CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL Djenane Alves Costa Pio PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: potencialidades e limites na formação de indivíduos i-protagonistas Belo Horizonte 2013 DJENANE ALVES COSTA PIO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: potencialidades e limites na formação de indivíduos i-protagonistas Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Área de Concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de Pesquisa Processos Educacionais: Tecnologias Sociais e Desenvolvimento Local. Orientadora: Profª. Guimarães Thomazi Belo Horizonte 2013 Drª. Áurea Regina CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO: potencialidades e limites na formação de indivíduos i-protagonistas Djenane Alves Costa Pio Dissertação defendida pela aluna acima aprovada em agosto de 2013 pela banca de examinadores: Profª. Drª. Áurea Regina Guimarães Thomazi- Orientadora Centro Universitário UMA Prof.Dr. Cláudio MárcioMagalhães Centro Universitário UMA Profª Drª Ana Maria Pereira Cardoso PUC Minas A Ele, toda honra, toda glória e todo louvor. AGRADECIMENTOS Agradecer não é uma tarefa difícil. Difícil mesmo é, em um espaço tão limitado, retribuir tudo o que me foi dado por cada um durante todo esse percurso. Ao meu amado esposo, por suas renúncias, apoio e gestos de amor, imprescindíveis para a conclusão desta etapa. Aos meus filhos, minha maior motivação, pela tolerância nas ausências. Aos meus pais, primeiros incentivadores dos meus primeiros passos na educação, sem estes eu não teria chegado até aqui. Às minhas irmãs, pelo incentivo e apoio; vocês sempre acreditaram e me fizeram crer que seria possível. À amiga Camila, pelos empurrões e intensos momentos de reflexão, quando não havia mais ninguém com interesse em escutar as leituras e releituras construídas ao longo deste percurso. À professora Áurea, mais que orientadora, incentivadora; seria difícil acreditar que chegar ao final era possível sem a certeza da sua presença dando suporte, mesmo que à distância, e os meus próprios limites em ser orientanda. À professora Ana Maria, pela generosidade imensurável em compartilhar conhecimentos, estimular a reflexão e até me aterrissar quando o pensamento voava alto demais. Apesar da ausência de títulos formalizados pela instância acadêmica, para mim será sempre a professora/orientadora/mestra. Aos colegas de pesquisa, Simone, pelos ouvidos sempre disponíveis; Roberto, por ter iniciado parte do percurso sobre as minhas indagações; e Pedro, pelos socorros sempre necessários no uso das tecnologias digitais. À professora Adriane e sua equipe, pelas discussões compartilhadas. Aos professores desse programa de mestrado, pelas contribuições. Especialmente, ao professor Cláudio, que teve um papel fundamental ao meu processo de superação da ingenuidade política. Aos gestores, professores, funcionários e alunos do Plug Minas, por dividirem comigo um pouco das suas opiniões, pensamentos e vivências no cotidiano na instituição. À Fapemig, pelo apoio a esta pesquisa. E, temendo esquecer alguém, a todos que de alguma forma contribuíram para a concretização desta etapa. RESUMO A fim de que avance o processo de gestação da Sociedade da Informação, ou seja, de construção de uma sociedade em que as pessoas dominem as informações que nela circulam utilizando-as como instrumento de transformação social, é imprescindível que se adotem práticas pedagógicas que contribuam para a formação de indivíduos i-protagonistas, que saibam fazer uso das Tecnologias de Informação e Comunicação e das possibilidades que estas oferecem para acesso a informações socialmente relevantes e que sejam capazes de atuar num cenário político no qual, ampliam-se progressivamente os canais de participação social. Inúmeras ações têm sido desenvolvidas no sentido de possibilitar o acesso a computadores e internet. Apesar de serem válidas, muitas iniciativas não demonstram preocupação em propiciar condições às pessoas para que sejam capazes de buscar, selecionar, interpretar e apropriar-se da informação, compartilhando-a, ou seja, que alcancem um nível satisfatório de literacia digital/informacional. Diante desse quadro, propôsse nesta pesquisa verificar quais as potencialidades e limites das práticas pedagógicas adotadas no Plug Minas - Centro de Formação e Experimentação Digital, tendo em vista que esse Programa governamental tem como norteador o protagonismo juvenil e como princípio o uso de recursos da cultura digital para o desenvolvimento das diversas atividades oferecidas aos jovens da região metropolitana de Belo Horizonte, aspectos que o tornam um instrumento potencial para a formação de indivíduos i-protagonistas. Sob a perspectiva da abordagem quanti qualitativa, para esta pesquisa estabeleceu-se a realização da coleta de dados em três dos seis núcleos que atendiam o público jovem, utilizando-se análise documental, entrevista a gestores, grupo focal com professores e observação das práticas pedagógicas. Os resultados obtidos detectam potencialidades nas práticas pedagógicas adotadas no Programa, mas também alertam para alguns limites da ação docente que estão relacionados tanto a questões pessoais do professor que precisam ser superadas, quanto a falhas no processo de implementação e execução dessa ação. Finalmente, reforça-se a necessidade de aprimoramento das ações que pretendem intervir no campo da educação para a cultura digital em resposta às demandas sociais emergentes, especificamente em três aspectos: Gestão, Formulação de Concepções e Atuação Docente. Palavras-chave: Práticas pedagógicas. digital/informacional. I-protagonismo. Inclusão digital. Literacia ABSTRACT In order to advance the process of gestation of the Information Society, ie, to build a society in which people master the information that it circulate using them as an instrument of social transformation, it is essential to adopt pedagogical practices that contribute for the training of individuals i-protagonists, they know to make use of Information and Communication Technologies and the possibilities they offer for access to socially relevant information and are able to act in a political landscape in which progressively expand channels social participation. Numerous actions have been developed in order to provide access to computers and internet. Although they are valid, many initiatives do not demonstrate concern for providing conditions for people to be able to search, select, interpret and appropriate the information, sharing it, or they reach a satisfactory level of digital literacy / informational. Given this situation, it is proposed in this research see what the potentials and limits of pedagogical practices adopted in Plug Mines - Center for Digital Training and Experimentation, considering that this government program has as guiding youth participation and the principle of the use of resources digital culture for the development of the various activities offered to young people in the metropolitan area of Belo Horizonte, aspects that make it a potential tool for the training of individuals iprotagonists. From the perspective of quantitative qualitative approach for this study was established to collect the data in three of the six cores that met the young audience, using document analysis, interviews with managers, focus groups with teachers and observation of teaching practices. The results detect potential pedagogical practices adopted in the program, but also serve to illustrate some limitations of teaching activities that are related to both the teacher's personal issues that need to be overcome, as the flaws in the process of implementation and execution of this action. Finally, it reinforces the need to improve actions seeking to intervene in the field of education for digital culture in response to emerging social demands, specifically in three areas: Management, Formulation Concepts and Practice Teaching. Keywords: Pedagogical practices. Digital inclusion. Digital literacy / informational. Irole LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 Programas de Inclusão Digital no Brasil..........................................46 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Mapeamento Resumido do Modelo de Gestão Plug Minas......................85 FIGURA 2 Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 1.................................113 FIGURA 3 Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 2.................................113 FIGURA 4 Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 3.................................113 FIGURA 5 Visão Docente acerca do Perfil dos jovens atendidos no núcleo 1........116 FIGURA 6 Visão Docente acerca do Perfil dos jovens atendidos no núcleo 2........116 FIGURA 7 Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no núcleo 1..118 FIGURA 8 Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no núcleo 2..118 FIGURA 9 Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no núcleo 3..119 FIGURA 10 Práticas e Atitudes Docentes no Núcleo 1............................................123 FIGURA 11 Manifestações dos Alunos no Núcleo 1................................................124 FIGURA 12 Práticas e Atitudes Docentes no Núcleo 2............................................125 FIGURA 13 Manifestações dos Alunos no Núcleo 2................................................125 FIGURA 14 Práticas e Atitudes Docentes no Núcleo 3............................................127 FIGURA 15 Manifestações dos Alunos no Núcleo 3................................................127 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CF – Constituição Federal DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil FEBEM – Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor FGV – Fundação Getúlio Vargas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional NPG – Núcleo de Planejamento e Gestão ONG – Organização não-governamental OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PCNEF - Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 12 2 A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A SOCIEDADE ..................................................... 26 2.1 Processo de Avanço das TIC: acelerado e contínuo – produto do desenvolvimento da informática associado à evolução das telecomunicações ........................................................................................................... 27 2.2 Impactos da evolução tecnológica na sociedade ............................................ 30 2.3 Modernização tecnológica no Brasil: diversidade e desigualdade............. 34 3 INCLUSÃO DIGITAL: O SIMPLES ACESSO E A PERSPECTIVA DA LITERACIA DIGITAL/INFORMACIONAL ............................................................................................... 41 3.1 Inclusão digital é uma questão de cidadania .................................................... 41 3.2 Os números da Inclusão digital (limitada à visão do acesso aos equipamentos e à internet) no Brasil ......................................................................... 47 3.3 Ampliando o escopo da inclusão: literacia digital/informacional, uma habilidade necessária..................................................................................................... 53 4 I-PROTAGONISMO: UMA EXPRESSÃO QUE EMERGE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO ....................................................................................................................... 57 4.1 O surgimento do termo protagonismo: contexto histórico, político e social ................................................................................................................................... 57 4.2 Protagonismo: concepção teórica ....................................................................... 63 4.3 Protagonismo juvenil e a emergência de um novo termo: i-protagonismo .............................................................................................................................................. 65 5 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DA PEDAGOGIA PARA A FORMAÇÃO DE INDIVÍDUOS I-PROTAGONISTAS .................................................................................... 71 5.1 Breve discurso acerca do campo da educação e algumas realidades do Brasil ................................................................................................................................... 72 5.2 Educação e tecnologia ............................................................................................ 75 5.3 As práticas pedagógicas na formação de indivíduos i-protagonistas....... 79 6 A PESQUISA DE CAMPO: Aspectos metodológicos ............................................ 90 6.1 O campo da pesquisa: universo ........................................................................... 92 6.1.1 O universo – Breve apresentação, delimitação e caracterização do campo de pesquisa ..................................................................................................... 92 6.1.1.1 Núcleo 1 – Características .......................................................................... 96 6.1.1.2 Núcleo 2 – Características .......................................................................... 97 6.1.1.3 Núcleo 3 – Características .......................................................................... 97 6.2 Os instrumentos de coleta de dados ................................................................. 98 7 O PROGRAMA PLUG MINAS COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM ............... 102 7.1 Análise de dados - na análise documental, nas entrevistas e na observação não-sistemática do espaço .................................................................. 102 7.1.1 Estrutura física e instalações ....................................................................... 102 7.1.2 Quanto aos tempos e espaços de aprendizagem................................... 105 7.1.3 Quanto ao perfil dos professores ............................................................... 106 7.1.4 Quanto aos princípios e concepções que orientam os projetos e o Programa ..................................................................................................................... 109 7.1.4.1 Protagonismo juvenil .................................................................................. 109 7.1.4.2 Educação e Ensino-aprendizagem .......................................................... 114 7.1.5 Síntese das considerações propostas .......................................................... 119 7.2 Análise de dados - Grupos Focais ..................................................................... 121 7.2.1 Inclusão Digital................................................................................................. 122 7.2.2 Literacia digital/informacional ..................................................................... 128 7.2.3 Síntese das considerações propostas neste item ................................. 131 7.3 Análise de dados – Observação das Práticas Pedagógicas ....................... 132 7.3.1 Práticas pedagógicas e atitudes docentes x respostas dos discentes ........................................................................................................................................ 133 7.3.2 Síntese das considerações deste item ...................................................... 140 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 148 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA GESTÃO NÚCLEOS PLUG MINAS 154 APÊNDICE B - ROTEIRO PARA GRUPO FOCAL ....................................................... 156 APÊNDICE C - ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ................................................................................................................................................ 157 APÊNDICE D – Produto Final ......................................................................................... 158 ANEXO – PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP ............................................... 171 12 1 INTRODUÇÃO A necessidade de construção de uma Sociedade da Informação é, nos dias atuais, fato reconhecido como imprescindível ao desenvolvimento econômico e social de uma nação. Essa necessidade está diretamente ligada à crescente velocidade da expansão das telecomunicações, tendo a Internet como protagonista nessa revolução, que através da conectividade promoveu o estreitamento da distância entre o homem e a informação alterando as formas de relações, acelerando o campo de construção e disseminação do conhecimento, e modificando os meios e os processos de produção e mercado. Numa dimensão mundial que situa numa melhor posição os que detêm e dominam com maior competência as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), quanto melhores forem as condições oferecidas num país para a gestação desta sociedade, maiores serão também as possibilidades que este país alcance uma melhor colocação no campo econômico global. O Brasil deu um grande passo no âmbito da construção dessa sociedade com a aprovação da Lei de Acesso à Informação nº 12.527 de 18 de novembro de 2011 que trouxe como expectativa uma maior transparência das ações governamentais, visando reafirmar a perspectiva de um regime democrático, visto que amplia a participação cidadã e fortalece os instrumentos de controle da gestão pública. Várias ações precederam a regulamentação da Lei, tendo em vista que o processo de regulamentação de uma Lei, em qualquer âmbito, geralmente é permeado por conflitos, afinal, trata-se da composição de uma agenda que abarca uma infinidade de temáticas relacionadas à segurança pública, saúde, habitação, entre outras, num campo de interesses bastante diverso dos diferentes grupos sociais. Considerando a regulamentação dessa lei e ampliando o cenário para o momento 13 de evolução tecnológica que temos vivido nas últimas décadas com a disseminação da internet, um canal potencial para veicular informações é o virtual. Esse canal possibilita inúmeras maneiras de tráfego da informação, com uma velocidade não imaginada pouco tempo atrás, e se apresenta em diferentes formatos, traduzindo-se na era dos computadores pessoais, de bolsa ou bolso, de acordo com o gosto do usuário. Por outro lado, considerando a perspectiva sociopolítica atual, a proposta de transição da Gestão Pública para uma Gestão Social está presente nos discursos governamentais e é discutida na literatura sobre o assunto, tendo como destaque a importância da participação social. Essa proposta denominada gestão social busca substituir a gestão até então vigente - tecnoburocrática e com seu discurso autoritário – por um modelo mais participativo, pautado no diálogo e que seja capaz de agregar e de ser exercido por sujeitos sociais diversos. (TENÓRIO, 1998) A gestão nestes moldes, ou seja, a gestão social é um ato relacional que se estabelece entre pessoas, em espaços e tempos relativamente delimitados, objetivando realizações e expressando interesses de indivíduos, grupos e coletividades (FISCHER, 2002). Sendo assim, espera-se que os cidadãos contemporâneos participem ativamente dos processos políticos do país. Já se percebe a abertura de espaços e canais em que esses cidadãos tem a oportunidade de vocalização apresentando suas ideias sobre as problemáticas do contexto em que vivem e discutindo as melhores respostas para solucionar essas questões. Alguns exemplos dessa iniciativa são os conselhos gestores, os orçamentos participativos, as conferências municipais, entre outras. Num contexto em que as TIC imperam como canais de relacionamento e de fluxo da informação, a necessidade política de construir uma cultura de participação social vem agregada à de investir recursos e esforços que viabilizem essa participação por 14 meio desses canais. Diante disso, pode-se dizer que tanto o cenário socioeconômico mundial quanto a proposta vigente de gestão, ou seja, a Gestão Social, requisitam a emergência de indivíduos i-protagonistas (esse termo será explicado no decorrer do trabalho) e com bom nível de literacia digital/informacional. Estas características possibilitarão não apenas o desenvolvimento de uma nação, mas também serão determinantes para um planejamento consciente e comprometido desse desenvolvimento, levando a uma reflexão a nível global, mas também avaliando os impactos e consequências a nível local. Nesse âmbito, é bastante relevante para uma nação como o Brasil, marcada historicamente pelas disparidades sociais que afetam o acesso de muitas pessoas aos bens culturais existentes, buscar iniciativas que visem possibilitar a equidade no acesso às ferramentas digitais, a capacitação para seu uso e manuseio das informações possibilitadas por meio delas. Diante disso, alguns desafios surgem para que se assegure não apenas a implementação da Lei de Acesso à Informação, mas o acesso a qualquer informação que interesse aos indivíduos num contexto social nacional, em qualquer campo de conhecimento e que esteja sendo veiculada de forma pública. O primeiro é a questão da possibilidade de acesso a esses meios, a quem é dado; o segundo é qual a qualidade desse acesso às ferramentas digitais e um terceiro é capacitar as pessoas para lidarem com elas e as informações que trazem. Considerando o presente contexto, no qual predominam as TIC, suscita-se a emergência de pessoas capazes de manusear as novas tecnologias, utilizando-as como ferramentas para a obtenção de informações e, ainda, que sejam capazes de interpretar e analisar essas informações, levando em conta suas fontes, construindo autonomamente um conhecimento próprio e disseminando esse conhecimento a 15 quem interessar. Algumas habilidades necessárias para o manuseio dessas informações concernem às aprendizagens já estabelecidas no currículo escolar do país como, por exemplo, a leitura e interpretação de textos, em qualquer formato. Poderia se dizer, então, que compete à escola propiciar essa formação aos indivíduos e não seria errôneo afirmar isso, já que o trabalho da escola deveria acompanhar as mudanças societárias, buscando preparar os seus discentes para o contexto em que vivem. Porém, apesar das inúmeras mudanças de pequeno ou grande porte que a escola vem sofrendo ao longo dos anos, estas não conseguiram ainda garantir nem a efetiva aprendizagem das habilidades básicas necessárias que se espera adquirir nesta instituição; apenas conseguiram inibir o analfabetismo muito mais por acesso e tempo de permanência na instituição. (UNESCO, 2011) Outras habilidades, porém, são mais específicas do contexto das TIC, como a busca, a seleção, a validação da fonte, que ocorrem devido ao volume, velocidade e diversidade que o recurso da internet possibilita. Isso não quer dizer que já não se realizavam esses procedimentos antes da evolução tecnológica, mas a proporção era bem aquém da que se tem hoje. Algumas iniciativas têm sido colocadas em prática no sentido de favorecer o acesso às TIC. Percebe-se que essas iniciativas realmente propiciam o acesso às ferramentas tecnológicas, porém, tal acesso ainda não é suficiente para garantir que os indivíduos sejam capazes de fazer uso efetivo dessas ferramentas, exercendo a sua cidadania e manuseando com autonomia e a devida criticidade as informações que estão veiculadas através desses meios. Ciente desta brecha definiu-se nesta pesquisa abordar a questão relativa às habilidades necessárias ao manuseio das informações veiculadas por meio das ferramentas digitais, tendo em vista que as questões do acesso e manuseio destas 16 já têm sido debatidas em trabalhos de outras áreas com subsídio acadêmico mais consistente para análise destas questões. Os limites e potencialidades das práticas pedagógicas adotadas para a formação de indivíduos i-protagonistas e que detenham essas habilidades é o recorte mais específico delimitado neste trabalho. Considerando o quadro apresentado, qualquer ação compensatória, como é o caso dos programas de inclusão digital no Brasil, que vislumbre a inserção dos indivíduos no contexto das TIC, deve considerar a disponibilidade de acesso às ferramentas digitais, mas também que as pessoas precisam ser formadas para a busca, seleção, leitura crítica e interpretação das informações que são disponibilizadas. Apesar disso, a maioria das pesquisas no campo da inclusão digital está focada na questão do acesso às ferramentas. Ainda são escassos os registros de estudos que tenham interesse na questão da formação das pessoas para o manuseio das informações. Tal escassez constitui uma lacuna que prejudica a possibilidade de uma visão mais completa na implementação e monitoramento de programas sociais com o objetivo de inclusão digital e na avaliação da efetividade desses programas. A discussão proposta neste trabalho pretende contribuir para a execução dessas tarefas no sentido que agrega conhecimentos relevantes sobre as necessidades sociais na área e também apresenta dados obtidos num contexto real, interpretados a partir do olhar do campo da Pedagogia que até a presente data pouco se manifestou sobre o assunto, apesar do real potencial que pode ter em relação à construção de propostas pedagógicas com qualquer foco de aprendizagem. Trazer para a pauta a discussão dessa temática implica agregar diferentes assuntos em campos diversos que estão compreendidos em todos os contextos aos quais se refere a cidadania, ou seja, tanto no civil, quanto no político, no econômico e no social; e, ainda, requer considerar o tempo histórico ao qual estamos nos referindo. 