obtidos, interpretados à luz do
referencial teórico, fruto do diálogo com o pensamento de diversos autores, de
dados relevantes para a discussão apreendidos em diversos portadores textuais
(revistas, livros, sites, diários oficiais, entre outros), e das construções realizadas
pela pesquisadora durante o trabalho de pesquisa.
As considerações finais representam as contribuições que o trabalho deixa para o
25
campo, mas também despertam para um repertório de desafios que já podem ser
vislumbrados no tratamento da temática.
26
2 A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A SOCIEDADE
Historicamente a humanidade sempre buscou melhoria para sua qualidade de vida,
criando e adaptando ferramentas, construindo e modificando ambientes. Essa busca
impulsionou inúmeras descobertas que foram alavancando muitas outras como é o
caso do crescente desenvolvimento dos meios de transporte, que inicialmente se
fazia apenas por meio de recurso animal e hoje já se estende a outros meios
terrestres (veículos de passeio, ônibus coletivo, trens e metrôs), aéreos, aquáticos e
até mesmo espaciais.
As contribuições e os benefícios que essas descobertas podem trazer são inúmeros,
principalmente na área da saúde que pode ser medida, por exemplo, pelas reduções
das taxas de mortalidade depois da descoberta da penicilina, vacinas e antibióticos.
Geralmente, a chegada de cada uma das novas invenções do homem também
suscita mudanças no convívio social. Seguindo o exemplo da área da saúde, a
redução da mortalidade implica naturalmente num aumento populacional que
ocasiona novas formas de organização da sociedade e maiores demandas de
serviços públicos.
Certamente, essa busca ininterrupta do homem por novos instrumentos e recursos
tem como pano de fundo o atendimento das necessidades humanas, o
desenvolvimento intelectual, a aplicação de investimentos financeiros nesse campo
e, principalmente a permanente atividade de produção humana.
Neste capítulo tratar-se-á dessa evolução especificamente no campo das TIC
iniciando por um breve histórico do percurso do desenvolvimento do campo da
informática que junto com os avanços das telecomunicações foi que ocasionou essa
evolução. Posteriormente discutem-se os impactos desse desenvolvimento na vida
27
das pessoas num contexto global, e aprofunda-se nessa questão tendo como
cenário o Brasil com todas as particularidades peculiares da diversidade cultural,
amplitude territorial e desigualdades econômicas características do país.
2.1 Processo de Avanço das TIC: acelerado e contínuo – produto do
desenvolvimento da informática associado à evolução das telecomunicações
Os anos 1990 foram o palco de uma nova era comunicacional estabelecida por meio
de transistores com capacidade de transmissão em unidades cada vez menores,
mais leves e de relevante eficiência que adentraram o cotidiano dos indivíduos em
forma de cartões magnéticos, telefones móveis, microcomputadores e uma
infinidade de equipamentos que permitem a transmissão de informação e/ou a
comunicação em tempo real, sem limites de espaço.
Essa nova era não se estabeleceu num abrir e fechar de olhos. O marco inicial do
processo que ocasionou a instauração desse novo tempo social foi no ano de 1936,
quando Alan Mathison Turing (1912 - 1954), estudante do King’s College,
Cambridge, definiu a possibilidade de executar operações computacionais usando
uma máquina que tivesse um processo formal bem definido, isso a partir da teoria
dos números. Esta descoberta influenciou o desenvolvimento da matemática e foi
um marco na História da Computação. (FONSECA FILHO, 2007) Esse foi o pontapé
inicial para a compreensão de que se poderia atribuir a realização de alguma
atividade humana à máquina.
Posteriormente Turing, durante um período em que foi convocado pelo governo
inglês, teve a oportunidade de “transformar sua máquina imaginária no primeiro
computador legítimo”.(FONSECA FILHO, 2007, p. 78) Além destas contribuições ele
ainda deixou outras na área da programação de computadores que passou a ser
28
chamado de Ciência da Computação.
Outro fato relevante ocorreu na década de 1940 quando três cientistas de um
laboratório de Telefonia criaram o que viria a ser considerado um protótipo do
transistor, invenção que evoluiu e anos depois foi determinante para impulsionar o
progresso acelerado dos hardware e software com novos conceitos e estruturas.
Essa invenção também estimulou o “desenvolvimento das Linguagens de
Programação, dos Compiladores, da Teoria da Computação, da Computação
Gráfica, da Inteligência Artificial, da Robótica, e outras áreas”.(FONSECA FILHO,
2007, p.22)
Em 1951, com a ampliação da programação de computadores para três níveis (até
então os computadores só possuíam o nível da linguagem de máquina – ambiente
no qual ocorria a programação – e o nível da lógica – de execução dos programas)
ampliando suas funções para execução de programas em linguagem de máquina,
ocorreu uma evolução das linguagens e arquiteturas das máquinas. (FONSECA
FILHO, 2007)
Os supercomputadores surgiram na década de 1970, mas ainda eram limitados na
tecnologia em velocidade do processador, gasto de tempo e velocidade de entrada e
saída entre os processadores e a memória. (FONSECA FILHO, 2007)
A invenção do transistor concretizou-se o que ocasionou a segunda geração de
computadores. Da mesma forma, os sistemas integrados, constituídos por sistemas
operacionais e linguagens de programação, deram vez à terceira geração. A quarta
geração, a que temos hoje, foi possível graças ao reduzido espaço que os
componentes eletrônicos, mesmo em grande quantidade, passaram a ocupar.
(FONSECA FILHO, 2007)
A indústria dos computadores pessoais emergiu a partir do ano de 1975 por meio de
29
empresas como a Microsoft, a Apple e a IBM fundadas no contexto da terceira
geração com a disseminação dos circuitos integrados. Até então considerado um
bem inacessível, o computador passou por um processo de transformação tornandose um bem de consumo e chegou às mãos de milhares de pessoas. Essas
empresas imperam até os dias atuais nesse mercado posicionando-se nos dez
primeiros lugares do ranking das empresas de maior valor do mundo. (MILLWARD
BROWN, 2013).
Hoje, já na quarta geração, o problema de velocidade, que vem aumentando a cada
dia, dos processadores já está superado (apesar de se acreditar que o seu limite
está próximo). Outras tecnologias já vêm sendo pesquisadas no sentido de manter
crescente o ritmo dessa velocidade.
A quarta geração vem acompanhada dos minicomputadores e do computador
pessoal nos anos 1980. Os sistemas operacionais progrediram junto com as
arquiteturas. (FONSECA FILHO, 2007) Ao mesmo tempo em que a telefonia passou
a integrar os avanços da computação, esta segunda também submeteu o seu
sistema
às
possibilidades
oferecidas
pela
primeira
configurando
a
era
comunicacional que prevalece nos dias atuais.
O surgimento da internet ocorreu na década de1970, mas nada pode ser comparado
ao seu impacto por proporcionar aos equipamentos ampliar suas possibilidades de
funções permitindo às pessoas transitar, por meio dessa tecnologia baseada em
rede, de um lugar para outro, sem fronteiras nem limites. São tantas essas
possibilidades que pode ser que a sociedade ainda não se deu conta de sua
totalidade e nem chegará um dia a explorar todas elas, tendo em vista que esse
processo de evolução é contínuo e ininterrupto.
Nesse âmbito, cabe refletir que muitas pessoas que já haviam nascido na ocasião do
momento de popularização dos primeiros computadores ainda hoje não tiveram
30
acesso à quarta geração desses equipamentos. Outras pessoas, desse mesmo
grupo e até mais jovens, chegaram a ter acesso, mas não conseguem acompanhar
o processo de evolução que os envolve tamanha a sua velocidade.
Há ainda outros fatores relevantes a serem considerados quando se trata da
questão do acesso aos bens produzidos pela evolução tecnológica seja esta em
qualquer área. Esses fatores estão relacionados a desníveis sociais históricos e
compreendem uma diversidade de aspectos culturais e econômicos que beneficiam,
prejudicam ou até impedem esse acesso. Esse assunto será mais explorado no
tópico seguinte.
2.2 Impactos da evolução tecnológica na sociedade
A evolução, seja em qualquer âmbito, é um processo contínuo por ser uma resposta
à permanente insaciabilidade, característica própria da natureza humana. Ao mesmo
tempo em que é uma resposta, toda evolução tende a deslocar o campo ao qual se
refere e, inclusive, influenciar em outros campos. Remetendo novamente ao
exemplo da evolução na área da saúde citada anteriormente, é fato que o
crescimento populacional que os avanços neste campo ocasionaram provocou
inúmeras alterações no quadro social.
Assim, a evolução tecnológica, principalmente a que se refere às TIC, que, como
visto, foi precedida pela evolução no campo da informática, também provocou um
deslocamento no próprio campo, como também em outras áreas. Isso ocorreu
porque qualquer que seja o avanço, este se dá no interior da sociedade, já
concebida neste trabalho como matéria complexa.
É a sociedade que determina o desenho da tecnologia de acordo com suas
necessidades, valores e interesses através dos usos sociais que os indivíduos fazem
31
dela. Assim, inúmeros fatores diretamente ligados a cada sociedade como a sua
trajetória histórica, seu desenvolvimento social e econômico, interferem na maneira
como os indivíduos fazem uso das TIC. (CASTELLS, 2006)
O processo de apropriação das tecnologias pelas diferentes sociedades ocorre em
ritmo e formas próprias, levando a que sejam vistas e analisadas tanto como
“sociedades em rede” quanto como “sociedades em transição”. Dimensões como
tecnologia, economia, bem-estar social e valores são referenciais para essa análise,
que permite perceber “a posição relativa de cada sociedade no panorama global das
sociedades informacionais”. (CARDOSO, 2006, p.33)
Profundas mudanças no contexto da organização social marcam esse processo de
apropriação. Conforme mencionado, estas mudanças alteram as atividades
cotidianas dos indivíduos em diferentes âmbitos, provocando modificações
significativas em sua vida.
Considerando que a adesão a estas mudanças não é voluntária, mas pelo contrário,
ocorre de forma impositiva não permitindo às pessoas a opção de recusa, ela pode
ser ao mesmo tempo discricionária, pois não leva em conta questões como, por
exemplo, as econômicas, as geográficas (que interferem nas questões de acesso
com qualidade) e as educacionais, fato relevante principalmente em sociedades
marcadas pela desigualdade.
No ano de 2000 o Livro Verde3 apontou o risco que as novas tecnologias
representam para o aumento das distâncias sociais não só entre pessoas, mas
também entre países e blocos de países e informou um dado importante a ser
3
Elaborado pelo Grupo de Implantação do Programa, composto por representantes do MCT, da
iniciativa privada e do setor acadêmico, sob a coordenação de Tadao Takahashi, o Livro Verde
contém as metas de implementação do Programa Sociedade da Informação e contempla um conjunto
de ações que tem o objetivo de impulsionar a Sociedade da Informação no Brasil em todos os seus
aspectos: ampliação do acesso, meios de conectividade, formação de recursos humanos, incentivo à
pesquisa e desenvolvimento, comércio eletrônico, desenvolvimento de novas aplicações.
32
refletido: 90% da população do planeta ainda não havia tido acesso nem ao telefone
até o ano de publicação do material. (BRASIL, 2000)
Esse risco fica mais iminente quando as pesquisas apontam que os quatro países
com mais de 90% de índice da população que tem acesso a internet em casa
(Suécia, Islândia, Dinamarca e Países Baixos) fazem parte da região mais
desenvolvida do mapa-múndi, a Europa. (FGV, 2012)
Nas sociedades nas quais as TIC encontraram maiores condições de disseminação
alguns equipamentos se transformaram em pouco tempo numa quase extensão
do corpo humano. São esses equipamentos que garantem às pessoas mobilidade
sem perda de conectividade, como os celulares, tablets, smartphones, numa criação
de “usos flexíveis do espaço urbano” (LEMOS, 2005, p.3). Esse casamento
mobilidade-conectividade propõe uma nova adequação dos espaços na qual o
público e o privado se imbricam. É a comunicação sem fio que redefine a interface
entre conexão e espaço. Afinal, a perda da conectividade traz uma certa sensação
de prejuízo. Trata-se de um dos limiares da indissolúvel relação entre economia e
tecnologia.
Através da conectividade as pessoas acessam outras pessoas, lugares, lazer,
trabalho, e uma infinidade de serviços que parecem conduzir a uma nova lógica
de convívio social, cujo alicerce é a oferta de conforto, economia e segurança, este
último fator muito relevante diante dos índices cada vez mais altos de violência. Os
tempos e espaços foram reconfigurados. De acordo com Lemos (2003)
cada transformação midiática altera nossa percepção espaço temporal,
chegando na contemporaneidade a vivenciarmos uma sensação de tempo
real, imediato, “live”, e de abolição do espaço físico-geográfico. A sociedade
da informação é marcada pela ubiqüidade e pela instantaneidade, saídas da
conectividade generalizada. Entramos assim em uma sociedade WYSIWIG
(o que vejo é o que tenho) onde a nova economia dos cliques passa a ser
vital para os destinos da cibercultura: até onde devemos clicar, participar,
33
opinar, e até quando devo contemplar, ouvir, e simplesmente absorver? O
tempo real pode inibir a reflexão, o discurso bem construído e a
argumentação. Por outro lado o clique generalizado permite a potência da
ação imediata, o conhecimento simultâneo e complexo, a participação ativa
nos diversos fóruns sociais. (LEMOS, 2003, p.13)
Todos os espaços acessáveis por essa conectividade acabam por se tornar
indissociáveis uns dos outros, ocasionando uma ligeira confusão de tempos
e
espaços. O trabalho está em casa, o lazer está no trabalho e assim por diante.
Segundo o mesmo autor, todo esse movimento de possibilidades parece extinguir o
espaço físico e criar “espaços de fluxos, redes planetárias”. (LEMOS, 2003, p.13) A
respeito desse aspecto afirmam
A palavra local ganha especial dimensão por inúmeras razões, das quais
destacamos o fato de que, desde a década de 1990, com a intensificação
do uso da Internet, o trabalho potencialmente passou a ser remoto, de casa
e por rede, sendo elemento definidor de novos mercados. Associado a isso,
passamos a assumir diversas outras funções, que antes demandavam um
posto de trabalho específico. Somos hoje, ao longo do dia, caixas de
bancos, operadores de seguros, vendedores e compradores de produtos,
simultaneamente operadores de bolsas, entre tantos outros. Na web,
trabalhar e estudar são atividades que podem ser realizadas em qualquer
lugar. (PRETTO; PINTO 2006, p.24)
Atualmente é difícil mensurar o montante de atividades que estão sendo
desenvolvidas num espaço que até então era concebido para um objetivo
delimitado, como é o caso dos aeroportos, hotéis, restaurantes, praças, faculdades e
tantos outros. As novas tecnologias potencializaram estes ambientes transformandoos em espaços de fusão. Ao mesmo tempo em que há um aparente isolamento de
cada pessoa nesses espaços, afinal os equipamentos são pessoais, a comunicação
é contínua e as produções ininterruptas.
As formas de produção e comércio sofreram intensas mudanças, afinal, todo esse
processo de desenvolvimento tecnológico influenciou potencialmente as nossas
relações seja uns com os outros ou mesmo com tudo aquilo que nos cerca. Nesse
contexto, pode-se dizer que mais que um impacto na economia, todas essas
transformações contribuíram para o surgimento de uma nova cultura. De acordo
34
com Lemos (2003, p.11) o novo tipo de cultura que emerge desse conjunto de
mudanças caracteriza-se como cibercultura: “cultura contemporânea marcada pelas
tecnologias digitais”.
Assim, define-se cultura digital, para fins desse trabalho, como uma cultura
contemporânea, desencadeada pelas inovações tecnológicas que permitem novas
formas de relação comunicacionais, de produção e consumo de conteúdos, e de
acesso e disseminação de informações, num processo que ocorre diferentemente
nas sociedades tanto quanto são distintas as suas trajetórias históricas, políticas,
sociais e econômicas, e, ainda, a maneira com a qual seus indivíduos se apropriam
dessas tecnologias.
Como já foi mencionado, a participação nesse tipo de cultura não é nem espontânea
e menos ainda universal. Por este motivo se faz necessário considerar algumas
questões imbricadas neste processo como, por exemplo, a “ausência de condições
efetivas para determinados indivíduos viverem em sistemas sociais, nos quais
possam ter qualidade de vida e não na pura ausência de acesso a bens e serviços”
característica marcante em sociedades em que há ampliada desigualdade social.
(BARROS et al., 2007, p. 195)
A seguir será discutido como tem ocorrido o processo de desenvolvimento
tecnológico no Brasil que, dada sua extensão territorial apresenta grande
diversidade cultural que é ainda mais destacada pela ampliada distância social entre
grupos promovida ao longo da história do país. Serão abordadas também as
implicações da crise no sistema educacional do Brasil no processo de evolução
tecnológica do país.
2.3 Modernização tecnológica no Brasil: diversidade e desigualdade
35
Para situar o Brasil nesse processo intenso de evolução tecnológica é preciso
considerar ao menos duas questões bastante relevantes: a diversidade cultural e a
desigualdade social presentes no país. Esses aspectos por si só já interferem de
maneira significativa quando se pensa em qualquer perspectiva de equidade no
processo de avanço seja em qualquer campo, mas principalmente, no tecnológico
que envolve ao mesmo tempo disponibilidade de recursos financeiros e habilidades
cognitivas.
Quando o assunto é o Brasil, trata-se de cerca de 8,5 milhões de quilômetros
quadrados sobre os quais se distribuem 26 estados e o Distrito Federal, onde vivem
mais de 195 milhões de habitantes. Cada um desses estados já apresenta
características culturais e econômicas distintas entre si. Daí, ao serem agrupados
em cinco regiões, as características desses estados se reúnem como parte de um
todo considerada mais homogênea, apesar de não haver nenhuma comprovação de
que esta homogeneidade seja real. Não há regularidade nem na proporção da
divisão territorial de cada região, menos ainda do número de habitantes. A região
sudeste, por exemplo, ocupa apenas 10% da extensão territorial do país, mas
apresenta o maior índice populacional, enquanto a região norte ocupa cerca de 45%
do território e acolhe apenas 7% da população. (BRASIL, 2010).
Um ponto importante a ser discutido é como o Brasil tem lidado com essas
diferenças, principalmente as que se relacionam às questões sociais. A Constituição
Federal (CF) de 1988 foi uma iniciativa valorosa neste sentido já que regulamenta os
direitos e deveres de todos os cidadãos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se “a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL, 1988)
Sabe-se que uma lei por si só não assegura a efetivação dos direitos, mas a
consolidação da CF constitui um marco no país. Ao longo dos anos posteriores à
Lei o processo de lutas travadas para que todas as pessoas e a priori as menos
36
favorecidas possam usufruir dos seus direitos continuaram ocorrendo no país.
Muitas vezes essas lutas são travadas por grupos significados por categoria
profissional, por questões de gênero ou raça, por divisões de faixas etárias, por
comunhão de valores, mas o teor das reivindicações sempre perpassa os direitos já
regulamentados na CF.
Os reais patamares alcançados por essa medida apenas reafirmam a distância entre
as necessidades e os anseios da maioria da população e a realidade da
desigualdade vigente que submete um grande número de pessoas à falibilidade no
exercício de muitos dos seus direitos.
Bem, mas então para que serviu a CF se os direitos que ela regulamenta não foram
concretizados? Não é coerente retirar os méritos da Constituição, ela é uma grande
conquista jurídica na qual toda a legislação brasileira vigente é obrigatoriamente
embasada. Além disso, o problema não está na Lei, mas na forma como ela foi ou
não apropriada no cotidiano da sociedade brasileira. A pobreza, o desemprego, a
fome, a violência e tantos outros enfrentamentos constituem conflitos entre a lei e a
realidade em que vive o cidadão brasileiro.
O aumento demográfico desgovernado nas áreas urbanas certamente é um fator
que implicou em grande parte dos problemas que hoje vivemos. Como já visto, a
região sudeste onde se concentra o maior índice populacional do território brasileiro
também foi o lugar em que foram instalados os maiores pólos industriais. Por um
lado isso representou prosperidade para a região o que a torna hoje a região mais
rica do país, economicamente falando. Enxergando por outro ângulo, também é o
cenário no qual caminham visivelmente lado a lado pessoas ora em situação de
escassez, ora em posição de superabundância de bens.
Em contrapartida, esse desenvolvimento centralizado no sudeste acabou por ampliar
a distância entre os índices da economia da região em relação às outras regiões.
37
Esse crescimento desproporcional impactou também na diversidade cultural
identificada quando se tenta construir um comparativo de região para região. Essa
diversidade cultural pode ser justificada por inúmeros fatores como distribuição
geográfica, influências de vizinhos internacionais de fronteiras, implicações políticas
da colonização, e muitos outros, mas não há como negar que as diferentes posições
econômicas que ocupam interferem diretamente nas condições que são oferecidas
de acesso aos bens às pessoas que integram cada sociedade.
A resposta aos conflitos sociais ocasionados pelo relacionamento truncado entre as
desigualdades econômicas e o percurso contínuo de conquista de direitos, no caso
do Brasil, são as políticas sociais. Segundo Pereira (2009), a política social
distingue-se do Welfare State4 no sentido que este último delimita com clareza o
tempo e a história ao qual se relacionam seus objetivos de bem-estar social, e a
primeira é um processo mais longo e complexo, mediador da relação capital e
trabalho e é adotada tanto nos regimes políticos democráticos como nos ditatoriais.
Gestacionada pelo conflito entre interesses opostos de sujeitos distintos, as políticas
sociais nem sempre vão resultar na melhoria das condições de vida para as pessoas
que lutam por estas para si próprias, apesar de sua função ser realmente a de
ajustar os desníveis resultantes pelo crescimento desequilibrado da acumulação de
riqueza. Alcançar esse resultado implicaria em “existir um contínuo controle de
parcelas organizadas da sociedade sobre atos e ações dos governos, bem como
sobre as demandas ou imposições do capital, que também são acatadas e
processadas pelo Estado”. (PEREIRA, 2008, p. 28)
Agora que se acredita ter construído matéria suficiente, pode-se retomar a discussão
dos impactos da evolução tecnológica no Brasil tendo em vista as particularidades
desse país, discutidas neste trabalho.
4
O Welfare State, também conhecido como Estado de Bem-Estar, foi o resultado de um longo
processo iniciado no final do século XIX para garantir a seguridade social nos países britânicos.
38
Inicia-se refletindo que a evolução tecnológica provocou muitos impactos sociais na
sociedade brasileira, principalmente no campo da informação e comunicação. Ao
mesmo tempo, seria ingênuo não relacionar muitos destes vários impactos a
problemas que já existiam e que, em sua maioria, foram herdados da desigualdade
na distribuição das riquezas proposta pelo sistema capitalista.
O Livro Verde aponta que as tecnologias “vêm transformando as estruturas e as
práticas de produção, comercialização e consumo e de cooperação e competição
entre os agentes, alterando, enfim, a própria cadeia de geração de valor” o que afeta
além dos segmentos e setores, os indivíduos de formas distintas. A influência sobre
cada um tem a ver com as condições que lhe são proporcionadas para o acesso à
informação, as habilidades particulares e o que lhe é disponibilizado. (BRASIL, 2000,
p.5)
Sob esse ponto de vista confirma-se que o potencial das TIC para cada pessoa varia
de acordo com fatores externos como, por exemplo, esforços governamentais para
melhoria dos serviços de telecomunicações, as condições de oferta desses serviços
e as condições oferecidas pelo mercado para aquisição dos equipamentos; e fatores
pessoais como a capacidade individual de uso dos equipamentos e exploração dos
recursos disponíveis. Considerando a discussão tecida neste item, mesmo os fatores
pessoais já foram, de alguma forma, histórico e socialmente afetados pelas
desigualdades contraídas e ampliadas no país ao longo dos anos, como a
desproporcional distribuição de renda que atinge grande parcela da população
impedindo que adquiram serviços e bens de consumo que não estão enquadrados
entre os que respondem às necessidades básicas do ser humano, como
alimentação, vestuário e higiene.
Um dos aspectos que afeta a capacidade das pessoas utilizarem as TIC está ligado
às possibilidades que lhe são oferecidas para que desenvolva o seu potencial
intelectual.
Aí entramos numa questão de grande relevância para subsidiar a
39
discussão dessa temática que é a da educação em nosso país. Apenas em 1996 a
legislação que define as competências e responsabilidades para a garantia da
educação básica para todos foi normalizada pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) 9394/96 sendo que a partir de sua aprovação (no ano
de 1996) abriu-se o prazo de uma década para o cumprimento das prescrições que
ela trazia. É pertinente reconhecer que, apesar de vencido esse prazo, ainda é
percebida a ausência de seguridade do cumprimento dessa lei, tendo em vista
questões referentes à diversidade brasileira algumas já apontadas anteriormente
neste trabalho.
Seria enganoso afirmar também, que apenas o alcance da lei à maioria dos
indivíduos responde aos problemas da educação no Brasil. Os avanços são
inegáveis, sejam estes na educação básica com a obrigatoriedade do atendimento
aos que se encontram na faixa etária de 7 a 14 anos, sejam na ampliação do
número de vagas no ensino superior.
Uma prova5 aplicada por dois institutos de pesquisa brasileiros apurou em 2011 que
ao fim do terceiro ano do Ensino Fundamental apenas 53,3% dos alunos
alcançavam as expectativas de resultados na escrita e 56,1% na leitura. Mais baixo
ainda foi o nível de conhecimento esperado em matemática (42,8%). A pesquisa
integrou as ações do movimento Todos Pela Educação. (TODOS PELA
EDUCAÇÃO, 2013)
Há uma variedade de fatores que interferem potencialmente na qualidade da
educação: a desvalorização do magistério, a formação de professores, a articulação
entre o currículo e a prática educacional, a intervenção do sistema econômico no
sistema educacional visando atender seus próprios interesses, entre muitas outras.
5
Trata-se da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) que foi uma
iniciativa do movimento Todos Pela Educação em parceria com o Instituto Paulo Montenegro/Ibope, a
Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep).
40
Outro ponto importante a destacar é a taxa de analfabetismo no país. Dados
apontam que em 2011 o percentual da população analfabeta com 15 ou mais anos
de idade no Brasil ainda atingia o índice de 8,6%. Esse montante corresponde a
quase 13 milhões de brasileiros, sendo que a maioria (16,8%) tem domicílio na
região nordeste. (IBGE, 2012)
Qualquer ação no sentido de reverter esta taxa de analfabetismo requer levar em
conta o processo histórico da educação na sociedade brasileira, já que muitas
pessoas há poucas décadas atrás não tinham a oportunidade nem ao menos de
acesso à escola. Outro fator que influencia nesses números certamente é o
econômico, no que diz respeito à necessidade que muitos ainda têm de abandonar o
sonho de estudar para ir buscar renda para o sustento da família. Na tentativa de
reduzir esse índice criou-se, por exemplo, o Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI) que tem como objetivo a retirada de crianças com idade inferior a 16
anos da prática do trabalho, usando como recursos a transferência de renda para a
família da criança e a sua inserção em serviços socioassistenciais. (BRASIL/MDS,
2010)
Todas essas questões apontadas neste capítulo devem ser refletidas quando se
discute a apropriação da cultura das TIC em uma sociedade como o Brasil. Diante
das diferenças latentes e das disparidades sociais existentes e perpetuadas
historicamente, não é possível discutir tal temática sem conceber políticas públicas
que considerem essas questões e busquem corrigir os visíveis desníveis. Assim, o
debate em torno da cultura digital no Brasil não pode estar desvinculado de um
discurso sobre inclusão o qual é traçado a seguir.
41
3 INCLUSÃO DIGITAL: O SIMPLES ACESSO E A PERSPECTIVA DA LITERACIA
DIGITAL/INFORMACIONAL
Nesse capítulo, a inclusão digital é vista a partir da perspectiva do direito à
cidadania. Não uma cidadania estática, mas que se transforma junto com as
mudanças societárias que demandam novas necessidades, novos valores e novos
anseios aos que nela vivem.
Na complexidade da vida social, a cidadania se define como um problema teórico,
histórico e político que exige redefinição contínua, à medida em vai se construindo a
história e alterando a política e a cultura da sociedade. O tópico seguinte inicia essa
discussão.