17 Afinal, a efetivação da cidadania por uma pessoa sempre envolveu e ainda envolve uma grande complexidade de aspectos, entre eles o surgimento irrefreável de novos bens culturais que a sociedade cria a cada momento. Marshall (1967) traduziu a cidadania como um status concedido às pessoas que são membros integrais dentro de uma comunidade. Ao considerar cidadania como status também podemos entendê-la como uma posição momentânea de privilégio de alguns. Algumas décadas depois, Coutinho (1997) reafirma essa interpretação descrevendo cidadania como a conquista alcançada pelo indivíduo de apropriação dos bens criados pela sociedade e de se realizar socialmente, de acordo com o contexto social em que vivem. Ao estender essa conquista para além dos direitos e obrigações faz refletir sobre situações cotidianas que ainda não foram regulamentadas, mas já constituem aspirações de um ser cidadão. Esses anseios surgem quanto melhor for a qualidade da consciência social dos indivíduos, ou seja, quando as pessoas que vivenciam uma determinada problemática comum aos mesmos, conseguem desta situação social ter uma compreensão apropriada e buscam a mudança da sua posição atual afim de conquistar o que comungam que lhes falta. Nem sempre as circunstâncias favorecem, e, às vezes, há uma distorção dessa consciência que leva as pessoas a não enxergarem ou a compreenderem equivocadamente sua própria situação social (MARTINS, 2003). No Brasil, a discussão sobre cidadania é mais acirrada visto que há uma brecha social, no momento instransponível, representada pelas destacadas diferenças de renda que ocasionam outras distâncias que influenciam prejudicialmente no acesso das pessoas menos favorecidas a esses bens. Apesar das políticas e da legislação regulamentada ao longo dos anos no país que visam corrigir essas diferenças, as desigualdades persistem, parecendo sucumbir ao sistema capitalista que ora impera. 18 Uma reflexão sobre o contexto atual do Brasil no que se refere às desigualdades sociais e à necessidade de acesso às TIC (principalmente nessa leitura mais ampla proposta neste trabalho) que determina a possibilidade de maior sucesso na participação social, seja em qualquer âmbito, conduz ao entendimento de que estes dois aspectos caminham em direções bastante distintas e que há obstáculos históricos no caminho que impedem o primeiro de ser solucionado a fim de seguir em direção ao segundo. A necessidade de acesso às TIC é uma construção atual da sociedade. Ao criar novos bens a sociedade impulsiona um processo automático que ao mesmo tempo inclui e exclui. Segundo Martins (2003) os excluídos não são definidos por eles próprios, mas por aqueles que se consideram integrados porque sucumbiram ao sistema. Assim, a preocupação com a situação dos ditos excluídos, geralmente é dos excludentes que pensam que eles – os excluídos - não saberiam lutar por si mesmos. Fato é que a desvantagem à qual são expostos os ditos excluídos, no panorama atual, os impede inclusive de almejar uma mudança social. Se a habilidade de lidar com as novas tecnologias, especialmente com as que imperam como canal de comunicação e para obter informação, constitui um impedimento para que se concretize a participação social de uma pessoa, então é necessário acontecer um movimento que busque intervir nesse quadro, mesmo que por um lado se esteja cooperando para a manutenção de um sistema que já é por natureza excludente. No caso desta pesquisa, o movimento que se propõe é no sentido de despertar para a necessidade de propiciar às pessoas o desenvolvimento da literacia digital/informacional, expressão que melhor traduz a habilidade em lidar com as TIC, numa perspectiva de busca, seleção, validação da fonte, leitura crítica e interpretação das informações. A formulação deste conceito baseou-se nos estudos de Soares (2004), Ribeiro (2008; 2009), Ferreira e Dudziak (2004) e Eshet (2002; 19 2004, apud SILVA, 2012).. Como visto anteriormente, essas habilidades são indispensáveis ao exercício das possibilidades que essas tecnologias oferecem. Propiciar esse processo de desenvolvimento significa inclusive interferir, se necessário, no processo de aprendizagens até então atribuídas à instituição escolar como a leitura e interpretação textual, cujos dados levantados nas pesquisas não têm obtido resultado satisfatório. (UNESCO, 2011) Caminhar no sentido de buscar a equidade na questão do acesso aos bens tecnológicos-informacionais, ou como sintetizamos, no sentido da inclusão digital, extrapola a dimensão do acesso aos equipamentos e aos recursos, ou mesmo das condições em que ocorre esse acesso; implica contemplar outros requisitos necessários ao uso eficiente de tudo isso. Sem desprezar o ponto de vista de Martins (2003) sobre o processo contraditório que provoca a abstração da inclusão e da exclusão, preferiu-se manter essa nomenclatura considerando que sua popularidade permite uma melhor referência para despertar o interesse do público alvo deste trabalho. A ideia é agregar outros pensamentos que façam refletir essa questão, sob um discurso mais inquieto do que acomodado, ancorado na contribuição de Buzato (2008) e alicerçado nas discussões sobre cidadania proposta pelos autores Marshall (1967), Martins (2003), Silva et al. (2005) e Barros et al. (2007), sendo os dois primeiros já citados nessa introdução. Considera-se que o domínio dessas habilidades é um fator que atribui à pessoa condições para atuar na transformação do meio em que vive, e mais ainda, para que se tornem i-protagonistas sociais na Sociedade da Informação. Esta expressão deriva de outra inédita1 - i-protanismo social – que procura traduzir com maior grau 1 A expressão i-protagonismo foi citada pela primeira vez na pesquisa "I-protagonismo: inovação 20 de aproximação o perfil deste indivíduo que emerge a partir de três fatores principais: o boom das TIC nas últimas décadas, a transição do modelo de gestão que se fundamenta na participação social e a condicionante do domínio da informação pelos cidadãos como instrumento de mensuração do nível de desenvolvimento de um país. Souza (2008), Dowbor (2006), Costa (1999) e Ferreti et al (2004) norteiam a construção do conceito de i-protagonismo a partir da visão que trazem sobre protagonismo social. A abordagem de Freire (1979) e de Stamato (2008) contribuem para essa discussão no sentido que apontam características fundamentais a um indivíduo que se encontra nesse processo. Coutinho (1997) auxilia a situar esse indivíduo no contexto político contemporâneo. Diante de toda a complexidade apresentada que envolve a discussão proposta e no intuito de buscar respostas para a problemática da implementação, acompanhamento e avaliação de programas sociais que de alguma forma se relacionam com a questão da inclusão digital, definiu-se como objeto dessa pesquisa as práticas pedagógicas adotadas em ações que visem propiciar a inclusão de indivíduos na cultura das TIC, dominantes na sociedade em que vivemos, tendo em vista dar resposta à demanda emergente de cidadãos iprotagonistas na Sociedade da Informação. A temática está situada na Linha de Pesquisa Processos Educacionais: tecnologias sociais e desenvolvimento local deste Programa de mestrado, tendo em vista que tem como objetivo final subsidiar a reflexão e a construção de novas práticas profissionais referidas a processos educacionais na área da inserção na cultura das TIC, sendo o domínio desta cultura de grande relevância para o processo de desenvolvimento local no âmbito nacional ou mundial no atual cenário. social, juventude e literacia digital/informacional nas redes sociais do Plug Minas”, desenvolvida pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com recursos financiados pela FAPEMIG (SHAAPQ 00149-1), e da qual o interesse pelo estudo da temática desta dissertação derivou. 21 Contemplou-se como objetivo principal verificar quais as potencialidades e limitações das práticas pedagógicas adotadas num programa social que visa a inserção dos indivíduos na cultura das TIC contribuindo para o processo de desenvolvimento da literacia digital/informacional dos participantes a fim de que estes sejam cidadãos iprotagonistas na Sociedade da Informação. Para se alcançar esse objetivo alguns passos foram necessários como identificar quais as concepções pedagógicas norteiam a execução do programa e quais as práticas pedagógicas adotadas pelos educadores no desenvolvimento das atividades realizadas junto aos participantes, bem como verificar qual a compreensão dos educadores sobre literacia digital/informacional e como essa compreensão se relaciona com suas práticas pedagógicas. Para esta pesquisa descritiva, a metodologia foi construída sob o ponto de vista da abordagem qualitativa que, pela visão holística que propõe, permite compreender melhor o objeto de estudo no âmbito dessa abordagem, pois leva em consideração os muitos fatores envolvidos numa questão, ou seja, que os problemas sociopolíticos, econômicos, culturais, educacionais devem ser levados em conta quando se coloca em foco uma determinada situação de cunho social. (OLIVEIRA, 2007) Quanto ao delineamento da pesquisa, optou-se pelo estudo de campo, tendo em vista o interesse no aprofundamento da questão proposta, estudando-se “um único grupo ou comunidade” por meio do contato direto do pesquisador com o grupo ou comunidade eleito numa “experiência direta com a situação de estudo” (OLIVEIRA, 2007, p.53). O universo delimitado para a pesquisa foi o Programa Plug Minas – Centro de Formação e Experimentação Digital2. Trata-se de um programa que visa atender o 2 O Plug Minas - Centro de Formação e Experimentação Digital foi implantado em Belo Horizonte 22 público jovem com faixa etária entre 14 e 24 anos, estudantes ou egressos das escolas públicas de ensino, residentes em Belo Horizonte e na Região Metropolitana, em cursos de formação e outras atividades nas áreas do empreendedorismo, arte, tecnologia, jogos digitais e idiomas, por meio do uso permanente dos recursos da cultura digital. O protagonismo juvenil faz parte da proposta inscrita no projeto do Programa como princípio norteador. A pesquisa bibliográfica subsidiou todo o trabalho através do “contato direto com obras, artigos ou documentos que tratam do tema em estudo” num encontro contínuo de pensamentos de diferentes autores que discutem a grande diversidade de assuntos abordados para abarcar a temática proposta. Ela também foi alicerce para a construção de novos pensamentos e ideias que juntadas às discussões iniciais serviram de aporte para a análise dos dados levantados no campo da pesquisa. (OLIVEIRA, 2007, p.69) A construção dos instrumentos de coleta de dados foi baseada na busca de respostas para o problema apresentado, resultando no seguinte: o estudo dos documentos constitutivos do Programa e dos projetos dos núcleos pesquisados, bem como as entrevistas com as gestoras, para esclarecer as concepções norteadoras dos trabalhos desenvolvidos; a observação das práticas pedagógicas nos núcleos, para verificar quais são essas práticas e como elas são desenvolvidas; o grupo focal com professores, para verificar quais os conhecimentos os mesmos têm acerca da temática da literacia digital/informacional. Essa diversidade visou ampliar o volume de informações coletados e, ainda, confirmar ou não as informações obtidas mediante a aplicação de cada instrumento. A análise dos dados coletados em campo foi realizada com base na análise de conteúdo descrita por Bardin (2006, p.38) como “um conjunto de técnicas de análise no ano de 2009, foi criado pela Secretaria de Estado de Cultura em parceria com a Secretaria de Estado de Esportes e Juventude e integra Núcleos de formação e inovação em tecnologia, artes e esportes. 23 das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” e que deve ultrapassar a subjetividade e aprimorar a leitura dos dados coletados. Essa estratégia possibilitou perceber distinções entre o texto escrito, o pensamento de indivíduos expresso na fala e a execução prática de tudo isso que está documentado e expresso na fala. Foi possível confrontar os variados dados coletados e descobrir questões que estavam encobertas nos conteúdos manifestos nas falas (entrevistas e grupos focais), textos (análise documental) e nas ações (observação das práticas pedagógicas), conforme já previsto por Minayo (2001). A falta de conhecimento e as opiniões divergentes quanto à questão da inclusão digital e da necessidade de estender os espaços educativos para além da instituição escolar e a visão limitada sobre protagonismo são algumas dessas descobertas. Para melhor organização deste trabalho e construção de um percurso contínuo e coerente para as discussões necessárias ao entendimento da temática, na introdução buscou-se apresentar um panorama atual da sociedade diante da evolução revolucionária das TIC que despertou para a necessidade de emergência de uma sociedade da informação; as consequências desse processo e as condições necessárias para que esse tipo de sociedade se efetive. Destacou-se a problemática que é o foco de interesse deste trabalho, as questões que justificam investimento de estudo no assunto, e os objetivos desta pesquisa foram definidos embasados nessa discussão. No segundo capítulo intitulado a Evolução Tecnológica e a Sociedade abordou-se a velocidade e a constância dos avanços no campo tecnológico, os impactos desse avanço para a sociedade e especificamente para o Brasil diante da diversidade e das desigualdades que imperam neste país. O terceiro capítulo, Inclusão Digital: do simples acesso à literacia 24 digital/informacional, buscou ampliar a discussão sobre inclusão digital para a capacidade de exploração e domínio das possibilidades que as tecnologias digitais oferecem que vai além do acesso aos equipamentos e recursos. O conceito de cidadania analisado sob a perspectiva da sociedade contemporânea e os dados de pesquisas quantitativas no campo da inclusão digital contribuíram para uma leitura mais apurada da realidade e construção do diálogo proposto. O quarto capítulo, I-protagonismo na Sociedade da Informação, trata das características necessárias às pessoas para que efetivem a sua participação social na sociedade emergente e consigam projetar transformações sociais que as beneficiem e/ou beneficiem outras pessoas. Destaca-se o papel da juventude nesse processo de transformação e definem-se quais os pré-requisitos para a formação de jovens i-protagonistas capazes de atuar em todos os âmbitos sociais. O quinto capítulo traça um breve histórico sobre o percurso da educação, aponta a importância desse campo para a formação de indivíduos que sejam capazes de atuar no sociedade da informação, despertando para a necessidade de alinhar as práticas pedagógicas em ambientes de educação formal e não-formal a esse objetivo a fim de que isso ocorra efetivamente. O sexto capítulo apresenta e explica a metodologia adotada para essa pesquisa, os fatores que implicaram na escolha da mesma, define o universo delimitado como campo a ser pesquisado e os instrumentos utilizados para a coleta de dados. O sétimo capítulo é o palco da análise dos dados obtidos, interpretados à luz do referencial teórico, fruto do diálogo com o pensamento de diversos autores, de dados relevantes para a discussão apreendidos em diversos portadores textuais (revistas, livros, sites, diários oficiais, entre outros), e das construções realizadas pela pesquisadora durante o trabalho de pesquisa. As considerações finais representam as contribuições que o trabalho deixa para o 25 campo, mas também despertam para um repertório de desafios que já podem ser vislumbrados no tratamento da temática. 26 2 A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A SOCIEDADE Historicamente a humanidade sempre buscou melhoria para sua qualidade de vida, criando e adaptando ferramentas, construindo e modificando ambientes. Essa busca impulsionou inúmeras descobertas que foram alavancando muitas outras como é o caso do crescente desenvolvimento dos meios de transporte, que inicialmente se fazia apenas por meio de recurso animal e hoje já se estende a outros meios terrestres (veículos de passeio, ônibus coletivo, trens e metrôs), aéreos, aquáticos e até mesmo espaciais. As contribuições e os benefícios que essas descobertas podem trazer são inúmeros, principalmente na área da saúde que pode ser medida, por exemplo, pelas reduções das taxas de mortalidade depois da descoberta da penicilina, vacinas e antibióticos. Geralmente, a chegada de cada uma das novas invenções do homem também suscita mudanças no convívio social. Seguindo o exemplo da área da saúde, a redução da mortalidade implica naturalmente num aumento populacional que ocasiona novas formas de organização da sociedade e maiores demandas de serviços públicos. Certamente, essa busca ininterrupta do homem por novos instrumentos e recursos tem como pano de fundo o atendimento das necessidades humanas, o desenvolvimento intelectual, a aplicação de investimentos financeiros nesse campo e, principalmente a permanente atividade de produção humana. Neste capítulo tratar-se-á dessa evolução especificamente no campo das TIC iniciando por um breve histórico do percurso do desenvolvimento do campo da informática que junto com os avanços das telecomunicações foi que ocasionou essa evolução. Posteriormente discutem-se os impactos desse desenvolvimento na vida 27 das pessoas num contexto global, e aprofunda-se nessa questão tendo como cenário o Brasil com todas as particularidades peculiares da diversidade cultural, amplitude territorial e desigualdades econômicas características do país. 2.1 Processo de Avanço das TIC: acelerado e contínuo – produto do desenvolvimento da informática associado à evolução das telecomunicações Os anos 1990 foram o palco de uma nova era comunicacional estabelecida por meio de transistores com capacidade de transmissão em unidades cada vez menores, mais leves e de relevante eficiência que adentraram o cotidiano dos indivíduos em forma de cartões magnéticos, telefones móveis, microcomputadores e uma infinidade de equipamentos que permitem a transmissão de informação e/ou a comunicação em tempo real, sem limites de espaço. Essa nova era não se estabeleceu num abrir e fechar de olhos. O marco inicial do processo que ocasionou a instauração desse novo tempo social foi no ano de 1936, quando Alan Mathison Turing (1912 - 1954), estudante do King’s College, Cambridge, definiu a possibilidade de executar operações computacionais usando uma máquina que tivesse um processo formal bem definido, isso a partir da teoria dos números. Esta descoberta influenciou o desenvolvimento da matemática e foi um marco na História da Computação. (FONSECA FILHO, 2007) Esse foi o pontapé inicial para a compreensão de que se poderia atribuir a realização de alguma atividade humana à máquina. Posteriormente Turing, durante um período em que foi convocado pelo governo inglês, teve a oportunidade de “transformar sua máquina imaginária no primeiro computador legítimo”.(FONSECA FILHO, 2007, p. 78) Além destas contribuições ele ainda deixou outras na área da programação de computadores que passou a ser 28 chamado de Ciência da Computação. Outro fato relevante ocorreu na década de 1940 quando três cientistas de um laboratório de Telefonia criaram o que viria a ser considerado um protótipo do transistor, invenção que evoluiu e anos depois foi determinante para impulsionar o progresso acelerado dos hardware e software com novos conceitos e estruturas. Essa invenção também estimulou o “desenvolvimento das Linguagens de Programação, dos Compiladores, da Teoria da Computação, da Computação Gráfica, da Inteligência Artificial, da Robótica, e outras áreas”.