3.1 Inclusão digital é uma questão de cidadania
A questão da inclusão historicamente está ligada à questão social. Em caráter
mundial, as políticas de inclusão, num âmbito geral, surgem como ação-resposta à
falência do modelo estatal de administração pública, ditatorial e intervencionista, e
às consequências oriundas do mesmo. Com a queda no crescimento da economia, o
acirramento da crise fiscal e o descontrole inflacionário característico dos anos 1970,
o antigo consenso social a respeito do papel do Estado perdia forças rapidamente,
sem nenhuma perspectiva de retomar o vigor, principalmente diante da crise fiscal e
a ingovernabilidade, sendo este último fator relacionado à falta de capacidade de
gerenciamento das questões sociais.
De acordo com Coutinho (2005), foram inúmeros os fenômenos que influenciaram
para promover a transição da natureza do Estado que o autor nomeia capitalista.
Alguns destes fenômenos foram as pressões das lutas dos trabalhadores e o
crescimento da participação política de um maior número de pessoas. O autor
42
explica esse processo
desaparece progressivamente aquele Estado “restrito”, que exercia seu
poder sobre uma sociedade atomizada e despolitizada. Em face do Estado
– e formando um novo espaço de construção da esfera pública -, surge
agora uma sociedade que se associa, que faz política, que multiplica os
pólos de representação e organização dos interesses, frequentemente
contrários àqueles representados no e pelo Estado. Configura-se assim uma
ampliação efetiva da cidadania política, conquistada de baixo para cima. Foi
precisamente este novo espaço público que Gramsci chamou de “sociedade
civil”. (COUTINHO, 2005, p. 20)
A regulamentação da CF em 1988 também foi um fator que teve grande impacto
para despertar para a necessidade de transição do modelo de administração pública
burocrática para a construção de um Estado democrático tendo em vista que as
questões que a Lei discutia endossavam a ineficiência governamental no exercício
de suas funções de proteção dos direitos do cidadão.
Neste contexto ganham força as instituições do Terceiro Setor que assumem um
papel de mediadoras entre governo e sociedade civil atuando diretamente sobre as
problemáticas sociais. Estas organizações não-governamentais da sociedade civil
passam a ser uma via potencial para ações compensatórias destinadas a uma
grande parcela da sociedade que foi afetada profundamente durante a vigência do
antigo modelo estatal de administração pública burocrática.
Assim, as questões referentes à inclusão surgem neste cenário e são permeadas
indiscutivelmente por fatores econômicos, culturais e tecnológicos que influenciam
as diferentes atividades humanas no campo do trabalho, das relações sociais e das
práticas políticas. As ações compensatórias, ou seja, as políticas públicas e/ou
sociais sempre terão como parâmetro o contexto social mais amplo que está situado
também num determinado tempo histórico.
A discussão sobre inclusão invariavelmente remete à questão da cidadania. Marshall
(1967, p.77) define cidadania como “um status concedido àqueles que são membros
43
integrais de uma comunidade”, nesse sentido, a essa condição dada aos indivíduos
agregam-se direitos e obrigações em proporção de igualdade uns perante os outros.
Partindo desse princípio, inclusão e cidadania se fundem numa só perspectiva.
Apesar de ter maior expressão no mundo moderno, Coutinho (2005) concebe que o
nascimento da noção de cidadania, que estava ligada aos direitos políticos, é
anterior à era cristã (por volta dos séculos V a VI), na Grécia clássica com as
primeiras formas de democracia, não ainda em uma dimensão universal. Essa
prática deu origem à primeira definição de cidadão por Aristóteles.
Como em sua primeira versão, a noção de cidadania no mundo moderno também se
vincula à ideia de direitos, mas na categoria dos civis. Os direitos se dão num
contexto de vida social, “são fenômenos sociais, são resultado da história” e por este
motivo a concepção classista que defendia a existência de direitos naturais foi
considerada errônea. (COUTINHO, 2005, p.4)
Nessa perspectiva, pode-se dizer que o direito antecede a sua própria legalidade de
acordo com as situações que se apresentam no cotidiano societário de um grupo e
que é definido em cada época. Coutinho (2005, p.5) compreende que “os direitos
têm sempre a sua primeira expressão na forma de expectativas de direito, ou seja,
de demandas que são formuladas, em dado momento histórico determinado, por
classes ou grupos sociais”.
Para Marshall (1967, p. 70), o status de liberdade está intrinsecamente ligado ao
status de cidadania. Então, a transição da instituição da cidadania de caráter local
para nacional ocorreu na e a partir da universalidade da liberdade. Esse foi o ponto
inicial, mas a cidadania foi agregando ao longo dos séculos novos elementos, “os
direitos civis no XVIII, os políticos no XIX e os sociais no XX”, sendo que estes
últimos desempenhariam o papel principal (apesar de por algum tempo terem sido
divorciados do status de cidadania, retornando a união com o desenvolvimento da
44
educação primária no setor público).
Para explicar a coexistência de dois princípios tão contrários como o sistema
capitalista do qual deriva a desigualdade nos seus moldes mais extremos e o status
de cidadania que evoca a igualdade de direitos e deveres é necessário buscar
subsídios no sistema hierárquico de classes sociais que serviram como parâmetro
para extração dos mesmos direitos que sustentaram o status de cidadania.
(MARSHALL, 1967)
Coutinho (2005, p.12) defende que “os direitos sociais são os que permitem ao
cidadão uma participação mínima na riqueza material e espiritual criada pela
coletividade”. Analisando por esse lado, essa categoria de direitos seria a que mais
se oporia ao capitalismo, tendo em vista que a questão econômica estaria envolvida.
Porém, é pertinente lembrar que, como já foi destacado, os direitos sociais estiveram
durante algum tempo separados da cidadania; os direitos sob os quais esta passa a
ser alicerçada, ou seja, os que os homens “eram capazes de gozar”, estes “não
estavam em conflito com as desigualdades da sociedade capitalista; eram, ao
contrário, necessários para a manutenção daquela determinada forma de
desigualdade”. Estes direitos, os civis, priorizavam garantir o poder de participação
pessoal e independente na concorrência econômica, mas, em contrapartida,
retiravam-lhes a proteção social sob o pretexto de que a pessoa estaria apta a cuidar
de si mesma sozinha. (MARSHALL, 1967, p.79)
Além de Coutinho (2005) outros autores concordam que “o conceito de cidadania é
mutável”,
condicionando-se a um contexto social marcado por fatores distintos.
(SILVA et al., 2005, p.30) Seguindo nessa direção, pode-se concluir que o conceito
de inclusão também se transforma de acordo com esses fatores. Nesse sentido,
Buzato (2008) compreende que a inclusão é uma questão que tem a ver com um
tempo histórico, o qual nomeia como o quotidiano.
45
A partir da ideia de que não existe uma sociedade acabada, o que ocorre é um
“processo
contínuo
de
estruturação
e
desestruturação”
que
se
modifica
ininterruptamente. Essa recriação constante é o que provoca rupturas, e dentro
daquele contexto sócio-temporal delimita a exclusão, ou os excluídos, e desenvolve,
ao mesmo tempo, um processo paralelo de correção. (MARTINS, 2007, p.46)
Vale a pena retomar esse pensamento de Martins (2003) que converge com o de
Buzato (2008) para melhor refletir sobre a questão da inclusão.
Há processos sociais excludentes, mas não há exclusões consumadas,
definitivas, irremediáveis. Uma sociedade cujo núcleo é a acumulação de
capital e cuja contrapartida é a privação social e cultural tende a empurrar
“para fora”, a excluir, mas ao mesmo tempo o faz para incluir ainda que de
forma degradada, ainda que em condições sociais adversas. O “excluído” é,
na melhor das hipóteses, a vivência pessoal de um momento transitório,
fugaz ou demorado, de exclusão-integração, de sair e reentrar no processo
de reprodução social. E “sair” de um jeito e “reentrar” de outro, pois a
sociedade contemporânea é uma sociedade que pede contínua
ressocialização de seus membros, contínua reelaboração de identidades.
(MARTINS, 2003, p.46)
Os avanços tecnológicos promovem um deslocamento nas relações que ocorrem no
núcleo da sociedade. As mudanças geradas por esse deslocamento podem ser
relacionadas ao processo de estruturação e desestruturação que Martins (2007) cita.
Em meio a esse processo e a partir dos campos nos quais ele infere é que vão se
definindo e redefinindo os que estão ou não excluídos, num movimento contínuo
conforme expressado pelo autor.
Alguns fatores, no caso dos avanços tecnológicos, especificamente das TIC,
potencializam a possibilidade inicial de estar incluído, como o poder aquisitivo que
algumas pessoas têm para adquirir os equipamentos e contratar os serviços,
independente das condições do mercado. Essa vantagem inicial pode ser
equilibrada com a criação de espaços coletivos que ofereçam oportunidades de
acesso, ou mesmo com intervenção no mercado para melhoria nas condições de
oferta e nos custos tanto dos produtos quanto dos serviços. Essas ações têm caráter
46
corretivo dos desequilíbrios gerados pelos deslocamentos sociais com a chegada da
nova tecnologia.
Por outro lado, há que se considerar o que se refere às habilidades em lidar com
essas tecnologias. Então, o processo de exclusão/inclusão continua seu percurso e
vai definindo e redefinindo os grupos, agora de acordo com novos critérios, neste
caso, por exemplo, primeiro de acordo com as habilidades técnicas da pessoa para
o uso dos equipamentos e recursos, depois de acordo com a desenvoltura para
dominar e explorar as possibilidades que estes bens oferecem.
Indo um pouco mais além, mas ainda refletindo na práxis o pensamento de Martins
(2007) e Buzato (2008), durante todo esse processo de entrada das TIC no seio da
sociedade, estas mesmas TIC também foram evoluindo, surgindo em diferentes
formatos e com novos atributos que provocaram, em alguns momentos, a exclusão,
mesmo que temporária, até dos que julgavam estar incluídos.
Avançando um pouco na discussão sobre inclusão, estar ou não incluído ultrapassa
as fronteiras de limite de categorias, significa uma posição no mundo. Essa posição
não é uma escolha autônoma do indivíduo, não se baseia em suas vontades e
capacidades. Por outro lado, não se trata de dizer de uma passividade alienada ou
alienante porque sempre há uma agentividade do sujeito. (BUZATO, 2008)
Não é uma decisão espontânea da pessoa ingressar um ou outro grupo (excluídos
ou incluídos), mas ela tem papel fundamental nesse processo quando valida os bens
socialmente criados ou no momento que se submete ou contribui para a submissão
de outros à imposição de possuir esses bens como condição para o convívio e/ou a
participação social.
No próximo item aborda-se a temática da inclusão digital no Brasil e ao longo do
texto será possível reconhecer a importância que essas construções iniciais acerca
47
do assunto terão para a compreensão da discussão proposta.
3.2 Os números da Inclusão digital (limitada à visão do acesso aos
equipamentos e à internet) no Brasil
Um primeiro passo aqui será dado no sentido de apresentar o cenário atual da
inclusão digital no Brasil, no âmbito em que esta ainda é pensada no país, ou seja,
somente em relação ao acesso aos equipamentos e à internet. Para isso serão
capturados resultados de algumas pesquisas no campo, bem como de pesquisas em
outros campos julgados relevantes para a discussão com maior propriedade, tendo
em vista a complexidade ao qual está sujeito qualquer tipo de deslocamento social
oriundo dos avanços tecnológicos.
Segundo dados levantados na pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em
2012, em nove anos o número de incluídos digitalmente no país cresceu em 25%,
levando-o à posição de 63º lugar entre os 154 países mapeados pela fundação. Tal
avanço foi fundamental para a alteração do nome do estudo (o primeiro trabalho de
pesquisa do campo realizado pela FGV em 2003 recebeu o título de Mapa da
Exclusão Digital e o trabalho mais atual foi nomeado Mapa da Inclusão Digital) feito
pela FGV que já está em sua segunda edição.
Apesar do crescimento de incluídos digitais que esse índice representa o Mapa da
Inclusão Digital apurou cidades em que o acesso foi nulo, enquanto em
determinadas localidades o percentual de acessos chegou aos 94%. (FGV, 2012)
Esses dados confirmam as persistentes desigualdades que imperam em nosso país
e a necessidade de implementação de políticas públicas efetivas que objetivem
buscar um equilíbrio ou que, pelo menos, contribuam para mudar, seja em qual
medida for, esse quadro.
48
As diferenças de gênero também influenciam na oportunidade de acesso. O índice
de acesso da internet em computador caseiro por pessoas do sexo masculino é mais
alto em pouco mais de 2% percentuais sobre as do sexo feminino. Os homens
também estão em vantagem no acesso ao computador em geral (21,79%) sobre as
mulheres (19,24%). (FGV, 2012)
Os percentuais apurados tanto de acesso ao computador quanto de acesso ao
computador com internet, os dois em domicílio, diferem de acordo com a freqüência
à escola, estar ou não inserido de alguma forma no mercado de trabalho e faixa
etária. Dos jovens com idade entre 15 e 29 anos, por exemplo, um percentual de
32,47% têm acesso a computador e internet contra 24,57% de acesso da população
idosa. (FGV, 2012)
Tais resultados referentes à faixa etária podem estar justificados pelo fato de que os
investimentos em programas sociais de inclusão digital são potencialmente
direcionados ao público jovem tendo em vista que geralmente os recursos investidos
fazem parte do escopo de programas voltados à capacitação para o mercado de
trabalho.
Mas de todas as distâncias entre os índices, a que mais se destaca é a do campo da
educação. A probabilidade de acesso à internet de pessoas com ensino superior,
mesmo que incompleto, é mais de 100 vezes maior que a de um analfabeto, e seis
vezes maior que a de uma pessoa com ensino médio incompleto. Nem as variáveis
das faixas de renda são tão distintas. (FGV, 2012)
Despertam a atenção três outros percentuais no que se refere aos motivos pelos
quais a pessoa não acessou a internet nos três últimos meses: 33,14% porque não
achou necessário ou não quis, 31,45% por não saber utilizar a internet e 28,79%
pela ausência de acesso a computador. (FGV, 2012) O primeiro porque indica que
essas pessoas não reconhecem o potencial das TIC para seu desenvolvimento
49
pessoal e social; o segundo e o terceiro porque delatam o alto índice de exclusão
digital por falta de condições de acesso ou de habilidades.
Pesquisando o site do governo federal foram encontrados inúmeros programas
dentro das ações da proposta de inclusão digital que visam “democratizar o acesso
às novas tecnologias, levando computadores, conexão de internet e cursos de
formação às populações mais necessitadas”. (BRASIL, 2013) Cita-se no quadro a
seguir a variedade destes programas e o nível de execução governamental ao qual
pertencem.
Quadro 1 – Programas de Inclusão Digital no Brasil
GOVERNO FEDERAL
GOVERNO ESTADUAL
GOVERNO MUNICIPAL
SOCIEDADE CIVIL
 Casa Brasil
 Centro de Difusão de
Tecnologia e
Conhecimento
 Centros de Inclusão
Digital
 Centros Vocacionais
Tecnológicos
 Cidades Digitais
 Computador para
Todos
 Computadores para
Inclusão
 Gesac
 Inclusão Digital para
Juventude Rural
 Observatório Nacional
de Inclusão Digital
 Maré – Telecentros da
Pesca
 Oficina para Inclusão
Digital
 Pontos de Cultura –
Cultura Digital
 Programa Banda Larga
nas Escolas
 Programa Computador
Portátil para
Professores
 Programa Estação
Digital
 Programa Nacional de
Apoio à Inclusão Digital
nas Comunidades –
Telecentros BR
 Programa Nacional de
Informática na
Educação
 Programa Serpro de
Inclusão Digitla
 Projeto Computadores
para Inclusão
 Projeto Um Computador
por Aluno
 Quiosque do Cidadão
 Telecentros Banco do
Brasil
 Telecentros de
Informação e Negócios
 Territórios Digitais
Fonte: www.brasil.gov.br
A maioria destes programas, apesar de ser executado em um nível governamental,
geralmente ocorrem em parceria com outra instância de governo ou mesmo com
instituições da sociedade civil. Ao tipo de relação que ocorre entre governo,
associações e instituições privadas é o que Scheneider (2005, p. 49) denomina rede
de políticas públicas, não é uma política pública formulada e implementada apenas
50
pelo Estado, “mas que também atores privados ou sociais participam nesse
processo de produção e oferta de bens públicos”. A rede de políticas públicas deriva
da teoria da governança, na sua versão mais atual, na qual “a produção do esforço
de condução não precisa estar concentrada em nenhum sujeito de condução, por
exemplo, sobre o Estado ou uma direção de uma organização” sendo aceitas outras
formas de gestão – descentralizadas ou policentradas.
Para Scheineder (2005) três fatores foram decisivos para o surgimento desse tipo de
rede: as mudanças sociais contemporâneas, uma tendência específica da própria
dinâmica do desenvolvimento teórico das ciências sociais e a chegada das novas
tecnologias do conhecimento. O autor explica que
Para a realização de suas responsabilidades cada vez mais diferenciadas, o
Estado é obrigado a adquirir os recursos políticos necessários por meio de
um processo de intercâmbio com atores sociais, a deslocar as tarefas para
unidades sociais de processamento (auto-regulação setorial parcial ou
completa) ou produzir conjuntamente políticas em cooperação com atores
sociais por meio de uma divisão do trabalho.
Com isso ocorre com freqüência arranjos em que as fronteiras entre privado
e público crescentemente se confundem e as estruturas hierárquicas de
autoridade não mais se propagam. Tais redes podem se formar ad hoc e se
referir apenas a um tema conjuntural. Sobretudo na Alemanha predominam,
entretanto, em muitos setores estruturas permanentes de relação, nos quais
atores relevantes de redes dispõem de relações de comunicação e
cooperação no processo político. Isso produz confiança e facilita assim
negociações e construção de acordos. Nessas relações horizontais de
produção de políticas públicas participam todos aqueles atores que
influenciam de maneira direta ou indireta o desenvolvimento de uma política.
(SCHENEIDER, 2005, p.40)
Nota-se que os investimentos em inclusão digital são inúmeros e diversificados.
Certamente todas essas ações contribuíram para o alcance de uma colocação
melhor para o Brasil no ranking da inclusão digital, mas certo é que mais de 64% da
população brasileira ainda está excluída da era da informação por não terem
acesso, por algum motivo, aos elementos básicos que a propiciam. Considerando
algumas regiões do país, esse índice chega a mais de 90%.
51
Além disso, o levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2012)
apresenta uma situação bastante conflituosa com a oferta de programas de ID. A
parcela da população que utiliza o acesso público gratuito é bastante inferior à que
busca o acesso público pago e a alegação dos usuários é que a disponibilidade
desse serviço não é suficiente para atender a demanda.
Uma das atividades prevista na pesquisa i-Protagonismo - Inovação social,
Juventude e literaciadigital/informacional nas redes sociais do PLUG Minas que deu
origem a este trabalho foi a visita técnica ao estado de São Paulo a fim de
compreender como é desenvolvido um desses programas de inclusão digital, o
Acessa SP, sob responsabilidade do governo estadual. Na ocasião foram
entrevistados dois coordenadores do projeto (que atuam em diferentes dimensões,
um na execução prática e outro na nutrição do site e formação dos monitores dos
postos) e visitados cinco postos de atendimento.
Segundo informações obtidas durante a visita, atualmente estão em funcionamento
mais de 670 postos do programa em zonas urbanas e rurais (546 municípios
atendidos). Os postos são implantados em parceria com prefeituras do estado e
instalados em bibliotecas municipais, ou tem sua implantação como resultado de
parceria com secretarias e órgãos do Governo do Estado localizando-se nas
estações de trens e metrôs, nos restaurantes Bom Prato, nos terminais de ônibus,
nos postos do Poupatempo, entre outros.
Basicamente, o “Acessa SP” oferece para a população o acesso às Tecnologias da
Informação e Comunicação, especialmente à internet, em espaços públicos com
computadores para acesso gratuito e livre. Além do espaço físico, o programa prevê
a oferta de atividades integradas que buscam fomentar projetos comunitários,
capacitação e informação da população atendida com Cadernos Eletrônicos e Mini
cursos, divulgação e facilitação do uso de serviços de governo eletrônico, programa
de formação continuada e produção de pesquisas e informações de inclusão digital.
52
A garantia do acesso democrático e gratuito às TIC, definida como missão do projeto
na verdade já está prevista como a meta do programa Sociedade da Informação que
suscita ações no sentido de ampliação do acesso e meios de conectividade.
(BRASIL, 2000).
Nesse âmbito, compreende-se o programa como uma política social, ou seja, como
uma política que se propõe contemplar a existência de um direito consequência de
uma necessidade ligada ao cotidiano da sociedade. Segundo Telles (1999)
os direitos operam como princípios reguladores de práticas sociais,
definindo as regras das reciprocidades esperadas na vida em sociedade
através da atribuição mutuamente acordada (e negociada) das obrigações e
responsabilidades, garantias e prerrogativas de cada um. (TELLES, 1999,
p.138)
Ainda nessa linha, Menicucci (2006) defende que mudanças sociais podem
ocasionar a ampliação e redefinição de direitos. Sejam estas mudanças na área
econômica, marcada pela modificação na “capacidade de gastos” do país, ou a partir
de construções sociais de novos paradigmas ou concepções voltadas para a
melhoria na qualidade de vida da sociedade. Dessa forma, pode-se compreender
que é concebida uma flexibilidade no texto dos direitos já construídos. Tal
flexibilidade permite a adequação a uma realidade mais próxima, que sofre
diferentes influências como, por exemplo, as culturais oriundas da globalização.
Partindo da idéia de que a inclusão digital é resultado do conflito no qual se
posiciona de um lado a criação das TIC pela sociedade e de outro as persistentes
desigualdades econômicas e sociais que percorrem a história dessa mesma
sociedade, relaciona-se neste trabalho a questão da inclusão digital ao exercício da
cidadania no mesmo sentido conforme lê-se a seguir
“...inclusão, então, seria a possibilidade de subversão das relações de
poder e das formas de opressão que se nutrem e se perpetuam por meio da
homogeneização, da padronização, da imposição de necessidades de
alguns a todos e do fechamento dos significados das novas tecnologias da
53
comunicação e da informação (doravante, TIC) em função de tais
necessidades.” (BUZATO, 2008, p.326)
Nesta perspectiva, acredita-se que a inclusão não seria apenas uma forma de
condicionamento proposta pelos “produtores” aos indivíduos usuários; mas um
campo fértil para o desencadeamento de alternativas de “agentividade” destes
indivíduos, rompendo, em alguns momentos, a barreira que lhes impõe o papel de
meros “consumidores”. (Buzato, 2008, p.327)
Os estudos, nesse sentido, convergem para a discussão de alguns autores quanto à
questão de um tipo de habilidade imprescindível para que esse rompimento
ocorra efetivamente. Trata-se da literacia ou letramento digital/informacional definido
por Ribeiro (2009) como a apropriação gradativa das pessoas dos novos meios de
comunicação e das novas tecnologias de leitura e escrita que será discutida no
próximo item.
3.3 Ampliando o escopo da inclusão: literacia digital/informacional, uma
habilidade necessária
O termo letramento, difundido no Brasil principalmente por Soares (2003) destacado
no título de uma das obras da autora “Letramento em três gêneros”, é naturalmente
relacionado ao processo de aprendizagem da leitura e da escrita, visto que sua
importação do vocabulário da língua inglesa literacy se deu nesse contexto. Por este
motivo, prefere-se adotar o termo literacia buscando distanciar quanto à temática
que se pretende abordar nesse trabalho que se relaciona com o domínio das
habilidades no campo digital e informacional.
A discussão sobre literacia no campo das TIC faz-se necessária neste trabalho
porque está relacionada à inclusão digital num país em que, conforme já abordamos
anteriormente, a escola ainda não tem obtido êxito suficiente na formação de
discentes capazes de ler e interpretar textos com a qualidade necessária para o
54
domínio desses recursos, visto que seria o ambiente natural para o desenvolvimento
dessas habilidades.
Assim, a partir da compreensão que literacia digital é uma habilidade exigida dos
cidadãos nos tempos modernos, demandada pelo acelerado e absorvente
processo de desenvolvimento das TIC buscou-se construir um conceito que melhor
defina esta expressão.
Este tema é mais comum na área da biblioteconomia, onde recebeu inúmeras
expressões na tentativa de melhor defini-lo como, por exemplo, digital literacy,
information literacy, literacia mediática, multimedia literacy em Portugal e letramento
digital no Brasil. Na área da educação especificamente, Ferreiro (2002) utilizou a
expressão computer literacy. Apesar das diferentes nomenclaturas, quando são
conceituadas, todas parecem se referir ao mesmo processo. (RIBEIRO, 2008)
Ribeiro (2008) concorda com Soares (2004) em relação à impossibilidade de se
adotar um conceito único para letramento e consequentemente para letramento
digital, visto que tal definição está intrinsecamente ligada a diferentes pessoas,
lugares, tempos, contexto cultural ou político. Apesar disso, Ribeiro (2009) adota a
seguinte definição para letramento digital em sua tentativa:
...é a porção do letramento que se constitui das habilidades necessárias e
desejáveis desenvolvidas em indivíduos ou grupos em direção à ação e à
comunicação eficientes em ambientes digitais, sejam eles suportados pelo
computador ou por outras tecnologias de mesma natureza. (RIBEIRO, 2009,
p.30)
Para Silva (2012), o letramento digital ultrapassa a aprendizagem da digitação em
um computador, alegando que a simples popularização ou mesmo democratização
da informática não são suficientes porque o modelo digital de processamento,
transferência ou armazenamento de informações tem uma dinâmica de tempo,
espaço e custo que exige que se aliem outras competências.
55
Considerando a perspectiva de Ferreira e Dudziak (2004), que afirmam que a
cidadania na Sociedade da Informação está baseada num nível superior de
apropriação que não se limita somente às ferramentas e instrumentos de acesso à
cultura digital, mas que tem relação com a capacidade de acesso intelectual de
forma efetiva tanto à informação quanto ao conhecimento, alcançando um nível de
aprendizagem que possibilita condições de troca e de adoção de novas posturas
como cidadão, é possível estabelecer a ideia de que a questão da literacia
digital, no contexto atual, está relacionada diretamente à questão da cidadania.
Seguindo nessa direção, o discurso de Mirja Ryynänen no Workshop Internacional
sobre Democratização da Informação, em 2004, apontou a literacia da informação
como um direito humano básico, diante da era em que vivemos atualmente, e ainda
como uma estratégia de empoderamento das pessoas rumo à construção de uma
sociedade da informação.
Posteriormente, este discurso foi
reconhecido
pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO). (SILVA, 2012, p.21)
Encontra-se no campo de estudo algumas iniciativas para distinguir as duas
expressões como ocorre com ESHET, Y. (2002; 2004 apud SILVA, 2012) que
apresenta a distinção entre a literacia
da
informação
e
a
literacia
digital
especificamente quanto ao ambiente em que ocorrem, ou seja, a segunda no
ambiente digital.
Seguindo a linha de pensamento até este ponto, e considerando a necessidade de
adotar apenas uma expressão evitando um ou outro desvio casual da temática,
preferiu-se utilizar literacia digital/informacional para este trabalho, acreditando que a
mesma é a que melhor expressa o que se deseja tratar, ou seja, o domínio que a
pessoa adquire para lidar com a informação nos diferentes formatos em que esta se
apresenta, sendo capaz de localizar, selecionar, organizar, compartilhar e se
apropriar adequadamente da
aprendizagem
adquirida,
fazendo
uso
dos
56
diferentes ambientes digitais que imperam como instrumentos de privilégio na
sociedade contemporânea.
Possuir tal domínio pode significar realmente um caminho para que o indivíduo
supere a condição de consumidor para uma posição de agentividade sugerida
por Buzato (2008), tornando-se um cidadão i-protagonista, termo tratado a seguir.
57
4 I-PROTAGONISMO: UMA EXPRESSÃO QUE EMERGE NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO
É importante esclarecer que a construção de um novo vocábulo está intrinsecamente
ligada a um tempo e demanda da ausência de um outro que defina o que se deseja
nomear.
Neste
sentido,
adotou-se
a
expressão
i-protagonismo
como
a
representação do protagonismo exercido em, por meio de ou a partir dos ambientes
digitais. Não se trata nesse caso de uma invenção, apenas de uma adequação do já
existente protagonismo.
A própria expressão protagonismo também tem a sua origem marcada
temporalmente por fatores sociopolíticos temporais. É o nível de relevância desses
fatores para a sociedade que faz um termo permanecer ou ser abolido do
vocabulário sociopolítico e acadêmico.
A seguir apresenta-se uma ideia de como o uso do termo protagonismo se
estabeleceu especialmente no campo das discussões das políticas públicas e
porque este trabalho defende a necessidade de criação de um novo termo para
nomear um conceito mais atual que será apresentado para este termo.
4.1 O surgimento do termo protagonismo: contexto histórico, político e social
Originário da Grécia antiga, constituído dos vocábulos gregos prôtos e agõnistés, o
termo prõtagõnistés originalmente remetia ao “principal competidor de jogos
públicos, mas também de uma assembléia, reunião, luta judiciária ou processo”. Na
língua portuguesa, a forma protagonista aparece a primeira vez em 1615, parecendo
ter sido derivada desse sentido. (SOUZA, 2008, p.9)
58
No contexto deste trabalho, interessa discutir o surgimento do uso do termo
protagonismo a partir da sua relação com as políticas públicas, quando permanece
da essência a ideia de um espaço público que adota o caráter de cenário, mas
substitui competidor por atores sociais, deixando de lado o aspecto da luta. Assim,
define o ator principal num determinado cenário público/político.
Anteriormente ao uso do termo protagonismo no escopo dos textos das políticas
públicas no Brasil, já ascendia outra palavra de estreita relação com o mesmo e que
ainda hoje é assunto relevante no campo: participação. Em alguns contextos o uso
desta palavra – participação – “aparece associada a outros termos, como
democracia, representação, organização, conscientização, cidadania, solidariedade,
exclusão etc”. (GOHN, 2007, p.14).
A título de estudo científico a discussão sobre participação data do século XVIII por
meio de J.J. Rosseau, John Stuart Mill, G D. H. Cole e A. de Toqueville, seguindo
com outros socialistas, dos quais se destacam Owen, Fourrier, Proudhon e Kroptkin,
no século XIX, e crescendo substancialmente no século XX a partir do paradigma da
tradição analítica gerado por Marx e Engels. Na abordagem marxista o conceito é
articulado com as lutas e os movimentos sociais. (GOHN, 2007)
Mas foi em 1960 que “a participação dos indivíduos na sociedade civil ou política
tornou-se parte do vocabulário e da agenda das nações ocidentais”, ou seja,
adentrou o campo político, ganhando espaço em relatórios oficiais. (GOHN, 2007,
p.21)
O marco para o processo de “alargamento da democracia, que se expressa na
criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos
processos de discussão e de tomada de decisão relacionados com as questões e
políticas públicas” é a Constituição de 1988. Os movimentos sociais e outros setores
59
da sociedade civil que se opuseram ao regime militar nos anos 80 se destacaram
para avançar neste processo. (DAGNINO, 2004, p.95)
Gohn (2004, p.50) também atribui a este mesmo período o início da “participação
dos indivíduos nos processos de elaboração de estratégias e de tomada de decisão”
por meio de movimentos populares, de comunidades eclesiais de base, sindicatos,
associações de moradores e algumas entidades representativas do funcionalismo
público. Essas iniciativas foram definidas como “esforços organizados para aumentar
o controle sobre os recursos e as instituições que controlavam a vida em sociedade”.
Um pano de fundo para esse cenário no Brasil e que também se reproduziu em
outros países está relacionado à impotência estatal para lidar com as graves
conseqüências sociais ocasionadas pelo sistema financeiro que regula as relações
econômicas estabelecidas. A situação em si ultrapassava uma simples desconfiança
popular a respeito da capacidade do Estado assegurar os direitos básicos dos
indivíduos, já que os fatos traduziam um descontrole iminente para atuar sobre os
problemas que emergiam.
As mudanças mais relevantes na relação Estado/sociedade civil ocorreram nos anos
90 e alguns exemplos das ações conjuntas destes dois se deram por ocasião da
criação de espaços públicos onde o Estado propunha compartilhar poder com a
sociedade, como é o caso dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas e os
Orçamentos Participativos. (DAGNINO, 2004)
Dagnino
(2004,
p.97)
critica
esse
processo
de
co-responsabilização
Estado/sociedade civil alegando que a progressiva isenção do Estado das suas
responsabilidades sociais transferindo as mesmas para a sociedade civil e a apenas
aparente identidade propositiva da sociedade civil constituíam uma “confluência
perversa”. A autora afirma que
60
Por um lado, a constituição dos espaços públicos representa o saldo
positivo das décadas de luta pela democratização, expresso especialmente
—mas não só— pela Constituição de 1988, que foi fundamental na
implementação destes espaços de participação da sociedade civil na gestão
da sociedade. Por outro lado, o processo de encolhimento do Estado e da
progressiva transferência de suas responsabilidades sociais para a
sociedade civil, que tem caracterizado os últimos anos, estaria conferindo
uma dimensão perversa a essas jovens experiências. (DAGNINO, 2004,
p.97)
Considerando que atualmente a abertura de espaços de participação não se trata
apenas de uma questão de boa vontade política ou mesmo de uma conquista social,
mas implica numa condição para repasse de recursos federais para as instâncias
estaduais e municipais, tendo em vista o deslocamento do poder decisório para
implementação de políticas públicas para o âmbito local, a questão da
responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade Civil parece trilhar um
caminho sem volta.
Apesar disso, a crítica de Dagnino (2004) desperta para a reflexão sobre algumas
questões. Primeiro que há pelo menos quatro tipos de indivíduos em relação à
participação em processos decisórios: apolíticos - não se interessam, não têm
expectativa ou não se sentem competentes quanto à política-, políticos - buscam e
se interessam pela política -, que buscam poder e que detêm poder - com objetivo
de um bem comum ou apenas de vantagens pessoais (DIEGUES, 2012). Segundo,
que o suposto ganho de poder decisório pela sociedade civil acarreta invariável e
progressivamente numa renúncia ao cumprimento das obrigações do Estado.
O primeiro caso pode implicar num desequilíbrio na participação quanto aos
assuntos e interesses defendidos; ainda há que se cuidar do perigo de influências de
caráter partidários ou unilaterais. No segundo caso é necessário ter em mente que a
autoridade reguladora do mercado é do Estado e que é preciso delimitar
coerentemente a sua isenção responsiva.
61
Segundo Souza (2008, p.43) tratar de protagonismo só foi “possível graças à
concepção de espaço público como cenário” para atuação de indivíduos, negociação
de interesses. Sob essa perspectiva,
“a noção de atuação social extrapola a manifestação e expressão de
necessidades e anseios, tal como aparece no texto de Abramo (1994), e é
requisito para a inclusão social do indivíduo, o grande responsável pelo seu
ingresso e permanência no mercado de trabalho, pelo acesso a serviços (e
não direitos) de educação, saúde, segurança etc.” (SOUZA, 2008, p.43)
Essa ideia faz retomar o alerta de Dagnino (2004) quanto à omissão do Estado em
relação às suas responsabilidades perante os indivíduos e as consequências desse
processo para a sociedade. Se o indivíduo resolve arcar autonomamente para
garantir a sua inserção e desenvolvimento social também assume para si os
resultados das decisões tomadas sejam estas positivas ou negativas.
Então, a partir dessa breve apresentação das condições que tornaram possível a
aplicação do termo no quadro político do país daqui em diante é possível retornar à
discussão sobre protagonismo.
Referindo ao termo no campo acadêmico, Ferreti; Zibas e Tartuce (2004) destacam
que a sua ocorrência muitas vezes aparece relacionada sinonimamente com
participação e geralmente abarca outros conceitos como responsabilidade social,
identidade, autonomia e cidadania. Souza (2009) atribui baixa ressonância do termo
neste campo em função de limites do próprio discurso.
É no seio de organizações do terceiro setor, nos anos 1990, que a expressão
protagonismo juvenil começa a circular, mas com definição imprecisa, que Souza
(2009) julga intencional e cujo objetivo é de dominação. Um fator pode ser
considerado precedente para a inserção do termo especificamente no vocabulário
para o tratamento do público jovem: a produção de um discurso sobre a participação
da juventude, iniciada nos anos 1980, cujo marco foi a declaração do ano de 1985
como o Ano Internacional da Juventude: Participação, Desenvolvimento e Paz.
62
Muitos fóruns, seminários e encontros sobre a temática foram realizados
convergindo para a elaboração de documentos e planos de ação articulando o que
se convencionou chamar de políticas públicas para a juventude. (SOUZA, 2009)
No Brasil, houve um retardamento no impacto desse discurso tendo em vista que o
assunto que se destacava estava centrado em outra faixa etária – as crianças e
adolescentes – e a pauta das agendas discorria entorno da elaboração e
implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (SILVA e ANDRADE,
2009).
Aqui, a introdução da expressão foi inaugurada pela Fundação Odebrecht em 1996
e que foi logo depois utilizada pelo Instituto Ayrton Senna e pelo Instituto
Internacional para o Desenvolvimento da Cidadania (SOUZA, 2009). Neste percurso,
destaca-se a citação de Antônio Carlos Gomes da Costa (educador que foi um
importante precursor para inserção do termo no vocabulário das discussões sobre
juventude) e sua discussão sobre a temática no livro Protagonismo juvenil:
adolescência, educação e participação democrática pela Fundação Odebrecht como
o reconhecimento da necessidade de mudança no discurso sobre protagonismo. Foi
a partir daí que o protagonismo ganhou espaço nos documentos governamentais.
(SOUZA, 2009).
O percurso para aceitação e uso do termo tem sido longo e pedregoso. Mesmo
durante o desenvolvimento desta pesquisa não se encontrou material suficiente que
pudesse esclarecer este termo relacionado a um contexto mais amplo e não limitado
a uma faixa etária ou uma situação determinada como é o caso do artigo de Diegues
(2012). No próximo item há um esforço para elaborar um conceito de protagonismo
na perspectiva social, sem impor ou estabelecer limites para o seu uso, desde que
relacionado aos indivíduos num contexto sociopolítico.
63
4.2 Protagonismo: concepção teórica
A região de São Joaquim, no sul do Estado de Santa Catarina, era uma
região pobre, de pequenos produtores sem perspectiva, e com os
indicadores de desenvolvimento humano mais baixo do Estado. Como
outras regiões do país, São Joaquim, e os municípios vizinhos, esperavam
que o desenvolvimento “chegasse” de fora, sob forma do investimento de
uma grande empresa, ou de um projeto do governo. Há poucos anos, vários
residentes da região decidiram que não iriam mais esperar, e optaram por
uma outra visão de solução dos seus problemas: enfrentá-los eles mesmos.
Identificaram características diferenciadas do clima local, constataram que
era excepcionalmente favorável à fruticultura. Organizaram-se, e com os
meios de que dispunham fizeram parcerias com instituições de pesquisa,
formaram cooperativas, abriram canais conjuntos de comercialização para
não depender de atravessadores, e hoje constituem uma das regiões que
mais rapidamente se desenvolve no país. E não estão dependendo de uma
grande corporação que de um dia para outro pode mudar de região:
dependem de si mesmos. (DOWBOR, 2006, s/p)
Este relato de Dowbor (2006) sobre a capacidade que moradores de uma cidade
tiveram ante a falta de perspectiva da região em que habitavam, de refletir e buscar
soluções para tal situação, identificar potencialidades e possibilidades, organizar-se
para intervir, buscando uma transformação da realidade é o ponto de partida
utilizado para compreender melhor o que seria o protagonismo.
O termo ‘protagonista’ utilizado no âmbito social relaciona-se àquela pessoa que tem
participação ativa no processo de construção social, através de uma postura
consciente, responsável e comprometida com sua própria promoção e com a
transformação coletiva. Falar de protagonismo envolve mais do que capacidades
cognitivas, agregando outros conceitos como responsabilidade, comprometimento
social, identidade e autonomia.
A concepção de consciência crítica como empregada por Paulo Freire é a mais
aproximada do conceito de protagonismo como é concebido neste estudo. Para
Freire (1979) a consciência crítica é fruto de um processo educativo de
conscientização, num trabalho de promoção e critização, até que, além da
consciência, haja um compromisso do sujeito. Significa um avanço para além da
64
consciência ingênua.
Esse avanço significa o rompimento de uma postura de mero espectador que se
reflete externa e internamente ao sujeito, seja através de uma “postura social” por
meio de “ações comprometidas com a transformação coletiva” ou “na constituição de
novos sujeitos e novas subjetividades”, o que não se garante por decreto legal, mas
pelas construções nas interações sociais. (STAMATO, 2008, p. 63)
O conceito de protagonismo defendido por Costa (1999), Ferretti et al. (2004) e
outros autores caminha em direção a uma postura ética, e com ênfase na
participação, evocando outros conceitos como responsabilidade social, identidade,
autonomia e cidadania (FERRETTI et al., 2004), e, ainda, liberdade e compromisso
(COSTA, 2007).
Assim, apesar das raízes da palavra protagonismo remeterem a um sujeito com
interesses individuais, suscita características mais abrangentes. É necessário que o
indivíduo considere sua existência num contexto mais amplo que envolve outros
atores e inúmeros fatores. Enfim, é imprescindível a este sujeito levar em conta o
coletivo.
Quanto a isso Freire (1979) diz que
Sem dúvida, ninguém pode buscar na exclusividade, individualmente. Esta
busca solitária poderia traduzir-se em um ter mais, que é uma forma de ser
menos. Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram
ser mais e em comunhão com outras “consciências", caso contrário se faria
de umas consciências , objetos de outras. Seria “coisificar” as consciências.
(FREIRE, 1979, p. 14)
Para além da conquista e exercício da autonomia, a concepção de protagonismo
deve superar a perspectiva de domínio do próprio destino, romper com o
individualismo; nesse âmbito, o indivíduo que se pretende protagonista precisa
conscientizar-se de sua posição no mundo, buscar compreender quais são as
relações sociais, políticas e econômicas que historicamente se estabelecem no
65
contexto em que está inserido e, negando a alienação imposta, deve discutir e atuar
para transformar a realidade coletiva.
Uma concepção nesse sentido como norteadora de ações, programas e políticas
públicas certamente demanda mudanças em outras instituições sociais como, por
exemplo, nas de educação formal e não-formal, pois inscreve a necessidade de
oportunizar a esse indivíduo condições necessárias para desenvolver as habilidades
exigidas para que a sua atuação seja efetiva. Essas condições implicam em
modificações nestes espaços, principalmente na forma como as relações são
estabelecidas, no compartilhamento do poder decisório e da responsabilidade sobre
as suas consequências, a fim de que sejam como uma incubadora dessa
perspectiva de atuação social.
4.3 Protagonismo juvenil e a emergência de um novo termo: i-protagonismo
Como mencionado, há algumas décadas emerge um processo de alteração nos
modos de participação dos indivíduos nos processos decisórios que dizem respeito à
gestão política da vida cotidiana. Nesse processo reconhece-se a importância da
participação social do jovem.
Ainda no início do século passado o pensamento de Dewey sobre a participação
ativa dos alunos em sua aprendizagem influenciou o campo da educação. Algumas
iniciativas quanto à criação dos espaços para que essa participação ocorresse são
os grêmios estudantis e os conselhos escolares. Porém a emissão de documentos
oficiais que valorizaram essa participação só ocorreu na década de 90. Um marco
desse processo foi o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
que difunde o protagonismo juvenil. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004)
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013)
66
a população jovem no Brasil – entre 15 e 24 anos – atinge o número de 34.236.064
pessoas. Esse percentual representa quase 20% do total populacional do país e
torna esse grupo bastante representativo em termos sociopolíticos. Esses números
justificam a
ampliação
das discussões que
envolvem
essa faixa
etária,
principalmente as que se referem ao estímulo à participação social desse público.
Outro fator preponderante para a alocação do jovem na pauta das agendas políticas
é a sua condição de vulnerabilidade traduzida pelos altos índices de violência,
gravidez na adolescência, baixa escolaridade, ociosidade ocupacional, entre outros.
Assim, ao mesmo tempo em que a juventude representa a expectativa do futuro para
o país, também desperta preocupação no que tange ao suprimento de suas
necessidades emergenciais.
Segundo o texto da UNESCO (2004)
o termo “juventude” refere-se ao período do ciclo da vida em que
pessoas passam da infância à condição de adultos e, durante o qual,
produzem importantes mudanças biológicas, psicológicas, sociais
culturais, que variam segundo as sociedades, as culturas, as etnias,
classes sociais e o gênero. (UNESCO, 2004, p.24)
as
se
e
as
A transição da sociedade “do rural ao urbano, do agrário ao industrial e do industrial
à atual sociedade do conhecimento” influencia diretamente nos critérios para
delimitação da fronteira cronológica terminal da juventude. (UNESCO, 2004, p.25)
Também potencializa a importância que se tem dado à participação social do jovem,
pois evidencia a maior naturalidade desse público para lidar com as ferramentas
desta sociedade levando em conta que ele, desde o nascimento, está inserido num
contexto em que elas circulam.
Apesar de todos os pontos favoráveis que contribuem para a atuação social efetiva
dos jovens há argumentos de que ela parece pouco expressiva na atualidade em
comparação com gerações anteriores. Tal quadro pode estar relacionado ao
descrédito que a sociedade em geral tem cultivado em relação às instituições
67
públicas e que estão diretamente ligadas à crise de governabilidade, mas também
ao estabelecimento de novas formas de manifestação adotadas pelo grupo juvenil.
Na ocasião da produção desta pesquisa, está em vigência em algumas capitais e
cidades do país manifestações de repudio a questões de ordem econômica e
política, que começou com o aumento no preço do transporte coletivo e ao longo das
semanas foi perpassando temáticas mais complexas como a Proposta de Emenda à
Constituição nº 37/2011, a PEC 37, que busca limitar o poder de investigação
criminal à Polícia Federal e Polícia Civil, excluindo órgãos como o Ministério Público,
a Receita Federal, os Tribunais de Contas e o Banco Central. O movimento que
nasceu nas redes sociais da internet tem levado milhares de pessoas às ruas em
atitude de protesto. No cenário dessas manifestações o público jovem aparece bem
representado numericamente.
Outros tipos de manifestações recentes também foram percebidas nas redes sociais
que, no entanto, não ultrapassaram os limites virtuais. Um estudo mais específico
poderia levantar dados relevantes sobre o posicionamento social da juventude em
relação a vários aspectos sociais. Importante é considerar que a atuação que o
jovem vai ter na sociedade possivelmente estará diretamente ligada a pelo menos
dois fatores: as formas relacionais mais modernas estabelecidas na sociedade
contemporânea e os assuntos de interesse dos jovens, sendo estes últimos de uma
grande diversidade como também são variadas a cultura, etnia e classe social desse
público.
Considerando esses dois fatores compreende-se que em se tratando de
protagonismo juvenil não se pode estabelecer uma homogeneidade como tem
sugerido a maioria dos autores que tratam do tema como
assunção de responsabilidades nos atos individuais e ações sociais mais
amplas, compromisso com os excluídos ou em processo de exclusão,
participação ativa na resolução de problemas sociais de diferente amplitude,
autonomia intelectual e moral, capacidade de lidar com mudanças,
68
solidariedade, respeito às diferenças, cooperação, aquisição de
conhecimentos e desenvolvimento de habilidades sociointelectuais, enfim,
todo um conjunto de elementos articulados que conduzem à formação de
um ser humano pleno. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004, p.417)
A heterogeneidade cultural na qual cada jovem está inserido e a própria diversidade
que impera em meio a este grupo etário que acarretam “imensa variação de
condições de vida, de trabalho, de educação, de poder aquisitivo, bem como para os
diferentes valores, costumes, crenças etc.” são incompatíveis com qualquer
determinismo pouco flexível. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004, p.416)
É sob essa visão que este trabalho nutre a ideia de que os avanços proporcionados
pelas TIC e que provocaram mudanças no cotidiano societário têm suscitado uma
forma de protagonismo que tem como critério para o seu efetivo exercício a
apropriação e o uso das tecnologias de informação e de comunicação, ao que
nomeou-se como i-protagonismo.
Essa expressão busca compreender a influência desses avanços, principalmente
com a chegada da internet, no campo social, político e cultural e como isso afetou as
formas de relações estabelecidas socialmente pelas pessoas ao ponto de induzi-las
à necessidade de adequação a esta nova realidade. O acesso às informações e ao
conhecimento tornou-se imprescindível para a inclusão social, no sentido em que é
uma importante via de acesso à participação cidadã, facilita a inserção no mercado
de trabalho e aprimora a qualidade de vida.
Posto que a internet constitui o atual meio de comunicação que permite
estabelecimento de interação todos a todos, a ideia de protagonismo não pode
resistir a esta realidade. A participação do indivíduo na era comunicacional em
ambientes digitais, bem como o conhecimento que ele dispõe para que a
participação
nestes moldes ocorra é um
novo
critério
para
o exercício
da
cidadania, dado o potencial dessas ferramentas como canal de veiculação de
informações e de vocalização para a discussão dos problemas sociais.
69
Desta forma, o protagonismo na sociedade contemporânea não se faz sem que
existam competências para lidar de forma crítica e autônoma com as ferramentas
informacionais digitais. Por esta razão, adotou-se a expressão i-protagonismo como
representação do protagonismo exercido em, por meio de ou a partir dos ambientes
digitais.
Isso significa que, além das habiliddades já citadas no estudo dos diversos autores
pesquisados, o i-protagonismo supõe a capacidade do sujeito de reflexão e busca
de soluções para problemas do seu cotidiano, identificando potencialidades e
possibilidades, e mobilizando-se para intervir de forma crítica sobre a realidade
buscando a sua transformação, lançando mão dos recursos tecnológicos e dos
ambientes virtuais, com a finalidade de exercer a sua cidadania, de forma cada vez
mais autônoma e comprometida, seja com o autodesenvolvimento ou com a
transformação social. (DOWBOR, 2006).
Diante dessa perspectiva, o conceito de cidadania apresentado por Coutinho (2005)
contribui significativamente para a construção desse novo conceito que emerge,
o i-protagonismo. Para o autor
“cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso
de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem
dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de
realização humana abertas pela vida social em cada
contexto
historicamente determinado.” (COUTINHO, 2005, p.146)
Dessa forma, apenas o acesso aos recursos tecnológicos de maneira alguma
garantirá a aquisição dessa competência. É necessário investimento muito maior
que passa, inclusive, pela formação dos educadores que contribuirão para o
desenvolvimento do i-protagonismo dos educandos.
Dowbor (2006) percebe que a conectividade é um caminho que “pode tornar-se uma
forma radical de democratização do acesso ao conhecimento mais significativo”.
Nesse
âmbito,
considera
que
“a
luta
pelo
acesso
aos
espaços
de
70
conhecimento vincula-se ainda mais profundamente ao resgate da cidadania”,
invertendo os efeitos das transformações tecnológicas que “tendem a reforçar as
polarizações a desigualdade”.
Compreende-se que a capacidade de domínio dos recursos tecnológicos,
especificamente aqueles que ampliam as possibilidades de acesso à informação e
comunicação constitui instrumento de empoderamento. Então, o i-protagonismo
seria ao mesmo tempo uma condição indispensável na contemporaneidade para o
exercício efetivo da cidadania. Segundo Dowbor (2006) a necessidade iminente de
formar pessoas que atuem em suas comunidades transformando-as é a expectativa
que se tem da educação em relação ao desenvolvimento local.
Como local define-se qualquer porção territorial que se distingue a partir de
determinados elementos de identidade (PAULA, 2009) Num contexto político local
pode ser um município, estado ou país. Mas no âmbito social pode ser uma
associação, uma escola, um sindicato ou um movimento étnico.
A dinâmica local é construída a partir do momento em que o sistema educacional
propicie aos educandos uma maior compreensão da realidade local. Para que isso
ocorra esse sistema precisa se articular com outras instituições da sociedade civil e
o resultado é uma via de mão dupla na qual ao mesmo tempo em que a escola
contribui para a formação das pessoas para atuarem na dinâmica local, os impactos
positivos desse processo retornam para sistema de ensino. (DOWBOR, 2006)
Sob esse ponto de vista, a perspectiva de formação de indivíduos i-protagonistas
supera a expectativa de uma posição no ranking de país com melhor
desenvolvimento econômico, contribuindo para um desenvolvimento endógeno e
que vai refletir nos diversos setores de um país.
71
5 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DA PEDAGOGIA PARA A FORMAÇÃO DE
INDIVÍDUOS I-PROTAGONISTAS
Concebendo que o campo da educação não é inerte e que deve acompanhar as
mudanças societárias, todas as alteridades produzidas no cotidiano social com a
entrada de tecnologias cada vez mais modernas, especialmente na área da
informação e comunicação, invariavelmente ocasionam/ocasionarão modificações
no contexto educacional.
Algumas implicações que esse processo pode impelir nas instituições de caráter
educacional são a adequação do currículo, a formação dos professores, a aquisição
de novos recursos materiais para a execução das atividades, a urgência de reflexão
e de adoção de novas práticas pedagógicas.
A maneira como o campo educacional vai reagir a essas mudanças, aderindo ou não
a elas e a medida que vai contribuir para a formação das pessoas a fim de que
desenvolvam a habilidade necessária para lidar com os equipamentos, recursos e
ferramentas emergentes dos avanços tecnológicos será fundamental para a
construção de uma sociedade que detém o domínio dos bens culturais que ela
mesma cria.
São inúmeros os fatores que influenciam para que a educação desempenhe esse
papel de formadora de pessoas para as demandas atuais: sua trajetória
sociohistórica, o percurso pessoal das pessoas que atuam no campo, os limites
políticos que lhe são impostos, entre outros. O impacto produzido por esses fatores
é um dos determinantes para o ritmo de acesso e de apropriação desses bens pelos
integrantes da sociedade que vai sofrer variações mais ou menos densas de um
lugar para o outro de uma mesma sociedade de acordo com a influência, ainda, de
72
outros fatores sociopolíticos. Esse ritmo e as condições oferecidas para as
aprendizagens requeridas para o domínio das tecnologias emergentes, bem como o
conjunto de práticas adotadas para esse fim serão determinantes para as
características que constituirão o perfil das pessoas que serão formadas.
Um quadro mais apurado sobre esse assunto será construído a partir de agora e
subsidiará a visão de que a formação de indivíduos i-protagonistas está estritamente
relacionada com as práticas pedagógicas adotadas pelos responsáveis por esse
processo.
5.1 Breve discurso acerca do campo da educação e algumas realidades do
Brasil
A educação atravessou quatro tendências pedagógicas ao longo do seu percurso no
Brasil
– pedagogia
tradicional,
renovada,
libertadora
e crítico-social dos
conteúdos – e cada tendência foi marcada por um contexto histórico, social e político
que era significado pelos próprios indivíduos em cada época. (BRASIL, 1997)
Uma mudança bastante significativa e que pode ser considerada a mais relevante de
uma tendência para a outra é a posição do aluno no processo de ensinoaprendizagem. Na tradicional, por exemplo, ele é visto como o receptor do
conhecimento, enquanto na libertária além de assumir o centro do processo, tem
expressão livre, e são reconhecidas as suas necessidades e interesses. A
abordagem de aluno de cada tendência tem a ver com a concepção social de sujeito
que regeu no momento histórico em que essa mesma tendência está vigorando.
Compreende-se a impossibilidade de estabelecer marcos precisos que determinem
o início e o fim de uma tendência, tendo em vista que inúmeros fatores influenciam
esse processo de transição como é o caso das diversidades culturais, as diferentes
73
concepções adotadas que orientam o trabalho e que variam de instituição para
instituição, as condições políticas de cada local para planejamento e investimentos
em educação e tantos outros que poderiam ser apontados.
Mas, então, qual destas tendências é a ideal? Qual delas impera ou deve imperar
nos dias atuais? De acordo com Gadotti (2000, p.4) as diferentes tendências têm
“um lugar garantido na educação do futuro”, mas o autor destaca que “o traço mais
original da educação desse século é o deslocamento de enfoque do individual para o
social, para o político e para o ideológico”. No século XX a educação deve ser
“permanente e social”.
O Art.1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96 tem
como norteadora a perspectiva de educação que “abrange os processos formativos
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”. Sob essa visão, não é o lócus da
educação delimitado por muros de concreto, nem está submetido a uma única
denominação institucional; ao contrário, aponta para uma ampliação da extensão
dos espaços formativos para todos os ambientes em que o educando transita no
curso do seu desenvolvimento pessoal. (BRASIL, 1996)
Ao mesmo tempo em que reconhece outros espaços como formativos educacionais,
o documento ressalta que a educação “tem por finalidade o pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”, ou seja, mesmo na instituição escolar a educação deve se vincular com o
mundo exterior aos seus muros, à realidade em que os educandos vivem.