(FONSECA FILHO, 2007, p.22) Em 1951, com a ampliação da programação de computadores para três níveis (até então os computadores só possuíam o nível da linguagem de máquina – ambiente no qual ocorria a programação – e o nível da lógica – de execução dos programas) ampliando suas funções para execução de programas em linguagem de máquina, ocorreu uma evolução das linguagens e arquiteturas das máquinas. (FONSECA FILHO, 2007) Os supercomputadores surgiram na década de 1970, mas ainda eram limitados na tecnologia em velocidade do processador, gasto de tempo e velocidade de entrada e saída entre os processadores e a memória. (FONSECA FILHO, 2007) A invenção do transistor concretizou-se o que ocasionou a segunda geração de computadores. Da mesma forma, os sistemas integrados, constituídos por sistemas operacionais e linguagens de programação, deram vez à terceira geração. A quarta geração, a que temos hoje, foi possível graças ao reduzido espaço que os componentes eletrônicos, mesmo em grande quantidade, passaram a ocupar. (FONSECA FILHO, 2007) A indústria dos computadores pessoais emergiu a partir do ano de 1975 por meio de 29 empresas como a Microsoft, a Apple e a IBM fundadas no contexto da terceira geração com a disseminação dos circuitos integrados. Até então considerado um bem inacessível, o computador passou por um processo de transformação tornandose um bem de consumo e chegou às mãos de milhares de pessoas. Essas empresas imperam até os dias atuais nesse mercado posicionando-se nos dez primeiros lugares do ranking das empresas de maior valor do mundo. (MILLWARD BROWN, 2013). Hoje, já na quarta geração, o problema de velocidade, que vem aumentando a cada dia, dos processadores já está superado (apesar de se acreditar que o seu limite está próximo). Outras tecnologias já vêm sendo pesquisadas no sentido de manter crescente o ritmo dessa velocidade. A quarta geração vem acompanhada dos minicomputadores e do computador pessoal nos anos 1980. Os sistemas operacionais progrediram junto com as arquiteturas. (FONSECA FILHO, 2007) Ao mesmo tempo em que a telefonia passou a integrar os avanços da computação, esta segunda também submeteu o seu sistema às possibilidades oferecidas pela primeira configurando a era comunicacional que prevalece nos dias atuais. O surgimento da internet ocorreu na década de1970, mas nada pode ser comparado ao seu impacto por proporcionar aos equipamentos ampliar suas possibilidades de funções permitindo às pessoas transitar, por meio dessa tecnologia baseada em rede, de um lugar para outro, sem fronteiras nem limites. São tantas essas possibilidades que pode ser que a sociedade ainda não se deu conta de sua totalidade e nem chegará um dia a explorar todas elas, tendo em vista que esse processo de evolução é contínuo e ininterrupto. Nesse âmbito, cabe refletir que muitas pessoas que já haviam nascido na ocasião do momento de popularização dos primeiros computadores ainda hoje não tiveram 30 acesso à quarta geração desses equipamentos. Outras pessoas, desse mesmo grupo e até mais jovens, chegaram a ter acesso, mas não conseguem acompanhar o processo de evolução que os envolve tamanha a sua velocidade. Há ainda outros fatores relevantes a serem considerados quando se trata da questão do acesso aos bens produzidos pela evolução tecnológica seja esta em qualquer área. Esses fatores estão relacionados a desníveis sociais históricos e compreendem uma diversidade de aspectos culturais e econômicos que beneficiam, prejudicam ou até impedem esse acesso. Esse assunto será mais explorado no tópico seguinte. 2.2 Impactos da evolução tecnológica na sociedade A evolução, seja em qualquer âmbito, é um processo contínuo por ser uma resposta à permanente insaciabilidade, característica própria da natureza humana. Ao mesmo tempo em que é uma resposta, toda evolução tende a deslocar o campo ao qual se refere e, inclusive, influenciar em outros campos. Remetendo novamente ao exemplo da evolução na área da saúde citada anteriormente, é fato que o crescimento populacional que os avanços neste campo ocasionaram provocou inúmeras alterações no quadro social. Assim, a evolução tecnológica, principalmente a que se refere às TIC, que, como visto, foi precedida pela evolução no campo da informática, também provocou um deslocamento no próprio campo, como também em outras áreas. Isso ocorreu porque qualquer que seja o avanço, este se dá no interior da sociedade, já concebida neste trabalho como matéria complexa. É a sociedade que determina o desenho da tecnologia de acordo com suas necessidades, valores e interesses através dos usos sociais que os indivíduos fazem 31 dela. Assim, inúmeros fatores diretamente ligados a cada sociedade como a sua trajetória histórica, seu desenvolvimento social e econômico, interferem na maneira como os indivíduos fazem uso das TIC. (CASTELLS, 2006) O processo de apropriação das tecnologias pelas diferentes sociedades ocorre em ritmo e formas próprias, levando a que sejam vistas e analisadas tanto como “sociedades em rede” quanto como “sociedades em transição”. Dimensões como tecnologia, economia, bem-estar social e valores são referenciais para essa análise, que permite perceber “a posição relativa de cada sociedade no panorama global das sociedades informacionais”. (CARDOSO, 2006, p.33) Profundas mudanças no contexto da organização social marcam esse processo de apropriação. Conforme mencionado, estas mudanças alteram as atividades cotidianas dos indivíduos em diferentes âmbitos, provocando modificações significativas em sua vida. Considerando que a adesão a estas mudanças não é voluntária, mas pelo contrário, ocorre de forma impositiva não permitindo às pessoas a opção de recusa, ela pode ser ao mesmo tempo discricionária, pois não leva em conta questões como, por exemplo, as econômicas, as geográficas (que interferem nas questões de acesso com qualidade) e as educacionais, fato relevante principalmente em sociedades marcadas pela desigualdade. No ano de 2000 o Livro Verde3 apontou o risco que as novas tecnologias representam para o aumento das distâncias sociais não só entre pessoas, mas também entre países e blocos de países e informou um dado importante a ser 3 Elaborado pelo Grupo de Implantação do Programa, composto por representantes do MCT, da iniciativa privada e do setor acadêmico, sob a coordenação de Tadao Takahashi, o Livro Verde contém as metas de implementação do Programa Sociedade da Informação e contempla um conjunto de ações que tem o objetivo de impulsionar a Sociedade da Informação no Brasil em todos os seus aspectos: ampliação do acesso, meios de conectividade, formação de recursos humanos, incentivo à pesquisa e desenvolvimento, comércio eletrônico, desenvolvimento de novas aplicações. 32 refletido: 90% da população do planeta ainda não havia tido acesso nem ao telefone até o ano de publicação do material. (BRASIL, 2000) Esse risco fica mais iminente quando as pesquisas apontam que os quatro países com mais de 90% de índice da população que tem acesso a internet em casa (Suécia, Islândia, Dinamarca e Países Baixos) fazem parte da região mais desenvolvida do mapa-múndi, a Europa. (FGV, 2012) Nas sociedades nas quais as TIC encontraram maiores condições de disseminação alguns equipamentos se transformaram em pouco tempo numa quase extensão do corpo humano. São esses equipamentos que garantem às pessoas mobilidade sem perda de conectividade, como os celulares, tablets, smartphones, numa criação de “usos flexíveis do espaço urbano” (LEMOS, 2005, p.3). Esse casamento mobilidade-conectividade propõe uma nova adequação dos espaços na qual o público e o privado se imbricam. É a comunicação sem fio que redefine a interface entre conexão e espaço. Afinal, a perda da conectividade traz uma certa sensação de prejuízo. Trata-se de um dos limiares da indissolúvel relação entre economia e tecnologia. Através da conectividade as pessoas acessam outras pessoas, lugares, lazer, trabalho, e uma infinidade de serviços que parecem conduzir a uma nova lógica de convívio social, cujo alicerce é a oferta de conforto, economia e segurança, este último fator muito relevante diante dos índices cada vez mais altos de violência. Os tempos e espaços foram reconfigurados. De acordo com Lemos (2003) cada transformação midiática altera nossa percepção espaço temporal, chegando na contemporaneidade a vivenciarmos uma sensação de tempo real, imediato, “live”, e de abolição do espaço físico-geográfico. A sociedade da informação é marcada pela ubiqüidade e pela instantaneidade, saídas da conectividade generalizada. Entramos assim em uma sociedade WYSIWIG (o que vejo é o que tenho) onde a nova economia dos cliques passa a ser vital para os destinos da cibercultura: até onde devemos clicar, participar, 33 opinar, e até quando devo contemplar, ouvir, e simplesmente absorver? O tempo real pode inibir a reflexão, o discurso bem construído e a argumentação. Por outro lado o clique generalizado permite a potência da ação imediata, o conhecimento simultâneo e complexo, a participação ativa nos diversos fóruns sociais. (LEMOS, 2003, p.13) Todos os espaços acessáveis por essa conectividade acabam por se tornar indissociáveis uns dos outros, ocasionando uma ligeira confusão de tempos e espaços. O trabalho está em casa, o lazer está no trabalho e assim por diante. Segundo o mesmo autor, todo esse movimento de possibilidades parece extinguir o espaço físico e criar “espaços de fluxos, redes planetárias”. (LEMOS, 2003, p.13) A respeito desse aspecto afirmam A palavra local ganha especial dimensão por inúmeras razões, das quais destacamos o fato de que, desde a década de 1990, com a intensificação do uso da Internet, o trabalho potencialmente passou a ser remoto, de casa e por rede, sendo elemento definidor de novos mercados. Associado a isso, passamos a assumir diversas outras funções, que antes demandavam um posto de trabalho específico. Somos hoje, ao longo do dia, caixas de bancos, operadores de seguros, vendedores e compradores de produtos, simultaneamente operadores de bolsas, entre tantos outros. Na web, trabalhar e estudar são atividades que podem ser realizadas em qualquer lugar. (PRETTO; PINTO 2006, p.24) Atualmente é difícil mensurar o montante de atividades que estão sendo desenvolvidas num espaço que até então era concebido para um objetivo delimitado, como é o caso dos aeroportos, hotéis, restaurantes, praças, faculdades e tantos outros. As novas tecnologias potencializaram estes ambientes transformandoos em espaços de fusão. Ao mesmo tempo em que há um aparente isolamento de cada pessoa nesses espaços, afinal os equipamentos são pessoais, a comunicação é contínua e as produções ininterruptas. As formas de produção e comércio sofreram intensas mudanças, afinal, todo esse processo de desenvolvimento tecnológico influenciou potencialmente as nossas relações seja uns com os outros ou mesmo com tudo aquilo que nos cerca. Nesse contexto, pode-se dizer que mais que um impacto na economia, todas essas transformações contribuíram para o surgimento de uma nova cultura. De acordo 34 com Lemos (2003, p.11) o novo tipo de cultura que emerge desse conjunto de mudanças caracteriza-se como cibercultura: “cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais”. Assim, define-se cultura digital, para fins desse trabalho, como uma cultura contemporânea, desencadeada pelas inovações tecnológicas que permitem novas formas de relação comunicacionais, de produção e consumo de conteúdos, e de acesso e disseminação de informações, num processo que ocorre diferentemente nas sociedades tanto quanto são distintas as suas trajetórias históricas, políticas, sociais e econômicas, e, ainda, a maneira com a qual seus indivíduos se apropriam dessas tecnologias. Como já foi mencionado, a participação nesse tipo de cultura não é nem espontânea e menos ainda universal. Por este motivo se faz necessário considerar algumas questões imbricadas neste processo como, por exemplo, a “ausência de condições efetivas para determinados indivíduos viverem em sistemas sociais, nos quais possam ter qualidade de vida e não na pura ausência de acesso a bens e serviços” característica marcante em sociedades em que há ampliada desigualdade social. (BARROS et al., 2007, p. 195) A seguir será discutido como tem ocorrido o processo de desenvolvimento tecnológico no Brasil que, dada sua extensão territorial apresenta grande diversidade cultural que é ainda mais destacada pela ampliada distância social entre grupos promovida ao longo da história do país. Serão abordadas também as implicações da crise no sistema educacional do Brasil no processo de evolução tecnológica do país. 2.3 Modernização tecnológica no Brasil: diversidade e desigualdade 35 Para situar o Brasil nesse processo intenso de evolução tecnológica é preciso considerar ao menos duas questões bastante relevantes: a diversidade cultural e a desigualdade social presentes no país. Esses aspectos por si só já interferem de maneira significativa quando se pensa em qualquer perspectiva de equidade no processo de avanço seja em qualquer campo, mas principalmente, no tecnológico que envolve ao mesmo tempo disponibilidade de recursos financeiros e habilidades cognitivas. Quando o assunto é o Brasil, trata-se de cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados sobre os quais se distribuem 26 estados e o Distrito Federal, onde vivem mais de 195 milhões de habitantes. Cada um desses estados já apresenta características culturais e econômicas distintas entre si. Daí, ao serem agrupados em cinco regiões, as características desses estados se reúnem como parte de um todo considerada mais homogênea, apesar de não haver nenhuma comprovação de que esta homogeneidade seja real. Não há regularidade nem na proporção da divisão territorial de cada região, menos ainda do número de habitantes. A região sudeste, por exemplo, ocupa apenas 10% da extensão territorial do país, mas apresenta o maior índice populacional, enquanto a região norte ocupa cerca de 45% do território e acolhe apenas 7% da população. (BRASIL, 2010). Um ponto importante a ser discutido é como o Brasil tem lidado com essas diferenças, principalmente as que se relacionam às questões sociais. A Constituição Federal (CF) de 1988 foi uma iniciativa valorosa neste sentido já que regulamenta os direitos e deveres de todos os cidadãos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (BRASIL, 1988) Sabe-se que uma lei por si só não assegura a efetivação dos direitos, mas a consolidação da CF constitui um marco no país. Ao longo dos anos posteriores à Lei o processo de lutas travadas para que todas as pessoas e a priori as menos 36 favorecidas possam usufruir dos seus direitos continuaram ocorrendo no país. Muitas vezes essas lutas são travadas por grupos significados por categoria profissional, por questões de gênero ou raça, por divisões de faixas etárias, por comunhão de valores, mas o teor das reivindicações sempre perpassa os direitos já regulamentados na CF. Os reais patamares alcançados por essa medida apenas reafirmam a distância entre as necessidades e os anseios da maioria da população e a realidade da desigualdade vigente que submete um grande número de pessoas à falibilidade no exercício de muitos dos seus direitos. Bem, mas então para que serviu a CF se os direitos que ela regulamenta não foram concretizados? Não é coerente retirar os méritos da Constituição, ela é uma grande conquista jurídica na qual toda a legislação brasileira vigente é obrigatoriamente embasada. Além disso, o problema não está na Lei, mas na forma como ela foi ou não apropriada no cotidiano da sociedade brasileira. A pobreza, o desemprego, a fome, a violência e tantos outros enfrentamentos constituem conflitos entre a lei e a realidade em que vive o cidadão brasileiro. O aumento demográfico desgovernado nas áreas urbanas certamente é um fator que implicou em grande parte dos problemas que hoje vivemos. Como já visto, a região sudeste onde se concentra o maior índice populacional do território brasileiro também foi o lugar em que foram instalados os maiores pólos industriais. Por um lado isso representou prosperidade para a região o que a torna hoje a região mais rica do país, economicamente falando. Enxergando por outro ângulo, também é o cenário no qual caminham visivelmente lado a lado pessoas ora em situação de escassez, ora em posição de superabundância de bens. Em contrapartida, esse desenvolvimento centralizado no sudeste acabou por ampliar a distância entre os índices da economia da região em relação às outras regiões. 37 Esse crescimento desproporcional impactou também na diversidade cultural identificada quando se tenta construir um comparativo de região para região. Essa diversidade cultural pode ser justificada por inúmeros fatores como distribuição geográfica, influências de vizinhos internacionais de fronteiras, implicações políticas da colonização, e muitos outros, mas não há como negar que as diferentes posições econômicas que ocupam interferem diretamente nas condições que são oferecidas de acesso aos bens às pessoas que integram cada sociedade. A resposta aos conflitos sociais ocasionados pelo relacionamento truncado entre as desigualdades econômicas e o percurso contínuo de conquista de direitos, no caso do Brasil, são as políticas sociais. Segundo Pereira (2009), a política social distingue-se do Welfare State4 no sentido que este último delimita com clareza o tempo e a história ao qual se relacionam seus objetivos de bem-estar social, e a primeira é um processo mais longo e complexo, mediador da relação capital e trabalho e é adotada tanto nos regimes políticos democráticos como nos ditatoriais. Gestacionada pelo conflito entre interesses opostos de sujeitos distintos, as políticas sociais nem sempre vão resultar na melhoria das condições de vida para as pessoas que lutam por estas para si próprias, apesar de sua função ser realmente a de ajustar os desníveis resultantes pelo crescimento desequilibrado da acumulação de riqueza. Alcançar esse resultado implicaria em “existir um contínuo controle de parcelas organizadas da sociedade sobre atos e ações dos governos, bem como sobre as demandas ou imposições do capital, que também são acatadas e processadas pelo Estado”. (PEREIRA, 2008, p. 28) Agora que se acredita ter construído matéria suficiente, pode-se retomar a discussão dos impactos da evolução tecnológica no Brasil tendo em vista as particularidades desse país, discutidas neste trabalho. 4 O Welfare State, também conhecido como Estado de Bem-Estar, foi o resultado de um longo processo iniciado no final do século XIX para garantir a seguridade social nos países britânicos. 38 Inicia-se refletindo que a evolução tecnológica provocou muitos impactos sociais na sociedade brasileira, principalmente no campo da informação e comunicação. Ao mesmo tempo, seria ingênuo não relacionar muitos destes vários impactos a problemas que já existiam e que, em sua maioria, foram herdados da desigualdade na distribuição das riquezas proposta pelo sistema capitalista. O Livro Verde aponta que as tecnologias “vêm transformando as estruturas e as práticas de produção, comercialização e consumo e de cooperação e competição entre os agentes, alterando, enfim, a própria cadeia de geração de valor” o que afeta além dos segmentos e setores, os indivíduos de formas distintas. A influência sobre cada um tem a ver com as condições que lhe são proporcionadas para o acesso à informação, as habilidades particulares e o que lhe é disponibilizado. (BRASIL, 2000, p.5) Sob esse ponto de vista confirma-se que o potencial das TIC para cada pessoa varia de acordo com fatores externos como, por exemplo, esforços governamentais para melhoria dos serviços de telecomunicações, as condições de oferta desses serviços e as condições oferecidas pelo mercado para aquisição dos equipamentos; e fatores pessoais como a capacidade individual de uso dos equipamentos e exploração dos recursos disponíveis. Considerando a discussão tecida neste item, mesmo os fatores pessoais já foram, de alguma forma, histórico e socialmente afetados pelas desigualdades contraídas e ampliadas no país ao longo dos anos, como a desproporcional distribuição de renda que atinge grande parcela da população impedindo que adquiram serviços e bens de consumo que não estão enquadrados entre os que respondem às necessidades básicas do ser humano, como alimentação, vestuário e higiene. Um dos aspectos que afeta a capacidade das pessoas utilizarem as TIC está ligado às possibilidades que lhe são oferecidas para que desenvolva o seu potencial intelectual. Aí entramos numa questão de grande relevância para subsidiar a 39 discussão dessa temática que é a da educação em nosso país. Apenas em 1996 a legislação que define as competências e responsabilidades para a garantia da educação básica para todos foi normalizada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96 sendo que a partir de sua aprovação (no ano de 1996) abriu-se o prazo de uma década para o cumprimento das prescrições que ela trazia. É pertinente reconhecer que, apesar de vencido esse prazo, ainda é percebida a ausência de seguridade do cumprimento dessa lei, tendo em vista questões referentes à diversidade brasileira algumas já apontadas anteriormente neste trabalho. Seria enganoso afirmar também, que apenas o alcance da lei à maioria dos indivíduos responde aos problemas da educação no Brasil. Os avanços são inegáveis, sejam estes na educação básica com a obrigatoriedade do atendimento aos que se encontram na faixa etária de 7 a 14 anos, sejam na ampliação do número de vagas no ensino superior. Uma prova5 aplicada por dois institutos de pesquisa brasileiros apurou em 2011 que ao fim do terceiro ano do Ensino Fundamental apenas 53,3% dos alunos alcançavam as expectativas de resultados na escrita e 56,1% na leitura. Mais baixo ainda foi o nível de conhecimento esperado em matemática (42,8%). A pesquisa integrou as ações do movimento Todos Pela Educação. (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013) Há uma variedade de fatores que interferem potencialmente na qualidade da educação: a desvalorização do magistério, a formação de professores, a articulação entre o currículo e a prática educacional, a intervenção do sistema econômico no sistema educacional visando atender seus próprios interesses, entre muitas outras. 5 Trata-se da Prova ABC (Avaliação Brasileira do Final do Ciclo de Alfabetização) que foi uma iniciativa do movimento Todos Pela Educação em parceria com o Instituto Paulo Montenegro/Ibope, a Fundação Cesgranrio e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). 40 Outro ponto importante a destacar é a taxa de analfabetismo no país. Dados apontam que em 2011 o percentual da população analfabeta com 15 ou mais anos de idade no Brasil ainda atingia o índice de 8,6%. Esse montante corresponde a quase 13 milhões de brasileiros, sendo que a maioria (16,8%) tem domicílio na região nordeste. (IBGE, 2012) Qualquer ação no sentido de reverter esta taxa de analfabetismo requer levar em conta o processo histórico da educação na sociedade brasileira, já que muitas pessoas há poucas décadas atrás não tinham a oportunidade nem ao menos de acesso à escola. Outro fator que influencia nesses números certamente é o econômico, no que diz respeito à necessidade que muitos ainda têm de abandonar o sonho de estudar para ir buscar renda para o sustento da família. Na tentativa de reduzir esse índice criou-se, por exemplo, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) que tem como objetivo a retirada de crianças com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho, usando como recursos a transferência de renda para a família da criança e a sua inserção em serviços socioassistenciais. (BRASIL/MDS, 2010) Todas essas questões apontadas neste capítulo devem ser refletidas quando se discute a apropriação da cultura das TIC em uma sociedade como o Brasil. Diante das diferenças latentes e das disparidades sociais existentes e perpetuadas historicamente, não é possível discutir tal temática sem conceber políticas públicas que considerem essas questões e busquem corrigir os visíveis desníveis. Assim, o debate em torno da cultura digital no Brasil não pode estar desvinculado de um discurso sobre inclusão o qual é traçado a seguir. 41 3 INCLUSÃO DIGITAL: O SIMPLES ACESSO E A PERSPECTIVA DA LITERACIA DIGITAL/INFORMACIONAL Nesse capítulo, a inclusão digital é vista a partir da perspectiva do direito à cidadania. Não uma cidadania estática, mas que se transforma junto com as mudanças societárias que demandam novas necessidades, novos valores e novos anseios aos que nela vivem. Na complexidade da vida social, a cidadania se define como um problema teórico, histórico e político que exige redefinição contínua, à medida em vai se construindo a história e alterando a política e a cultura da sociedade. O tópico seguinte inicia essa discussão. 3.1 Inclusão digital é uma questão de cidadania A questão da inclusão historicamente está ligada à questão social. Em caráter mundial, as políticas de inclusão, num âmbito geral, surgem como ação-resposta à falência do modelo estatal de administração pública, ditatorial e intervencionista, e às consequências oriundas do mesmo. Com a queda no crescimento da economia, o acirramento da crise fiscal e o descontrole inflacionário característico dos anos 1970, o antigo consenso social a respeito do papel do Estado perdia forças rapidamente, sem nenhuma perspectiva de retomar o vigor, principalmente diante da crise fiscal e a ingovernabilidade, sendo este último fator relacionado à falta de capacidade de gerenciamento das questões sociais. De acordo com Coutinho (2005), foram inúmeros os fenômenos que influenciaram para promover a transição da natureza do Estado que o autor nomeia capitalista. Alguns destes fenômenos foram as pressões das lutas dos trabalhadores e o crescimento da participação política de um maior número de pessoas. O autor 42 explica esse processo desaparece progressivamente aquele Estado “restrito”, que exercia seu poder sobre uma sociedade atomizada e despolitizada. Em face do Estado – e formando um novo espaço de construção da esfera pública -, surge agora uma sociedade que se associa, que faz política, que multiplica os pólos de representação e organização dos interesses, frequentemente contrários àqueles representados no e pelo Estado. Configura-se assim uma ampliação efetiva da cidadania política, conquistada de baixo para cima. Foi precisamente este novo espaço público que Gramsci chamou de “sociedade civil”. (COUTINHO, 2005, p. 20) A regulamentação da CF em 1988 também foi um fator que teve grande impacto para despertar para a necessidade de transição do modelo de administração pública burocrática para a construção de um Estado democrático tendo em vista que as questões que a Lei discutia endossavam a ineficiência governamental no exercício de suas funções de proteção dos direitos do cidadão. Neste contexto ganham força as instituições do Terceiro Setor que assumem um papel de mediadoras entre governo e sociedade civil atuando diretamente sobre as problemáticas sociais. Estas organizações não-governamentais da sociedade civil passam a ser uma via potencial para ações compensatórias destinadas a uma grande parcela da sociedade que foi afetada profundamente durante a vigência do antigo modelo estatal de administração pública burocrática. Assim, as questões referentes à inclusão surgem neste cenário e são permeadas indiscutivelmente por fatores econômicos, culturais e tecnológicos que influenciam as diferentes atividades humanas no campo do trabalho, das relações sociais e das práticas políticas. As ações compensatórias, ou seja, as políticas públicas e/ou sociais sempre terão como parâmetro o contexto social mais amplo que está situado também num determinado tempo histórico. A discussão sobre inclusão invariavelmente remete à questão da cidadania. Marshall (1967, p.77) define cidadania como “um status concedido àqueles que são membros 43 integrais de uma comunidade”, nesse sentido, a essa condição dada aos indivíduos agregam-se direitos e obrigações em proporção de igualdade uns perante os outros. Partindo desse princípio, inclusão e cidadania se fundem numa só perspectiva. Apesar de ter maior expressão no mundo moderno, Coutinho (2005) concebe que o nascimento da noção de cidadania, que estava ligada aos direitos políticos, é anterior à era cristã (por volta dos séculos V a VI), na Grécia clássica com as primeiras formas de democracia, não ainda em uma dimensão universal. Essa prática deu origem à primeira definição de cidadão por Aristóteles. Como em sua primeira versão, a noção de cidadania no mundo moderno também se vincula à ideia de direitos, mas na categoria dos civis. Os direitos se dão num contexto de vida social, “são fenômenos sociais, são resultado da história” e por este motivo a concepção classista que defendia a existência de direitos naturais foi considerada errônea. (COUTINHO, 2005, p.4) Nessa perspectiva, pode-se dizer que o direito antecede a sua própria legalidade de acordo com as situações que se apresentam no cotidiano societário de um grupo e que é definido em cada época. Coutinho (2005, p.5) compreende que “os direitos têm sempre a sua primeira expressão na forma de expectativas de direito, ou seja, de demandas que são formuladas, em dado momento histórico determinado, por classes ou grupos sociais”. Para Marshall (1967, p. 70), o status de liberdade está intrinsecamente ligado ao status de cidadania. Então, a transição da instituição da cidadania de caráter local para nacional ocorreu na e a partir da universalidade da liberdade. Esse foi o ponto inicial, mas a cidadania foi agregando ao longo dos séculos novos elementos, “os direitos civis no XVIII, os políticos no XIX e os sociais no XX”, sendo que estes últimos desempenhariam o papel principal (apesar de por algum tempo terem sido divorciados do status de cidadania, retornando a união com o desenvolvimento da 44 educação primária no setor público). Para explicar a coexistência de dois princípios tão contrários como o sistema capitalista do qual deriva a desigualdade nos seus moldes mais extremos e o status de cidadania que evoca a igualdade de direitos e deveres é necessário buscar subsídios no sistema hierárquico de classes sociais que serviram como parâmetro para extração dos mesmos direitos que sustentaram o status de cidadania. (MARSHALL, 1967) Coutinho (2005, p.12) defende que “os direitos sociais são os que permitem ao cidadão uma participação mínima na riqueza material e espiritual criada pela coletividade”. Analisando por esse lado, essa categoria de direitos seria a que mais se oporia ao capitalismo, tendo em vista que a questão econômica estaria envolvida. Porém, é pertinente lembrar que, como já foi destacado, os direitos sociais estiveram durante algum tempo separados da cidadania; os direitos sob os quais esta passa a ser alicerçada, ou seja, os que os homens “eram capazes de gozar”, estes “não estavam em conflito com as desigualdades da sociedade capitalista; eram, ao contrário, necessários para a manutenção daquela determinada forma de desigualdade”. Estes direitos, os civis, priorizavam garantir o poder de participação pessoal e independente na concorrência econômica, mas, em contrapartida, retiravam-lhes a proteção social sob o pretexto de que a pessoa estaria apta a cuidar de si mesma sozinha. (MARSHALL, 1967, p.79) Além de Coutinho (2005) outros autores concordam que “o conceito de cidadania é mutável”, condicionando-se a um contexto social marcado por fatores distintos. (SILVA et al., 2005, p.30) Seguindo nessa direção, pode-se concluir que o conceito de inclusão também se transforma de acordo com esses fatores. Nesse sentido, Buzato (2008) compreende que a inclusão é uma questão que tem a ver com um tempo histórico, o qual nomeia como o quotidiano. 45 A partir da ideia de que não existe uma sociedade acabada, o que ocorre é um “processo contínuo de estruturação e desestruturação” que se modifica ininterruptamente. Essa recriação constante é o que provoca rupturas, e dentro daquele contexto sócio-temporal delimita a exclusão, ou os excluídos, e desenvolve, ao mesmo tempo, um processo paralelo de correção. (MARTINS, 2007, p.46) Vale a pena retomar esse pensamento de Martins (2003) que converge com o de Buzato (2008) para melhor refletir sobre a questão da inclusão. Há processos sociais excludentes, mas não há exclusões consumadas, definitivas, irremediáveis. Uma sociedade cujo núcleo é a acumulação de capital e cuja contrapartida é a privação social e cultural tende a empurrar “para fora”, a excluir, mas ao mesmo tempo o faz para incluir ainda que de forma degradada, ainda que em condições sociais adversas. O “excluído” é, na melhor das hipóteses, a vivência pessoal de um momento transitório, fugaz ou demorado, de exclusão-integração, de sair e reentrar no processo de reprodução social. E “sair” de um jeito e “reentrar” de outro, pois a sociedade contemporânea é uma sociedade que pede contínua ressocialização de seus membros, contínua reelaboração de identidades. (MARTINS, 2003, p.46) Os avanços tecnológicos promovem um deslocamento nas relações que ocorrem no núcleo da sociedade. As mudanças geradas por esse deslocamento podem ser relacionadas ao processo de estruturação e desestruturação que Martins (2007) cita. Em meio a esse processo e a partir dos campos nos quais ele infere é que vão se definindo e redefinindo os que estão ou não excluídos, num movimento contínuo conforme expressado pelo autor. Alguns fatores, no caso dos avanços tecnológicos, especificamente das TIC, potencializam a possibilidade inicial de estar incluído, como o poder aquisitivo que algumas pessoas têm para adquirir os equipamentos e contratar os serviços, independente das condições do mercado. Essa vantagem inicial pode ser equilibrada com a criação de espaços coletivos que ofereçam oportunidades de acesso, ou mesmo com intervenção no mercado para melhoria nas condições de oferta e nos custos tanto dos produtos quanto dos serviços. Essas ações têm caráter 46 corretivo dos desequilíbrios gerados pelos deslocamentos sociais com a chegada da nova tecnologia. Por outro lado, há que se considerar o que se refere às habilidades em lidar com essas tecnologias. Então, o processo de exclusão/inclusão continua seu percurso e vai definindo e redefinindo os grupos, agora de acordo com novos critérios, neste caso, por exemplo, primeiro de acordo com as habilidades técnicas da pessoa para o uso dos equipamentos e recursos, depois de acordo com a desenvoltura para dominar e explorar as possibilidades que estes bens oferecem. Indo um pouco mais além, mas ainda refletindo na práxis o pensamento de Martins (2007) e Buzato (2008), durante todo esse processo de entrada das TIC no seio da sociedade, estas mesmas TIC também foram evoluindo, surgindo em diferentes formatos e com novos atributos que provocaram, em alguns momentos, a exclusão, mesmo que temporária, até dos que julgavam estar incluídos. Avançando um pouco na discussão sobre inclusão, estar ou não incluído ultrapassa as fronteiras de limite de categorias, significa uma posição no mundo. Essa posição não é uma escolha autônoma do indivíduo, não se baseia em suas vontades e capacidades. Por outro lado, não se trata de dizer de uma passividade alienada ou alienante porque sempre há uma agentividade do sujeito. (BUZATO, 2008) Não é uma decisão espontânea da pessoa ingressar um ou outro grupo (excluídos ou incluídos), mas ela tem papel fundamental nesse processo quando valida os bens socialmente criados ou no momento que se submete ou contribui para a submissão de outros à imposição de possuir esses bens como condição para o convívio e/ou a participação social. No próximo item aborda-se a temática da inclusão digital no Brasil e ao longo do texto será possível reconhecer a importância que essas construções iniciais acerca 47 do assunto terão para a compreensão da discussão proposta. 3.2 Os números da Inclusão digital (limitada à visão do acesso aos equipamentos e à internet) no Brasil Um primeiro passo aqui será dado no sentido de apresentar o cenário atual da inclusão digital no Brasil, no âmbito em que esta ainda é pensada no país, ou seja, somente em relação ao acesso aos equipamentos e à internet. Para isso serão capturados resultados de algumas pesquisas no campo, bem como de pesquisas em outros campos julgados relevantes para a discussão com maior propriedade, tendo em vista a complexidade ao qual está sujeito qualquer tipo de deslocamento social oriundo dos avanços tecnológicos. Segundo dados levantados na pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2012, em nove anos o número de incluídos digitalmente no país cresceu em 25%, levando-o à posição de 63º lugar entre os 154 países mapeados pela fundação. Tal avanço foi fundamental para a alteração do nome do estudo (o primeiro trabalho de pesquisa do campo realizado pela FGV em 2003 recebeu o título de Mapa da Exclusão Digital e o trabalho mais atual foi nomeado Mapa da Inclusão Digital) feito pela FGV que já está em sua segunda edição. Apesar do crescimento de incluídos digitais que esse índice representa o Mapa da Inclusão Digital apurou cidades em que o acesso foi nulo, enquanto em determinadas localidades o percentual de acessos chegou aos 94%. (FGV, 2012) Esses dados confirmam as persistentes desigualdades que imperam em nosso país e a necessidade de implementação de políticas públicas efetivas que objetivem buscar um equilíbrio ou que, pelo menos, contribuam para mudar, seja em qual medida for, esse quadro. 48 As diferenças de gênero também influenciam na oportunidade de acesso. O índice de acesso da internet em computador caseiro por pessoas do sexo masculino é mais alto em pouco mais de 2% percentuais sobre as do sexo feminino. Os homens também estão em vantagem no acesso ao computador em geral (21,79%) sobre as mulheres (19,24%). (FGV, 2012) Os percentuais apurados tanto de acesso ao computador quanto de acesso ao computador com internet, os dois em domicílio, diferem de acordo com a freqüência à escola, estar ou não inserido de alguma forma no mercado de trabalho e faixa etária. Dos jovens com idade entre 15 e 29 anos, por exemplo, um percentual de 32,47% têm acesso a computador e internet contra 24,57% de acesso da população idosa. (FGV, 2012) Tais resultados referentes à faixa etária podem estar justificados pelo fato de que os investimentos em programas sociais de inclusão digital são potencialmente direcionados ao público jovem tendo em vista que geralmente os recursos investidos fazem parte do escopo de programas voltados à capacitação para o mercado de trabalho. Mas de todas as distâncias entre os índices, a que mais se destaca é a do campo da educação. A probabilidade de acesso à internet de pessoas com ensino superior, mesmo que incompleto, é mais de 100 vezes maior que a de um analfabeto, e seis vezes maior que a de uma pessoa com ensino médio incompleto. Nem as variáveis das faixas de renda são tão distintas. (FGV, 2012) Despertam a atenção três outros percentuais no que se refere aos motivos pelos quais a pessoa não acessou a internet nos três últimos meses: 33,14% porque não achou necessário ou não quis, 31,45% por não saber utilizar a internet e 28,79% pela ausência de acesso a computador. (FGV, 2012) O primeiro porque indica que essas pessoas não reconhecem o potencial das TIC para seu desenvolvimento 49 pessoal e social; o segundo e o terceiro porque delatam o alto índice de exclusão digital por falta de condições de acesso ou de habilidades. Pesquisando o site do governo federal foram encontrados inúmeros programas dentro das ações da proposta de inclusão digital que visam “democratizar o acesso às novas tecnologias, levando computadores, conexão de internet e cursos de formação às populações mais necessitadas”. (BRASIL, 2013) Cita-se no quadro a seguir a variedade destes programas e o nível de execução governamental ao qual pertencem. Quadro 1 – Programas de Inclusão Digital no Brasil GOVERNO FEDERAL GOVERNO ESTADUAL GOVERNO MUNICIPAL SOCIEDADE CIVIL Casa Brasil Centro de Difusão de Tecnologia e Conhecimento Centros de Inclusão Digital Centros Vocacionais Tecnológicos Cidades Digitais Computador para Todos Computadores para Inclusão Gesac Inclusão Digital para Juventude Rural Observatório Nacional de Inclusão Digital Maré – Telecentros da Pesca Oficina para Inclusão Digital Pontos de Cultura – Cultura Digital Programa Banda Larga nas Escolas Programa Computador Portátil para Professores Programa Estação Digital Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades – Telecentros BR Programa Nacional de Informática na Educação Programa Serpro de Inclusão Digitla Projeto Computadores para Inclusão Projeto Um Computador por Aluno Quiosque do Cidadão Telecentros Banco do Brasil Telecentros de Informação e Negócios Territórios Digitais Fonte: www.brasil.gov.br A maioria destes programas, apesar de ser executado em um nível governamental, geralmente ocorrem em parceria com outra instância de governo ou mesmo com instituições da sociedade civil. Ao tipo de relação que ocorre entre governo, associações e instituições privadas é o que Scheneider (2005, p. 49) denomina rede de políticas públicas, não é uma política pública formulada e implementada apenas 50 pelo Estado, “mas que também atores privados ou sociais participam nesse processo de produção e oferta de bens públicos”. A rede de políticas públicas deriva da teoria da governança, na sua versão mais atual, na qual “a produção do esforço de condução não precisa estar concentrada em nenhum sujeito de condução, por exemplo, sobre o Estado ou uma direção de uma organização” sendo aceitas outras formas de gestão – descentralizadas ou policentradas. Para Scheineder (2005) três fatores foram decisivos para o surgimento desse tipo de rede: as mudanças sociais contemporâneas, uma tendência específica da própria dinâmica do desenvolvimento teórico das ciências sociais e a chegada das novas tecnologias do conhecimento. O autor explica que Para a realização de suas responsabilidades cada vez mais diferenciadas, o Estado é obrigado a adquirir os recursos políticos necessários por meio de um processo de intercâmbio com atores sociais, a deslocar as tarefas para unidades sociais de processamento (auto-regulação setorial parcial ou completa) ou produzir conjuntamente políticas em cooperação com atores sociais por meio de uma divisão do trabalho. Com isso ocorre com freqüência arranjos em que as fronteiras entre privado e público crescentemente se confundem e as estruturas hierárquicas de autoridade não mais se propagam. Tais redes podem se formar ad hoc e se referir apenas a um tema conjuntural. Sobretudo na Alemanha predominam, entretanto, em muitos setores estruturas permanentes de relação, nos quais atores relevantes de redes dispõem de relações de comunicação e cooperação no processo político. Isso produz confiança e facilita assim negociações e construção de acordos. Nessas relações horizontais de produção de políticas públicas participam todos aqueles atores que influenciam de maneira direta ou indireta o desenvolvimento de uma política. (SCHENEIDER, 2005, p.40) Nota-se que os investimentos em inclusão digital são inúmeros e diversificados. Certamente todas essas ações contribuíram para o alcance de uma colocação melhor para o Brasil no ranking da inclusão digital, mas certo é que mais de 64% da população brasileira ainda está excluída da era da informação por não terem acesso, por algum motivo, aos elementos básicos que a propiciam. Considerando algumas regiões do país, esse índice chega a mais de 90%. 51 Além disso, o levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2012) apresenta uma situação bastante conflituosa com a oferta de programas de ID. A parcela da população que utiliza o acesso público gratuito é bastante inferior à que busca o acesso público pago e a alegação dos usuários é que a disponibilidade desse serviço não é suficiente para atender a demanda. Uma das atividades prevista na pesquisa i-Protagonismo - Inovação social, Juventude e literaciadigital/informacional nas redes sociais do PLUG Minas que deu origem a este trabalho foi a visita técnica ao estado de São Paulo a fim de compreender como é desenvolvido um desses programas de inclusão digital, o Acessa SP, sob responsabilidade do governo estadual. Na ocasião foram entrevistados dois coordenadores do projeto (que atuam em diferentes dimensões, um na execução prática e outro na nutrição do site e formação dos monitores dos postos) e visitados cinco postos de atendimento. Segundo informações obtidas durante a visita, atualmente estão em funcionamento mais de 670 postos do programa em zonas urbanas e rurais (546 municípios atendidos). Os postos são implantados em parceria com prefeituras do estado e instalados em bibliotecas municipais, ou tem sua implantação como resultado de parceria com secretarias e órgãos do Governo do Estado localizando-se nas estações de trens e metrôs, nos restaurantes Bom Prato, nos terminais de ônibus, nos postos do Poupatempo, entre outros. Basicamente, o “Acessa SP” oferece para a população o acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação, especialmente à internet, em espaços públicos com computadores para acesso gratuito e livre. Além do espaço físico, o programa prevê a oferta de atividades integradas que buscam fomentar projetos comunitários, capacitação e informação da população atendida com Cadernos Eletrônicos e Mini cursos, divulgação e facilitação do uso de serviços de governo eletrônico, programa de formação continuada e produção de pesquisas e informações de inclusão digital. 