Confluindo com essa ideia Dowbor (2006, p.7) nutre o pensamento de que não há
como fragmentar os tempos na vida de uma pessoa e que “a cronologia da
educação formal e a cronologia da vida profissional se imbricam o tempo todo.
74
Um avanço importante no campo foi a internacionalização da educação iniciado na
segunda metade do século passado, ou seja, a definição de parâmetros curriculares
praticamente comuns para todos os sistemas de ensino, tarefa que foi atribuída à
UNESCO. (GADOTTI, 2000) No Brasil, a unicidade do currículo da educação básica
está regida pelas Diretrizes Curriculares Nacionais na Educação Infantil (DCNEI) e
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais no Ensino Fundamental (PCNEF) e no
Ensino Médio (PCNEM).
A equidade proposta nestes documentos pretende “assegurar que as finalidades
propostas em lei, bem como o perfil de saída do educando sejam alcançadas de
forma a caracterizar que a Educação Básica seja uma efetiva conquista de cada
brasileiro” muito mais que uniformizar o cotidiano escolar. (BRASIL, 1997, p.17)
Apesar da existência desse aparato legal, a realidade com a qual se depara em
nosso país é de um desnível bastante latente, principalmente no que se refere à
qualidade do ensino entre as diferentes regiões e até mesmo cidades. Este fato está
relacionado a inúmeros fatores que vão desde a má distribuição dos recursos
públicos à diversidade de níveis de formação dos professores.
As diferenças que existem de uma região para a outra são claramente traduzidas
pelos resultados, por exemplo, da SAEB(Sistema de Avaliação da Educação
Básica)/Prova Brasil que em 2011 aponta uma distância de mais de 172% entre o
índice da região Norte (2,37%) e a região Sudeste (6,47%) do país de alunos que ao
final do Ensino Fundamental chegam ao último nível em proeficiência da Língua
Portuguesa. (INEP, 2012)
O desempenho médio dos estudantes no que se refere à Língua Portuguesa ao final
do Ensino Médio também permanece inferior na região Norte (254,2) em relação à
região Sudeste (284,8). Esta diferença representa um percentual de mais de 10% do
maior em relação ao menor. (INEP, 2012)
75
A aplicação destas avaliações é referendada pelo Decreto nº 6.094, assinado pelo
presidente do Brasil em 24 de abril de 2007 que dispõe sobre a implementação do
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Esse Plano visa a mobilização
social pela melhoria da qualidade da educação básica e está baseado nos objetivos
aprovados durante a Conferência de Dacar de 2000, a serem alcançados até 2015.
Não se pode negar que ocorreram avanços no campo da educação em nosso país
nos últimos anos. O próprio Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação é
um passo significativo para buscar o alcance de melhores resultados nesse âmbito.
Além dele há outras iniciativas que fomentam a formação de professores, que
buscam ampliar o tempo e o escopo de atividades que a escola pode oferecer para
os seus alunos e comunidade, e muitos outros.
Essa breve discussão sobre a educação num contexto tão diversificado quanto o
Brasil faz refletir que há uma imensurável complexidade envolvida para o tratamento
desta questão e isso exige investimento em pesquisas, conhecimento de outras
realidades parecidas e quais estratégias estão surtindo resultados positivos nas
mesmas, de alocação de recursos financeiros e tudo isso requer esforço, tempo e
interesse principalmente das instâncias públicas. O envolvimento da maior
quantidade e diversidade de atores possível nessa empreitada certamente
contribuirá para que se alcance resultados cada vez mais satisfatórios nessa
empreitada.
5.2 Educação e tecnologia
Conforme
mencionado,
as
tendências
educacionais
estão
invariavelmente
relacionadas ao tempo sócio-histórico-político que a sociedade atravessa em cada
momento. Um fator que marca o campo da educação desde o início da sua
76
existência é o econômico, e o que ocorre é que as mudanças na educação
pretendem responder às necessidades oriundas deste setor sob a alegação, nem
sempre verdadeira, de contribuir para o desenvolvimento da nação.
Então não seria de se estranhar que a educação sempre estivesse relacionada aos
avanços científicos e tecnológicos que orientam a economia de qualquer país. O
texto da primeira LDBEN aprovada no Brasil (no ano de 1961), em relação aos fins
da educação nacional com base nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, já normatizava que devia preparar o indivíduo e a sociedade
“para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as
possibilidades e vencer as dificuldades do meio”. (BRASIL, 1961)
Reafirmando a relação da educação com o mercado a última LDBEN (9394/96)
também determina como fim da educação escolar a qualificação do educando para o
trabalho. No sentido do desenvolvimento de habilidades para lidar com a ciência e
as tecnologias contemporâneas subentende-se a vinculação da educação escolar
com as práticas sociais que aparece no texto do documento. Afinal, as práticas
sociais acabam, espontaneamente ou não, sendo reguladas pelas modificações que
os bens culturais criados pelos integrantes de uma sociedade produzem no cotidiano
dessa mesma.
Nas últimas décadas uma maior expressividade de criação desses bens tem se
manifestado no campo das TIC. Uma variedade de equipamentos e aparelhos,
inclusive reguladores das operações financeiras foi sendo aos poucos agregada ao
cotidiano das pessoas e modificando as suas relações com outras pessoas e com
instituições. Nas transações financeiras, por exemplo, quando se realiza uma
compra num supermercado com cartão magnético são envolvidas pelo menos três
pessoas/instituições e o dinheiro, necessariamente, não chegará a passar
diretamente pelas mãos delas.
77
Ao mesmo tempo em que ocorre esse deslocamento nas práticas sociais, as
possibilidades de aprendizagem também são ampliadas. Acerca disso Guzzi (2010)
afirma que
hoje, habitam-se espaços de conhecimentos abertos, contínuos e não
lineares, que se reorganizam segundo o contexto de cada um. Do mesmo
modo o conceito de rede é utilizado como uma alternativa de organização
coletiva que possibilita respostas a uma série de demandas de flexibilidade,
conectividade e descentralização da atuação social, reconduzindo a
comunicação para uma lógica de sistemas descentralizada, participativa e
ao mesmo tempo autônoma. A comunidade não precisa de um território
físico para estudar, aprender, participar de decisões, mas de um território
virtual de composições afetivas reais, no qual a maneira de saber linkar e
ser linkado seja uma poderosa ferramenta de trabalho.” (GUZZI, 2010, p.39)
Cabe aqui a pergunta: como a educação tem lidado com a expansão das TIC
agregada à prospecção da internet?
Gadotti (2000, p.5) já refletia há mais de uma década atrás que “a educação opera
com a linguagem escrita e a nossa cultura atual dominante vive impregnada por uma
nova linguagem, a da televisão e a da informática, particularmente a linguagem da
Internet”; a cultura digital é a denominação do autor para a cultura dominante que
cita.
Dowbor (2006) defende que aliar a educação à tecnologia não implica na simples
iniciativa de informatizar a escola com equipamentos modernos, com tecnologia de
ponta. Requer uma mudança cultural que trata de organizar a assimilação produtiva
do conhecimento.
Na sociedade contemporânea, a informação é o valor mais importante, assim,
“comprar
e
adquirir
informação,
distribuí-la,
controlá-la
e
convertê-la
em
conhecimento” constituem os maiores desafios da pós-modernidade e da
globalização. (CARBONELL, 2002, p.55) Levando em conta que o movimento veloz
que tem imposto um ciclo cada vez mais curto de renovação do conhecimento dita a
urgência das mudanças tanto na escola como em quaisquer outros ambientes que
78
se propõe educativos tornando-os capazes de atualizar seus educandos quanto ao
domínio de algumas habilidades instrumentais e o acesso ao crescente arsenal
informativo.
Gadotti (2000, p. 8) atribui à escola na sociedade informacional a tarefa de conduzir
“um movimento global de renovação cultural, aproveitando-se de toda essa riqueza
de informações”. Carbonell (2002, p.56) alerta que apesar desse volume o
importante é “saber codificá-la, integrá-la, contextualizá-la, organizá-la e interpretála; dar-lhe sentido e significação”.
Gadotti (2000, p.7) compreende que está já bem clara “a predominância da difusão
de dados e informações e não de conhecimentos”. Nesse âmbito reconhece que
essa difusão é fruto da associação da informatização com a globalização das
telecomunicações, mas desperta para o fato de que grande parte da população está
excluída desse processo.
De acordo com Guzzi (2010, p. 52) “a facilidade e a velocidade do uso e da troca de
informações pela internet passa a ter um papel central na nova sociedade, tanto em
termos de circulação de capital quando de formação de novos diagramas sociais e
culturais, novas subjetividades” o que vai gerar novas concepções de comunidade
reais e virtuais.
Nesta nova ordenação social ocorre uma metamorfose nos conceitos oriundos da
categoria exclusão. Nesse âmbito, Martins (2003, p.31) entende que “‘excluído' e
'exclusão' são construções, projeções de um modo de ver próprio de quem se sente
e se julga participante dos benefícios da sociedade em que vive e que, por isso,
julga que os diferentes não estão tendo acesso aos meios e recursos a que ele tem
acesso”.
A discussão que este último autor propõe é bastante válida quando retornamos à
79
ideia de que a educação está submetida à economia e que essa posição que
assume a obriga a caminhar no rumo ditado pelo mercado. Dessa forma, os que
conseguem seguir esse rumo passam a considerar que os outros não estão fazendo
parte do processo.
É certo que especialmente no campo da educação deve-se oferecer a oportunidade
de superar os pensamentos impostos, sendo capaz de atuar sobre essas
imposições, transformando-as. Mas, ao mesmo tempo, é inconcebível considerar
que as construções articuladas pela própria sociedade as quais se instauram nos
territórios sociais e passam a imperar neles, poderiam simplesmente ser ignoradas.
Ao contrário, elas precisam ser potencializadas a fim de que ratifiquem a sua
possibilidade de mudança.
Assim, quanto maior for a democratização da informação e do conhecimento e de
criação de espaços para que isso ocorra, haverá “menos distorção e menos
manipulação, menos controle e mais liberdade”. (Gadotti, 2000, p.7) Nos tempos
atuais o maior capital da humanidade é o conhecimento e este não pode ser
excluído dos sistemas educacionais formais ou não-formais sob qualquer que seja o
pretexto.
5.3 As práticas pedagógicas na formação de indivíduos i-protagonistas
Como mencionado há uma grande expectativa de que os espaços com fins
educacionais formais ou não-formais assumam a tarefa de promover o acesso à
informação e também de contribuir para que as pessoas sejam capazes de lidar com
essa informação, potencializando-a como instrumento para a superação das
realidades postas, ultrapassando o simples consumo ingênuo da informação.
Qualquer tarefa a ser desempenhada dentro de um sistema educacional envolve
80
pelo menos dois níveis de execução. O primeiro refere-se ao tratamento político que
é dado, ou seja, qual o seu nível de relevância nas agendas políticas em qualquer
que seja a instância. Esse nível é que vai dizer dos investimentos (humanos e
financeiros) que serão aplicados para a efetivação da tarefa. O segundo refere-se a
questões sociais e tem a ver com a forma como os indivíduos envolvidos
diretamente no processo educativo irão desempenhar a tarefa.
Quanto à questão da democratização da informação por meio do acesso às TIC, já
foi citado que há inúmeras iniciativas governamentais em curso com esse fim, sendo
algumas delas dirigidas ao sistema educacional formal, como é o caso do programa
Um Computador por Aluno, e outras desenvolvidas no âmbito de ambientes
educativos não-formais como, por exemplo, o programa Centros de Inclusão Digital,
do governo federal. Os dados já apresentados atestam que as inúmeras ações
nesse sentido não são ainda suficientes para atender toda a demanda existente e
também não têm sido totalmente eficazes em alcançar a extensa territorialidade
brasileira, principalmente por suas discrepâncias estruturais, mas representam bem
um certo incômodo político impulsionado pela questão.
Por outro lado, considerando ainda a questão da democratização da informação por
meio do acesso às TIC sob o aspecto da capacitação para gerir a informação de
forma consciente e crítica, as discussões nesse sentido ainda não ganharam o
merecido espaço no campo político. Tal fato exige uma mudança da concepção de
inclusão digital ampliada para o sentido de que apenas o domínio de equipamentos
e recursos é insuficiente para lidar com o volume e diversidade de informações que
estão disponibilizadas na internet, assunto já abordado no interior do texto desta
pesquisa.
A respeito dessa mesma questão tratada no contexto social, alguns fatores são
imprescindíveis de serem ponderados e estão relacionados às concepções da
sociedade acerca de educação, dos seus processos e da função dos sistemas
81
educativos e a outras concepções que regulam os ambientes educacionais. Como
discutido anteriormente, as concepções da sociedade são marcadas pela visão de
sujeito e por questões econômicas que norteiam os rumos societários em cada
época.
Em se tratando das concepções que regulam os sistemas educativos, a discussão
necessita de análise mais complexa, pois envolve conflitos paradigmáticos sociais,
políticos e pedagógicos. Algumas dessas concepções merecem destaque tendo em
vista o teor dessa pesquisa: a de gestão da escola e a que se refere ao processo
ensino-aprendizagem.
Partindo da gestão escolar (lembrando que aqui não há uma visão limitada de
ambiente escolar como uma instituição única, mas estende-se a qualquer ambiente
que tenha algum tipo de objetivo ou fim educativo) é importante rebuscar quais são
os alicerces sociohistóricos que a orientam/orientaram.
Um modelo de gestão que ainda impera em muitas escolas nos dias de hoje,
segundo Lück (2011, p.35-36), é “centrado na figura do diretor” e está “baseado no
paradigma positivista que concebe o governo distinto da sociedade” visão que atribui
ao diretor a responsabilidade “pela escola e pelos seus processos”. Neste modelo o
diretor predomina como figura de poder, que zela pela uniformidade do sistema de
ensino, “reforçando padrões de formas de desempenho que desconsideram a
necessidade de criatividade, iniciativa e discernimento em relação a dinâmicas
interpessoais e sociais, envolvidos na realização do processo educacional”.
Alguns dos resultados alcançados na adoção de pressupostos positivistas na gestão
escolar são: “hierarquização e verticalização na condução dos sistemas de ensino e
das escolas; desconsideração aos processos sociais neles vigentes; burocratização
dos processos; fragmentação de ações e sua individualização; desresponsabilização
de pessoas em qualquer nível de ação”. (LÜCK, 2011, p. 37)
82
De acordo com Carbonell (2002, p.27) uma das consequências negativas do modelo
de gestão que se baseia em reformas verticais é que reproduz na escola “a divisão
técnica e social do trabalho entre as pessoas que pensam e planejam e as que se
limitam a receber instruções e executá-las mecânica e passivamente”. A redução do
poder e autonomia dos professores inibe as possibilidades de inovação no ambiente
educativo.
Ao cultivar um clima de participação dando voz aos indivíduos que estão inseridos
direta ou indiretamente nos ambientes educacionais o produto será uma construção
que mais se aproxima da realidade que atenderá às necessidades e anseios dessas
pessoas, consequentemente também terão mais chances de responder às
demandas da comunidade ao entorno.
Lück (p.41) respalda esse entendimento quando afirma que “a gestão democrática
ocorre na medida em que as práticas escolares sejam orientadas por filosofia,
valores, princípios e ideias consistentes, presentes na mente e no coração das
pessoas, determinando o seu modo de ser e de fazer”. E a gestão educacional
passa a ser responsável apenas por direcionar e mobilizar a sustentação e
dinamismo dos sistemas de ensino e das escolas, velando para que prevaleça nos
trabalhos desenvolvidos a garantia de resposta às necessidades e aos anseios
sociais, especificamente das pessoas que constituem o ambiente de ensino.
A distância entre o currículo e o conhecimento realmente significativo para os
indivíduos que estão envolvidos no processo tende a ser estreitada quando estes
têm a oportunidade de participar das construções. Além disso, essa iniciativa poderá
contribuir para romper com algumas tradições culturais que ratificam relações de
poder que se pretendem perpetuar na sociedade.
Uma dessas tradições e que não tem razões nem científicas que a sustente é a
fragmentação do conhecimento que na opinião de Carbonell (2002, p.53) apenas
83
“contribui para a redução e simplificação de seu caráter complexo, ao
distanciamento do mundo experimental dos alunos e a sua descontextualização”.
Além disso, a própria complexidade que impera na educação diante da diversidade
social e dos desafios contemporâneos impõe a emergência de um novo formato de
gestão de ensino. De acordo com Lück (2011, p.23) a nova visão deve superar a
visão limitada de administração, pois “os problemas educacionais são complexos,
em vista do que demandam visão global e abrangente, assim como ação articulada,
dinâmica e participativa”.
Na concepção de Lück (1997)
os sistemas de ensino como um todo, e os estabelecimentos de ensino
como unidades sociais, são organismos vivos e dinâmicos e como tal
devem ser entendidos. Ao serem vistos como organizações vivas,
caracterizadas por uma rede de relações entre todos os elementos que
nelas interferem, direta ou indiretamente, a sua direção demanda um novo
enfoque de organização. (LÜCK, 1997, p.38)
Concebendo o processo de ensino-aprendizagem como um dos segmentos dessa
rede de relações que a autora acima destaca, as condições em que ele vai ocorrer
influenciarão nos resultados obtidos na formação dos indivíduos, os educandos
desse processo.
Nesse movimento de mudanças ocasionado pelos avanços tecnológicos e científicos
“o professor passa a ter um papel fundamental de articulador e mediador entre o
conhecimento elaborado e o conhecimento a ser produzido”. Behrens (1999, p.385)
reconhece que as ações docentes baseiam-se “nos paradigmas que a própria
sociedade vai construindo ao longo da história”, mas comumente reproduzem as
próprias experiências desses docentes no âmbito educativo.
Nesse sentido, a própria formação educativa básica do professor é um dificultador
para esse processo de transição. Afinal, ele precisa vencer o desafio de ultrapassar
84
uma ação educativa alicerçada num paradigma para exercer essa atividade em
outro. Na maioria das vezes o que ocorre é que é necessário superar o paradigma
conservador
baseado
na
ciência
newtoniana-cartesiana
que
fragmenta
o
conhecimento e prevê a aprendizagem com atividades de memorização e cópia
caminhando na direção do paradigma emergente sistêmico, holístico que reconhece
a complexidade das coisas. (BEHRENS, 1999, p.387)
A fim de discutir esse aspecto, a reflexão proposta se apóia no pensamento de
Freire (1987, p.29) de que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os
homens se libertam em comunhão”. Esta visão, relacionada ao ensinoaprendizagem, reitera a dualidade desse processo que envolve educando e
professor.
A transição paradigmática que está colocada diante do professor necessita de um
esforço do próprio docente no sentido de “superar a situação opressora”. Mas essa
tarefa ele não realiza sozinho, mas no exercício da sua atividade profissional, ao que
Freire (1987, p.17-18) denomina Pedagogia do Oprimido. Trata-se de uma
“pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos
oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua
libertação, em que esta pedagogia se fará e refará”.
Assim, quanto mais o professor se distancia da experiência docente vivida na sua
formação, mas tomando consciência de que hospedou e hospeda em determinadas
circunstâncias o opressor em si (as marcas do que experimentou tendem a querer
desabrochar) e vai se entregando a uma práxis libertadora também contribui para a
libertação dos seus educandos. A luta é antes por libertar-se tanto da condição de
oprimido quanto da de opressor. (FREIRE, 1987)
As inúmeras reformas propostas no ensino são verticalizadas e não produzirão os
frutos desejados se não ocorrer uma mudança primeiro no interior dos indivíduos
85
que constituem o ambiente educativo. Ao mesmo tempo, essa mudança, quando
ocorre em meio a esse processo de libertação, tende a deslocar os resultados para
responder às insatisfações despertadas nos indivíduos.
Assim, a práxis pedagógica assume um caráter revolucionário, fundamentado na
“reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” superando a
contradição opressor-oprimido no sentido em que o docente se reconhece oprimido
e ao mesmo tempo opressor e engaja na luta por libertar-se e por libertar. (FREIRE,
1987, p.21)
Em contra partida há uma resistência natural dos educandos em assumir o lócus de
oprimido vivendo a experiência de um paradigma ultrapassado para si mesmo e
essa resistência contribui para a libertação dos docentes como afirma Freire (1987,
p.24) que “somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores”.
O resultado de todo esse processo aponta uma direção para que a pedagogia
contribua para a gestação da Sociedade da Informação que se situa no campo da
formação de indivíduos que irão atuar nessa sociedade não como simples
aprendedores, mas que terão um olhar crítico sobre a realidade que lhe for
apresentada.
Alcançar esse resultado exige que as ações educativas adotadas nos trabalhos
junto aos educandos potencializem o desenvolvimento de sua autonomia e lhes
estimulem a uma atitude reflexiva. Essas habilidades são imprescindíveis a qualquer
pessoa que tenha que conviver numa realidade na qual todos os tipos de
informações estão disponíveis, provindo do mais variado tipo de fontes e interesses.
A prática docente, por exemplo, guiada por atitudes autoritárias, pode inibir a
participação na tomada de decisões; enquanto uma postura receptiva estimula o
diálogo e as trocas. Segundo Freire (1987) o diálogo crítico e libertador tem que ser
86
realizado com os oprimidos independente do nível da sua libertação. Deve haver um
permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas condições concretas. O
anti-diálogo, a sloganização, a verticalidade e os comunicados são instrumentos de
domesticação.
O meio físico também influencia direta e simbolicamente nos comportamentos das
pessoas que o compartilham, inibindo ou estimulando-as. Num ambiente educativo,
comunica os valores e expectativas das pessoas que exercem autoridade e reforçam
as normas institucionais. (ELALI, 2003) A disposição do mobiliário propicia e/ou
estimula as interações, a participação, tudo isso tem a dizer de como se pauta a
proposta educativa do ambiente de ensino. A autora argumenta que
tomando-se como exemplo uma sala de aula comum, é possível dizer que
os móveis existentes e seu posicionamento informam as expectativas
quanto a ocupação do local, percepção que tende a ser confirmada ao
longo do tempo a partir da experiência diária, do conhecimento mútuo
professor-alunos e das normas institucionais. Cadeiras dispostas em círculo
sugerem que ocorrerá uma discussão na qual é esperada a participação de
todos; carteiras enfileiradas voltadas para o professor pressupõem aula
expositiva; mesas próximas entre si formando blocos maiores indicam a
realização de trabalhos em grupos, e assim por diante. (ELALI, 2003, p.
310)
Em uma de suas obras, Pedagogia da Autonomia, Freire (2002) apresenta inúmeros
saberes que o professor precisa empreender no exercício da sua atividade
profissional como, por exemplo, saber pesquisar, ser crítico, ser capaz de significar o
conhecimento pelo exemplo, ser flexível, entre outras tantas que aponta. Ao transpor
esses saberes para suas práticas o educador abandona a ideia de transferência de
conhecimento, para ser mediador para as possibilidades da produção ou da
construção desse conhecimento.
Um ponto que merece ser destacado da obra mencionada é a afirmativa de que “a
educação é uma forma de intervenção no mundo” que independente da qualidade
com a qual é empreendida “implica tanto o esforço de reprodução da ideologia
dominante quanto o seu desmascaramento”, contraditoriamente. Imparcial sobre
87
qualquer uma destas questões a educação nunca será e é errôneo declará-la como
“apenas reprodutora da ideologia dominante como erro é tomá-la como uma força de
desocultação da realidade, a atuar livremente, sem obstáculos e duras dificuldades”.
(FREIRE, 2002, p.61)
Daí o reforço à ideia de que o professor não pode reduzir a sua atividade docente à
mera transmissão de conteúdos predeterminados por um currículo oficial. Precisa,
como professor, ensinar a pensar certo e isso não está vinculado a assumir uma
posição assertiva, mas também crítica e reflexiva diante dos fatos. (FREIRE, 2002)
A solidez da equipe docente contribui para que as construções acerca de uma
prática pedagógica inovadora ocorra efetivamente, tendo em vista que será possível
haver um progresso nas discussões interinstitucionais no sentido de avançar na
superação do paradigma pedagógico. (CARBONELL, 2002)
O planejamento na educação é necessário. “A educação deve estabelecer as
direções, traçar caminhos, indicar metas, fins e objetivos” num processo contínuo a
fim de que não haja bloqueio dos processos de crescimento e evolução do homem.
Compreendem esse planejamento a organização dos tempos e espaços de
aprendizagem, a construção da estrutura curricular, os processos de avaliação, bem
como outros. (MENEGOLLA e SANT’ANNA, 2008, p.24)
A respeito daquele processo dual já mencionado, para reafirmá-lo recorre-se ao
autor quando explica que
não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos,
apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de
objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende
ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. Por isso é
que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivorelativo. Verbo que pede um objeto direto - alguma coisa - e um objeto
indireto - a alguém. (FREIRE, 2002, p.12)
Diante da discussão tecida até aqui, neste trabalho, práticas pedagógicas são
88
compreendidas muito mais que a elaboração do planejamento de uma aula a partir
de um currículo formalizado, envolve a valorização que é dada a cada conteúdo, a
relação que estabelece entre este conteúdo e a realidade, a proposição de reflexões
e a abertura de espaços de discussão sobre as temáticas estudadas, e enfim, a
postura, atitudes e comportamentos que se adota na relação interpessoal
professsor-aluno em um ambiente educacional.
Situadas no presente contexto no qual a sociedade contemporânea se insere no
qual têm imperado as TIC como instrumento privilegiado para a obtenção de
informações que exigem habilidades do indivíduo que as deseja utilizar (que ainda
não foram contempladas no currículo escolar do nosso país) as práticas
pedagógicas especialmente quando utilizadas em programas sociais de inclusão
digital devem ser refletidas e organizadas de modo a favorecer a construção da
autonomia dos indivíduos frente a essas tecnologias, o que significa contribuir na
construção das aprendizagens necessárias para que essa autonomia ocorra.
Acredita-se que os avanços nesse sentido não são apenas pedagógicos, nem têm o
seu fim na busca de práticas inovadoras, mas são um passo dado para conferir
maior equidade de participação às pessoas no âmbito da Sociedade da Informação.
Atingir como fim a formação de indivíduos que sejam capazes de olhar criticamente
para as informações que lhes são disponibilizadas, como exige a formação de
indivíduos i-protagonistas, requer propiciar-lhes um ambiente em que estas
habilidades possam ser exercitadas. É necessário oferecer a oportunidade de refletir
e discutir assuntos complexos, pensar em soluções para resolver os problemas que
se apresentam e isso se faz no cotidiano.
Compreende-se que a capacidade de domínio dos recursos tecnológicos,
especificamente aqueles que ampliam as possibilidades de acesso à informação e
comunicação constitui instrumento de empoderamento. Então, o i-protagonismo
89
seria ao mesmo tempo uma condição indispensável na contemporaneidade para o
exercício efetivo da cidadania.
Um processo formativo que contemple as demandas sociais e políticas do tempo
presente só pode ser efetivado num ambiente educativo que esteja amparado por
uma gestão educacional democrática que considere a relevância da construção
coletiva para o alcance de resultados mais consistentes e que compartilhe o poder
decisório com as pessoas que estão direta ou indiretamente envolvidas no processo,
e por práticas pedagógicas inovadoras que conduzam o educando ao exercício
cotidiano da autonomia e da participação, que sejam nutridas por um olhar crítico e
visão reflexiva sobre cada situação.
90
6 A PESQUISA DE CAMPO: Aspectos metodológicos
.
As pretensões do que se quer alcançar com uma pesquisa antecedem e em grande
medida condicionam a escolha do caminho a percorrer. Em se tratando deste
trabalho cuja matéria de discussão – as práticas pedagógicas na sociedade da
informação – está envolta por um conjunto ilimitado de fenômenos sociais, a opção
pela abordagem quanti qualitativa referencia a compreensão de que a mensuração
de alguns dados é importante, mas não se pode perder de vista a complexidade do
objeto investigado, buscando um olhar mais alargado sobre este que é o resultado
de um produto da relação entre o mundo real e o sujeito. (OLIVEIRA, 2007)
Os interesses desse trabalho relacionam-se com a observação, a descoberta e a
verificação dos fatores que rodeiam o trabalho desenvolvido pelos educadores junto
aos educandos, bem como a classificação e leitura crítica desses fatores buscando
um maior aprofundamento da questão a partir da investigação de um grupo ou
comunidade pré-determinados o que conduziu à definição do seu delineamento
como um estudo de campo de uma pesquisa descritiva. (GIL, 2007) (OLIVEIRA,
2007)
Análise Documental, Entrevista semi-estruturada, Grupo Focal e Observação
estruturada e sistemática foram os instrumentos de coleta de dados utilizados. A sua
variedade e quantidade significaram uma tentativa de abarcar com maior
abrangência a temática, sem desconsiderar a sua complexidade, ainda que
consciente dos percalços dessa tarefa.