52 A garantia do acesso democrático e gratuito às TIC, definida como missão do projeto na verdade já está prevista como a meta do programa Sociedade da Informação que suscita ações no sentido de ampliação do acesso e meios de conectividade. (BRASIL, 2000). Nesse âmbito, compreende-se o programa como uma política social, ou seja, como uma política que se propõe contemplar a existência de um direito consequência de uma necessidade ligada ao cotidiano da sociedade. Segundo Telles (1999) os direitos operam como princípios reguladores de práticas sociais, definindo as regras das reciprocidades esperadas na vida em sociedade através da atribuição mutuamente acordada (e negociada) das obrigações e responsabilidades, garantias e prerrogativas de cada um. (TELLES, 1999, p.138) Ainda nessa linha, Menicucci (2006) defende que mudanças sociais podem ocasionar a ampliação e redefinição de direitos. Sejam estas mudanças na área econômica, marcada pela modificação na “capacidade de gastos” do país, ou a partir de construções sociais de novos paradigmas ou concepções voltadas para a melhoria na qualidade de vida da sociedade. Dessa forma, pode-se compreender que é concebida uma flexibilidade no texto dos direitos já construídos. Tal flexibilidade permite a adequação a uma realidade mais próxima, que sofre diferentes influências como, por exemplo, as culturais oriundas da globalização. Partindo da idéia de que a inclusão digital é resultado do conflito no qual se posiciona de um lado a criação das TIC pela sociedade e de outro as persistentes desigualdades econômicas e sociais que percorrem a história dessa mesma sociedade, relaciona-se neste trabalho a questão da inclusão digital ao exercício da cidadania no mesmo sentido conforme lê-se a seguir “...inclusão, então, seria a possibilidade de subversão das relações de poder e das formas de opressão que se nutrem e se perpetuam por meio da homogeneização, da padronização, da imposição de necessidades de alguns a todos e do fechamento dos significados das novas tecnologias da 53 comunicação e da informação (doravante, TIC) em função de tais necessidades.” (BUZATO, 2008, p.326) Nesta perspectiva, acredita-se que a inclusão não seria apenas uma forma de condicionamento proposta pelos “produtores” aos indivíduos usuários; mas um campo fértil para o desencadeamento de alternativas de “agentividade” destes indivíduos, rompendo, em alguns momentos, a barreira que lhes impõe o papel de meros “consumidores”. (Buzato, 2008, p.327) Os estudos, nesse sentido, convergem para a discussão de alguns autores quanto à questão de um tipo de habilidade imprescindível para que esse rompimento ocorra efetivamente. Trata-se da literacia ou letramento digital/informacional definido por Ribeiro (2009) como a apropriação gradativa das pessoas dos novos meios de comunicação e das novas tecnologias de leitura e escrita que será discutida no próximo item. 3.3 Ampliando o escopo da inclusão: literacia digital/informacional, uma habilidade necessária O termo letramento, difundido no Brasil principalmente por Soares (2003) destacado no título de uma das obras da autora “Letramento em três gêneros”, é naturalmente relacionado ao processo de aprendizagem da leitura e da escrita, visto que sua importação do vocabulário da língua inglesa literacy se deu nesse contexto. Por este motivo, prefere-se adotar o termo literacia buscando distanciar quanto à temática que se pretende abordar nesse trabalho que se relaciona com o domínio das habilidades no campo digital e informacional. A discussão sobre literacia no campo das TIC faz-se necessária neste trabalho porque está relacionada à inclusão digital num país em que, conforme já abordamos anteriormente, a escola ainda não tem obtido êxito suficiente na formação de discentes capazes de ler e interpretar textos com a qualidade necessária para o 54 domínio desses recursos, visto que seria o ambiente natural para o desenvolvimento dessas habilidades. Assim, a partir da compreensão que literacia digital é uma habilidade exigida dos cidadãos nos tempos modernos, demandada pelo acelerado e absorvente processo de desenvolvimento das TIC buscou-se construir um conceito que melhor defina esta expressão. Este tema é mais comum na área da biblioteconomia, onde recebeu inúmeras expressões na tentativa de melhor defini-lo como, por exemplo, digital literacy, information literacy, literacia mediática, multimedia literacy em Portugal e letramento digital no Brasil. Na área da educação especificamente, Ferreiro (2002) utilizou a expressão computer literacy. Apesar das diferentes nomenclaturas, quando são conceituadas, todas parecem se referir ao mesmo processo. (RIBEIRO, 2008) Ribeiro (2008) concorda com Soares (2004) em relação à impossibilidade de se adotar um conceito único para letramento e consequentemente para letramento digital, visto que tal definição está intrinsecamente ligada a diferentes pessoas, lugares, tempos, contexto cultural ou político. Apesar disso, Ribeiro (2009) adota a seguinte definição para letramento digital em sua tentativa: ...é a porção do letramento que se constitui das habilidades necessárias e desejáveis desenvolvidas em indivíduos ou grupos em direção à ação e à comunicação eficientes em ambientes digitais, sejam eles suportados pelo computador ou por outras tecnologias de mesma natureza. (RIBEIRO, 2009, p.30) Para Silva (2012), o letramento digital ultrapassa a aprendizagem da digitação em um computador, alegando que a simples popularização ou mesmo democratização da informática não são suficientes porque o modelo digital de processamento, transferência ou armazenamento de informações tem uma dinâmica de tempo, espaço e custo que exige que se aliem outras competências. 55 Considerando a perspectiva de Ferreira e Dudziak (2004), que afirmam que a cidadania na Sociedade da Informação está baseada num nível superior de apropriação que não se limita somente às ferramentas e instrumentos de acesso à cultura digital, mas que tem relação com a capacidade de acesso intelectual de forma efetiva tanto à informação quanto ao conhecimento, alcançando um nível de aprendizagem que possibilita condições de troca e de adoção de novas posturas como cidadão, é possível estabelecer a ideia de que a questão da literacia digital, no contexto atual, está relacionada diretamente à questão da cidadania. Seguindo nessa direção, o discurso de Mirja Ryynänen no Workshop Internacional sobre Democratização da Informação, em 2004, apontou a literacia da informação como um direito humano básico, diante da era em que vivemos atualmente, e ainda como uma estratégia de empoderamento das pessoas rumo à construção de uma sociedade da informação. Posteriormente, este discurso foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). (SILVA, 2012, p.21) Encontra-se no campo de estudo algumas iniciativas para distinguir as duas expressões como ocorre com ESHET, Y. (2002; 2004 apud SILVA, 2012) que apresenta a distinção entre a literacia da informação e a literacia digital especificamente quanto ao ambiente em que ocorrem, ou seja, a segunda no ambiente digital. Seguindo a linha de pensamento até este ponto, e considerando a necessidade de adotar apenas uma expressão evitando um ou outro desvio casual da temática, preferiu-se utilizar literacia digital/informacional para este trabalho, acreditando que a mesma é a que melhor expressa o que se deseja tratar, ou seja, o domínio que a pessoa adquire para lidar com a informação nos diferentes formatos em que esta se apresenta, sendo capaz de localizar, selecionar, organizar, compartilhar e se apropriar adequadamente da aprendizagem adquirida, fazendo uso dos 56 diferentes ambientes digitais que imperam como instrumentos de privilégio na sociedade contemporânea. Possuir tal domínio pode significar realmente um caminho para que o indivíduo supere a condição de consumidor para uma posição de agentividade sugerida por Buzato (2008), tornando-se um cidadão i-protagonista, termo tratado a seguir. 57 4 I-PROTAGONISMO: UMA EXPRESSÃO QUE EMERGE NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO É importante esclarecer que a construção de um novo vocábulo está intrinsecamente ligada a um tempo e demanda da ausência de um outro que defina o que se deseja nomear. Neste sentido, adotou-se a expressão i-protagonismo como a representação do protagonismo exercido em, por meio de ou a partir dos ambientes digitais. Não se trata nesse caso de uma invenção, apenas de uma adequação do já existente protagonismo. A própria expressão protagonismo também tem a sua origem marcada temporalmente por fatores sociopolíticos temporais. É o nível de relevância desses fatores para a sociedade que faz um termo permanecer ou ser abolido do vocabulário sociopolítico e acadêmico. A seguir apresenta-se uma ideia de como o uso do termo protagonismo se estabeleceu especialmente no campo das discussões das políticas públicas e porque este trabalho defende a necessidade de criação de um novo termo para nomear um conceito mais atual que será apresentado para este termo. 4.1 O surgimento do termo protagonismo: contexto histórico, político e social Originário da Grécia antiga, constituído dos vocábulos gregos prôtos e agõnistés, o termo prõtagõnistés originalmente remetia ao “principal competidor de jogos públicos, mas também de uma assembléia, reunião, luta judiciária ou processo”. Na língua portuguesa, a forma protagonista aparece a primeira vez em 1615, parecendo ter sido derivada desse sentido. (SOUZA, 2008, p.9) 58 No contexto deste trabalho, interessa discutir o surgimento do uso do termo protagonismo a partir da sua relação com as políticas públicas, quando permanece da essência a ideia de um espaço público que adota o caráter de cenário, mas substitui competidor por atores sociais, deixando de lado o aspecto da luta. Assim, define o ator principal num determinado cenário público/político. Anteriormente ao uso do termo protagonismo no escopo dos textos das políticas públicas no Brasil, já ascendia outra palavra de estreita relação com o mesmo e que ainda hoje é assunto relevante no campo: participação. Em alguns contextos o uso desta palavra – participação – “aparece associada a outros termos, como democracia, representação, organização, conscientização, cidadania, solidariedade, exclusão etc”. (GOHN, 2007, p.14). A título de estudo científico a discussão sobre participação data do século XVIII por meio de J.J. Rosseau, John Stuart Mill, G D. H. Cole e A. de Toqueville, seguindo com outros socialistas, dos quais se destacam Owen, Fourrier, Proudhon e Kroptkin, no século XIX, e crescendo substancialmente no século XX a partir do paradigma da tradição analítica gerado por Marx e Engels. Na abordagem marxista o conceito é articulado com as lutas e os movimentos sociais. (GOHN, 2007) Mas foi em 1960 que “a participação dos indivíduos na sociedade civil ou política tornou-se parte do vocabulário e da agenda das nações ocidentais”, ou seja, adentrou o campo político, ganhando espaço em relatórios oficiais. (GOHN, 2007, p.21) O marco para o processo de “alargamento da democracia, que se expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão relacionados com as questões e políticas públicas” é a Constituição de 1988. Os movimentos sociais e outros setores 59 da sociedade civil que se opuseram ao regime militar nos anos 80 se destacaram para avançar neste processo. (DAGNINO, 2004, p.95) Gohn (2004, p.50) também atribui a este mesmo período o início da “participação dos indivíduos nos processos de elaboração de estratégias e de tomada de decisão” por meio de movimentos populares, de comunidades eclesiais de base, sindicatos, associações de moradores e algumas entidades representativas do funcionalismo público. Essas iniciativas foram definidas como “esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições que controlavam a vida em sociedade”. Um pano de fundo para esse cenário no Brasil e que também se reproduziu em outros países está relacionado à impotência estatal para lidar com as graves conseqüências sociais ocasionadas pelo sistema financeiro que regula as relações econômicas estabelecidas. A situação em si ultrapassava uma simples desconfiança popular a respeito da capacidade do Estado assegurar os direitos básicos dos indivíduos, já que os fatos traduziam um descontrole iminente para atuar sobre os problemas que emergiam. As mudanças mais relevantes na relação Estado/sociedade civil ocorreram nos anos 90 e alguns exemplos das ações conjuntas destes dois se deram por ocasião da criação de espaços públicos onde o Estado propunha compartilhar poder com a sociedade, como é o caso dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas e os Orçamentos Participativos. (DAGNINO, 2004) Dagnino (2004, p.97) critica esse processo de co-responsabilização Estado/sociedade civil alegando que a progressiva isenção do Estado das suas responsabilidades sociais transferindo as mesmas para a sociedade civil e a apenas aparente identidade propositiva da sociedade civil constituíam uma “confluência perversa”. A autora afirma que 60 Por um lado, a constituição dos espaços públicos representa o saldo positivo das décadas de luta pela democratização, expresso especialmente —mas não só— pela Constituição de 1988, que foi fundamental na implementação destes espaços de participação da sociedade civil na gestão da sociedade. Por outro lado, o processo de encolhimento do Estado e da progressiva transferência de suas responsabilidades sociais para a sociedade civil, que tem caracterizado os últimos anos, estaria conferindo uma dimensão perversa a essas jovens experiências. (DAGNINO, 2004, p.97) Considerando que atualmente a abertura de espaços de participação não se trata apenas de uma questão de boa vontade política ou mesmo de uma conquista social, mas implica numa condição para repasse de recursos federais para as instâncias estaduais e municipais, tendo em vista o deslocamento do poder decisório para implementação de políticas públicas para o âmbito local, a questão da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade Civil parece trilhar um caminho sem volta. Apesar disso, a crítica de Dagnino (2004) desperta para a reflexão sobre algumas questões. Primeiro que há pelo menos quatro tipos de indivíduos em relação à participação em processos decisórios: apolíticos - não se interessam, não têm expectativa ou não se sentem competentes quanto à política-, políticos - buscam e se interessam pela política -, que buscam poder e que detêm poder - com objetivo de um bem comum ou apenas de vantagens pessoais (DIEGUES, 2012). Segundo, que o suposto ganho de poder decisório pela sociedade civil acarreta invariável e progressivamente numa renúncia ao cumprimento das obrigações do Estado. O primeiro caso pode implicar num desequilíbrio na participação quanto aos assuntos e interesses defendidos; ainda há que se cuidar do perigo de influências de caráter partidários ou unilaterais. No segundo caso é necessário ter em mente que a autoridade reguladora do mercado é do Estado e que é preciso delimitar coerentemente a sua isenção responsiva. 61 Segundo Souza (2008, p.43) tratar de protagonismo só foi “possível graças à concepção de espaço público como cenário” para atuação de indivíduos, negociação de interesses. Sob essa perspectiva, “a noção de atuação social extrapola a manifestação e expressão de necessidades e anseios, tal como aparece no texto de Abramo (1994), e é requisito para a inclusão social do indivíduo, o grande responsável pelo seu ingresso e permanência no mercado de trabalho, pelo acesso a serviços (e não direitos) de educação, saúde, segurança etc.” (SOUZA, 2008, p.43) Essa ideia faz retomar o alerta de Dagnino (2004) quanto à omissão do Estado em relação às suas responsabilidades perante os indivíduos e as consequências desse processo para a sociedade. Se o indivíduo resolve arcar autonomamente para garantir a sua inserção e desenvolvimento social também assume para si os resultados das decisões tomadas sejam estas positivas ou negativas. Então, a partir dessa breve apresentação das condições que tornaram possível a aplicação do termo no quadro político do país daqui em diante é possível retornar à discussão sobre protagonismo. Referindo ao termo no campo acadêmico, Ferreti; Zibas e Tartuce (2004) destacam que a sua ocorrência muitas vezes aparece relacionada sinonimamente com participação e geralmente abarca outros conceitos como responsabilidade social, identidade, autonomia e cidadania. Souza (2009) atribui baixa ressonância do termo neste campo em função de limites do próprio discurso. É no seio de organizações do terceiro setor, nos anos 1990, que a expressão protagonismo juvenil começa a circular, mas com definição imprecisa, que Souza (2009) julga intencional e cujo objetivo é de dominação. Um fator pode ser considerado precedente para a inserção do termo especificamente no vocabulário para o tratamento do público jovem: a produção de um discurso sobre a participação da juventude, iniciada nos anos 1980, cujo marco foi a declaração do ano de 1985 como o Ano Internacional da Juventude: Participação, Desenvolvimento e Paz. 62 Muitos fóruns, seminários e encontros sobre a temática foram realizados convergindo para a elaboração de documentos e planos de ação articulando o que se convencionou chamar de políticas públicas para a juventude. (SOUZA, 2009) No Brasil, houve um retardamento no impacto desse discurso tendo em vista que o assunto que se destacava estava centrado em outra faixa etária – as crianças e adolescentes – e a pauta das agendas discorria entorno da elaboração e implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (SILVA e ANDRADE, 2009). Aqui, a introdução da expressão foi inaugurada pela Fundação Odebrecht em 1996 e que foi logo depois utilizada pelo Instituto Ayrton Senna e pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Cidadania (SOUZA, 2009). Neste percurso, destaca-se a citação de Antônio Carlos Gomes da Costa (educador que foi um importante precursor para inserção do termo no vocabulário das discussões sobre juventude) e sua discussão sobre a temática no livro Protagonismo juvenil: adolescência, educação e participação democrática pela Fundação Odebrecht como o reconhecimento da necessidade de mudança no discurso sobre protagonismo. Foi a partir daí que o protagonismo ganhou espaço nos documentos governamentais. (SOUZA, 2009). O percurso para aceitação e uso do termo tem sido longo e pedregoso. Mesmo durante o desenvolvimento desta pesquisa não se encontrou material suficiente que pudesse esclarecer este termo relacionado a um contexto mais amplo e não limitado a uma faixa etária ou uma situação determinada como é o caso do artigo de Diegues (2012). No próximo item há um esforço para elaborar um conceito de protagonismo na perspectiva social, sem impor ou estabelecer limites para o seu uso, desde que relacionado aos indivíduos num contexto sociopolítico. 63 4.2 Protagonismo: concepção teórica A região de São Joaquim, no sul do Estado de Santa Catarina, era uma região pobre, de pequenos produtores sem perspectiva, e com os indicadores de desenvolvimento humano mais baixo do Estado. Como outras regiões do país, São Joaquim, e os municípios vizinhos, esperavam que o desenvolvimento “chegasse” de fora, sob forma do investimento de uma grande empresa, ou de um projeto do governo. Há poucos anos, vários residentes da região decidiram que não iriam mais esperar, e optaram por uma outra visão de solução dos seus problemas: enfrentá-los eles mesmos. Identificaram características diferenciadas do clima local, constataram que era excepcionalmente favorável à fruticultura. Organizaram-se, e com os meios de que dispunham fizeram parcerias com instituições de pesquisa, formaram cooperativas, abriram canais conjuntos de comercialização para não depender de atravessadores, e hoje constituem uma das regiões que mais rapidamente se desenvolve no país. E não estão dependendo de uma grande corporação que de um dia para outro pode mudar de região: dependem de si mesmos. (DOWBOR, 2006, s/p) Este relato de Dowbor (2006) sobre a capacidade que moradores de uma cidade tiveram ante a falta de perspectiva da região em que habitavam, de refletir e buscar soluções para tal situação, identificar potencialidades e possibilidades, organizar-se para intervir, buscando uma transformação da realidade é o ponto de partida utilizado para compreender melhor o que seria o protagonismo. O termo ‘protagonista’ utilizado no âmbito social relaciona-se àquela pessoa que tem participação ativa no processo de construção social, através de uma postura consciente, responsável e comprometida com sua própria promoção e com a transformação coletiva. Falar de protagonismo envolve mais do que capacidades cognitivas, agregando outros conceitos como responsabilidade, comprometimento social, identidade e autonomia. A concepção de consciência crítica como empregada por Paulo Freire é a mais aproximada do conceito de protagonismo como é concebido neste estudo. Para Freire (1979) a consciência crítica é fruto de um processo educativo de conscientização, num trabalho de promoção e critização, até que, além da consciência, haja um compromisso do sujeito. Significa um avanço para além da 64 consciência ingênua. Esse avanço significa o rompimento de uma postura de mero espectador que se reflete externa e internamente ao sujeito, seja através de uma “postura social” por meio de “ações comprometidas com a transformação coletiva” ou “na constituição de novos sujeitos e novas subjetividades”, o que não se garante por decreto legal, mas pelas construções nas interações sociais. (STAMATO, 2008, p. 63) O conceito de protagonismo defendido por Costa (1999), Ferretti et al. (2004) e outros autores caminha em direção a uma postura ética, e com ênfase na participação, evocando outros conceitos como responsabilidade social, identidade, autonomia e cidadania (FERRETTI et al., 2004), e, ainda, liberdade e compromisso (COSTA, 2007). Assim, apesar das raízes da palavra protagonismo remeterem a um sujeito com interesses individuais, suscita características mais abrangentes. É necessário que o indivíduo considere sua existência num contexto mais amplo que envolve outros atores e inúmeros fatores. Enfim, é imprescindível a este sujeito levar em conta o coletivo. Quanto a isso Freire (1979) diz que Sem dúvida, ninguém pode buscar na exclusividade, individualmente. Esta busca solitária poderia traduzir-se em um ter mais, que é uma forma de ser menos. Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais e em comunhão com outras “consciências", caso contrário se faria de umas consciências , objetos de outras. Seria “coisificar” as consciências. (FREIRE, 1979, p. 14) Para além da conquista e exercício da autonomia, a concepção de protagonismo deve superar a perspectiva de domínio do próprio destino, romper com o individualismo; nesse âmbito, o indivíduo que se pretende protagonista precisa conscientizar-se de sua posição no mundo, buscar compreender quais são as relações sociais, políticas e econômicas que historicamente se estabelecem no 65 contexto em que está inserido e, negando a alienação imposta, deve discutir e atuar para transformar a realidade coletiva. Uma concepção nesse sentido como norteadora de ações, programas e políticas públicas certamente demanda mudanças em outras instituições sociais como, por exemplo, nas de educação formal e não-formal, pois inscreve a necessidade de oportunizar a esse indivíduo condições necessárias para desenvolver as habilidades exigidas para que a sua atuação seja efetiva. Essas condições implicam em modificações nestes espaços, principalmente na forma como as relações são estabelecidas, no compartilhamento do poder decisório e da responsabilidade sobre as suas consequências, a fim de que sejam como uma incubadora dessa perspectiva de atuação social. 4.3 Protagonismo juvenil e a emergência de um novo termo: i-protagonismo Como mencionado, há algumas décadas emerge um processo de alteração nos modos de participação dos indivíduos nos processos decisórios que dizem respeito à gestão política da vida cotidiana. Nesse processo reconhece-se a importância da participação social do jovem. Ainda no início do século passado o pensamento de Dewey sobre a participação ativa dos alunos em sua aprendizagem influenciou o campo da educação. Algumas iniciativas quanto à criação dos espaços para que essa participação ocorresse são os grêmios estudantis e os conselhos escolares. Porém a emissão de documentos oficiais que valorizaram essa participação só ocorreu na década de 90. Um marco desse processo foi o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que difunde o protagonismo juvenil. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004) De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013) 66 a população jovem no Brasil – entre 15 e 24 anos – atinge o número de 34.236.064 pessoas. Esse percentual representa quase 20% do total populacional do país e torna esse grupo bastante representativo em termos sociopolíticos. Esses números justificam a ampliação das discussões que envolvem essa faixa etária, principalmente as que se referem ao estímulo à participação social desse público. Outro fator preponderante para a alocação do jovem na pauta das agendas políticas é a sua condição de vulnerabilidade traduzida pelos altos índices de violência, gravidez na adolescência, baixa escolaridade, ociosidade ocupacional, entre outros. Assim, ao mesmo tempo em que a juventude representa a expectativa do futuro para o país, também desperta preocupação no que tange ao suprimento de suas necessidades emergenciais. Segundo o texto da UNESCO (2004) o termo “juventude” refere-se ao período do ciclo da vida em que pessoas passam da infância à condição de adultos e, durante o qual, produzem importantes mudanças biológicas, psicológicas, sociais culturais, que variam segundo as sociedades, as culturas, as etnias, classes sociais e o gênero. (UNESCO, 2004, p.24) as se e as A transição da sociedade “do rural ao urbano, do agrário ao industrial e do industrial à atual sociedade do conhecimento” influencia diretamente nos critérios para delimitação da fronteira cronológica terminal da juventude. (UNESCO, 2004, p.25) Também potencializa a importância que se tem dado à participação social do jovem, pois evidencia a maior naturalidade desse público para lidar com as ferramentas desta sociedade levando em conta que ele, desde o nascimento, está inserido num contexto em que elas circulam. Apesar de todos os pontos favoráveis que contribuem para a atuação social efetiva dos jovens há argumentos de que ela parece pouco expressiva na atualidade em comparação com gerações anteriores. Tal quadro pode estar relacionado ao descrédito que a sociedade em geral tem cultivado em relação às instituições 67 públicas e que estão diretamente ligadas à crise de governabilidade, mas também ao estabelecimento de novas formas de manifestação adotadas pelo grupo juvenil. Na ocasião da produção desta pesquisa, está em vigência em algumas capitais e cidades do país manifestações de repudio a questões de ordem econômica e política, que começou com o aumento no preço do transporte coletivo e ao longo das semanas foi perpassando temáticas mais complexas como a Proposta de Emenda à Constituição nº 37/2011, a PEC 37, que busca limitar o poder de investigação criminal à Polícia Federal e Polícia Civil, excluindo órgãos como o Ministério Público, a Receita Federal, os Tribunais de Contas e o Banco Central. O movimento que nasceu nas redes sociais da internet tem levado milhares de pessoas às ruas em atitude de protesto. No cenário dessas manifestações o público jovem aparece bem representado numericamente. Outros tipos de manifestações recentes também foram percebidas nas redes sociais que, no entanto, não ultrapassaram os limites virtuais. Um estudo mais específico poderia levantar dados relevantes sobre o posicionamento social da juventude em relação a vários aspectos sociais. Importante é considerar que a atuação que o jovem vai ter na sociedade possivelmente estará diretamente ligada a pelo menos dois fatores: as formas relacionais mais modernas estabelecidas na sociedade contemporânea e os assuntos de interesse dos jovens, sendo estes últimos de uma grande diversidade como também são variadas a cultura, etnia e classe social desse público. Considerando esses dois fatores compreende-se que em se tratando de protagonismo juvenil não se pode estabelecer uma homogeneidade como tem sugerido a maioria dos autores que tratam do tema como assunção de responsabilidades nos atos individuais e ações sociais mais amplas, compromisso com os excluídos ou em processo de exclusão, participação ativa na resolução de problemas sociais de diferente amplitude, autonomia intelectual e moral, capacidade de lidar com mudanças, 68 solidariedade, respeito às diferenças, cooperação, aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades sociointelectuais, enfim, todo um conjunto de elementos articulados que conduzem à formação de um ser humano pleno. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004, p.417) A heterogeneidade cultural na qual cada jovem está inserido e a própria diversidade que impera em meio a este grupo etário que acarretam “imensa variação de condições de vida, de trabalho, de educação, de poder aquisitivo, bem como para os diferentes valores, costumes, crenças etc.” são incompatíveis com qualquer determinismo pouco flexível. (FERRETI; ZIBAS; TARTUCE, 2004, p.416) É sob essa visão que este trabalho nutre a ideia de que os avanços proporcionados pelas TIC e que provocaram mudanças no cotidiano societário têm suscitado uma forma de protagonismo que tem como critério para o seu efetivo exercício a apropriação e o uso das tecnologias de informação e de comunicação, ao que nomeou-se como i-protagonismo. Essa expressão busca compreender a influência desses avanços, principalmente com a chegada da internet, no campo social, político e cultural e como isso afetou as formas de relações estabelecidas socialmente pelas pessoas ao ponto de induzi-las à necessidade de adequação a esta nova realidade. O acesso às informações e ao conhecimento tornou-se imprescindível para a inclusão social, no sentido em que é uma importante via de acesso à participação cidadã, facilita a inserção no mercado de trabalho e aprimora a qualidade de vida. Posto que a internet constitui o atual meio de comunicação que permite estabelecimento de interação todos a todos, a ideia de protagonismo não pode resistir a esta realidade. A participação do indivíduo na era comunicacional em ambientes digitais, bem como o conhecimento que ele dispõe para que a participação nestes moldes ocorra é um novo critério para o exercício da cidadania, dado o potencial dessas ferramentas como canal de veiculação de informações e de vocalização para a discussão dos problemas sociais. 69 Desta forma, o protagonismo na sociedade contemporânea não se faz sem que existam competências para lidar de forma crítica e autônoma com as ferramentas informacionais digitais. Por esta razão, adotou-se a expressão i-protagonismo como representação do protagonismo exercido em, por meio de ou a partir dos ambientes digitais. Isso significa que, além das habiliddades já citadas no estudo dos diversos autores pesquisados, o i-protagonismo supõe a capacidade do sujeito de reflexão e busca de soluções para problemas do seu cotidiano, identificando potencialidades e possibilidades, e mobilizando-se para intervir de forma crítica sobre a realidade buscando a sua transformação, lançando mão dos recursos tecnológicos e dos ambientes virtuais, com a finalidade de exercer a sua cidadania, de forma cada vez mais autônoma e comprometida, seja com o autodesenvolvimento ou com a transformação social. (DOWBOR, 2006). Diante dessa perspectiva, o conceito de cidadania apresentado por Coutinho (2005) contribui significativamente para a construção desse novo conceito que emerge, o i-protagonismo. Para o autor “cidadania é a capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinado.” (COUTINHO, 2005, p.146) Dessa forma, apenas o acesso aos recursos tecnológicos de maneira alguma garantirá a aquisição dessa competência. É necessário investimento muito maior que passa, inclusive, pela formação dos educadores que contribuirão para o desenvolvimento do i-protagonismo dos educandos. Dowbor (2006) percebe que a conectividade é um caminho que “pode tornar-se uma forma radical de democratização do acesso ao conhecimento mais significativo”. Nesse âmbito, considera que “a luta pelo acesso aos espaços de 70 conhecimento vincula-se ainda mais profundamente ao resgate da cidadania”, invertendo os efeitos das transformações tecnológicas que “tendem a reforçar as polarizações a desigualdade”. Compreende-se que a capacidade de domínio dos recursos tecnológicos, especificamente aqueles que ampliam as possibilidades de acesso à informação e comunicação constitui instrumento de empoderamento. Então, o i-protagonismo seria ao mesmo tempo uma condição indispensável na contemporaneidade para o exercício efetivo da cidadania. Segundo Dowbor (2006) a necessidade iminente de formar pessoas que atuem em suas comunidades transformando-as é a expectativa que se tem da educação em relação ao desenvolvimento local. Como local define-se qualquer porção territorial que se distingue a partir de determinados elementos de identidade (PAULA, 2009) Num contexto político local pode ser um município, estado ou país. Mas no âmbito social pode ser uma associação, uma escola, um sindicato ou um movimento étnico. A dinâmica local é construída a partir do momento em que o sistema educacional propicie aos educandos uma maior compreensão da realidade local. Para que isso ocorra esse sistema precisa se articular com outras instituições da sociedade civil e o resultado é uma via de mão dupla na qual ao mesmo tempo em que a escola contribui para a formação das pessoas para atuarem na dinâmica local, os impactos positivos desse processo retornam para sistema de ensino. (DOWBOR, 2006) Sob esse ponto de vista, a perspectiva de formação de indivíduos i-protagonistas supera a expectativa de uma posição no ranking de país com melhor desenvolvimento econômico, contribuindo para um desenvolvimento endógeno e que vai refletir nos diversos setores de um país. 71 5 CONTRIBUIÇÕES DO CAMPO DA PEDAGOGIA PARA A FORMAÇÃO DE INDIVÍDUOS I-PROTAGONISTAS Concebendo que o campo da educação não é inerte e que deve acompanhar as mudanças societárias, todas as alteridades produzidas no cotidiano social com a entrada de tecnologias cada vez mais modernas, especialmente na área da informação e comunicação, invariavelmente ocasionam/ocasionarão modificações no contexto educacional. Algumas implicações que esse processo pode impelir nas instituições de caráter educacional são a adequação do currículo, a formação dos professores, a aquisição de novos recursos materiais para a execução das atividades, a urgência de reflexão e de adoção de novas práticas pedagógicas. A maneira como o campo educacional vai reagir a essas mudanças, aderindo ou não a elas e a medida que vai contribuir para a formação das pessoas a fim de que desenvolvam a habilidade necessária para lidar com os equipamentos, recursos e ferramentas emergentes dos avanços tecnológicos será fundamental para a construção de uma sociedade que detém o domínio dos bens culturais que ela mesma cria. São inúmeros os fatores que influenciam para que a educação desempenhe esse papel de formadora de pessoas para as demandas atuais: sua trajetória sociohistórica, o percurso pessoal das pessoas que atuam no campo, os limites políticos que lhe são impostos, entre outros. O impacto produzido por esses fatores é um dos determinantes para o ritmo de acesso e de apropriação desses bens pelos integrantes da sociedade que vai sofrer variações mais ou menos densas de um lugar para o outro de uma mesma sociedade de acordo com a influência, ainda, de 72 outros fatores sociopolíticos. Esse ritmo e as condições oferecidas para as aprendizagens requeridas para o domínio das tecnologias emergentes, bem como o conjunto de práticas adotadas para esse fim serão determinantes para as características que constituirão o perfil das pessoas que serão formadas. Um quadro mais apurado sobre esse assunto será construído a partir de agora e subsidiará a visão de que a formação de indivíduos i-protagonistas está estritamente relacionada com as práticas pedagógicas adotadas pelos responsáveis por esse processo. 5.1 Breve discurso acerca do campo da educação e algumas realidades do Brasil A educação atravessou quatro tendências pedagógicas ao longo do seu percurso no Brasil – pedagogia tradicional, renovada, libertadora e crítico-social dos conteúdos – e cada tendência foi marcada por um contexto histórico, social e político que era significado pelos próprios indivíduos em cada época. (BRASIL, 1997) Uma mudança bastante significativa e que pode ser considerada a mais relevante de uma tendência para a outra é a posição do aluno no processo de ensinoaprendizagem. Na tradicional, por exemplo, ele é visto como o receptor do conhecimento, enquanto na libertária além de assumir o centro do processo, tem expressão livre, e são reconhecidas as suas necessidades e interesses. A abordagem de aluno de cada tendência tem a ver com a concepção social de sujeito que regeu no momento histórico em que essa mesma tendência está vigorando. Compreende-se a impossibilidade de estabelecer marcos precisos que determinem o início e o fim de uma tendência, tendo em vista que inúmeros fatores influenciam esse processo de transição como é o caso das diversidades culturais, as diferentes 73 concepções adotadas que orientam o trabalho e que variam de instituição para instituição, as condições políticas de cada local para planejamento e investimentos em educação e tantos outros que poderiam ser apontados. Mas, então, qual destas tendências é a ideal? Qual delas impera ou deve imperar nos dias atuais? De acordo com Gadotti (2000, p.4) as diferentes tendências têm “um lugar garantido na educação do futuro”, mas o autor destaca que “o traço mais original da educação desse século é o deslocamento de enfoque do individual para o social, para o político e para o ideológico”. No século XX a educação deve ser “permanente e social”. O Art.1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96 tem como norteadora a perspectiva de educação que “abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Sob essa visão, não é o lócus da educação delimitado por muros de concreto, nem está submetido a uma única denominação institucional; ao contrário, aponta para uma ampliação da extensão dos espaços formativos para todos os ambientes em que o educando transita no curso do seu desenvolvimento pessoal. (BRASIL, 1996) Ao mesmo tempo em que reconhece outros espaços como formativos educacionais, o documento ressalta que a educação “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, ou seja, mesmo na instituição escolar a educação deve se vincular com o mundo exterior aos seus muros, à realidade em que os educandos vivem. Confluindo com essa ideia Dowbor (2006, p.7) nutre o pensamento de que não há como fragmentar os tempos na vida de uma pessoa e que “a cronologia da educação formal e a cronologia da vida profissional se imbricam o tempo todo. 74 Um avanço importante no campo foi a internacionalização da educação iniciado na segunda metade do século passado, ou seja, a definição de parâmetros curriculares praticamente comuns para todos os sistemas de ensino, tarefa que foi atribuída à UNESCO. (GADOTTI, 2000) No Brasil, a unicidade do currículo da educação básica está regida pelas Diretrizes Curriculares Nacionais na Educação Infantil (DCNEI) e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais no Ensino Fundamental (PCNEF) e no Ensino Médio (PCNEM). A equidade proposta nestes documentos pretende “assegurar que as finalidades propostas em lei, bem como o perfil de saída do educando sejam alcançadas de forma a caracterizar que a Educação Básica seja uma efetiva conquista de cada brasileiro” muito mais que uniformizar o cotidiano escolar. (BRASIL, 1997, p.17) Apesar da existência desse aparato legal, a realidade com a qual se depara em nosso país é de um desnível bastante latente, principalmente no que se refere à qualidade do ensino entre as diferentes regiões e até mesmo cidades. Este fato está relacionado a inúmeros fatores que vão desde a má distribuição dos recursos públicos à diversidade de níveis de formação dos professores. As diferenças que existem de uma região para a outra são claramente traduzidas pelos resultados, por exemplo, da SAEB(Sistema de Avaliação da Educação Básica)/Prova Brasil que em 2011 aponta uma distância de mais de 172% entre o índice da região Norte (2,37%) e a região Sudeste (6,47%) do país de alunos que ao final do Ensino Fundamental chegam ao último nível em proeficiência da Língua Portuguesa. (INEP, 2012) O desempenho médio dos estudantes no que se refere à Língua Portuguesa ao final do Ensino Médio também permanece inferior na região Norte (254,2) em relação à região Sudeste (284,8). Esta diferença representa um percentual de mais de 10% do maior em relação ao menor. (INEP, 2012) 75 A aplicação destas avaliações é referendada pelo Decreto nº 6.094, assinado pelo presidente do Brasil em 24 de abril de 2007 que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Esse Plano visa a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica e está baseado nos objetivos aprovados durante a Conferência de Dacar de 2000, a serem alcançados até 2015. Não se pode negar que ocorreram avanços no campo da educação em nosso país nos últimos anos. O próprio Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação é um passo significativo para buscar o alcance de melhores resultados nesse âmbito. Além dele há outras iniciativas que fomentam a formação de professores, que buscam ampliar o tempo e o escopo de atividades que a escola pode oferecer para os seus alunos e comunidade, e muitos outros. Essa breve discussão sobre a educação num contexto tão diversificado quanto o Brasil faz refletir que há uma imensurável complexidade envolvida para o tratamento desta questão e isso exige investimento em pesquisas, conhecimento de outras realidades parecidas e quais estratégias estão surtindo resultados positivos nas mesmas, de alocação de recursos financeiros e tudo isso requer esforço, tempo e interesse principalmente das instâncias públicas. O envolvimento da maior quantidade e diversidade de atores possível nessa empreitada certamente contribuirá para que se alcance resultados cada vez mais satisfatórios nessa empreitada. 5.2 Educação e tecnologia Conforme mencionado, as tendências educacionais estão invariavelmente relacionadas ao tempo sócio-histórico-político que a sociedade atravessa em cada momento. Um fator que marca o campo da educação desde o início da sua 76 existência é o econômico, e o que ocorre é que as mudanças na educação pretendem responder às necessidades oriundas deste setor sob a alegação, nem sempre verdadeira, de contribuir para o desenvolvimento da nação. Então não seria de se estranhar que a educação sempre estivesse relacionada aos avanços científicos e tecnológicos que orientam a economia de qualquer país. O texto da primeira LDBEN aprovada no Brasil (no ano de 1961), em relação aos fins da educação nacional com base nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, já normatizava que devia preparar o indivíduo e a sociedade “para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio”. (BRASIL, 1961) Reafirmando a relação da educação com o mercado a última LDBEN (9394/96) também determina como fim da educação escolar a qualificação do educando para o trabalho. No sentido do desenvolvimento de habilidades para lidar com a ciência e as tecnologias contemporâneas subentende-se a vinculação da educação escolar com as práticas sociais que aparece no texto do documento. Afinal, as práticas sociais acabam, espontaneamente ou não, sendo reguladas pelas modificações que os bens culturais criados pelos integrantes de uma sociedade produzem no cotidiano dessa mesma. Nas últimas décadas uma maior expressividade de criação desses bens tem se manifestado no campo das TIC. Uma variedade de equipamentos e aparelhos, inclusive reguladores das operações financeiras foi sendo aos poucos agregada ao cotidiano das pessoas e modificando as suas relações com outras pessoas e com instituições. Nas transações financeiras, por exemplo, quando se realiza uma compra num supermercado com cartão magnético são envolvidas pelo menos três pessoas/instituições e o dinheiro, necessariamente, não chegará a passar diretamente pelas mãos delas. 