O acesso ao universo delimitado – o Plug Minas – foi bastante facilitado6. Uma das
6
Fato justificado pela existência prévia de um Edital da FAPEMIG que selecionou o projeto da a
pesquisa “ I-protagonismo: inovação social, juventude e literacia digital/informacional nas redes
sociais do Plug Minas – SHA-APQ 00149-11 na qual essa dissertação se inspirou.
91
poucas dificuldades encontrada foi a disponibilidade de agenda para reunir vários
professores de um mesmo núcleo ao mesmo tempo para a realização do Grupo
Focal, tendo em vista as atividades cotidianas que estavam em andamento. Outra foi
o período de transição pelo qual passou um dos núcleos (estava se regularizando
para mudar o status de curso livre para escola técnica) o que ocasionou mudança no
quadro de professores devido à formação exigida para os mesmos no novo modelo.
A compilação dos dados foi um trabalho que demandou bastante tempo de
dedicação e a recorrência a múltiplos formatos de apresentação dos resultados
auferidos a fim de assegurar uma melhor visualização e compreensão dos mesmos.
Tomando a análise de conteúdo de Bardin (1977) por fio condutor, esta etapa da
pesquisa basicamente se dividiu em três fases: pré-análise, na qual se buscou
organizar o material a ser analisado; exploração do material, que compreende
realizar a codificação, classificação e categorização das informações contidas nele;
e tratamento dos resultados, inferência e interpretação, que compreende a análise
reflexiva e crítica.
O agrupamento dos dados coletados na Análise Documental e nas Entrevistas com
os gestores foi uma decisão tomada durante o processo de análise dos dados, a
partir da compreensão que as unidades de análise obtidas pelos dois instrumentos
convergiam para apontar a discussão sob as mesmas perspectivas.
As construções favorecidas pela pesquisa bibliográfica, que antecedeu essa etapa,
constituíram um suporte fundamental para a tarefa de análise dos dados e a
definição de diagnósticos.
A seguir uma descrição detalhada do universo, métodos e recursos, intercalada com
a análise diagnóstica propriamente dita.
92
6.1 O campo da pesquisa: universo
Neste item descrever-se-á o universo delimitado para a realização da pesquisa de
campo, bem como os argumentos para definição das amostras.
6.1.1 O universo – Breve apresentação, delimitação e caracterização do campo
de pesquisa
Considerando que “as pesquisas descritivas têm como objetivo básico descrever as
características de populações e de fenômenos”, o presente estudo delimitou como
seu universo o Plug Minas - Centro de Formação e Experimentação Digital,
implantado em Belo Horizonte no ano de 2009 que integra Núcleos de
formação e inovação em tecnologia, artes e esportes. (GIL, 2007, p.42) Foi criado
pela Secretaria de Estado de Cultura, em parceria com a Secretaria de Estado de
Esportes e Juventude. A gestão do projeto é feita pela OSCIP Instituto Cultural
Sérgio Magnani que constitui o Núcleo de Planejamento e Gestão (NPG). Essa
gestão e a execução ocorrem em parceria com instituições de origens e propósitos
múltiplos e diversificados, como o Sebrae MG, a Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais e o Instituto Oi Futuro. Essas instituições parceiras também podem
recrutar outras para contribuírem na execução das atividades no núcleo, ou apenas
no aporte financeiro para essas atividades. A figura a seguir resume essa
organização, no que compreende os núcleos que serviram como amostra para a
pesquisa.
93
FIGURA 1 – Mapeamento Resumido do Modelo de Gestão Plug Minas
Apesar da demonstração hierarquizada, concebida como melhor maneira de
representar a estrutura organizacional do Programa, na prática, a relação que ocorre
entre governo, associações e instituições privadas é o que Scheneider (2005, p. 49)
denomina rede de políticas públicas, analisando sob a perspectiva de que o Plug
Minas não é uma política pública formulada e implementada apenas pelo Estado,
“mas que também atores privados ou sociais participam nesse processo de
produção e oferta de bens públicos”. A rede de políticas públicas deriva da teoria da
governança, na sua versão mais atual, na qual “a produção do esforço de condução
não precisa estar concentrada em nenhum sujeito de condução, por exemplo, sobre
o Estado ou uma direção de uma organização” sendo aceitas outras formas de
gestão – descentralizadas ou policentradas.
A sede do Programa foi instalada no mesmo local onde já funcionou uma unidade da
94
Febem desativada em 2003. A área ocupada tem cerca de 70 mil metros quadrados
no bairro Horto, região leste de Belo Horizonte. As mudanças arquitetônicas e
paisagísticas ocorridas no espaço superaram a antiga lembrança de repressão e
punição e tornaram o espaço um ambiente de convivência agradável para a
juventude que é o público alvo do projeto.
O espaço dispõe de uma entrada principal que dá acesso aos prédios dos sete
núcleos que estão em funcionamento atualmente – Amigo do Professor (NAP),
Caminhos do Futuro, Empreendedorismo Juvenil, INOVE Jogos Digitais, Oi Kabum!,
Valores de Minas e Culturas de Mundo além de um refeitório e do Núcleo de
Planejamento e Gestão (NPG). Alguns deste núcleos não aparecem na FIG.1 tendo
em vista que não foram eleitos como amostra desta pesquisa.
A divulgação das vagas disponibilizadas pelo Programa é feita por meio de cartazes
nas escolas públicas, em postos de atendimento dos serviços municipais e pelo site
do Plug Minas. Além da faixa etária (14 a 24 anos), os participantes do projeto
devem ser alunos ou egressos de escolas públicas da região metropolitana de Belo
Horizonte, e ser aceitos no processo de seleção. A primeira etapa desta seleção é
realizada pelo NPG que encaminha aos núcleos os pré-selecionados. Nos núcleos,
os candidatos passam outra etapa de seleção que pode contemplar desde avaliação
de habilidades artísticas até conhecimentos em matemática e português (de acordo
com o curso oferecido pelo núcleo), entrevista e análise socioeconômica.
As atividades oferecidas em cada núcleo são diversificadas, mas têm como
princípio o uso de recursos da cultura digital. O programa prevê obtenção de
resultados em três áreas a saber: educação, trabalho e participação social. Nesse
âmbito, a concepção dos Núcleos deve confluir para esse fim tendo como “via
comum de acesso” os “domínios da cultura digital”. (MINAS GERAIS, 2008, p.5)
O protagonismo juvenil é o princípio que norteia o projeto, devendo as
95
diretrizes pedagógicas dar suporte para que esse princípio se sustente. Além do
próprio protagonismo, outras cinco práticas servem como base para as diretrizes: o
desenvolvimento
de
projetos,
a
resolução
de
problemas
complexos,
a
transdisciplinaridade, o dialogismo didático e a aprendizagem colaborativa.
Além dos seis núcleos7 que atualmente atendem os jovens, o projeto também tem
um núcleo que atende professores e funcionários de escolas públicas (NAP –
Núcleo Amigo do Professor) em cursos presenciais, semi-presenciais e virtuais que
também pretendem contribuir para a inserção desses indivíduos na cultura digital.
Este projeto aqui descrito, que já assumiu caráter de Programa, foi ou melhor
constituiu o campo de coleta de dados para o desenvolvimento desta pesquisa.
Levando em conta a dificuldade de abarcar a totalidade do universo delimitado, e
considerando a necessidade de estabelecer “critérios no processo de seleção” da
amostra para este trabalho a fim de “que ela seja significativa” (OLIVEIRA, 2007,
p.88) decidiu-se pela investigação de três núcleos do programa baseando-se nos
seguintes fatores:
a) considerou-se que dos seis núcleos que estavam desenvolvendo atividades
direcionadas para a juventude, cinco deles faziam uso permanente das ferramentas
de acesso às TIC; sendo assim, a investigação de três desses núcleos compreende
uma parcela suficiente para se conhecer a singularidade desse Programa ;
b) a opção por investigar três núcleos também partiu da compreensão que cada um
dos núcleos investigados era coordenado por uma instituição parceira distinta o que
poderia trazer variáveis significativas para a análise dos resultados.
7
Os núcleos que faziam parte do programa na época em que foi realizada a pesquisa eram:
Empreendedorismo Juvenil, Inove – Jogos Digitais, OI Kabum, Valores de Minas, Caminhos do
Futuro e Laboratórios de Cultura de Mundo.
96
Desta forma, o campo delimitado dentro do universo para fins desta pesquisa foram
os núcleos Empreendedorismo Juvenil, Oi Kabum! e Inove - Jogos Digitais. A fim
de preservar a identidade das pessoas que participaram da pesquisa a partir desta
etapa os núcleos serão nomeados por símbolo numérico, cujas descrições seguem
abaixo
6.1.1.1 Núcleo 1 – Características
O Núcleo é resultado de uma parceria entre o governo do Estado representado pela
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Instituto Sergio
Magnani, responsável pela administração do Programa Plug Minas, e uma escola
técnica – responsável pela execução do projeto.
A formação oferecida é de nível técnico e segundo o projeto pedagógico do núcleo
“o principal objetivo da escola é a formação do aluno para exercer sua cidadania e
autonomia, e não apenas formar um profissional que seja um mero executor de
tarefas”. (PROJETO DO NÚCLEO 1).
O Núcleo 1 está instalado num prédio de piso único, onde distribuem-se salas de
aula, um laboratório de informática, uma sala com quatro computadores onde
ocorrem atividades da empresa simulada - uma metodologia que tem como base a
administração de uma empresa em um mercado virtual -, sala da coordenação,
copa, banheiro feminino e masculino adaptados, além da recepção.
A fase da seleção dos candidatos realizada pelo núcleo se constitui de duas etapas:
avaliação conceitual (caráter classificatório) e dinâmica em grupo (caráter
eliminatório). Ao final do processo 210 candidatos são selecionados para formar as
sete turmas que participarão do curso no núcleo durante um ano, sendo duas delas
no turno da manhã e cinco no turno da tarde.
97
O curso neste núcleo tem duração de um ano e certificação de curso técnico. Está
organizado em três módulos que perfazem uma carga horária total de 960
horas/aula.
6.1.1.2 Núcleo 2 – Características
O projeto é uma parceria do governo com uma universidade, sendo que parte do
aporte financeiro é garantida por uma empresa privada.
O prédio destinado às atividades do Núcleo 2 possui dois pisos ao qual integram
recepção, sala de coordenação, sala de professores, sala de reunião, salas de aula,
quatro laboratórios de informática, biblioteca, copa, banheiros feminino e masculino
adaptados para pessoa com deficiência.
O curso oferecido pelo núcleo tem duração de seis meses. A cada semestre são
matriculados 250 novos alunos selecionados num processo que compreende, além
da etapa de captação que compete ao NPG, uma seleção constituída pela
aplicação de provas de português, matemática e física elaboradas pela equipe do
núcleo.
6.1.1.3 Núcleo 3 – Características
A escola que originou o nome do núcleo já existia em outras três cidades, sendo a
primeira instalada no Rio de Janeiro, sempre a partir de uma parceria com uma
ONG. Cada escola tem características próprias em cada lugar apesar de manter
alguns princípios. O educador Antônio Carlos Gomes Costa, que já foi presidente
da antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (FEBEM), autor de
98
dezenas de livros e artigos, no Brasil e no exterior, sobre o atendimento, a
promoção e a defesa dos direitos do público infanto-juvenil, participou da
construção da concepção da escola junto com representante da fundação
mantenedora do núcleo e o foco sempre esteve concentrado na Arte. Segundo a
gestora, a escola tem um caráter de formação política muito forte. Uma
Organização Não-Governamental (ONG) é a parceira responsável pela execução
dos trabalhos no Plug Minas desde o início das atividades do núcleo.
O prédio destinado às atividades do Núcleo 3 possui dois pisos onde se distribuem
além da recepção, inúmeras salas com computadores, sala de áudio visual,
biblioteca, sala de professores, sala de coordenação, copa e banheiro feminino e
masculino adaptados. O núcleo 3 dispõe de vários equipamentos audiovisuais
(câmeras fotográficas, microfones, caixas de som, etc), fato que pode-se atribuir à
especificidade das temáticas tratadas no núcleo.
O curso proposto pelo núcleo na ocasião da realização da pesquisa se enquadra na
categoria de curso livre e tem a duração de 18 meses proporcionando aos
participantes formação em uma das cinco linguagens a saber: design gráfico,
webdesign, computação gráfica, vídeo e fotografia.
A etapa do processo seletivo dos candidatos que compete ao núcleo compreende
carta de intenções e dinâmica de grupo.
6.2 Os instrumentos de coleta de dados
Como já dito anteriormente, quatro instrumentos constituíram a estratégia para
coleta de dados: análise documental, entrevistas, grupos focais com professores e
observação das práticas pedagógicas.
99
De acordo com os objetivos desta pesquisa, os dois primeiros atenderam ao
mesmo fim, identificar os princípios e concepções que norteiam o trabalho nos
núcleos pesquisados. Por meio dos grupos focais buscou-se verificar quais os
conhecimentos dos educadores acerca da literacia digital/informacional e como
relacionam estes conhecimentos com as práticas pedagógicas que adotam. A
observação teve por finalidade identificar quais as práticas pedagógicas são
adotadas pelos educadores no desenvolvimento das atividades nos núcleos. Esse
instrumento será melhor detalhado, oportunamente, e
o
roteiro utilizado se
encontra nos apêndices.
Durante a explanação referente aos resultados obtidos na coleta de dados também
serão prestados maiores esclarecimentos sobre as características dos instrumentos
utilizados.
Para fins de proceder à análise documental tendo em vista obter a apuração dos
dados pretendidos tomou-se como material o projeto constitutivo do Programa Plug
Minas e os projetos pedagógicos de cada um dos núcleos pesquisados, perfazendo
um total de quatro documentos. A elaboração dos projetos dos núcleos foi uma
tarefa das instituições executoras que tiveram como diretrizes o projeto do
Programa, mas também tiveram que considerar os recursos financeiros e humanos
que dispunham, de acordo com os contratos de parcerias firmados.
Outro instrumento que será abordado neste item é a entrevista semi-estruturada
realizada com os três gestores dos núcleos pesquisados. Essa entrevista partiu “de
certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses” que constituíam
interesse da pesquisa e que estão inscritos no roteiro elaborado que consta como
Apêndice A deste trabalho. Afinal, esse tipo de instrumento é resultado “não só da
teoria que alimenta a ação do investigador, mas também de toda a informação que
ele já recolheu sobre o fenômeno social que interessa”. (TRIVIÑOS, 1987, p. 146)
Sua aplicação foi agendada previamente e realizada pessoalmente pela
100
pesquisadora. A duração média do tempo de cada entrevista foi de 60 minutos, e os
entrevistados, cujo sigilo dos nomes será preservado, permitiram a gravação em
áudio das mesmas. A fim de facilitar o entendimento dos leitores o Gestor 1 referese ao responsável pela gestão do Núcleo 1, o Gestor 2 à do núcleo 2 e o Gestor 3 à
do núcleo 3.
A análise conjunta dos dados coletados por meio destes dois instrumentos justificase pela convergência de finalidades e de afinidade entre os temas obtidos. A
análise de conteúdo definida
como “um conjunto de técnicas de análise das
comunicações” cujos formatos podem ser inúmeros e também adaptáveis a um
vasto campo de aplicação que são as comunicações foi a estratégia utilizada para a
realização desta análise. (BARDIN, 1977, p.31)
Nesta pesquisa qualitativa o que foi levado em conta é “a presença ou a ausência
de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num
determinado fragmento de mensagem” e não a freqüência com que as mesmas
aparecem. (BARDIN, 1977, p.21)
Seguindo o percurso sugerido por Bardin (1977), as unidades de registro foram
estabelecidas com base nas questões abordadas na entrevista, bem como na
presença dessas questões nos documentos analisados. A partir dessas unidades
de registro definiram-se categorias, ou seja, classificaram-se os diferentes
elementos obtidos. Neste trabalho optou-se por expor essas unidades de registro e
categorias no corpo do texto.
Posteriormente à coleta de dados buscou-se compreender as comunicações
auferidas em cada um dos instrumentos aplicados superando a visão dos
significados mais aparentes, procurando vislumbrar o pano de fundo sob o qual
estava cada uma dessas comunicações. (BARDIN, 1977)
101
As unidades de registro definidas foram o Programa Plug Minas como espaço de
aprendizagem e a construção dos princípios e concepções que o norteiam. As
categorias retiradas destas unidades seguem descritas e discutidas.
102
7 O PROGRAMA PLUG MINAS COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM
Sem perder de vista que o universo delimitado para esta pesquisa está sendo
estudado a partir da perspectiva de uma unidade de educação não-formal, mas que
tem e deve assumir suas responsabilidades no campo educacional, a partir desse
capítulo, tratar-se-á de proceder à análise dos dados resultantes do trabalho de
campo.
Esta análise foi dividida em três momentos: o primeiro a partir dos resultados obtidos
na análise documental, nas entrevistas e na observação não-sistemática do espaço
físico realizada durante as visitas para o trabalho de campo; o segundo, com base
nos dados produzidos nos grupos focais realizados com os professores; e o terceiro,
respaldado pelas observações das práticas pedagógicas. O produto final obtido está
descrito a seguir.
7.1 Análise de dados - na análise documental, nas entrevistas e na observação
não-sistemática do espaço
O espaço físico e recursos materiais, a organização dos tempos e dos espaços de
aprendizagem e o corpo docente implicam diretamente na construção de um espaço
de aprendizagem. A seguir são discutidos os pontos positivos e negativos desse
aspecto no Programa Plug Minas, mais especificamente nos núcleos pesquisados, a
partir dos dados auferidos na análise de documentos, entrevistas e observação não
sistemática durante o trabalho de campo nas instalações do Programa.
7.1.1 Estrutura física e instalações
103
Considera-se todo o espaço físico, a arquitetura e os recursos materiais
disponibilizados no Plug Minas são constitutivos de significado e demonstram a
pretensão de propiciar novas aprendizagens, mas para além disso, interações,
trocas, construções e reconstruções de pensamentos, ideias e experiências. Nesse
aspecto, as possibilidades de encontro entre membros de um mesmo núcleo e
também de núcleos diferentes são bastante favoráveis pela própria arquitetura do
local.
O prédio de cada núcleo localiza-se sempre em frente e ao lado de outro núcleo; há
área verde integrando estes prédios e também favorecendo a integração entre os
indivíduos que os frequentam; não há cercas, portões ou obstáculos físicos que
impeçam o contato visual ou físico entre a comunidade Plug. Há uma área central
interna em cada prédio que dá acesso às portas das salas, laboratórios e banheiros,
assim, esse encontro é facilitado. A existência de áreas comuns a toda a
comunidade como o PLUG Rango (refeitório) e a PLUG House (lan house instalada
no NPG) também pode traduzir-se como um estímulo a esse encontro.
Ao adentrar cada prédio percebe-se continuidades e rupturas com essa proposta de
encontro. Nos núcleos 1 e 2, a maioria das salas tem seu mobiliário organizado
como em escolas tradicionais – carteiras enfileiradas. No núcleo 3 os espaços não
apresentaram uma organização predeterminada durante o período de observação.
Alunos e professores movimentam as cadeiras nas salas de acordo com a
necessidade, agrupando-se em duplas ou trios em frente aos computadores, ou em
círculos de discussão.
Na recepção dos três núcleos estão distribuídos sofás que são utilizados pelos
alunos especialmente quando chegam e nos intervalos. No núcleo 3, há alguns puffs
cuja decoração foi feita por alunos que estão espalhados neste espaço e ampliam as
possibilidades de trocas entre os indivíduos; em todo o espaço externo das salas
deste núcleo também há caixotes e puffs de diferentes estilos que propiciam
104
ambientes que estimulam o livre diálogo; num canto da recepção também estão
disponíveis esteiras que podem ser utilizadas pelos alunos e não-alunos do núcleo
na área externa do prédio, sem prévio aviso.
Nos prédios dos três núcleos pesquisados, os laboratórios de informática são
equipados com computadores conectados à internet e estão disponíveis projetores
multimídias.
Como já mencionado um dos fatores que tem influência sobre o comportamento dos
educandos é o meio físico que o cerca. (ELALI, 2003) Nesse âmbito, a organização
espacial do núcleo 3 se apresenta mais aberta às possibilidades de trocas, ao
diálogo e às novas construções; fato que nota-se ser intencional
A gente tem muito medo das coisas que ficam instituídas. Então a gente faz
algumas estratégias, as salas mudam de lugar, né. A webdesigner é ali e
passa prá lá... (GESTOR DO NÚCLEO 3)
Tendo em vista que “os sistemas de ensino como um todo, e os estabelecimentos de
ensino como unidades sociais, são organismos vivos e dinâmicos” a rede de
relações que ocorre entre seus diferentes elementos que de alguma forma provocam
intervenção direta ou indireta exigem da sua gestão novas maneiras de organização.
(LÜCK, 2011, p.38) A essas mudanças podemos relacionar desde as ligadas às
questões estéticas, à estrutura curricular, aos tempos e espaços, às concepções e
princípios que norteiam este sistema.
Um ambiente propício à discussão, ao confronto de ideias, à liberdade de expressão
e ao estímulo à criatividade é um terreno mais fértil para o cultivo de práticas
autônomas e reflexivas e caminham na contramão da proposta positivista e
ultrapassada de “hierarquização e verticalização” (LÜCK , 2011, p. 37)
Nesse âmbito a gestão educacional assume caráter de suma importância da
educação por sua visão e interferência numa dimensão globalizada.
105
7.1.2 Quanto aos tempos e espaços de aprendizagem
Os diferentes cursos oferecidos pelos núcleos pesquisados têm distintos tempo de
duração: 6 meses, 12 meses ou 18 meses.
Nos três núcleos este tempo é distribuído em módulos e estes em disciplinas. Estas
últimas se distribuem ao longo do período de uma semana, repetindo-se do início ao
final do módulo.
Em sua maioria, as disciplinas em cada núcleo pretendem articular a formação do
participante nos cursos oferecidos. Destaca-se, neste âmbito, duas situações em
dois núcleos distintos: no núcleo 2, os alunos participam de uma oficina semanal
junto a estagiárias de psicologia onde discutem temas relacionados à faixa etária, a
dificuldades no/do curso, e outros de interesse dos grupos; no núcleo 3 há um
espaço semanal em que os alunos escolhem e integram grupos de gestão coletiva.
A organização do tempo é bem semelhante à que ocorre na escola regular. Apesar
disso, percebe-se uma maior flexibilidade destes tempos no núcleo 3. O lanche dos
participantes neste núcleo, por exemplo, é servido no próprio prédio, o que evita,
segundo o gestor, que alguma atividade seja interrompida quando está se
apresentando produtiva e, ao mesmo tempo, sem deixar que o lanche deixe de ser
oferecido.
Um planejamento educacional não deve assumir um caráter limitador, mas sim
libertário no qual a pessoa possa “desenvolver sua originalidade e sua
responsabilidade individual e social”. Deve ser democrático e abrir possibilidades a
inovações, num processo dinâmico. (MENEGOLLA e SANT’ANNA, 2008, p.27)
O modelo das estruturas tradicionais de ensino que vigorou por séculos buscava
seguir normas e padrões engessados, concebidos a partir da visão da necessidade
de controle e que permitiam caminhar numa direção exclusiva. Essa estratégia tem
106
como pano de fundo a conformação da pessoa às estruturas sociais já
estabelecidas.
Este modelo não condiz com o anseio da formação de indivíduos protagonistas. Ao
mesmo tempo, ainda é um desafio paradigmático para os atuais educadores e
gestores superar esta estrutura tradicional que embasou a formação da maioria
destes. Portanto, exige dos mesmos mais que uma mudança atitudinal, envolve uma
reforma do pensamento.
Lück (2011, p.23) destaca a complexidade dos problemas educacionais e a visão
global e abrangente que a sua resolução exige. Isso demanda uma ação articulada,
dinâmica e participativa. Assim desmistifica-se a relação de poder que o diretor
assume na gestão escolar e caminha-se na construção de uma gestão democrática
que envolva todos os atores que fazem parte do processo.
7.1.3 Quanto ao perfil dos professores
O perfil dos professores é bastante distinto em cada núcleo. No Núcleo 2 os
professores são os mais jovens e estão na faixa etária entre 20 e 25 anos, são
estudantes de curso superior e foram contratados em regime de estágio com uma
carga horária semanal de 30 horas. Devido à forma de contratação, o tempo máximo
de permanência no núcleo é de 24 meses. No Núcleo 1 os professores são todos
graduados e dispõem de uma experiência pedagógica externa ao projeto, em outra
instituição vinculada à executora; o regime de contrato dos professores é CLT de
acordo com as horas/aulas ministradas no núcleo. No Núcleo 3 os professores têm
diferentes formações sendo alguns graduados, outros técnicos e alguns com
formação em cursos livres; todos são contratados em regime CLT para dedicação às
atividades docentes no projeto.
107
Durante a entrevista os gestores dos Núcleos 1 e 2 reforçaram a importância da
formação acadêmica e profissional para a atuação como professor no núcleo
O professor que trabalha aqui no núcleo tem que primeiramente ser
graduado e tem a ver com a disciplina que ele vai lecionar, tem que ser
graduado no mínimo, ele tem que ter uma experiência dentro da área em
que ele vai lecionar e ele tem que passar pelo processo seletivo....
(GESTOR DO NÚCLEO 1)
Como é uma área muito específica e muito técnica, se abrir para outras
áreas não há como atender as ementas das disciplinas. Mas poderia ser um
aluno do curso de ciência da computação na área da programação, ou do
curso de produção multimídia, para a parte de animação e arte. (GESTOR
DO NÚCLEO 2)
Percebe-se que um dos critérios importante na contratação dos professores para
atuarem nos três núcleos é em relação ao saber formalizado que acumularam ao
longo do percurso acadêmico e/ou profissional. A valorização deste saber flui para a
proposta de garantir a qualidade dos cursos oferecidos no programa. Por outro lado,
a proposta de formação apresentada no documento constitutivo do Plug Minas
amplia a concepção de uma formação técnica quando propõe uma formação para a
autonomia e com senso de responsabilidade coletiva, que capacite para transformar
a vida pessoal e o seu entorno.
Esta característica confirma Freire (2002) com a visão de que o perfil de um
professor deve extrapolar a formação acadêmica e a experiência profissional,
especialmente quando a formação que se pretende oferecer ao educando está
permeada de desafios como é o caso dos projetos que fazem parte das políticas
públicas para a juventude brasileira, neste caso, o Plug Minas.
O reconhecimento da exigência de saberes que ultrapassam o formalizado para o
desenvolvimento dos trabalhos é apontado apenas no Núcleo 3 que destaca que os
educadores “tem que ser artistas” além de saber trabalhar em equipe. (GESTOR
NÚCLEO 3). O projeto pedagógico também destaca a criticidade como uma
característica fundamental para um professor trabalhar no núcleo a fim de que
108
desenvolva “um olhar crítico em relação a métodos educativos que buscam
simplesmente promover o individualismo e a ampliação da auto-estima” (PROJETO
PEDAGÓGICO NÚCLEO 3).
O projeto pedagógico dos três núcleos contempla tempo periódico para reuniões
pedagógicas, cursos de aperfeiçoamento ou momento de trocas e partilhas entre os
professores. Acredita-se que esse espaço pode contribuir para a formação dos
professores e outros profissionais da instituição para o enfrentamento de demandas
específicas de projetos de cunho social. A organização desses tempos e espaços
compete à gestão do núcleo, mas pode ser deliberada junto aos outros atores
envolvidos no processo a fim de que contribuam para o seu processo formativo no
sentido da atuação no projeto social. Um espaço propício para esse fim no Núcleo 2,
por exemplo, são as oficinas semanais que os professores participam junto à equipe
de psicologia. Apesar disso, outros espaços e ações formativas de caráter informal
podem ser criados como sugestão de textos para leitura, disseminação de
experiências ocorridas no grupo ou externas, e estímulo à participação em diferentes
instâncias e assuntos do núcleo.
Carbonell (2002) defende que uma equipe docente sólida é um critério básico para
promover a inovação. Pode ser atribuído o caráter de inovação às mudanças
necessárias à formação dos indivíduos protagonistas. A partir dessa compreensão,
as características de uma contratação em regime CLT seria mais compatível com a
ideia de construir uma equipe estável. Neste caso, o Núcleo 2 apresenta maior
fragilidade, já que seus professores são contratados em regime de estágio, o que
limita obrigatoriamente o seu tempo de permanência no núcleo.
Ao mesmo tempo, o tipo de regime de contratação de professores por si só não
garante a manutenção de uma equipe de professores. Outros aspectos como as
condições de trabalho oferecidas aos profissionais, o ambiente de convívio cultivado
pelos gestores, a valorização docente que passa pela questão salarial também
109
influenciarão diretamente na permanência dessa equipe de profissionais.
Assim, além de cuidar para que haja um processo de formação permanente dos
profissionais docentes, é necessário valorar esses profissionais nas instituições.
7.1.4 Quanto aos princípios e concepções que orientam os projetos e o Programa
A proposta de oportunidade de desenvolvimento integral, propiciando sua inserção
econômica, cultural e política, numa formação ampla, com resultados no mundo da
educação, do trabalho e da participação para o jovem ingresso nas atividades do
Programa Plug Minas agrega alguns princípios e concepções que constituem sua
matriz.
Como esses princípios e concepções são ou não absorvidos na construção do
projeto dos núcleos, seja por diferenças de interpretação ou mesmo por influência de
questões que envolvem a origem das instituições executoras é o ponto discutido a
seguir.
7.1.4.1 Protagonismo juvenil
O
principal
norteador
do
Programa
é
a
necessidade
de
oportunizar
o
desenvolvimento do protagonismo juvenil. Nesta etapa o foco da discussão se atém
à conexão da concepção de protagonismo do Programa com a dos projetos
pedagógicos do núcleo.
No texto da proposta que norteia o Programa
fica claro que o conceito de
protagonismo está relacionado à conquista da autonomia juvenil que demanda
110
vivência em práticas cotidianas que propiciem oportunidades de diálogo e
participação na solução de problemáticas reais como se lê
Construção dialogada e colaborativa de estratégias para o tratamento de
problemas complexos, organizados em torno de projetos ao mesmo tempo
desafiadores e factíveis, e que valorizem o desenvolvimento transdisciplinar
de competências cognitivas, afetivas e sócio-interacionais, através da
participação guiada dos jovens em práticas que conduzam à sua crescente
autonomia na formulação de projetos de vida, sendo este conjunto de
práticas nossa versão do chamado protagonismo juvenil. (MINAS GERAIS,
2008)
Acerca do protagonismo juvenil o gestor do Núcleo 3 defende que este se mede
pelas ações espontâneas. Um exemplo dado por ele de situações criadas para que
os jovens desenvolvam o protagonismo é a proposta de gestão coletiva do núcleo,
que se concretiza por meio dos grupos de gestão. Para a realização deste trabalho é
destinado um tempo semanal na grade curricular para reunião dos grupos:
“Conselho Gestor, Gestão ambiental, Grupo de Comunicação, Gestão da Biblioteca,
etc. A atuação dos jovens nesses grupos se dá de acordo com seus desejos e
motivações pessoais”. (PROJETO PEDAGÓGICO DO NÚCLEO 3)
O protagonismo juvenil para o gestor do Núcleo 1 está relacionado à autonomia do
aluno “essa visão de protagonismo permeia todo o curso, né, porque o jovem tem
que correr atrás de tudo que ele vai fazer, todos os desafios que são lançados, então
ele vai ter que correr atrás...”. (GESTOR DO NÚCLEO 1) Esse ponto de vista pode
ser relacionado ao principal objetivo do núcleo que é “a formação do aluno para
exercer sua cidadania e autonomia, e não apenas formar um profissional que seja
um mero executor de tarefas”. (PROJETO DO NÚCLEO 1)
O texto do projeto pedagógico do núcleo 2 compreende a necessidade de contribuir
para desenvolver o protagonismo nos jovens como equivalente a equipá-los com
“conhecimentos que possam ser replicados em suas comunidades, amigos e meio
social em que vive e, de alguma forma, modificar sua realidade ou visão da realidade
vislumbrando horizontes mais amplos, alcançados, por parte dos próprios alunos”.
111
(PROJETO DO NÚCLEO 2).
Na entrevista com o gestor do Núcleo 2, percebe-se que a visão de protagonismo
está relacionada à autonomia para o crescimento pessoal.
Não há acompanhamento dos egressos. Não se sabe como o jovem
continua depois que sai. Sabe-se que em torno de 10% vai para o curso da
PUC. Um deles foi fazer o curso na PUC e agora é professor no núcleo.
Percebe-se que há um protagonismo, mas não há intenção, o jovem acaba
buscando o caminho por conta própria. Há possibilidade de outra aluna
fazer parte do quadro de professores.(GESTOR DO NÚCLO 2)
Conforme descreveu-se anteriormente, um dos pontos norteadores do Programa é o
protagonismo juvenil e que o conceito deste no Programa está conectado à
conquista de autonomia pelo jovem principalmente em relação às questões que
envolvem a sua própria vida, o seu cotidiano e a comunidade em que vive. As
diretrizes pedagógicas devem dar suporte para que esse princípio se sustente. Cinco
práticas servem como base para as diretrizes: o desenvolvimento de projetos, a
resolução de problemas complexos, a transdisciplinaridade, o dialogismo didático e a
aprendizagem colaborativa. A concepção dos Núcleos deve confluir para esse fim
tendo como “via comum de acesso” os “domínios da cultura digital” (PLUG MINAS,
p.5).
Retomando o fragmento “através da participação guiada dos jovens” do texto do
Programa Plug Minas que se refere ao conceito, percebe-se uma visão de que o
protagonismo
seria suscitado
numa
relação
de
dependência,
direcionada,
conduzida. (PLUG MINAS, 2008, p.5).
Essa visão se alinha ao discurso de que é necessário um processo educativo do
indivíduo a fim de que ele seja capaz de desempenhar a tarefa de responder às
demandas apresentadas pelo presente expressadas pelas exigências deste tempo e
os problemas que estão colocados. Nesse caso, o objetivo da educação seria “a
satisfação das necessidades e a busca de soluções de problemas do presente”,
112
quando se atribui à realidade o caráter de “natural, inexorável e inquestionável”
(SOUZA, 2008, p.148). Sob esse ponto de vista o conceito de protagonismo se
encerraria numa estratégia de alienação do indivíduo.
Resta salientar que o poder atual e sua educação ao longo de toda a vida
guardam ainda mais uma diferença em relação à sociedade disciplinar: hoje
em dia, o próprio indivíduo em atividade – ator social – encarrega-se de
assumir a tarefa de alimentar e garantir o êxito do mecanismo de
dominação. (...) Invocar o protagonismo juvenil equivale, portanto a motivar
o jovem a comportar-se como o “principal ator” social, em outras palavras,
como o principal agente de poder que o controla. Também equivale a dizer
que o jovem protagonista é o principal responsável pela sua integração à
sociedade, e que todos podem e devem ser protagonistas.” (SOUZA, 2008,
p.148, grifos da autora)
Seguindo essa mesma linha, o texto do projeto do Núcleo 1, que não traz o termo
protagonismo, sugere que a formação que se pretende oferecer ao jovem
matriculado no projeto prepare-o “para viver num futuro ‘em mutação’, no qual a
capacidade de seleção de informações e a prospecção de oportunidades
representarão o diferencial de sucesso” (PROJETO PEDAGÓGICO DO NÚCLEO 1).
O gestor do núcleo reforça o pensamento de que o protagonismo significaria a
responsabilização do indivíduo pelo seu próprio futuro no trecho em que fala que “o
jovem tem que correr atrás de tudo que ele vai fazer”. (GESTOR DO NÚCLEO 1)
No texto do projeto do núcleo 2 a visão de protagonismo juvenil está relacionada à
possibilidade de replicação dos conhecimentos adquiridos pelos jovens ao longo do
curso nas comunidades onde vivem e junto aos seus amigos sob o pressuposto de
que assim possa provocar mudança em “sua realidade ou visão da realidade
vislumbrando horizontes mais amplos” (PROJETO DO NÚCLEO 2). Esse
pensamento remete ao entendimento de que a educação seria não apenas
transformadora, mas libertadora que converge para o conceito de consciência crítica
defendido por Freire (1979). Durante a entrevista, porém, o gestor do núcleo retoma
a discussão da autonomia do jovem com o objetivo de atender a uma exigência do
tempo presente demandada pelas novas relações Estado/sociedade e pelo mercado
quando afirma que “o jovem acaba buscando o caminho por conta própria. Há
113
possibilidade de outra aluna fazer parte do quadro de professores.” (GESTOR DO
NÚCLEO 2)
Superar esse conceito requer conceber a educação como instrumento de subversão
das relações de poder. Nesse sentido, significaria propiciar um ambiente de
aprendizagem que permita construções autônomas que não pretendam responder
às demandas do presente pura e simplesmente, mas que estejam instigadas por
questionamentos pessoais revelados por um não conformismo, por uma negação de
ajustamento. Nesse sentido, encontra-se no texto do projeto do núcleo 3, não
vinculadas ao termo protagonismo que também está ausente no texto, algumas
pistas quanto a este tipo de formação
“Consideramos que uma escola [...] que almeja inserir seus educandos em
novos circuitos sociais, deve promover uma educação crítica que estimule os
jovens a desenvolver um olhar reflexivo sobre o mundo a partir da constante
criação de novas representações sobre as múltiplas realidades em que estão
inseridos. Para nós, os jovens devem ser instigados ainda a questionar uma
certa concepção "oficial" de realidade na qual a potência humana é
subestimada em razão de uma visão determinista e reducionista da vida.”
(PROJETO PEDAGÓGICO NÚCLEO 3)
O discurso do gestor do Núcleo 3 também reforça esta visão quando afirma que “a
gente mede o protagonismo pelas ações espontâneas” não condicionadas ou
dirigidas por uma outra pessoa. (GESTOR DO NÚCLEO 3)
Diante dos dados e considerando um princípio norteador do Programa aponta-se a
necessidade de rediscussão da concepção de protagonismo juvenil no escopo do
programa a fim de buscar avançar no sentido das atuais discussões no campo
acadêmico que demandam principalmente das mudanças de caráter político
ocorridas na sociedade que evocam a participação social dos indivíduos. Essa tarefa
pode ser realizada junto aos atores sociais que executam as atividades nos núcleos
já caminhando para um alinhamento dessa concepção não só nos projetos, mas
apropriada por todos os membros.
114
A recuperação de outros conceitos presentes nos textos, como educação e ensinoaprendizagem, foi utilizada a fim de buscar compreender como a concepção de
protagonismo juvenil adotado no projeto do Programa relaciona-se aos mesmos, se
há coerência nos discursos a fim que a visão se efetive no contexto real.
7.1.4.2 Educação e Ensino-aprendizagem
As diversas tendências pedagógicas que marcaram o percurso da educação no
Brasil influenciam os processos educativos contemporâneos considerando que
alguns dos sujeitos que constituem esses processos têm como referência algumas
dessas tendências, que tendem a estar ultrapassadas nos dias atuais. Além desta
questão, há que se levar em conta que as demandas do tempo presente com todas
as suas implicações num contexto global e que, ao mesmo tempo, é replicado num
caráter regionalizado que assume diferentes apropriações também inferem na
construção do campo educacional.
A proposição de políticas públicas de caráter educacional, mas que, ao mesmo
tempo, transcendem e se diferem da educação regular, se apresenta como uma
característica do tempo no qual vivemos e que expressa a validação do processo de
ensino-aprendizagem em espaços não escolares. Paralelamente, emerge a tarefa de
reconstrução dos conceitos que permeiam o processo educativo perscrutando novas
formas de produção do conhecimento que implicam pensar nas relações que se
estabelecem, nos recursos disponíveis, na organização do ambiente educacional,
enfim, nos diferentes fatores que alicerçam esse processo.
A visão de educação que orienta o programa parte do pressuposto da “construção
de
conhecimentos
ao
mesmo
tempo
amplos
e
localmente
relevantes,
desenvolvimento de habilidades e repertórios sólidos” e tem como pretensão
“oportunizar aprendizagens significativas e projetos de mudança pessoal e coletiva”
115
zelando “pela formação de pessoas crescentemente autônomas e solidárias”.
(MINAS GERAIS, 2008, p.9)
A educação como concebida no texto do projeto, ou seja, como campo para
ampliação de conhecimentos, de pluralidade de saberes, caminha no mesmo sentido
em que aumenta o volume de conhecimentos científicos e tecnológicos nos dias
atuais. Essa expansão não caminha desvencilhada do cotidiano, precisa fazer
sentido e ter aplicabilidade nas situações vivenciadas no dia-a-dia dos educandos.
Conforme Dowbor (2006) os tempos na vida de uma pessoa não podem ser
fragmentados.
Para além das exigências que as novas tecnologias implicam a educação deve levar
o indivíduo a assumir uma posição diante dos problemas e situações que são
colocados diante de si e que foi despertada pela emergência do domínio de um
saber democrático, que é muito mais experimental que teórico. Esse posicionamento
político também está contemplado na concepção de educação do programa quando
demonstra o anseio de uma formação para a autonomia e a transformação seja no
âmbito pessoal ou coletivo.
A concepção de educação que sustenta o projeto do Núcleo 1 está alicerçada nos
quatro pilares da educação8: aprender a conhecer (adquirir os instrumentos da
compreensão), aprender a fazer (para agir sobre o meio envolvente), aprender a
viver juntos (envolve participação e cooperação com os outros em todas as
atividades humanas e aprender a ser (autonomia para tomar decisões diante das
situações). O centro da prática pedagógica deve ser o aluno, e o educador aquele
que “alimenta e desenvolve as potencialidades do aluno, aquele que tem a sala de
aula como espaço de investigação e reflexão; aquele que considera seu fazer
8
Os 4 pilares da educação são conceitos de fundamento da educação baseado no Relatório da
Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors, para a
UNESCO. Este relatório constitui o quarto capítulo do livro: “Educação: um tesouro a descobrir”,
publicado em 1999.
116
docente e as práticas pedagógicas que ocorrem na escola como objeto de reflexão”.
(PROJETO DO NÚCLEO 1)
As disciplinas que constituem o curso estão diretamente relacionadas à formação
que se propõe, ou seja, formar empreendedores juvenis. Segundo a gestora do
núcleo, este currículo não é inflexível. Alguns projetos são implementados de acordo
com as necessidades percebidas no grupo, como foi o caso do projeto Etiqueta que
surgiu na ocasião de uma atividade externa que é realizada com os alunos: o Café
Empresarial. Esse projeto tem com objetivo orientar os alunos quanto ao vestuário,
posturas e atitudes nas diferentes situações que serão cotidianas para um
empreendedor, além de auxiliá-los na apropriação de locais pouco frequentados
pelos participantes, como os aeroportos, por exemplo. Essas atividades se
enquadram nas aprendizagens significativas descritas no conceito de educação do
programa.
Quanto ao conceito de educação que alicerça o projeto do Núcleo 2, este não está
claramente definido no projeto pedagógico do núcleo nem o pôde ser durante a
entrevista com o gestor, porém percebe-se no texto a permanente recorrência aos
termos construção do saber e desenvolvimento de competências. O curso possui
uma estrutura curricular dividida em dois módulos: Fundamentação e Produção. As
disciplinas oferecidas em cada módulo são relacionadas à proposta de formação
objetivada no núcleo com exceção, segundo o gestor do núcleo, das oficinas
semanais
que
são
conduzidas
por
estagiárias
de
psicologia,
já
citadas
anteriormente.
O projeto pedagógico do Núcleo 3 desperta para a visão de uma educação “crítica
que estimule os jovens a desenvolver um olhar reflexivo sobre o mundo a partir da
constante criação de novas representações sobre as múltiplas realidades em que
estão inseridos” que contribua para o desenvolvimento de “um sujeito que seja
autônomo, múltiplo, livre, criativo e emancipado”. (PROJETO DO NÚCLEO 3)
117
Algumas atividades citadas na grade curricular do curso do Núcleo 3 reafirmam o
tipo de formação proposto, como a participação nos grupos de gestão que constitui a
organização de grupos de alunos e professores para atuar na gestão compartilhada
de algum dos setores da escola, como biblioteca, comunicação, ambiental,
desenvolvimento de pesquisas, entre outros.
Alguns pontos são convergentes na concepção de educação do Programa e de dois
dos núcleos pesquisados (Núcleos 1 e 3): a atenção para o desenvolvimento da
autonomia e a preocupação que essa autonomia seja articulada a uma capacidade de
leitura do contexto em que vive, principalmente num plano global.
Essas convergências apontam a familiaridade da concepção de educação na
mesma linha de perspectiva do protagonismo, já citada anteriormente. Uma
educação emancipadora que possa contribuir para que o indivíduo seja
independente; e responsabilizadora, no sentido que determina atribuições
automáticas ao indivíduo a partir da sua emancipação.
A respeito do Núcleo 2, não foi possível verificar essa questão, tendo em vista a
incipiência dos dados obtidos.
Qualquer processo que se pretenda alcançar fins educativos supõe uma ação de
mediação, um ato relacional. Visões contemporâneas sobre a Pedagogia
compreendem diferentes relações possíveis nessa ação mediadora – aluno/objeto;
aluno/professor; aluno/aluno – que apesar de distintas poderão alcançar resultados
similares. Por este motivo, seguir-se-á discutindo a concepção de ensinoaprendizagem do programa, buscando relacionar esta concepção aos projetos de
cada núcleo e com o cotidiano dos trabalhos nos mesmos.
O texto do Programa descreve que o processo de ensino-aprendizagem deve ser
baseado no diálogo, com a maior clareza possível nos modos possíveis de dizer e
118
fazer. Destaca que o ato de conhecer é uma atividade social de negociação e
compartilhamento de entendimento e que o processo de aprendizagem é ao mesmo
tempo individual e social.
Sobre o processo ensino-aprendizagem o projeto pedagógico do Núcleo 1 destaca a
ideia do educador como mediador do processo de conhecimento tendo “papel de
orientar e facilitar o processo, criando condições para que o aluno vivencie os fatos,
estabeleça
conexões
e
possa
construir,
juntamente
com
os
colegas
o
conhecimento”. (PROJETO DO NÚCLEO 1) De acordo com o gestor deste núcleo a
premissa do trabalho é estabelecer uma ponte entre a teoria e a prática, e nesse
aspecto o professor é fundamental.
A proposta de um processo de ensino-aprendizagem calcado na práxis e por meio
da troca de saberes produtiva e enriquecedora também é pontuada no projeto
pedagógico do Núcleo 2. As mudanças que ocorreram na estrutura curricular do
curso, ao final da primeira turma, que foram citadas pela gestora do núcleo, apontam
para um alinhamento entre teoria e prática; e as duplas de trabalho para construção
do jogo que é o produto final do curso, atividade que também é citada durante
entrevista, reforça a ideia de aprendizagem colaborativa.
Tendo o ensino da arte como fio condutor das atividades, a visão do processo de
ensino-aprendizagem do Núcleo 3 descrita no projeto baseia-se na “prática do
diálogo e da experimentação”. O texto aponta para a busca de uma “pedagogia que
valoriza o trabalho coletivo e colaborativo e que incentiva os educandos a intervir de
modo consistente nas mais diversas arenas públicas de debate” incentivando a
formação de sujeitos autônomos, que tenham uma postura ativa e transformadora
frente à vida. (PROJETO PEDAGÓGICO NÚCLEO 3)
Segundo o gestor do núcleo, a fim de que esse processo se concretize o principal é
incluir a equipe em todos os processos que são possíveis, assim, sem achar
119
que não tem hierarquia, tem hierarquia sim. Quando a gente fala em gestão
coletiva a gente não tá falando em falta de hierarquia. Mas essa hierarquia
muda. Tem hora que quem tá liderando o processo é o jovem, tem hora que
é o educador, tem hora que sou eu que vou decidir. E vai de acordo com a
competência e com a habilidade, de acordo com o que ta rolando. O que a
gente vai tentando é dividir esferas de decisão. (GESTOR DO NÚCLEO 3)
Diante das perspectivas da educação contemporânea que tem demandas próprias
relacionadas ao intenso desenvolvimento tecnológico que atravessou a sociedade
nas últimas décadas e do cenário político que se apresenta o processo ensinoaprendizagem deve estimular o educando a uma busca permanente pelo
conhecimento, numa atitude pessoal e autônoma. As condições oferecidas devem
ser favoráveis para que esse processo ocorra, criando espaços de tomada de
discussão e de tomada de decisão, estimulando as trocas e as oportunidades de
exposição de idéias.
A concepção de ensino-aprendizagem proposta pelo Programa está direcionada
nesse sentido e a ela estão alinhadas as propostas dos Núcleos 2 e 3. Em relação
ao Núcleo 1, essa concepção precisa avançar para o sentido de refletir sobre a
questão da construção autônoma que é favorecida pelas oportunidades práticas que
são oferecidas ao educando no decorrer do processo.
7.1.5 Síntese das considerações propostas
Mais do que uma tendência política, a gestão das políticas públicas contemporâneas
demandam a participação cada vez maior de diferentes atores sociais, tendo em
vista a complexidade que abarcam essas políticas. Nesse ponto, a proposta de
gestão do Plug Minas, descentralizada da alçada estatal e compartilhada com outras
instituições na responsabilidade financeira e de execução é inovadora.
A participação de outros atores propicia uma leitura mais apurada da realidade posto
120
que impele à abertura ao diálogo e trocas para fins de estabelecimento das diretrizes
para a implementação das políticas.
No Plug Minas, porém, esse dialogismo está impedido pela excessiva autonomia
que as instituições detém na execução do projeto e que tornam o trabalho
individualista e, se visto no todo, fragmentado.
Superar essa situação requer a
intervenção das instâncias de planejamento, no caso do NPG, com ações que visem
integrar os diferentes atores que atuam nos núcleos (gestores, professores,
participantes, enfim, toda a comunidade envolvida nos trabalhos) como, por
exemplo, a promoção de espaços para discussão e debate.
Nesses espaços as concepções poderão ser discutidas e ponderadas buscando
alinhar as diretrizes que orientarão os trabalhos desenvolvidos em cada núcleo. A
definição clara desses conceitos contribuirá para que os resultados objetivados pelo
projeto principal, do Plug Minas, sejam alcançados, independente dos percursos
utilizados para isso.
O Programa Plug Minas apresenta algumas convergências entre as concepções
presente em sua proposta inicial e como elas foram interpretadas por algumas das
instituições parceiras constituídas para a sua execução. Apesar disso, ainda há
desencontros na leitura dessas concepções que podem estar relacionados aos
formatos distintos que a proposta assumiu em cada núcleo e ao contexto originário
das instituições parceiras que influenciam potencialmente nas leituras e no
entendimento desses conceitos.
O estímulo às trocas também possibilitará ampliar a visão dos envolvidos no
processo de gestão/execução do projeto que invariavelmente provocarão mudanças
no planejamento, de pensamento e de posturas que influenciarão de forma positiva
na reflexão dos conceitos norteadores e no desenvolvimento das atividades. Ainda
nesse sentido, a criação de novos núcleos deveria envolver os atores que atuam nos
121
núcleos já existentes a fim de estender aos calouros os avanços já alcançados nas
discussões.
Algumas questões como o caráter de contratação de professores dos núcleos,
especificamente do Núcleo 2 que são admitidos como estagiários, o que influencia
na solidez da equipe de professores e pode prejudicar a qualidade dos trabalhos
desenvolvidos deve ser discutida e os contratos de parceria devem ser refletidos
buscando alternativas para dirimir estas demandas.
A inovação gestacional e conceitual de política pública para a juventude proposta
pelo Programa Plug Minas representa um grande avanço no campo, porém algumas
reflexões e alguns redirecionamentos são necessários para que melhores
resultados.
7.2 Análise de dados - Grupos Focais
Considerando que “a coleta de dados por meio do grupo focal tem como uma de
suas maiores riquezas se basear na tendência humana de formar opiniões e atitudes
de interação com outros indivíduos” a utilização deste instrumento pretendeu
levantar as opiniões e pensamentos dos professores quanto à inclusão digital e a
literacia digital/informacional e como e se relacionam suas metodologias e práticas
pedagógicas com essas questões no desenvolvimento das atividades junto aos
participantes do programa. (CARLINI-COTRIM, 1996, p.287).
A técnica foi aplicada aos professores dos três núcleos investigados, em momentos
distintos. Com cada grupo de professores a atividade durou em média 45min. e foi
gravada com recurso de áudio. A proposta inicial era de oito participantes, mas em
dois núcleos houve variação dessa quantidade – Núcleo 1 (sete) e Núcleo 3 (seis).
Essa variação ocorreu no Núcleo 1 devido à dificuldade de reunir um maior grupo de
122
professores já que os mesmos têm carga horária diferente, de acordo com as
disciplinas que trabalha no núcleo; e, no Núcleo 3, o motivo foi a transição pela qual
a instituição estava passando na ocasião da pesquisa (curso livre para curso
técnico) que resultou em mudanças no quadro de professores.
O roteiro do grupo focal (Apêndice B deste trabalho) foi construído buscando
conduzir a discussão por um percurso que primeiro procurou introduzir a questão da
inclusão digital na perspectiva de cidadania conforme aborda esse trabalho,
buscando verificar como os professores compreendem esse processo e a visão
desse tipo de inclusão digital no Brasil. A seguir o objetivo era perceber se eles
enxergam ou não o núcleo no qual trabalham como um espaço para a inclusão
digital. Posteriormente instigou-se o debate sobre a necessidade de ser capaz de
lidar com o volume cada vez mais crescente de informações resultado da
conectividade, os benefícios, problemas e condições para o bom uso. A última
questão teve como pretensão apurar se os professores consideram que as suas
práticas pedagógicas podem contribuir para a capacitação dos educandos para lidar
qualitativamente com esse volume de informações disponível.
A análise dos dados obtidos, como na análise documental e entrevistas, também se
deu com base na perspectiva de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). O
procedimento de análise também será feito comparativamente entre um e outro (s)
núcleo (s). As categorias definidas, bem como a análise correspondente a cada uma
estão discutidas a seguir.
7.2.1 Inclusão Digital
Como visto anteriormente, a retomada da discussão sobre inclusão digital está
relacionada a uma mudança na realidade posta, que se justifica pelas mudanças
123
societárias que determinaram uma transição da posição social dos indivíduos na
sociedade em que vivem.
Nesse âmbito, o conceito de inclusão digital defendido neste trabalho extrapola a
ideia de garantir acesso físico a um computador e a uma conexão de rede ou
mesmo formar as pessoas com habilidade técnica para dominar estes
equipamentos e recursos. No cenário atual, outras competências são exigidas da
pessoa para que a sua inclusão digital seja realmente estabelecida. Essas
competências referem-se à habilidade para fazer a busca e seleção de informações,
capacidade de apropriação e transmissão dos conhecimentos.
A partir desse conceito e das comunicações apuradas na aplicação da técnica do
Grupo Focal a primeira unidade temática gerada foi em relação à visão que os
professores dos núcleos têm a respeito de inclusão digital. A seguir a análise
comparativa das falas nos diferentes núcleos.
Figura 2 – Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 1
Figura 3 – Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 2
124
Figura 4 – Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 3
Ao serem abordados quanto ao tema inclusão digital, os professores do Núcleo 1
imediatamente o relacionaram com os alunos que atendem e com o trabalho
desenvolvido no núcleo no núcleo. As afirmações de que a inclusão digital é natural
e que os alunos fazem parte da geração Y e Z 9 se interligam considerando que a
denominação destas gerações corresponde ao que se chama de nativos virtuais.
Parece haver uma contradição quanto a esse aspecto quando apontam que a
inclusão digital é a base de todo o trabalho no núcleo. A relação estabelecida entre
o tema e o curso oferecido indica o reconhecimento da necessidade do domínio das
tecnologias digitais para o exercício da atividade que a formação proposta no
núcleo oferece.
Alguns pontos destacados pelos professores dos Núcleos 2 e, principalmente os do
Núcleo 3 representam uma visão bastante otimista em relação à temática. Esse
otimismo aparece vinculado a dois aspectos: ao conhecimento de estímulos
governamentais para a facilitação do acesso aos equipamentos e à ideia de que há
um domínio desses equipamentos dos recursos da rede propagado no país,
principalmente nas áreas urbanas. As dificuldades apontadas também parecem se
referir a este segundo aspecto, dificuldades de acesso e precariedade da rede em
algumas localidades.