77 Ao mesmo tempo em que ocorre esse deslocamento nas práticas sociais, as possibilidades de aprendizagem também são ampliadas. Acerca disso Guzzi (2010) afirma que hoje, habitam-se espaços de conhecimentos abertos, contínuos e não lineares, que se reorganizam segundo o contexto de cada um. Do mesmo modo o conceito de rede é utilizado como uma alternativa de organização coletiva que possibilita respostas a uma série de demandas de flexibilidade, conectividade e descentralização da atuação social, reconduzindo a comunicação para uma lógica de sistemas descentralizada, participativa e ao mesmo tempo autônoma. A comunidade não precisa de um território físico para estudar, aprender, participar de decisões, mas de um território virtual de composições afetivas reais, no qual a maneira de saber linkar e ser linkado seja uma poderosa ferramenta de trabalho.” (GUZZI, 2010, p.39) Cabe aqui a pergunta: como a educação tem lidado com a expansão das TIC agregada à prospecção da internet? Gadotti (2000, p.5) já refletia há mais de uma década atrás que “a educação opera com a linguagem escrita e a nossa cultura atual dominante vive impregnada por uma nova linguagem, a da televisão e a da informática, particularmente a linguagem da Internet”; a cultura digital é a denominação do autor para a cultura dominante que cita. Dowbor (2006) defende que aliar a educação à tecnologia não implica na simples iniciativa de informatizar a escola com equipamentos modernos, com tecnologia de ponta. Requer uma mudança cultural que trata de organizar a assimilação produtiva do conhecimento. Na sociedade contemporânea, a informação é o valor mais importante, assim, “comprar e adquirir informação, distribuí-la, controlá-la e convertê-la em conhecimento” constituem os maiores desafios da pós-modernidade e da globalização. (CARBONELL, 2002, p.55) Levando em conta que o movimento veloz que tem imposto um ciclo cada vez mais curto de renovação do conhecimento dita a urgência das mudanças tanto na escola como em quaisquer outros ambientes que 78 se propõe educativos tornando-os capazes de atualizar seus educandos quanto ao domínio de algumas habilidades instrumentais e o acesso ao crescente arsenal informativo. Gadotti (2000, p. 8) atribui à escola na sociedade informacional a tarefa de conduzir “um movimento global de renovação cultural, aproveitando-se de toda essa riqueza de informações”. Carbonell (2002, p.56) alerta que apesar desse volume o importante é “saber codificá-la, integrá-la, contextualizá-la, organizá-la e interpretála; dar-lhe sentido e significação”. Gadotti (2000, p.7) compreende que está já bem clara “a predominância da difusão de dados e informações e não de conhecimentos”. Nesse âmbito reconhece que essa difusão é fruto da associação da informatização com a globalização das telecomunicações, mas desperta para o fato de que grande parte da população está excluída desse processo. De acordo com Guzzi (2010, p. 52) “a facilidade e a velocidade do uso e da troca de informações pela internet passa a ter um papel central na nova sociedade, tanto em termos de circulação de capital quando de formação de novos diagramas sociais e culturais, novas subjetividades” o que vai gerar novas concepções de comunidade reais e virtuais. Nesta nova ordenação social ocorre uma metamorfose nos conceitos oriundos da categoria exclusão. Nesse âmbito, Martins (2003, p.31) entende que “‘excluído' e 'exclusão' são construções, projeções de um modo de ver próprio de quem se sente e se julga participante dos benefícios da sociedade em que vive e que, por isso, julga que os diferentes não estão tendo acesso aos meios e recursos a que ele tem acesso”. A discussão que este último autor propõe é bastante válida quando retornamos à 79 ideia de que a educação está submetida à economia e que essa posição que assume a obriga a caminhar no rumo ditado pelo mercado. Dessa forma, os que conseguem seguir esse rumo passam a considerar que os outros não estão fazendo parte do processo. É certo que especialmente no campo da educação deve-se oferecer a oportunidade de superar os pensamentos impostos, sendo capaz de atuar sobre essas imposições, transformando-as. Mas, ao mesmo tempo, é inconcebível considerar que as construções articuladas pela própria sociedade as quais se instauram nos territórios sociais e passam a imperar neles, poderiam simplesmente ser ignoradas. Ao contrário, elas precisam ser potencializadas a fim de que ratifiquem a sua possibilidade de mudança. Assim, quanto maior for a democratização da informação e do conhecimento e de criação de espaços para que isso ocorra, haverá “menos distorção e menos manipulação, menos controle e mais liberdade”. (Gadotti, 2000, p.7) Nos tempos atuais o maior capital da humanidade é o conhecimento e este não pode ser excluído dos sistemas educacionais formais ou não-formais sob qualquer que seja o pretexto. 5.3 As práticas pedagógicas na formação de indivíduos i-protagonistas Como mencionado há uma grande expectativa de que os espaços com fins educacionais formais ou não-formais assumam a tarefa de promover o acesso à informação e também de contribuir para que as pessoas sejam capazes de lidar com essa informação, potencializando-a como instrumento para a superação das realidades postas, ultrapassando o simples consumo ingênuo da informação. Qualquer tarefa a ser desempenhada dentro de um sistema educacional envolve 80 pelo menos dois níveis de execução. O primeiro refere-se ao tratamento político que é dado, ou seja, qual o seu nível de relevância nas agendas políticas em qualquer que seja a instância. Esse nível é que vai dizer dos investimentos (humanos e financeiros) que serão aplicados para a efetivação da tarefa. O segundo refere-se a questões sociais e tem a ver com a forma como os indivíduos envolvidos diretamente no processo educativo irão desempenhar a tarefa. Quanto à questão da democratização da informação por meio do acesso às TIC, já foi citado que há inúmeras iniciativas governamentais em curso com esse fim, sendo algumas delas dirigidas ao sistema educacional formal, como é o caso do programa Um Computador por Aluno, e outras desenvolvidas no âmbito de ambientes educativos não-formais como, por exemplo, o programa Centros de Inclusão Digital, do governo federal. Os dados já apresentados atestam que as inúmeras ações nesse sentido não são ainda suficientes para atender toda a demanda existente e também não têm sido totalmente eficazes em alcançar a extensa territorialidade brasileira, principalmente por suas discrepâncias estruturais, mas representam bem um certo incômodo político impulsionado pela questão. Por outro lado, considerando ainda a questão da democratização da informação por meio do acesso às TIC sob o aspecto da capacitação para gerir a informação de forma consciente e crítica, as discussões nesse sentido ainda não ganharam o merecido espaço no campo político. Tal fato exige uma mudança da concepção de inclusão digital ampliada para o sentido de que apenas o domínio de equipamentos e recursos é insuficiente para lidar com o volume e diversidade de informações que estão disponibilizadas na internet, assunto já abordado no interior do texto desta pesquisa. A respeito dessa mesma questão tratada no contexto social, alguns fatores são imprescindíveis de serem ponderados e estão relacionados às concepções da sociedade acerca de educação, dos seus processos e da função dos sistemas 81 educativos e a outras concepções que regulam os ambientes educacionais. Como discutido anteriormente, as concepções da sociedade são marcadas pela visão de sujeito e por questões econômicas que norteiam os rumos societários em cada época. Em se tratando das concepções que regulam os sistemas educativos, a discussão necessita de análise mais complexa, pois envolve conflitos paradigmáticos sociais, políticos e pedagógicos. Algumas dessas concepções merecem destaque tendo em vista o teor dessa pesquisa: a de gestão da escola e a que se refere ao processo ensino-aprendizagem. Partindo da gestão escolar (lembrando que aqui não há uma visão limitada de ambiente escolar como uma instituição única, mas estende-se a qualquer ambiente que tenha algum tipo de objetivo ou fim educativo) é importante rebuscar quais são os alicerces sociohistóricos que a orientam/orientaram. Um modelo de gestão que ainda impera em muitas escolas nos dias de hoje, segundo Lück (2011, p.35-36), é “centrado na figura do diretor” e está “baseado no paradigma positivista que concebe o governo distinto da sociedade” visão que atribui ao diretor a responsabilidade “pela escola e pelos seus processos”. Neste modelo o diretor predomina como figura de poder, que zela pela uniformidade do sistema de ensino, “reforçando padrões de formas de desempenho que desconsideram a necessidade de criatividade, iniciativa e discernimento em relação a dinâmicas interpessoais e sociais, envolvidos na realização do processo educacional”. Alguns dos resultados alcançados na adoção de pressupostos positivistas na gestão escolar são: “hierarquização e verticalização na condução dos sistemas de ensino e das escolas; desconsideração aos processos sociais neles vigentes; burocratização dos processos; fragmentação de ações e sua individualização; desresponsabilização de pessoas em qualquer nível de ação”. (LÜCK, 2011, p. 37) 82 De acordo com Carbonell (2002, p.27) uma das consequências negativas do modelo de gestão que se baseia em reformas verticais é que reproduz na escola “a divisão técnica e social do trabalho entre as pessoas que pensam e planejam e as que se limitam a receber instruções e executá-las mecânica e passivamente”. A redução do poder e autonomia dos professores inibe as possibilidades de inovação no ambiente educativo. Ao cultivar um clima de participação dando voz aos indivíduos que estão inseridos direta ou indiretamente nos ambientes educacionais o produto será uma construção que mais se aproxima da realidade que atenderá às necessidades e anseios dessas pessoas, consequentemente também terão mais chances de responder às demandas da comunidade ao entorno. Lück (p.41) respalda esse entendimento quando afirma que “a gestão democrática ocorre na medida em que as práticas escolares sejam orientadas por filosofia, valores, princípios e ideias consistentes, presentes na mente e no coração das pessoas, determinando o seu modo de ser e de fazer”. E a gestão educacional passa a ser responsável apenas por direcionar e mobilizar a sustentação e dinamismo dos sistemas de ensino e das escolas, velando para que prevaleça nos trabalhos desenvolvidos a garantia de resposta às necessidades e aos anseios sociais, especificamente das pessoas que constituem o ambiente de ensino. A distância entre o currículo e o conhecimento realmente significativo para os indivíduos que estão envolvidos no processo tende a ser estreitada quando estes têm a oportunidade de participar das construções. Além disso, essa iniciativa poderá contribuir para romper com algumas tradições culturais que ratificam relações de poder que se pretendem perpetuar na sociedade. Uma dessas tradições e que não tem razões nem científicas que a sustente é a fragmentação do conhecimento que na opinião de Carbonell (2002, p.53) apenas 83 “contribui para a redução e simplificação de seu caráter complexo, ao distanciamento do mundo experimental dos alunos e a sua descontextualização”. Além disso, a própria complexidade que impera na educação diante da diversidade social e dos desafios contemporâneos impõe a emergência de um novo formato de gestão de ensino. De acordo com Lück (2011, p.23) a nova visão deve superar a visão limitada de administração, pois “os problemas educacionais são complexos, em vista do que demandam visão global e abrangente, assim como ação articulada, dinâmica e participativa”. Na concepção de Lück (1997) os sistemas de ensino como um todo, e os estabelecimentos de ensino como unidades sociais, são organismos vivos e dinâmicos e como tal devem ser entendidos. Ao serem vistos como organizações vivas, caracterizadas por uma rede de relações entre todos os elementos que nelas interferem, direta ou indiretamente, a sua direção demanda um novo enfoque de organização. (LÜCK, 1997, p.38) Concebendo o processo de ensino-aprendizagem como um dos segmentos dessa rede de relações que a autora acima destaca, as condições em que ele vai ocorrer influenciarão nos resultados obtidos na formação dos indivíduos, os educandos desse processo. Nesse movimento de mudanças ocasionado pelos avanços tecnológicos e científicos “o professor passa a ter um papel fundamental de articulador e mediador entre o conhecimento elaborado e o conhecimento a ser produzido”. Behrens (1999, p.385) reconhece que as ações docentes baseiam-se “nos paradigmas que a própria sociedade vai construindo ao longo da história”, mas comumente reproduzem as próprias experiências desses docentes no âmbito educativo. Nesse sentido, a própria formação educativa básica do professor é um dificultador para esse processo de transição. Afinal, ele precisa vencer o desafio de ultrapassar 84 uma ação educativa alicerçada num paradigma para exercer essa atividade em outro. Na maioria das vezes o que ocorre é que é necessário superar o paradigma conservador baseado na ciência newtoniana-cartesiana que fragmenta o conhecimento e prevê a aprendizagem com atividades de memorização e cópia caminhando na direção do paradigma emergente sistêmico, holístico que reconhece a complexidade das coisas. (BEHRENS, 1999, p.387) A fim de discutir esse aspecto, a reflexão proposta se apóia no pensamento de Freire (1987, p.29) de que “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Esta visão, relacionada ao ensinoaprendizagem, reitera a dualidade desse processo que envolve educando e professor. A transição paradigmática que está colocada diante do professor necessita de um esforço do próprio docente no sentido de “superar a situação opressora”. Mas essa tarefa ele não realiza sozinho, mas no exercício da sua atividade profissional, ao que Freire (1987, p.17-18) denomina Pedagogia do Oprimido. Trata-se de uma “pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará”. Assim, quanto mais o professor se distancia da experiência docente vivida na sua formação, mas tomando consciência de que hospedou e hospeda em determinadas circunstâncias o opressor em si (as marcas do que experimentou tendem a querer desabrochar) e vai se entregando a uma práxis libertadora também contribui para a libertação dos seus educandos. A luta é antes por libertar-se tanto da condição de oprimido quanto da de opressor. (FREIRE, 1987) As inúmeras reformas propostas no ensino são verticalizadas e não produzirão os frutos desejados se não ocorrer uma mudança primeiro no interior dos indivíduos 85 que constituem o ambiente educativo. Ao mesmo tempo, essa mudança, quando ocorre em meio a esse processo de libertação, tende a deslocar os resultados para responder às insatisfações despertadas nos indivíduos. Assim, a práxis pedagógica assume um caráter revolucionário, fundamentado na “reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” superando a contradição opressor-oprimido no sentido em que o docente se reconhece oprimido e ao mesmo tempo opressor e engaja na luta por libertar-se e por libertar. (FREIRE, 1987, p.21) Em contra partida há uma resistência natural dos educandos em assumir o lócus de oprimido vivendo a experiência de um paradigma ultrapassado para si mesmo e essa resistência contribui para a libertação dos docentes como afirma Freire (1987, p.24) que “somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores”. O resultado de todo esse processo aponta uma direção para que a pedagogia contribua para a gestação da Sociedade da Informação que se situa no campo da formação de indivíduos que irão atuar nessa sociedade não como simples aprendedores, mas que terão um olhar crítico sobre a realidade que lhe for apresentada. Alcançar esse resultado exige que as ações educativas adotadas nos trabalhos junto aos educandos potencializem o desenvolvimento de sua autonomia e lhes estimulem a uma atitude reflexiva. Essas habilidades são imprescindíveis a qualquer pessoa que tenha que conviver numa realidade na qual todos os tipos de informações estão disponíveis, provindo do mais variado tipo de fontes e interesses. A prática docente, por exemplo, guiada por atitudes autoritárias, pode inibir a participação na tomada de decisões; enquanto uma postura receptiva estimula o diálogo e as trocas. Segundo Freire (1987) o diálogo crítico e libertador tem que ser 86 realizado com os oprimidos independente do nível da sua libertação. Deve haver um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas condições concretas. O anti-diálogo, a sloganização, a verticalidade e os comunicados são instrumentos de domesticação. O meio físico também influencia direta e simbolicamente nos comportamentos das pessoas que o compartilham, inibindo ou estimulando-as. Num ambiente educativo, comunica os valores e expectativas das pessoas que exercem autoridade e reforçam as normas institucionais. (ELALI, 2003) A disposição do mobiliário propicia e/ou estimula as interações, a participação, tudo isso tem a dizer de como se pauta a proposta educativa do ambiente de ensino. A autora argumenta que tomando-se como exemplo uma sala de aula comum, é possível dizer que os móveis existentes e seu posicionamento informam as expectativas quanto a ocupação do local, percepção que tende a ser confirmada ao longo do tempo a partir da experiência diária, do conhecimento mútuo professor-alunos e das normas institucionais. Cadeiras dispostas em círculo sugerem que ocorrerá uma discussão na qual é esperada a participação de todos; carteiras enfileiradas voltadas para o professor pressupõem aula expositiva; mesas próximas entre si formando blocos maiores indicam a realização de trabalhos em grupos, e assim por diante. (ELALI, 2003, p. 310) Em uma de suas obras, Pedagogia da Autonomia, Freire (2002) apresenta inúmeros saberes que o professor precisa empreender no exercício da sua atividade profissional como, por exemplo, saber pesquisar, ser crítico, ser capaz de significar o conhecimento pelo exemplo, ser flexível, entre outras tantas que aponta. Ao transpor esses saberes para suas práticas o educador abandona a ideia de transferência de conhecimento, para ser mediador para as possibilidades da produção ou da construção desse conhecimento. Um ponto que merece ser destacado da obra mencionada é a afirmativa de que “a educação é uma forma de intervenção no mundo” que independente da qualidade com a qual é empreendida “implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento”, contraditoriamente. Imparcial sobre 87 qualquer uma destas questões a educação nunca será e é errôneo declará-la como “apenas reprodutora da ideologia dominante como erro é tomá-la como uma força de desocultação da realidade, a atuar livremente, sem obstáculos e duras dificuldades”. (FREIRE, 2002, p.61) Daí o reforço à ideia de que o professor não pode reduzir a sua atividade docente à mera transmissão de conteúdos predeterminados por um currículo oficial. Precisa, como professor, ensinar a pensar certo e isso não está vinculado a assumir uma posição assertiva, mas também crítica e reflexiva diante dos fatos. (FREIRE, 2002) A solidez da equipe docente contribui para que as construções acerca de uma prática pedagógica inovadora ocorra efetivamente, tendo em vista que será possível haver um progresso nas discussões interinstitucionais no sentido de avançar na superação do paradigma pedagógico. (CARBONELL, 2002) O planejamento na educação é necessário. “A educação deve estabelecer as direções, traçar caminhos, indicar metas, fins e objetivos” num processo contínuo a fim de que não haja bloqueio dos processos de crescimento e evolução do homem. Compreendem esse planejamento a organização dos tempos e espaços de aprendizagem, a construção da estrutura curricular, os processos de avaliação, bem como outros. (MENEGOLLA e SANT’ANNA, 2008, p.24) A respeito daquele processo dual já mencionado, para reafirmá-lo recorre-se ao autor quando explica que não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivorelativo. Verbo que pede um objeto direto - alguma coisa - e um objeto indireto - a alguém. (FREIRE, 2002, p.12) Diante da discussão tecida até aqui, neste trabalho, práticas pedagógicas são 88 compreendidas muito mais que a elaboração do planejamento de uma aula a partir de um currículo formalizado, envolve a valorização que é dada a cada conteúdo, a relação que estabelece entre este conteúdo e a realidade, a proposição de reflexões e a abertura de espaços de discussão sobre as temáticas estudadas, e enfim, a postura, atitudes e comportamentos que se adota na relação interpessoal professsor-aluno em um ambiente educacional. Situadas no presente contexto no qual a sociedade contemporânea se insere no qual têm imperado as TIC como instrumento privilegiado para a obtenção de informações que exigem habilidades do indivíduo que as deseja utilizar (que ainda não foram contempladas no currículo escolar do nosso país) as práticas pedagógicas especialmente quando utilizadas em programas sociais de inclusão digital devem ser refletidas e organizadas de modo a favorecer a construção da autonomia dos indivíduos frente a essas tecnologias, o que significa contribuir na construção das aprendizagens necessárias para que essa autonomia ocorra. Acredita-se que os avanços nesse sentido não são apenas pedagógicos, nem têm o seu fim na busca de práticas inovadoras, mas são um passo dado para conferir maior equidade de participação às pessoas no âmbito da Sociedade da Informação. Atingir como fim a formação de indivíduos que sejam capazes de olhar criticamente para as informações que lhes são disponibilizadas, como exige a formação de indivíduos i-protagonistas, requer propiciar-lhes um ambiente em que estas habilidades possam ser exercitadas. É necessário oferecer a oportunidade de refletir e discutir assuntos complexos, pensar em soluções para resolver os problemas que se apresentam e isso se faz no cotidiano. Compreende-se que a capacidade de domínio dos recursos tecnológicos, especificamente aqueles que ampliam as possibilidades de acesso à informação e comunicação constitui instrumento de empoderamento. Então, o i-protagonismo 89 seria ao mesmo tempo uma condição indispensável na contemporaneidade para o exercício efetivo da cidadania. Um processo formativo que contemple as demandas sociais e políticas do tempo presente só pode ser efetivado num ambiente educativo que esteja amparado por uma gestão educacional democrática que considere a relevância da construção coletiva para o alcance de resultados mais consistentes e que compartilhe o poder decisório com as pessoas que estão direta ou indiretamente envolvidas no processo, e por práticas pedagógicas inovadoras que conduzam o educando ao exercício cotidiano da autonomia e da participação, que sejam nutridas por um olhar crítico e visão reflexiva sobre cada situação. 90 6 A PESQUISA DE CAMPO: Aspectos metodológicos . As pretensões do que se quer alcançar com uma pesquisa antecedem e em grande medida condicionam a escolha do caminho a percorrer. Em se tratando deste trabalho cuja matéria de discussão – as práticas pedagógicas na sociedade da informação – está envolta por um conjunto ilimitado de fenômenos sociais, a opção pela abordagem quanti qualitativa referencia a compreensão de que a mensuração de alguns dados é importante, mas não se pode perder de vista a complexidade do objeto investigado, buscando um olhar mais alargado sobre este que é o resultado de um produto da relação entre o mundo real e o sujeito. (OLIVEIRA, 2007) Os interesses desse trabalho relacionam-se com a observação, a descoberta e a verificação dos fatores que rodeiam o trabalho desenvolvido pelos educadores junto aos educandos, bem como a classificação e leitura crítica desses fatores buscando um maior aprofundamento da questão a partir da investigação de um grupo ou comunidade pré-determinados o que conduziu à definição do seu delineamento como um estudo de campo de uma pesquisa descritiva. (GIL, 2007) (OLIVEIRA, 2007) Análise Documental, Entrevista semi-estruturada, Grupo Focal e Observação estruturada e sistemática foram os instrumentos de coleta de dados utilizados. A sua variedade e quantidade significaram uma tentativa de abarcar com maior abrangência a temática, sem desconsiderar a sua complexidade, ainda que consciente dos percalços dessa tarefa. O acesso ao universo delimitado – o Plug Minas – foi bastante facilitado6. Uma das 6 Fato justificado pela existência prévia de um Edital da FAPEMIG que selecionou o projeto da a pesquisa “ I-protagonismo: inovação social, juventude e literacia digital/informacional nas redes sociais do Plug Minas – SHA-APQ 00149-11 na qual essa dissertação se inspirou. 