9
As gerações Y (20 a 29 anos) e Z (12 a 19 anos) também são chamadas gerações do milênio ou
gerações da internet.
125
Nestas duas situações a perspectiva de inclusão digital é limitada a uma concepção
que não considera as demandas contemporâneas que já foram apresentadas nesta
pesquisa e leva a concluir que a visão dos professores acerca da temática proposta
não contempla a necessidade de outras habilidades para o uso efetivo das TIC
desprezando fatores sociais e políticos relevantes.
As falas do grupo do Núcleo 1 podem traduzir uma certa ingenuidade de acreditar
que o fato de nascer dentro de um determinado contexto sócio-temporal por si só
garante o acesso e domínio dos bens socialmente criados nesse contexto.
Conforme já foi discutido o processo de inclusão/exclusão é bastante dinâmico, e
que o processo de mudança de condição de excluído para incluído de uma pessoa
ou de um grupo é sempre permeado de conflitos. No Brasil esses conflitos são
ainda intensificados pela desigualdade econômica e diversidade cultural.
As divergências apresentadas nas falas dos professores do Núcleo 1 podem
significar uma certa conscientização de que a inclusão digital é um processo em
andamento no qual o trabalho desenvolvido no núcleo precisa contribuir tendo em
vista que a capacitação para o uso eficiente das tecnologias digitais é uma
exigência que o mercado faz ao profissional que nele deseje ingressar.
No Núcleo 3 duas falas despertam para a importância da inclusão digital sendo uma
em relação à produção de conhecimento e outra que pode ser relacionada à
questão da cidadania. Esses apontamentos podem sugerir a existência de uma
reflexão, mesmo que inicial, sobre a relação da temática com a questão da
equidade no acesso aos bens culturais e sociais, mas a pouca densidade dos
dados não permite afirmar isso.
Diante da análise realizada não é possível compor uma opinião heterogênea acerca
da inclusão digital entre núcleos distintos, nem mesmo entre os professores de um
mesmo núcleo. As opiniões e o campo de visão dos professores e dos grupos
126
acerca do assunto são diversificados.
A promoção de outros momentos para
discussão dessa temática precisariam ser organizados para avançar e consolidar
uma concepção mais assertiva quanto à opinião dos professores em relação aos
aspetos que envolvem a inclusão digital na contemporaneidade.
Ainda sob a perspectiva da inclusão digital, um aspecto marcante nas falas dos
professores dos Núcleos 1 e 2 e que considerou-se importante destacar nesta
análise foi quanto ao perfil dos alunos matriculados para participar das atividades
nos projetos.
Figura 5 – Visão Docente acerca do Perfil dos Jovens atendidos no Núcleo 1
127
Figura 6 – Visão Docente acerca do Perfil dos Jovens atendidos no Núcleo 2
No Núcleo 1, os professores alegam que a maioria dos alunos atendidos tem
computador em casa e acessam a internet na própria residência ou em outros
lugares, mas reconhecem que apesar disso, é perceptível uma defasagem dos
mesmos quanto ao domínio das habilidades técnicas para lidar com esse
equipamento e que o uso da rede está limitado à comunicação nas redes sociais. A
vantagem do vínculo geracional com as tecnologias digitais que novamente é
apontado numa fala entra em conflito com as dificuldades dos alunos frente ao
domínio dessas tecnologias que grande parte do grupo de professores aponta.As
comunicações deste núcleo permitem confirmar o entendimento dos professores
quanto à inclusão digital como processo inacabado, com muitas arestas ainda.
Quanto ao Núcleo 2, os professores demonstram convicção ao afirmar que o
próprio caráter do curso oferecido já é um determinante para a seleção de alunos
que dominem as tecnologias digitais. Considerando que a concepção de inclusão
digital dos professores foi identificada anteriormente como uma visão limitada ao
acesso e domínio dos equipamentos e do uso da rede, o perfil dos alunos deste
núcleo definido por estes mesmos professores também tende a estar relacionada a
esses aspectos.
Nos dados obtidos na aplicação do Grupo Focal no Núcleo 3 questões quanto ao
perfil dos alunos não foram discutidas e por este motivo não contemplam este item
128
da análise.
Levando-se em conta que os projetos dos núcleos citados constituem um Programa
que tem como um dos pontos de referência a aprendizagem em diversos campos
por meio da cultura digital, é bastante relevante que se avalie em qual nível estão
posicionados os ingressos nos projetos, mas que esta avaliação seja realizada já
com base numa visão mais assertiva da concepção de inclusão digital. Essa
iniciativa certamente contribuirá para que se alcance resultados mais satisfatórios
de acordo com os objetivos previstos na concepção do programa.
7.2.2 Literacia digital/informacional
A competência para lidar com o volume de informações disponibilizadas por meio
das TICs estava presente em duas questões discutidas nos grupos focais. A
primeira centrava nos problemas e benefícios ocasionados pelo crescimento veloz
do volume de informações e as condições de bom uso das mesmas, e a segunda
buscou apurar se está presente algum tipo de preocupação dos professores dos
núcleos em contribuir com a formação dos alunos por meio das práticas
pedagógicas que adotam.
A esse respeito o aspecto que mais se destacou foi se o núcleo assume ou não a
responsabilidade dessa formação; se assume, até que ponto; quais são as
estratégias utilizadas; e se não assume, quem considera que deveria assumir. As
apresentações a seguir buscaram contemplar essa questão.
Figura 7 – Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no Núcleo 1
129
Figura 8 – Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no Núcleo 2
Figura 9 – Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no Núcleo 3
As maioria das ponderações dos professores dos Núcleos 1 e 3 levam a acreditar
que as atividades desenvolvidas no núcleo contribuem de alguma forma,
intencionalmente ou não, com a formação dos alunos quanto ao domínio das
habilidades necessárias ao trato da informação. No resultado apurado no Núcleo 1
percebe-se que essas contribuições se situam no campo da busca e seleção da
informação. No Núcleo 3 o argumento utilizado pelos professores é que o trabalho
realizado para fins do desenvolvimento da criticidade, de um posicionamento
político e de uma reflexão ética tendem a facilitar o processo de construção de tal
habilidade pelos próprios alunos.
Os professores destes dois núcleos não deixam claro se concordam que esse tipo
de formação é uma atribuição deles ou mesmo que deveria estar incluída como
130
meta do projeto pedagógico. Ao mesmo tempo, admitem com naturalidade que as
práticas pedagógicas que eles adotam geralmente remetem ao uso das habilidades
necessárias para um bom uso da informação.
A posição dos professores do Núcleo 2 é unânime na afirmação de que a
responsabilidade de promover o desenvolvimento da competência informacional é
da escola formal. A esta instituição atribui a responsabilidade desde a base inicial,
de ensinar a operação do equipamento, estimular o uso da internet, e capacitar para
a seleção e a leitura crítica das informações.
Este trabalho apontou dados de pesquisas que demonstram para a ineficiência da
escola em garantir aos educandos as aprendizagens mínimas necessárias nos
conteúdos de leitura, escrita e matemática. (IBGE, 2012) (TODOS PELA
EDUCAÇÃO, 2013) Diante desse cenário é inapropriado remeter exclusivamente à
escola o papel de responsável por desenvolver competências mais complexas nos
seus alunos. Ao mesmo tempo a instituição escolar não pode se eximir da sua
qualidade natural de atender as demandas societárias de formação educacional dos
indivíduos.
Além do mais, propostas de políticas públicas que buscam superar os propósitos da
educação formal, como é o caso do Programa Plug Minas inevitavelmente carregam
em si uma promessa de atuar nos campos em que há brechas nos sistemas
educativos. Dessa forma, decidirem se isentar do preenchimento de algumas
dessas brechas, de acordo com o campo que se propõem atuar, é uma postura
inadvertida e que deve ser revista pelos projetos que compõem o Programa.
Considerando o espaço educativo, os recursos disponíveis e os princípios
norteadores do Plug Minas a capacitação dos ingressos nos cursos para o
desenvolvimento pessoal de habilidades relativas ao domínio das tecnologias
digitais é uma expectativa natural. Isto pode ser o que justifica os resultados obtidos
131
nos grupos focais dos Núcleos 1 e 3, ou seja, o trabalho pretendido nos projetos do
Programa, norteados pelo recurso da cultura digital são indissociáveis dessa
responsabilidade, e consequentemente isso transparece nas práticas adotadas
pelos professores destes núcleos.
Diante desse conjunto de dados é possível inferir que há necessidade de reflexão,
abertura de espaços para debates para repensar a posição do Programa e dos
núcleos no quadro societário diante do contexto de mudanças tecnológicas, seguida
da organização de ciclos de formação para a equipe docente e gestores, e de
momento de re-planejamento das atividades desenvolvidas buscando, a partir de
um trabalho que articule melhor os propósitos do programa com o cenário real,
alcançar resultados que respondam mais efetivamente às expectativas de uma
política pública no seu campo de atuação.
7.2.3 Síntese das considerações propostas neste item
O trabalho docente, seja em ambiente de educação formal ou não-formal é sempre
desafiado, pois esta tarefa envolve diferentes indivíduos que invariavelmente trazem
suas subjetividades relacionadas às suas experiências, oportunidades de formação,
ambiente de convivência política, entre muitas outras questões.
As diferenças de perfil dos professores dos diferentes núcleos que compõem o
Programa Plug Minas podem justificar algumas distinções nas concepções e no
fazer pedagógico dos grupos que atuam em cada projeto. Uma marca dessas
desigualdades também estão relacionadas ao pensamento gestacional de cada uma
das instituições responsável pela execução do projeto, tendo em vista que falam de
lugares diferentes (universidade, escola de formação técnica empresarial e
organização não governamental.
132
Porém, como há uma unicidade de objetivos que regulam estas instituições, como é
o caso dos projetos que constituem o Plug Minas é necessário que algumas
concepções seja alinhadas, que sejam definidos os conteúdos imprescindíveis e os
relevantes para o alcance dos resultados esperados. Nenhuma dessas condições
priva os diversos membros de optarem por percursos diferentes.
Importa saber que depois dessas definições esclarecidas segue um processo de
apropriação que deve envolver toda a comunidade, todos os atores sociais que
participarão na execução dos projetos.
7.3 Análise de dados – Observação das Práticas Pedagógicas
Procedeu-se a uma observação estruturada e sistemática como instrumento para
verificar quais são as práticas pedagógicas adotadas nos núcleos pesquisados. Um
roteiro que encontra-se como apêndice C deste trabalho, foi utilizado a fim de buscar
investigar o objeto em profundidade e com rigor científico que proporcionasse
analisá-lo qualitativamente, evitando ao máximo impregná-lo da subjetividade da
pesquisadora. Segundo Oliveira (2007), esse instrumento propicia “observar os
atos em seu contexto” e permite categorizar os dados em relação aos objetivos e
fundamentação teórica da pesquisa.
Houve uma pequena variação do tempo de observação dos núcleos devido à
organização das atividades que estavam previstas na grade curricular dos mesmos,
sendo integralizadas 16 horas nos Núcleos 2 e 3 e 14 horas no Núcleo 1. A
observação em todos os núcleos contemplou as atividades desenvolvidas por
diferentes professores nas diversas disciplinas que são oferecidas no projeto que
desenvolvem.
Os professores e os alunos foram comunicados da presença da pesquisadora e dos
133
objetivos da pesquisa, e que os resultados obtidos lhes seriam informados em
ocasião oportuna. Os professores consentiram a aplicação do instrumento,
conscientes de que o objeto da observação era a sua prática pedagógica. O período
de observação nos três núcleos variou entre os meses de junho e agosto do ano de
2012, sendo que em cada núcleo o tempo observado ocorreu em dias consecutivos
e sem interrupção.
Durante o trabalho de observação atentou-se para garantir um registro de frequência
das observações relativas às atividades propostas e atitudes dos professores que
estavam previstas no roteiro elaborado previamente, mas a prática da observação
também revelou a necessidade de registro de ocorrências que não estavam
previstas neste roteiro, especialmente em relação à resposta dos alunos em relação
a essas atividades e propostas.
A necessidade de ampliar o olhar para além da atividade docente, alcançando o
comportamento discente confirma a dualidade do processo ensino-aprendizagem já
mencionada nesta pesquisa e que Freire (2002) define como uma inevitável relação
de coexistência entre docência e discência.
A visão de que docência e discência se imbricam subsidiou a interpretação dos
dados obtidos ainda com base na análise de conteúdo proposta por Bardin (1977)
que não se limita à análise de falas, mas também a de comportamentos e atitudes. A
partir daí, procedeu-se à criação de nuvens de tags que expressassem o conjunto
dos dados coletados e a frequência apurada de cada um desses dados. A análise
realizada está descrita a seguir.
7.3.1 Práticas pedagógicas e atitudes docentes x respostas dos discentes
Tendo em vista que práticas pedagógicas neste trabalho compreendem a postura,
134
atitudes e comportamento do docente no ambiente educacional, especialmente em
relação ao educando estimulando-o à reflexão e à participação discursiva, além da
forma o tratamento que dá aos conteúdos e das atividades que propõe a fim de
vencer as demandas do currículo formalizado, tomando como base o referencial
teórico desta pesquisa e a partir dos dados auferidos durante a observação em cada
núcleo, foi possível estabelecer algumas ponderações acerca do trabalho
desenvolvido pelos professores dos núcleos pesquisados.
Inicia-se discutindo os resultados apurados no Núcleo 1. O primeiro quadro
corresponde às práticas e atitudes docentes e o segundo, às manifestações
discentes.
Figura 10 - Práticas e atitudes docentes do Núcleo 1
Figura 11 - Manifestações dos alunos do Núcleo 1
Nota-se que em relação às práticas e atitudes docentes no Núcleo 1 destacam-se
com maior intensidade “aula expositiva” e “oportunidade de exposição de idéias”,
sendo que a primeira refere-se a uma prática pedagógica comumente adotada nos
estabelecimentos de ensino ainda nos dias de hoje, e pode ser considerada uma
permanência da tendência tradicional. É importante lembrar que a disposição do
mobiliário neste núcleo, já abordada no item 7.1 deste trabalho, tende a reforçar um
predomínio das características desta tendência.
135
Contraditoriamente, a atitude destacada “oportunidade de exposição de idéias”
aponta para uma transição no sentido que admite a participação do educando no
processo e rompendo com o caráter limitador desta tendência que concentra-se na
posição do professor como transmissor de conhecimentos. Outras ocorrências que
reforçam esse rompimento é a “interação com os alunos” e a proposição de
“atividades em grupo”.
Em relação ao estímulo ao protagonismo, destaca-se duas práticas apuradas no
núcleo: “contextualização social do conteúdo” e “oferta de oportunidades extracurso”. A primeira corresponde à busca de aproximação do conteúdo com a
realidade do aluno, que contribui para que este seja capaz de refletir e inferir mais
assertivamente sobre o mundo que o cerca. A segunda relaciona-se com o estímulo
ao aluno para a ampliação da sua capacitação e o seu ingresso no mercado de
trabalho e reafirma a concepção de protagonismo que norteia o projeto do núcleo de
que o indivíduo como responsável pelo seu futuro deve buscar o próprio espaço,
enquadrando-se aos padrões sociais existentes.
Do quadro 3, que representa as manifestações dos alunos, pode-se associar a
“participação espontânea” e a interação com os colegas que aparecem com maior
frequência às seguintes práticas e posturas dos professores consecutivamente:
“oportunidade de exposição de idéias” e “trabalho em grupo”. Tal relação confirma a
ideia de que as práticas adotadas pelo professor despertam atitudes dos alunos em
resposta às mesmas.
As iniciativas de divisão de tarefas, de organização do trabalho de levantar
questionamentos e executar atividades com autonomia podem significar que estas
são características próprias do público jovem atendido no Programa, o que se
respalda pela ideia de que estas características variam de acordo com as
sociedades e os fatores que a permeiam como a cultura, a etnia, a classe social,
entre outros. (UNESCO, 2004) Apesar de não se relacionarem diretamente com as
136
práticas pedagógicas adotadas pelos professores do núcleo no período da
investigação, algumas dessas características percebidas nos alunos convergem com
as mesmas já citadas como necessárias ao convívio na sociedade da informação,
como autonomia e criticidade.
Durante o período de investigação não foi percebida nenhuma prática que
demonstrasse
preocupação
direta
com
o
desenvolvimento
da
literacia
informacional/digital dos alunos atendidos no núcleo.
Os quadros a seguir descrevem as evidências auferidas no Núcleo 2.
Figura 12 - Práticas e atitudes docentes do Núcleo 2
Figura 13 - Manifestações dos alunos do Núcleo 2
Em relação às práticas pedagógicas adotadas no Núcleo 2, também se apresenta
com maior frequência a “aula expositiva”. Um ponto a se destacar é a ocorrência na
mesma freqüência da “oportunidade de exposição de idéias” e “interlocução restrita
com os alunos”. Esses dados apontam um predomínio da tendência pedagógica
tradicional no desenvolvimento dos trabalhos junto aos alunos no núcleo, além de
uma maior dificuldade de uns professores em relação aos outros de superar as
experiências vivenciadas na própria formação.
Desperta a atenção o fato de que os professores deste núcleo são os de faixa etária
137
mais baixa e que seria natural que a formação dos mesmos estivesse mais
distanciada de tendências pedagógicas mais tradicionais.
A afirmativa do parágrafo anterior encontra reforço quando se apura os dados
referente ao relacionamento professor-aluno e detecta-se a baixa frequência de
interação nesta relação.
Neste núcleo, as respostas dadas pelos alunos contradizem as práticas e as atitudes
dos professores e reafirmam a emergência de um perfil participativo e questionador
dos educandos. O caráter que os alunos assumem propositivo de mudanças vem ao
encontro do pensamento de que impõem resistência natural ao opressor o que no
pensamento de Freire (1987) contribui para a mudança de posição dos professores
que ainda não conseguiram uma transição de paradigma, que os impulsione a se
distanciar da própria experiência docente.
Estas respostas dos alunos também querem dizer da possibilidade de eclosão de
um protagonismo autônomo, que nasce do interior do indivíduo e que pode estar
relacionado a experiências e oportunidades que ele teve em outras ocasiões.
Em contra partida há uma resistência natural dos educandos em assumir o lócus de
oprimido vivendo a experiência de um paradigma ultrapassado para si mesmo e
essa resistência contribui para a libertação dos docentes como afirma Freire (1987,
p.24) que “somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores”.
A ocorrência de demonstração de desinteresse por parte dos alunos em alguns
momentos durante a investigação podem traduzir comodismo ou alienação diante da
própria condição de opressão.
Destaca-se nas práticas pedagógicas deste núcleo a atitude de alguns professores
em compartilhar informações sobre o uso da internet e a resposta dos alunos no
mesmo sentido. Espontâneo ou não esse comportamento reflete a ideia de Freire
138
(2002) de que o trabalho profissional do professor é capaz de significar o
conhecimento pelo exemplo e que, dessa forma, ele media as possibilidades de
produção desse mesmo conhecimento, e certamente coopera para o avanço no
nível de literacia dos educandos desse núcleo.
A seguir apresentam-se os dados levantados a respeito das práticas pedagógicas e
atitudes dos professores no Núcleo 3.
Figura 14 - Práticas e atitudes docentes do Núcleo 3
Figura 15 – Manifestações dos alunos do Núcleo 3
O atendimento individualizado destaca-se como uma prática deste núcleo, fato que
pode ser justificado pelo fato de que os grupos são compostos por um máximo de 20
alunos que são atendidos por uma dupla de professores na maioria das atividades
desenvolvidas. Essa organização também justifica a frequência da “cooperação
entre professores” no Quadro 6.
Essas e as demais práticas pedagógicas adotadas no núcleo 3 demonstram uma
superação de concepções e modelos de educação tradicionais e constituem
mudanças relevantes para a construção de práticas inovadoras como cita Carbonell
(2002). Elas indicam o despontar de uma práxis libertadora que não se submete a
139
um discurso opressor e que estimula o educando a descobrir sua condição de
oprimido nas relações que estabelece em outros ambientes como na escola formal
que frequenta. Esse processo, conforme Freire (2002) adverte tende a contribuir
para o processo de libertação desse educando.
A oportunização de exposição de idéias e a valorização das produções também
tiveram freqüência significativa nos resultados deste núcleo e estes dados confluem
com algumas manifestações dos alunos apresentadas no Quadro 7, como: a
participação espontânea, a interação com o professor, a iniciativa de compartilhar as
próprias produções e opinar sobre as produções dos colegas. Algumas destas
manifestações e outras como a execução de atividade com autonomia e a posição
de questionamento configuram critérios, como já mencionado, para o exercício do
protagonismo social. A cooperação com os colegas aponta para o desenvolvimento
de um protagonismo que supera o individualismo, sugerindo o cultivo de atitude de
coletividade.
Quanto à preocupação com o desenvolvimento do nível de literacia dos alunos, o
tratamento de estímulo dado ao uso das redes e da internet aparece com pequena
frequência, mas há uma resposta clara dos alunos quanto a esse aspecto quando
usam as redes espontaneamente para comunicar eventos organizados por eles
mesmos, ou para solicitar informações que deseja ao professor, ou mesmo para
buscar informações para a realização de trabalhos que estão desenvolvendo, casos
que foram registrados durante a investigação. A percepção de maior ocorrência dos
alunos desse núcleo em relação ao uso das redes sociais também justifica-se
porque não há nenhuma restrição quanto ao uso destas pelos professores durante o
desenvolvimento das atividades e também porque a maioria das atividades
desenvolvidas neste núcleo estavam vinculadas ao uso de computadores.
140
7.3.2 Síntese das considerações deste item
As práticas pedagógicas adotadas nos núcleos 1 e 2 preservam características de
tendência educacional tradicional. Apesar disso, as respostas dos alunos
demonstram uma resistência espontânea aos modelos de educação ultrapassados,
com o qual o próprio perfil apresentado pelos jovens atendidos no programa não se
identificam. No Núcleo 3 elas demonstram ser mais inovadoras e não estar mais
vinculadas aos modelos tradicionais.
Algumas práticas pedagógicas podem ser apontadas nos resultados auferidos nos
Núcleos 1 e 2 que tendem a estimular o protagonismo, mas é impreciso dizer que
elas são intencionais. Especificamente no Núcleo 1, nota-se um incentivo à
autopromoção, e inserção no mercado de trabalho, denotando uma visão limitada da
concepção de protagonismo. Apesar disso, nos dois núcleos a resposta dos alunos
às práticas levam a refletir sobre a possibilidade de que as características que elas
revelam estão relacionadas a um perfil dos jovens atendidos pelos núcleos. No
Núcleo 2, no qual há um maior número dessas características também pode se
considerar o fato de estar ocorrendo um processo autônomo do desenvolvimento do
protagonismo que
pode ser atribuído à possibilidade de experiências e
oportunidades anteriores por parte deste grupo, ou de alguns integrantes dele.
No Núcleo 3 as práticas pedagógicas adotadas corroboram para um avanço do
protagonismo num âmbito mais coletivo, despertando para a autonomia, mas
também para a cooperação.
No aspecto preocupação com o nível de literacia digital/informacional, algumas
características já destacadas anteriormente em relação aos alunos dos núcleos 1 e 2
por si só convergem com os critérios exigidos para a convivência na sociedade da
informação. No Núcleo 2, a prática dos professores de compartilhar informações
sobre o uso da internet tende a contribuir para o avanço dos alunos
nesse
141
processo. No Núcleo 3 o estímulo ao uso das redes sociais, é pouco frequente, mas
a liberdade de uso das mesmas que é dada pelos professores durante a execução
das atividades pode explicar ações espontâneas dos alunos nesse sentido.
142
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram dois os fios condutores que direcionaram esta pesquisa. O primeiro que trata
do atual cenário político que convoca a participação dos indivíduos nos processos
decisórios responsabilizando-o pelos rumos sociais que incorrerão das suas
decisões. O segundo que corresponde ao importante espaço conquistado pelas TIC
nas últimas décadas como meio efetivo de circulação das informações socialmente
relevantes, a velocidade do trânsito dessas informações, o grande volume das
mesmas, e a percepção de que são fundamentais algumas habilidades para o uso
efetivo das TIC.
A consciência da importância de alertar para alguns enfrentamentos que permeiam
essas duas questões quando a relacionamos ao Brasil, um país no qual as brechas
sociais são tão notadas não apenas em relação à desigualdade econômica, mas,
como foi citado, especificamente neste caso em relação à qualidade da educação,
levou a ampliar o conceito de inclusão digital buscando atentar para outros requisitos
necessários ao uso e domínio dos equipamentos e recursos tecnológicosinformacionais a fim de que essa inclusão se efetive realmente.
A tentativa de construção do conceito de i-protagonismo também significou um
esforço no sentido de despertar para a unicidade já existente entre a questão da
convocação à participação social e a emergência da sociedade da informação na
qual as TIC operam como instrumento principal o seu surgimento.
Trazer à pauta de discussão a relevância das práticas pedagógicas para a formação
de indivíduos capazes de atuarem diante dos desafios apresentados não foi uma
tarefa fácil considerando que a escola não tem correspondido nem às expectativas
143
primeiras quanto à sua função básica, menos ainda não assumiu a sua posição de
mediadora da relação entre os seus educandos e os avanços tecnológicos,
demonstrando inclusive uma certa resistência quanto às mudanças inevitáveis que
precisam ocorrer nos seus processos administrativos, culturais e pedagógicos.
Essa fragilidade da instituição escolar impôs refletir e buscar novos caminhos para
que os processos que se desenvolvem num contexto educativo possam contribuir
de fato para o desenvolvimento de tantas habilidades requisitadas dos indivíduos
para um efetivo convívio e participação na sociedade contemporânea que já citouse.
Em se tratando dos resultados apurados na pesquisa de campo e analisados à luz
das construções teóricas que subsidiaram este trabalho que teve como universo
delimitado o Programa Plug Minas, estes se inscrevem em três áreas: gestão,
formulação de concepções e atuação docente.
A respeito da gestão dois aspectos devem ser pontuados: o político e o da gestão
escolar. Partindo do aspecto político, o panorama que se tem apresentado com
ações de parceria entre o Estado e a sociedade civil na implementação e gestão das
políticas públicas do qual o Programa investigado é um exemplo, os resultados
auferidos apontam que há uma isenção na responsabilidade estatal em relação à
execução do programa que irrompe numa autonomia excessiva e desregulada dos
parceiros da sociedade civil provocando que se perda de vista as concepções e
objetivos que alicerçaram a criação de tais iniciativas.
Reconhecer que este movimento democrático que tem emergido no seio da
sociedade é um processo lícito, fruto de lutas sociais que atravessaram décadas, é
inevitável. Por outro lado, não se pode desconsiderar o fato de que, como um
processo que se encontra na fase embrionária é necessário estabelecer metas mais
bem definidas para que ele ocorra de maneira segura e gradativa. Isso requer refletir
144
sobre as capacidades dos diferentes atores envolvidos no processo, delimitar
claramente as responsabilidades de cada um, estabelecer uma agenda com
momentos para a disseminação de informações quanto aos fatores geradores e
objetivos da proposta, e prever espaços formativos e de avaliação e revisão do
percurso.
A falta de previsão dessas etapas no processo de implementação gestão de
políticas públicas e a desresponsabilização estatal tendem a gestar um processo
democrático perverso, que invariavelmente ocasionará o desperdício de recursos
humanos e financeiros e de prolongamento do tempo para dar respostas às
demandas emergentes.
A gestão escolar diz respeito ao gerenciamento dos ambientes educacionais em que
ocorrem a execução das políticas públicas, no caso do Programa investigado, à
gestão dos núcleos. Os dados testemunham que há uma desarticulação das
concepções que orientam o Programa e os projetos dos núcleos que o constituem.
Essa desarticulação pode estar relacionada a um processo de desinformação ou
falta de entendimento (quando não houve uma orientação adequada desde o início
da construção do projeto ou mesmo mudança dos indivíduos responsáveis pela
execução),
ou
mesmo
estar
associada
à
capacidade
ou
limitação
dos
gestores/instituições em conduzir o projeto.
No caso do Plug Minas, a gestão compartilhada é um desafio que deve ser discutido
e avaliado em conjunto (Estado, OSCIP Sergio Magnani e outros parceiros da
sociedade civil) a fim de refletir sobre os moldes do modelo proposto à gestão do
Programa e redefinir papéis e responsabilidades de acordo com as capacidades de
cada envolvido. Diante disso, a proposta de gestão compartilhada deve chegar até a
instância de desenvolvimento do projeto, como já ocorre de certa forma num dos
núcleos pesquisados.
145
Dessa forma, o processo formativo necessário ao efetivo exercício democrático
estará sendo replicado dentro dos próprios núcleos, em nível diferente, mas que
subentende-se estar mais de acordo com a capacidade dos atores envolvidos.
A respeito da formulação de concepções que norteiam o Programa investigado, o
processo é parcialmente desconhecido. Os documentos oficiais do Plug Minas não
deixam claro se houve a participação de outros atores que não os representantes
estatais. Quanto à formulação no interior dos núcleos, elas são fruto de ideias dos
gestores e/ou das instituições à qual pertencem que tiveram caráter propositivo para
o projeto do núcleo.
Confere-se a estes diferentes percursos e campos de visão para a elaboração das
concepções que deveriam regular as ações no Plug Minas e nos núcleos que o
constituem a falta de sintonia que há entre algumas destas se consideradas do
Programa para os núcleos ou mesmo de um núcleo para outro.
Entende-se que a formulação de concepções que norteiam os Programas criados
em resposta a políticas públicas estas devem ter em vista a superação das
realidades postas. Serão ricos contribuintes para este trabalho, além dos
representantes estatais, líderes comunitários, gestores escolares, professores
universitários, e tantos outros quantos forem possíveis, buscando garantir a
vocalização do maior número de indivíduos a fim de que se possa atingir uma visão
mais aproximada da que corresponde à expectativa da comunidade.
A reformulação das concepções deve estar prevista na agenda de implementação e
gestão de políticas públicas tendo em vista que as sociedades se modificam, bem
como mudam os indivíduos que a compõem, seus valores, cultura, e tudo o que a
envolve.
As práticas pedagógicas adotadas no Plug Minas estão submetidas ora às
concepções que norteiam o projeto de cada núcleo, com influências dos
146
pensamentos institucionais dos parceiros que o executam, ora estão submetidas às
limitações pessoais de um ou mais professores ou de um grupo de professores.
Sob o primeiro desses aspectos acima citados ainda detectam-se outros problemas
como a falta de conhecimento da equipe docente quanto às concepções já
existentes, e a ausência da participação dos professores no processo de formulação
e/ou revisão dessas concepções.
A questão das limitações pessoais, como já citado neste trabalho, tem a ver com a
necessidade de superação de experiências da sua própria formação, de
reconhecimento da sua condição de oprimido e opressor, enfim, de mudança de
posição.
No universo pesquisado, mais precisamente em dois dos núcleos investigados, as
práticas pedagógicas oscilam entre uma tendência educacional tradicional e o
desafio imposto, demonstrado pelas respostas dos próprios educandos, para a
busca de uma pedagogia inovadora. Em um dos núcleos já é perceptível a mudança
nesse sentido.
A visão limitada de inclusão digital e do papel do Programa quanto à sua importante
contribuição no desenvolvimento da literacia digital/informacional dos alunos que
atendem limita a qualidade das ações desenvolvidas. Em contrapartida, o ambiente,
a organização dos tempos e dos espaços, os equipamentos e recursos disponíveis e
o próprio clima institucional que desde o portão de ingresso dos alunos remete-o à
cultura digital constituem potencialidades naturais para que o atendimento dos
alunos em relação à sua formação para atuação numa sociedade na qual o domínio
das TIC é condição essencial.
Em relação à atuação docente nos programas que pretendem responder às
demandas sociais especificamente no campo da cultura digital como é o caso do
pesquisado neste trabalho destaca-se as seguintes questões como imprescindíveis:
147
a concepção de inclusão digital ampliada para o desenvolvimento da literacia
digital/informacional deve ser considerada na elaboração do currículo e no
planejamento das atividades cotidianas, e a perspectiva de formação de indivíduos iprotagonistas habilitados para atuar na sociedade da informação deve permear
todas as práticas pedagógicas adotadas.
Reforça-se a necessidade de reflexão e, se necessário, redirecionamento das ações
que visam incluir digitalmente, ou que estejam de alguma forma relacionadas à
cultura digital, a fim de que estas alcancem os devidos fins aos quais se propõe e
obtenham sucesso no sentido de dar respostas às demandas que se apresentam,
que não são estáticas, mas se modificam de acordo com o ritmo que as sociedades
caminham e criam novos bens sociais.
Uma expectativa é que os resultados desta pesquisa impulsionem outros trabalhos
no campo das políticas públicas que envolvam as TIC no qual se sugere um estudo
sobre
a
questão
da
implementação
de
políticas
públicas
em
parceria
Estado/Sociedade Civil especificamente no âmbito da formulação das concepções
que irão nortear o programa a ser implementado.
148
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Brasília:
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154
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA GESTÃO NÚCLEOS
PLUG MINAS
Esta entrevista tem como objetivo conhecer a história de constituição de cada
núcleo, identificar as concepções que orientam o projeto e como são organizadas as
atividades desenvolvidas junto aos alunos.
BLOCO 1 – O PROJETO
1- Como surgiu a ideia do projeto do núcleo? Quem participou inicialmente da
construção? Houve participação do público-alvo na construção do projeto em algum
momento? Como?
2- Como se chegou à parceria OI/PUC Minas – PLUG Minas?
3- O público alvo do Plug já está definido (jovens de 14 a 24 anos alunos do Ensino
Médio em escolas públicas). Diante da demanda de inscrições, quais são os critérios
do núcleo para classificar/selecionar os participantes das atividades que
desenvolve?
BLOCO 2 – CONCEPÇÕES E METODOLOGIAS
1- Qual a concepção de ensino-aprendizagem adotada no projeto? Como está
prevista a dinâmica de interação entre o professor e o aluno nesse processo?
2- Qual o perfil desejável de um professor para o núcleo? Que tipo de formação esse
professor recebe no projeto? Quem é responsável por essa formação? Qual a sua
periodicidade?
3- Qual a concepção de protagonismo social do projeto? Essa concepção interfere
155
na relação ensino-aprendizagem? De que maneira? Cite exemplos de intervenções
realizadas para estimular o protagonismo dos alunos.
4- Qual a concepção de inclusão digital do projeto do núcleo? Como os monitores
são orientados a lidar com as questões referentes à competência informacional dos
alunos? Estão previstas ações de intervenção do professor em relação ao aluno
nesse sentido? Se sim, cite exemplos dessas intervenções.
BLOCO 3 – QUANTO À ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
1-Quais são os principais conteúdos das atividades no núcleo? Como este conteúdo
está organizado (blocos, semestres, bimestres)? Quem participa dessa
organização? Em algum momento os professores participam dessa construção? De
que maneira? E os alunos? De que maneira/
2-Como os professores se dividem para o trabalho com estes conteúdos? Quantos
professores são? Há tempo previsto para que os professores façam o planejamento
das atividades? Os professores se encontram em algum momento para trocar ideias
sobre o planejamento das atividades?
3-Quantas turmas são? Como são divididas as turmas? Quantas turmas cada
professor atende? Ele desenvolve atividades semanais em todas as turmas que
atende?
4-As turmas interagem umas com as outras? Se sim, em quais momentos isso
ocorre?
BLOCO 4 – QUANTO AO PROCESSO AVALIATIVO
1-Qual a concepção de avaliação que direciona o projeto do núcleo? O processo de
avaliação é periódico? Como é realizada essa avaliação? A auto-avaliação dos
alunos é um instrumento de avaliação?
2-As metodologias e práticas adotadas também são consideradas nessa avaliação?
E o desempenho do professor?
3-Quais as condições para que o aluno conclua o curso?
DADOS PESSOAIS DO (A) ENTREVISTADO:
NOME:_____________________________________________________________
INSTITUIÇÃO: _______________________________________________________
156
FUNÇÃO NO PROJETO: _______________________________________________
TEMPO DE ATUAÇÃO NO PROJETO: ____________________________________
APÊNDICE B - ROTEIRO PARA GRUPO FOCAL
Este instrumento tem por objetivo verificar os conhecimentos dos educadores em relação
à literacia digital/informacional e sua relação com as práticas pedagógicas que adotam.
Critérios para a seleção dos participantes:
 Atuar como docente no núcleo pesquisado;
 Tempo de atuação no núcleo (50% com maior tempo e 50% com menor tempo)
Duração da dinâmica: 60 minutos (será realizada gravação em áudio)
Participantes:
 12 educadores
 1 mediador (a pesquisadora)
 1 observador
Questões e subquestões a serem debatidas:
1- A inclusão digital é uma maneira de conceder cidadania a membros de uma
comunidade que por algum motivo foram destituídos desse status. A maneira como
ocorrerá essa inclusão pode variar de sociedade para sociedade de acordo com sua
trajetória histórica ou mesmo a forma de apropriação das tecnologias pelos indivíduos.

Conceito de inclusão digital

Inclusão digital no Brasil
Orientação da pesquisadora
2- (NOME DO NÚCLEO) = INCLUSÃO DIGITAL ou
(NOME DO NÚCLEO) ≠ INCLUSÃO DIGITAL
3- O volume de informações que podem ser obtidas através da conectividade aumenta a
157
cada dia. Cabe ao usuário saber lidar com isso.
 Problemas ocasionados por esse volume
 Benefícios
Orientação para a pesquisadora
 Condições para o bom uso
4- As práticas do professor podem interferir na maneira como os alunos manuseiam as
informações obtidas através da conectividade.
 Tipos de práticas
 Exemplos dessas práticas no núcleo.
Orientação para a pesquisadora
 Exemplos dessas práticas no seu trabalho
APÊNDICE C - ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO DAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
O objetivo deste instrumento é identificar quais são as práticas pedagógicas adotadas
pelos educadores no desenvolvimento das atividades realizadas junto aos participantes
no Programa.
Tempo de observação: em média 16 horas em cada núcleo.
Fatores a serem observados:
123456789-
Atividades realizadas;
Metodologia;
Postura docente;
Relacionamento com os alunos;
Forma de condução do processo ensino-aprendizagem;
Estabelece relação entre o conteúdo e a realidade do aluno;
Relacionamento entre professores;
Estímulos a àrticipação e à autonomia;
Demonstra preocupação com o uso da informação em ambientes virtuais ou
não.
Núcleo: __________________________________ Data: ___/__________/______
158
Professor: ________________________________ Duração: ________________
APÊNDICE D – Produto Final
Diretrizes para Formulação e Implementação de ações com foco na
Educação Digital
Este produto é fruto do estudo “Práticas pedagógicas na sociedade da informação:
potencialidades e limites na formação de indivíduos i-protagonistas” e tem como
objetivo amparar teoricamente a reflexão e a construção de ações de processos
educacionais na área da inserção na cultura das TIC.
A construção de uma Sociedade da Informação é fator condicionante para o alcance
de melhores resultados no desenvolvimento econômico e social de uma nação. A
esta tarefa associam-se ao menos duas questões político-sociais contemporâneas: a
convocação da participação dos indivíduos nos processos político decisórios e o
avanço das TIC nas últimas décadas posicionando-a em primeiro lugar do ranking
de canais de circulação de informações, por seu potencial de velocidade para o
trânsito dessas informações e de armazenamento em grande volume.
Em relação a estas duas questões, elas exigem dos indivíduos constituintes da
159
construção dessa Sociedade da Informação algumas habilidades que estão
relacionadas tanto à sua formação política e social quanto à sua capacidade de uso
das TIC e das possibilidades que esse recurso possibilita.
Ao conjunto dessas habilidades denomina-se o i-protagonismo10 que supõe a
capacidade do sujeito de reflexão e busca de soluções para problemas do seu
cotidiano, identificando potencialidades e possibilidades, e mobilizando-se para
intervir de forma crítica sobre a realidade buscando a sua transformação, lançando
mão dos recursos tecnológicos e dos ambientes virtuais, com a finalidade de exercer
a sua cidadania, de forma cada vez mais autônoma e comprometida, seja com o
autodesenvolvimento ou com a transformação social.
Como critérios mínimos para o exercício do i-protagonismo aponta-se uma formação
que estimule a autonomia e a participação na gestão democrática de ambientes
pelos quais o indivíduo trafega ao longo da vida como, por exemplo, os educativos, e
que proporcione o desenvolvimento da literacia digital/informacional11 nestes
indivíduos, ou seja, o domínio para lidar com a informação nos diferentes formatos
em que esta se apresenta, sendo capaz de localizar, selecionar, organizar,
compartilhar e se apropriar adequadamente da aprendizagem adquirida, fazendo
uso
dos
diferentes
ambientes
digitais
que imperam como instrumentos de
privilégio na sociedade contemporânea.
Esse processo de formação deveria ocorrer naturalmente nos espaços formais de
educação, porém os resultados apontados pelas pesquisas no campo apontam as
dificuldades da escola de ensino regular para garantir até a efetiva aprendizagem
10
Souza (2008), Dowbor (2006), Costa (1999) e Ferreti et al (2004) norteiam a construção do
conceito de i-protagonismo a partir da visão que trazem sobre protagonismo social. A abordagem de
Freire (1979) e de Stamato (2008) contribuem para essa discussão no sentido que apontam
características fundamentais a um indivíduo que se encontra nesse processo. Coutinho (1997) auxilia
a situar esse indivíduo no contexto político contemporâneo
11
A formulação deste conceito baseou-se nos estudos de Soares (2004), Ribeiro (2008; 2009),
Ferreira e Dudziak (2004) e Eshet (2002; 2004, apud Silva, 2012).
160
das habilidades básicas como a leitura e a escrita. (UNESCO, 2011)
Considerando que a urgência em atender as demandas para a construção da
Sociedade da Informação e a detectada dificuldade da escola em acompanhar os
avanços tecnológicos introduzindo-os no seu cotidiano, outras ações vem sendo
disseminadas especialmente no sentido de possibilitar o acesso das pessoas aos
equipamentos tecnológicos e à internet. (BRASIL, 2013)
Apesar de serem em grande número, essas iniciativas ainda são insuficientes para
enfrentar a diversidade e a desigualdade que contribuem para o quadro ainda
ampliado de excluídos digitalmente neste país. Além disso, o objetivo dessas ações
ainda está limitado ao acesso a computadores e internet e não contemplam as
habilidades necessárias ao desenvolvimento da literacia digital/informacional.
Esse instrumento pretende reforçar a necessidade de reflexão e, se necessário,
redirecionamento das ações que visam incluir digitalmente, ou que estejam de
alguma forma relacionadas à cultura digital, a fim de que estas alcancem os devidos
fins aos quais se propõe e obtenham sucesso no sentido de dar respostas às
demandas que se apresentam, que não são estáticas, mas se modificam de acordo
com o ritmo que as sociedades caminham e criam novos bens sociais.
Diante do cenário apresentado, com base nos resultados do estudo já citado, e
visando melhor aproveitamento dos investimentos em iniciativas no campo da
educação para a cultura digital em resposta às demandas sociais emergentes
propõem-se algumas diretrizes para orientar a formulação e implementação de
ações com foco na educação digital. Essas diretrizes estão propostas em três eixos
a saber: Gestão, Formulação de Concepções e Atuação Docente.
Eixo 1 - Gestão
A respeito da Gestão em ações que contemplem em seus objetivos a inclusão digital
161
na perspectiva da formação dos indivíduos para o uso e domínio das TIC e das
possibilidades que estas oferecem para acesso às informações relevantes
socialmente, as diretrizes neste eixo são definidas a partir de dois aspectos: o
político, que compõe a Gestão do Programa, Projeto ou Ação, e o da Gestão
Institucional, que refere-se ao espaço em que ocorre a ação propriamente dita.
Gestão do Programa, Projeto ou Ação
Diretriz 1 – Rede de Parcerias: definição de capacidades e responsabilidades
A formulação e implementação de ações que respondam às demandas sociais,
mesmo as que integram políticas públicas, tem cada vez mais acolhido um maior
número de atores sociais. À relação que ocorre entre governo, associações e
instituições privadas, quando estes participam deste processo, Scheneider (2005)
denomina rede de políticas públicas.
De acordo com Scheneider (2005, p.40) “nessas relações horizontais de produção
de políticas públicas participam todos aqueles atores que influenciam de maneira
direta ou indireta o desenvolvimento de uma política”.
A rede de políticas públicas deriva da teoria da governança, na sua versão mais
atual, na qual “a produção do esforço de condução não precisa estar concentrada
em nenhum sujeito de condução, por exemplo, sobre o Estado ou uma direção de
uma organização” sendo aceitas outras formas de gestão – descentralizadas ou
policentradas. As mudanças sociais contemporâneas, uma tendência específica da
própria dinâmica do desenvolvimento teórico das ciências sociais e a chegada das
novas tecnologias do conhecimento foram decisivos para o surgimento desse tipo de
rede. (SCHENEIDER, 2005, p.49)
Reconhecer que este movimento democrático que tem emergido no seio da
sociedade é um processo lícito, fruto de lutas sociais que atravessaram décadas, é
162
inevitável. Por outro lado, não se pode desconsiderar o fato de que, como um
processo que se encontra na fase embrionária é necessário criar condições para que
ele ocorra de maneira segura e gradativa. Isso requer refletir sobre as capacidades
dos
diferentes
atores
envolvidos
no
processo,
delimitar
claramente
as
responsabilidades de cada um, estabelecer uma agenda com momentos para a
disseminação de informações quanto aos fatores geradores e objetivos da proposta,
e prever espaços formativos e de avaliação e revisão do percurso.
A falta de previsão dessas etapas no processo de implementação gestão de
políticas públicas e a desresponsabilização estatal tendem a gestar um processo
democrático perverso, que invariavelmente ocasionará o desperdício de recursos
humanos e financeiros e de prolongamento do tempo para dar respostas às
demandas emergentes.
Gestão Institucional
Diretriz 2 – Gestão Institucional Compartilhada: Processo Formativo para o
exercício democrático
A Gestão Institucional diz respeito ao gerenciamento dos ambientes/espaços em que
ocorrem as ações propriamente ditas. Esta gestão deve estar alinhada à proposta do
Programa, Projeto ou Ação e por este motivo é importante que o gestor institucional
participe do processo de construção do mesmo.
Um modelo de gestão que ainda impera em ambientes educativos nos dias de hoje,
segundo Lück (2011, p.35-36), e que precisa ser superado, é o “centrado na figura
do diretor” e está “baseado no paradigma positivista que concebe o governo distinto
da sociedade” visão que atribui ao diretor a responsabilidade “pela escola e pelos
seus processos”. Neste modelo o diretor predomina como figura de poder, que zela
pela uniformidade do sistema de ensino, “reforçando padrões de formas de
desempenho que desconsideram a necessidade de criatividade, iniciativa e
163
discernimento em relação a dinâmicas interpessoais e sociais, envolvidos na
realização do processo educacional”.
A gestão neste modelo produz “hierarquização e verticalização na condução dos
sistemas de ensino e das escolas; desconsideração aos processos sociais neles
vigentes;
burocratização
dos
processos;
fragmentação
de
ações
e
sua
individualização; desresponsabilização de pessoas em qualquer nível de ação”.
(LÜCK, 2011, p. 37)
De acordo com Carbonell (2002, p.27) uma das consequências negativas desse
processo é “a divisão técnica e social do trabalho entre as pessoas que pensam e
planejam e as que se limitam a receber instruções e executá-las mecânica e
passivamente”. A redução do poder e autonomia dos professores inibe as
possibilidades de inovação no ambiente educativo.
Ao cultivar um clima de participação dando voz aos indivíduos que estão inseridos
direta ou indiretamente nos ambientes educacionais o produto será uma construção
que mais se aproxima da realidade que atenderá às necessidades e anseios dessas
pessoas, consequentemente também terão mais chances de responder às
demandas da comunidade ao entorno.
A distância entre o currículo e o conhecimento realmente significativo para os
indivíduos que estão envolvidos no processo tende a ser estreitada quando estes
têm a oportunidade de participar das construções. Além disso, essa iniciativa poderá
contribuir para romper com algumas tradições culturais que ratificam relações de
poder que se pretendem perpetuar na sociedade.
A mesma proposta de gestão compartilhada que norteia a Gestão da Ação deve
chegar até a instância de desenvolvimento do projeto, concorrendo para que ocorra
um processo formativo necessário ao efetivo exercício democrático a começar pelo
164
interior dos próprios muros institucionais.
Eixo 2 – Formulação de Concepções que norteiam o Programa, Projeto ou
Ação
As concepções são o resultado de um processo de criação, uma maneira de
enxergar e compreender algo a partir da realidade posta e das experiências
pessoais ou de um determinado grupo social. Portanto, elas variam de pessoa para
pessoa, ou de instituição para instituição, de acordo com as condições em que foi
gestacionada.
As concepções que norteiam um Programa, Projeto ou Ação tendem a conduzir a
sua execução, os processos e relações que se desenvolvem em seu interior e com o
seu exterior e por isso é essencial que, num processo de gestão em parceria como
aqui foi mencionado, elas sejam elaboradas a partir da reflexão dos atores sociais
que integram o escopo de formulação e implementação deste mesmo Programa,
Projeto ou Ação.
Diretriz 3 – Formulação de Concepções: Processo dialógico
Entende-se que a formulação de concepções que norteiam as ações criadas em
resposta a demandas sociais, principalmente as oriundas das políticas públicas,
devem ter em vista a superação das realidades postas. Serão ricos contribuintes
para este trabalho, além dos parceiros que constituem a rede para formulação e
implementação da ação, os representantes estatais, líderes comunitários, gestores
escolares, professores universitários, e tantos outros quantos forem possíveis,
buscando garantir a vocalização do maior número de indivíduos a fim de que se
possa atingir uma visão mais aproximada da que corresponde à expectativa da
comunidade.
Após formuladas, essas concepções devem ser socializadas, suas definições
165
esclarecidas, iniciando um processo de apropriação que deve envolver toda a
comunidade, todos os atores sociais que participarão na execução dos projetos. A
reformulação das concepções deve estar prevista na agenda de implementação e
gestão de políticas públicas tendo em vista que as sociedades se modificam, bem
como mudam os indivíduos que a compõem, seus valores, cultura, e tudo o que a
envolve.
Eixo 3 – Atuação Docente
O trabalho docente, seja em ambiente de educação formal ou não-formal é sempre
desafiado, pois esta tarefa envolve diferentes indivíduos que invariavelmente trazem
suas subjetividades relacionadas às suas experiências, oportunidades de formação,
ambiente de convivência política, entre muitas outras questões.
Diretriz 4 – Socialização e apropriação das concepções que norteiam o
Programa, Projeto ou Ação com/pela equipe docente
As práticas pedagógicas adotadas pelo professor devem ser guiadas pelas
concepções que orientam a ação. Diante disso, o professor deve ter conhecimento e
se apropriar dessas concepções para o exercício da atividade docente no espaço
institucional.
Para que esse conhecimento e apropriação se efetivem, deve-se proceder à
abertura e garantia de espaços de discussão e formativos, nos quais o professor
possa refletir junto aos seus pares, expor suas opiniões e pensamentos, a fim de
que repense suas práticas com o objetivo de alinhá-las às concepções vigentes.
Diretriz 5 – Reformulação do conceito de Inclusão Digital
O conceito de inclusão digital necessita ser reformulado pelo docente que trabalha
na execução de ações no campo da cultura digital para o sentido de que apenas o
166
domínio de equipamentos e recursos é insuficiente para lidar com o volume e
diversidade de informações que estão disponibilizadas na internet, assunto já
abordado no interior do texto desta pesquisa.
Partindo da idéia de que a inclusão digital é resultado do conflito no qual se
posiciona de um lado a criação das TIC pela sociedade e de outro as persistentes
desigualdades econômicas e sociais que percorrem a história dessa mesma
sociedade, a inclusão digital pode ser relacionada ao exercício da cidadania no
mesmo sentido em que
“...inclusão, então, seria a possibilidade de subversão das relações de
poder e das formas de opressão que se nutrem e se perpetuam por meio da
homogeneização, da padronização, da imposição de necessidades de
alguns a todos e do fechamento dos significados das novas tecnologias da
comunicação e da informação (doravante, TIC) em função de tais
necessidades.” (BUZATO, 2008, p.326)
Nesta perspectiva, acredita-se que a inclusão não seria apenas uma forma de
condicionamento proposta pelos “produtores” aos indivíduos usuários; mas um
campo fértil para o desencadeamento de alternativas de “agentividade” destes
indivíduos, rompendo, em alguns momentos, a barreira que lhes impõe o papel de
meros “consumidores”. (Buzato, 2008, p.327)
Situadas no presente contexto no qual a sociedade contemporânea se insere no
qual têm imperado as TIC como instrumento privilegiado para a obtenção de
informações que exigem habilidades do indivíduo que as deseja utilizar (que ainda
não foram contempladas no currículo escolar do nosso país) as práticas
pedagógicas especialmente quando utilizadas em programas sociais de inclusão
digital devem ser refletidas e organizadas de modo a favorecer a construção da
autonomia dos indivíduos frente a essas tecnologias, o que significa contribuir na
construção das aprendizagens necessárias para que essa autonomia ocorra.
Acredita-se que os avanços nesse sentido não são apenas pedagógicos, nem têm o
167
seu fim na busca de práticas inovadoras, mas são um passo dado para conferir
maior equidade de participação às pessoas no âmbito da Sociedade da Informação.
A visão limitada de inclusão digital e do papel da ação quanto à sua importante
contribuição no desenvolvimento da literacia digital/informacional dos alunos que
atendem limita a qualidade das ações desenvolvidas.
Diretriz 6 – Superação de experiências docentes pessoais: caminho para a
formação de indivíduos i-protagonistas.
Algumas limitações dos docentes são pessoais e estão relacionadas com a
necessidade de superação de experiências da sua própria formação, de
reconhecimento da sua condição de oprimido e opressor, enfim, de mudança de
posição. (FREIRE, 2002)
A transição paradigmática que está colocada diante do professor necessita de um
esforço do próprio docente no sentido de “superar a situação opressora”. Mas essa
tarefa ele não realiza sozinho, mas no exercício da sua atividade profissional, ao que
Freire (1987, p.17-18) denomina Pedagogia do Oprimido. Trata-se de uma
“pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos
oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua
libertação, em que esta pedagogia se fará e refará”.
Assim, quanto mais o professor se distancia da experiência docente vivida na sua
formação, mas tomando consciência de que hospedou e hospeda em determinadas
circunstâncias o opressor em si (as marcas do que experimentou tendem a querer
desabrochar) e vai se entregando a uma práxis libertadora também contribui para a
libertação dos seus educandos. A luta é antes por libertar-se tanto da condição de
oprimido quanto da de opressor. (FREIRE, 1987)
O resultado de todo esse processo aponta uma direção para que a pedagogia
168
contribua para a gestação da Sociedade da Informação que se situa no campo da
formação de indivíduos que irão atuar nessa sociedade não como simples
aprendedores, mas que terão um olhar crítico sobre a realidade que lhe for
apresentada.
Alcançar esse resultado exige que as ações educativas adotadas nos trabalhos
junto aos educandos potencializem o desenvolvimento de sua autonomia e lhes
estimulem a uma atitude reflexiva. Essas habilidades são imprescindíveis a qualquer
pessoa que tenha que conviver numa realidade na qual todos os tipos de
informações estão disponíveis, provindo do mais variado tipo de fontes e interesses.
A prática docente, por exemplo, guiada por atitudes autoritárias, pode inibir a
participação na tomada de decisões; enquanto uma postura receptiva estimula o
diálogo e as trocas. Segundo Freire (1987) o diálogo crítico e libertador tem que ser
realizado com os oprimidos independente do nível da sua libertação. Deve haver um
permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas condições concretas. O
anti-diálogo, a sloganização, a verticalidade e os comunicados são instrumentos de
domesticação.
Atingir como fim a formação de indivíduos que sejam capazes de olhar criticamente
para as informações que lhes são disponibilizadas, como exige a formação de
indivíduos i-protagonistas, requer propiciar-lhes um ambiente em que estas
habilidades possam ser exercitadas. É necessário oferecer a oportunidade de refletir
e discutir assuntos complexos, pensar em soluções para resolver os problemas que
se apresentam e isso se faz no cotidiano.
Um processo formativo que contemple as demandas sociais e políticas do tempo
presente só pode ser efetivado num ambiente educativo composto por práticas
pedagógicas inovadoras que conduzam o educando ao exercício cotidiano da
autonomia e da participação, que sejam nutridas por um olhar crítico e visão
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reflexiva sobre cada situação.
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