91 poucas dificuldades encontrada foi a disponibilidade de agenda para reunir vários professores de um mesmo núcleo ao mesmo tempo para a realização do Grupo Focal, tendo em vista as atividades cotidianas que estavam em andamento. Outra foi o período de transição pelo qual passou um dos núcleos (estava se regularizando para mudar o status de curso livre para escola técnica) o que ocasionou mudança no quadro de professores devido à formação exigida para os mesmos no novo modelo. A compilação dos dados foi um trabalho que demandou bastante tempo de dedicação e a recorrência a múltiplos formatos de apresentação dos resultados auferidos a fim de assegurar uma melhor visualização e compreensão dos mesmos. Tomando a análise de conteúdo de Bardin (1977) por fio condutor, esta etapa da pesquisa basicamente se dividiu em três fases: pré-análise, na qual se buscou organizar o material a ser analisado; exploração do material, que compreende realizar a codificação, classificação e categorização das informações contidas nele; e tratamento dos resultados, inferência e interpretação, que compreende a análise reflexiva e crítica. O agrupamento dos dados coletados na Análise Documental e nas Entrevistas com os gestores foi uma decisão tomada durante o processo de análise dos dados, a partir da compreensão que as unidades de análise obtidas pelos dois instrumentos convergiam para apontar a discussão sob as mesmas perspectivas. As construções favorecidas pela pesquisa bibliográfica, que antecedeu essa etapa, constituíram um suporte fundamental para a tarefa de análise dos dados e a definição de diagnósticos. A seguir uma descrição detalhada do universo, métodos e recursos, intercalada com a análise diagnóstica propriamente dita. 92 6.1 O campo da pesquisa: universo Neste item descrever-se-á o universo delimitado para a realização da pesquisa de campo, bem como os argumentos para definição das amostras. 6.1.1 O universo – Breve apresentação, delimitação e caracterização do campo de pesquisa Considerando que “as pesquisas descritivas têm como objetivo básico descrever as características de populações e de fenômenos”, o presente estudo delimitou como seu universo o Plug Minas - Centro de Formação e Experimentação Digital, implantado em Belo Horizonte no ano de 2009 que integra Núcleos de formação e inovação em tecnologia, artes e esportes. (GIL, 2007, p.42) Foi criado pela Secretaria de Estado de Cultura, em parceria com a Secretaria de Estado de Esportes e Juventude. A gestão do projeto é feita pela OSCIP Instituto Cultural Sérgio Magnani que constitui o Núcleo de Planejamento e Gestão (NPG). Essa gestão e a execução ocorrem em parceria com instituições de origens e propósitos múltiplos e diversificados, como o Sebrae MG, a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e o Instituto Oi Futuro. Essas instituições parceiras também podem recrutar outras para contribuírem na execução das atividades no núcleo, ou apenas no aporte financeiro para essas atividades. A figura a seguir resume essa organização, no que compreende os núcleos que serviram como amostra para a pesquisa. 93 FIGURA 1 – Mapeamento Resumido do Modelo de Gestão Plug Minas Apesar da demonstração hierarquizada, concebida como melhor maneira de representar a estrutura organizacional do Programa, na prática, a relação que ocorre entre governo, associações e instituições privadas é o que Scheneider (2005, p. 49) denomina rede de políticas públicas, analisando sob a perspectiva de que o Plug Minas não é uma política pública formulada e implementada apenas pelo Estado, “mas que também atores privados ou sociais participam nesse processo de produção e oferta de bens públicos”. A rede de políticas públicas deriva da teoria da governança, na sua versão mais atual, na qual “a produção do esforço de condução não precisa estar concentrada em nenhum sujeito de condução, por exemplo, sobre o Estado ou uma direção de uma organização” sendo aceitas outras formas de gestão – descentralizadas ou policentradas. A sede do Programa foi instalada no mesmo local onde já funcionou uma unidade da 94 Febem desativada em 2003. A área ocupada tem cerca de 70 mil metros quadrados no bairro Horto, região leste de Belo Horizonte. As mudanças arquitetônicas e paisagísticas ocorridas no espaço superaram a antiga lembrança de repressão e punição e tornaram o espaço um ambiente de convivência agradável para a juventude que é o público alvo do projeto. O espaço dispõe de uma entrada principal que dá acesso aos prédios dos sete núcleos que estão em funcionamento atualmente – Amigo do Professor (NAP), Caminhos do Futuro, Empreendedorismo Juvenil, INOVE Jogos Digitais, Oi Kabum!, Valores de Minas e Culturas de Mundo além de um refeitório e do Núcleo de Planejamento e Gestão (NPG). Alguns deste núcleos não aparecem na FIG.1 tendo em vista que não foram eleitos como amostra desta pesquisa. A divulgação das vagas disponibilizadas pelo Programa é feita por meio de cartazes nas escolas públicas, em postos de atendimento dos serviços municipais e pelo site do Plug Minas. Além da faixa etária (14 a 24 anos), os participantes do projeto devem ser alunos ou egressos de escolas públicas da região metropolitana de Belo Horizonte, e ser aceitos no processo de seleção. A primeira etapa desta seleção é realizada pelo NPG que encaminha aos núcleos os pré-selecionados. Nos núcleos, os candidatos passam outra etapa de seleção que pode contemplar desde avaliação de habilidades artísticas até conhecimentos em matemática e português (de acordo com o curso oferecido pelo núcleo), entrevista e análise socioeconômica. As atividades oferecidas em cada núcleo são diversificadas, mas têm como princípio o uso de recursos da cultura digital. O programa prevê obtenção de resultados em três áreas a saber: educação, trabalho e participação social. Nesse âmbito, a concepção dos Núcleos deve confluir para esse fim tendo como “via comum de acesso” os “domínios da cultura digital”. (MINAS GERAIS, 2008, p.5) O protagonismo juvenil é o princípio que norteia o projeto, devendo as 95 diretrizes pedagógicas dar suporte para que esse princípio se sustente. Além do próprio protagonismo, outras cinco práticas servem como base para as diretrizes: o desenvolvimento de projetos, a resolução de problemas complexos, a transdisciplinaridade, o dialogismo didático e a aprendizagem colaborativa. Além dos seis núcleos7 que atualmente atendem os jovens, o projeto também tem um núcleo que atende professores e funcionários de escolas públicas (NAP – Núcleo Amigo do Professor) em cursos presenciais, semi-presenciais e virtuais que também pretendem contribuir para a inserção desses indivíduos na cultura digital. Este projeto aqui descrito, que já assumiu caráter de Programa, foi ou melhor constituiu o campo de coleta de dados para o desenvolvimento desta pesquisa. Levando em conta a dificuldade de abarcar a totalidade do universo delimitado, e considerando a necessidade de estabelecer “critérios no processo de seleção” da amostra para este trabalho a fim de “que ela seja significativa” (OLIVEIRA, 2007, p.88) decidiu-se pela investigação de três núcleos do programa baseando-se nos seguintes fatores: a) considerou-se que dos seis núcleos que estavam desenvolvendo atividades direcionadas para a juventude, cinco deles faziam uso permanente das ferramentas de acesso às TIC; sendo assim, a investigação de três desses núcleos compreende uma parcela suficiente para se conhecer a singularidade desse Programa ; b) a opção por investigar três núcleos também partiu da compreensão que cada um dos núcleos investigados era coordenado por uma instituição parceira distinta o que poderia trazer variáveis significativas para a análise dos resultados. 7 Os núcleos que faziam parte do programa na época em que foi realizada a pesquisa eram: Empreendedorismo Juvenil, Inove – Jogos Digitais, OI Kabum, Valores de Minas, Caminhos do Futuro e Laboratórios de Cultura de Mundo. 96 Desta forma, o campo delimitado dentro do universo para fins desta pesquisa foram os núcleos Empreendedorismo Juvenil, Oi Kabum! e Inove - Jogos Digitais. A fim de preservar a identidade das pessoas que participaram da pesquisa a partir desta etapa os núcleos serão nomeados por símbolo numérico, cujas descrições seguem abaixo 6.1.1.1 Núcleo 1 – Características O Núcleo é resultado de uma parceria entre o governo do Estado representado pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Instituto Sergio Magnani, responsável pela administração do Programa Plug Minas, e uma escola técnica – responsável pela execução do projeto. A formação oferecida é de nível técnico e segundo o projeto pedagógico do núcleo “o principal objetivo da escola é a formação do aluno para exercer sua cidadania e autonomia, e não apenas formar um profissional que seja um mero executor de tarefas”. (PROJETO DO NÚCLEO 1). O Núcleo 1 está instalado num prédio de piso único, onde distribuem-se salas de aula, um laboratório de informática, uma sala com quatro computadores onde ocorrem atividades da empresa simulada - uma metodologia que tem como base a administração de uma empresa em um mercado virtual -, sala da coordenação, copa, banheiro feminino e masculino adaptados, além da recepção. A fase da seleção dos candidatos realizada pelo núcleo se constitui de duas etapas: avaliação conceitual (caráter classificatório) e dinâmica em grupo (caráter eliminatório). Ao final do processo 210 candidatos são selecionados para formar as sete turmas que participarão do curso no núcleo durante um ano, sendo duas delas no turno da manhã e cinco no turno da tarde. 97 O curso neste núcleo tem duração de um ano e certificação de curso técnico. Está organizado em três módulos que perfazem uma carga horária total de 960 horas/aula. 6.1.1.2 Núcleo 2 – Características O projeto é uma parceria do governo com uma universidade, sendo que parte do aporte financeiro é garantida por uma empresa privada. O prédio destinado às atividades do Núcleo 2 possui dois pisos ao qual integram recepção, sala de coordenação, sala de professores, sala de reunião, salas de aula, quatro laboratórios de informática, biblioteca, copa, banheiros feminino e masculino adaptados para pessoa com deficiência. O curso oferecido pelo núcleo tem duração de seis meses. A cada semestre são matriculados 250 novos alunos selecionados num processo que compreende, além da etapa de captação que compete ao NPG, uma seleção constituída pela aplicação de provas de português, matemática e física elaboradas pela equipe do núcleo. 6.1.1.3 Núcleo 3 – Características A escola que originou o nome do núcleo já existia em outras três cidades, sendo a primeira instalada no Rio de Janeiro, sempre a partir de uma parceria com uma ONG. Cada escola tem características próprias em cada lugar apesar de manter alguns princípios. O educador Antônio Carlos Gomes Costa, que já foi presidente da antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (FEBEM), autor de 98 dezenas de livros e artigos, no Brasil e no exterior, sobre o atendimento, a promoção e a defesa dos direitos do público infanto-juvenil, participou da construção da concepção da escola junto com representante da fundação mantenedora do núcleo e o foco sempre esteve concentrado na Arte. Segundo a gestora, a escola tem um caráter de formação política muito forte. Uma Organização Não-Governamental (ONG) é a parceira responsável pela execução dos trabalhos no Plug Minas desde o início das atividades do núcleo. O prédio destinado às atividades do Núcleo 3 possui dois pisos onde se distribuem além da recepção, inúmeras salas com computadores, sala de áudio visual, biblioteca, sala de professores, sala de coordenação, copa e banheiro feminino e masculino adaptados. O núcleo 3 dispõe de vários equipamentos audiovisuais (câmeras fotográficas, microfones, caixas de som, etc), fato que pode-se atribuir à especificidade das temáticas tratadas no núcleo. O curso proposto pelo núcleo na ocasião da realização da pesquisa se enquadra na categoria de curso livre e tem a duração de 18 meses proporcionando aos participantes formação em uma das cinco linguagens a saber: design gráfico, webdesign, computação gráfica, vídeo e fotografia. A etapa do processo seletivo dos candidatos que compete ao núcleo compreende carta de intenções e dinâmica de grupo. 6.2 Os instrumentos de coleta de dados Como já dito anteriormente, quatro instrumentos constituíram a estratégia para coleta de dados: análise documental, entrevistas, grupos focais com professores e observação das práticas pedagógicas. 99 De acordo com os objetivos desta pesquisa, os dois primeiros atenderam ao mesmo fim, identificar os princípios e concepções que norteiam o trabalho nos núcleos pesquisados. Por meio dos grupos focais buscou-se verificar quais os conhecimentos dos educadores acerca da literacia digital/informacional e como relacionam estes conhecimentos com as práticas pedagógicas que adotam. A observação teve por finalidade identificar quais as práticas pedagógicas são adotadas pelos educadores no desenvolvimento das atividades nos núcleos. Esse instrumento será melhor detalhado, oportunamente, e o roteiro utilizado se encontra nos apêndices. Durante a explanação referente aos resultados obtidos na coleta de dados também serão prestados maiores esclarecimentos sobre as características dos instrumentos utilizados. Para fins de proceder à análise documental tendo em vista obter a apuração dos dados pretendidos tomou-se como material o projeto constitutivo do Programa Plug Minas e os projetos pedagógicos de cada um dos núcleos pesquisados, perfazendo um total de quatro documentos. A elaboração dos projetos dos núcleos foi uma tarefa das instituições executoras que tiveram como diretrizes o projeto do Programa, mas também tiveram que considerar os recursos financeiros e humanos que dispunham, de acordo com os contratos de parcerias firmados. Outro instrumento que será abordado neste item é a entrevista semi-estruturada realizada com os três gestores dos núcleos pesquisados. Essa entrevista partiu “de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses” que constituíam interesse da pesquisa e que estão inscritos no roteiro elaborado que consta como Apêndice A deste trabalho. Afinal, esse tipo de instrumento é resultado “não só da teoria que alimenta a ação do investigador, mas também de toda a informação que ele já recolheu sobre o fenômeno social que interessa”. (TRIVIÑOS, 1987, p. 146) Sua aplicação foi agendada previamente e realizada pessoalmente pela 100 pesquisadora. A duração média do tempo de cada entrevista foi de 60 minutos, e os entrevistados, cujo sigilo dos nomes será preservado, permitiram a gravação em áudio das mesmas. A fim de facilitar o entendimento dos leitores o Gestor 1 referese ao responsável pela gestão do Núcleo 1, o Gestor 2 à do núcleo 2 e o Gestor 3 à do núcleo 3. A análise conjunta dos dados coletados por meio destes dois instrumentos justificase pela convergência de finalidades e de afinidade entre os temas obtidos. A análise de conteúdo definida como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações” cujos formatos podem ser inúmeros e também adaptáveis a um vasto campo de aplicação que são as comunicações foi a estratégia utilizada para a realização desta análise. (BARDIN, 1977, p.31) Nesta pesquisa qualitativa o que foi levado em conta é “a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem” e não a freqüência com que as mesmas aparecem. (BARDIN, 1977, p.21) Seguindo o percurso sugerido por Bardin (1977), as unidades de registro foram estabelecidas com base nas questões abordadas na entrevista, bem como na presença dessas questões nos documentos analisados. A partir dessas unidades de registro definiram-se categorias, ou seja, classificaram-se os diferentes elementos obtidos. Neste trabalho optou-se por expor essas unidades de registro e categorias no corpo do texto. Posteriormente à coleta de dados buscou-se compreender as comunicações auferidas em cada um dos instrumentos aplicados superando a visão dos significados mais aparentes, procurando vislumbrar o pano de fundo sob o qual estava cada uma dessas comunicações. (BARDIN, 1977) 101 As unidades de registro definidas foram o Programa Plug Minas como espaço de aprendizagem e a construção dos princípios e concepções que o norteiam. As categorias retiradas destas unidades seguem descritas e discutidas. 102 7 O PROGRAMA PLUG MINAS COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM Sem perder de vista que o universo delimitado para esta pesquisa está sendo estudado a partir da perspectiva de uma unidade de educação não-formal, mas que tem e deve assumir suas responsabilidades no campo educacional, a partir desse capítulo, tratar-se-á de proceder à análise dos dados resultantes do trabalho de campo. Esta análise foi dividida em três momentos: o primeiro a partir dos resultados obtidos na análise documental, nas entrevistas e na observação não-sistemática do espaço físico realizada durante as visitas para o trabalho de campo; o segundo, com base nos dados produzidos nos grupos focais realizados com os professores; e o terceiro, respaldado pelas observações das práticas pedagógicas. O produto final obtido está descrito a seguir. 7.1 Análise de dados - na análise documental, nas entrevistas e na observação não-sistemática do espaço O espaço físico e recursos materiais, a organização dos tempos e dos espaços de aprendizagem e o corpo docente implicam diretamente na construção de um espaço de aprendizagem. A seguir são discutidos os pontos positivos e negativos desse aspecto no Programa Plug Minas, mais especificamente nos núcleos pesquisados, a partir dos dados auferidos na análise de documentos, entrevistas e observação não sistemática durante o trabalho de campo nas instalações do Programa. 7.1.1 Estrutura física e instalações 103 Considera-se todo o espaço físico, a arquitetura e os recursos materiais disponibilizados no Plug Minas são constitutivos de significado e demonstram a pretensão de propiciar novas aprendizagens, mas para além disso, interações, trocas, construções e reconstruções de pensamentos, ideias e experiências. Nesse aspecto, as possibilidades de encontro entre membros de um mesmo núcleo e também de núcleos diferentes são bastante favoráveis pela própria arquitetura do local. O prédio de cada núcleo localiza-se sempre em frente e ao lado de outro núcleo; há área verde integrando estes prédios e também favorecendo a integração entre os indivíduos que os frequentam; não há cercas, portões ou obstáculos físicos que impeçam o contato visual ou físico entre a comunidade Plug. Há uma área central interna em cada prédio que dá acesso às portas das salas, laboratórios e banheiros, assim, esse encontro é facilitado. A existência de áreas comuns a toda a comunidade como o PLUG Rango (refeitório) e a PLUG House (lan house instalada no NPG) também pode traduzir-se como um estímulo a esse encontro. Ao adentrar cada prédio percebe-se continuidades e rupturas com essa proposta de encontro. Nos núcleos 1 e 2, a maioria das salas tem seu mobiliário organizado como em escolas tradicionais – carteiras enfileiradas. No núcleo 3 os espaços não apresentaram uma organização predeterminada durante o período de observação. Alunos e professores movimentam as cadeiras nas salas de acordo com a necessidade, agrupando-se em duplas ou trios em frente aos computadores, ou em círculos de discussão. Na recepção dos três núcleos estão distribuídos sofás que são utilizados pelos alunos especialmente quando chegam e nos intervalos. No núcleo 3, há alguns puffs cuja decoração foi feita por alunos que estão espalhados neste espaço e ampliam as possibilidades de trocas entre os indivíduos; em todo o espaço externo das salas deste núcleo também há caixotes e puffs de diferentes estilos que propiciam 104 ambientes que estimulam o livre diálogo; num canto da recepção também estão disponíveis esteiras que podem ser utilizadas pelos alunos e não-alunos do núcleo na área externa do prédio, sem prévio aviso. Nos prédios dos três núcleos pesquisados, os laboratórios de informática são equipados com computadores conectados à internet e estão disponíveis projetores multimídias. Como já mencionado um dos fatores que tem influência sobre o comportamento dos educandos é o meio físico que o cerca. (ELALI, 2003) Nesse âmbito, a organização espacial do núcleo 3 se apresenta mais aberta às possibilidades de trocas, ao diálogo e às novas construções; fato que nota-se ser intencional A gente tem muito medo das coisas que ficam instituídas. Então a gente faz algumas estratégias, as salas mudam de lugar, né. A webdesigner é ali e passa prá lá... (GESTOR DO NÚCLEO 3) Tendo em vista que “os sistemas de ensino como um todo, e os estabelecimentos de ensino como unidades sociais, são organismos vivos e dinâmicos” a rede de relações que ocorre entre seus diferentes elementos que de alguma forma provocam intervenção direta ou indireta exigem da sua gestão novas maneiras de organização. (LÜCK, 2011, p.38) A essas mudanças podemos relacionar desde as ligadas às questões estéticas, à estrutura curricular, aos tempos e espaços, às concepções e princípios que norteiam este sistema. Um ambiente propício à discussão, ao confronto de ideias, à liberdade de expressão e ao estímulo à criatividade é um terreno mais fértil para o cultivo de práticas autônomas e reflexivas e caminham na contramão da proposta positivista e ultrapassada de “hierarquização e verticalização” (LÜCK , 2011, p. 37) Nesse âmbito a gestão educacional assume caráter de suma importância da educação por sua visão e interferência numa dimensão globalizada. 105 7.1.2 Quanto aos tempos e espaços de aprendizagem Os diferentes cursos oferecidos pelos núcleos pesquisados têm distintos tempo de duração: 6 meses, 12 meses ou 18 meses. Nos três núcleos este tempo é distribuído em módulos e estes em disciplinas. Estas últimas se distribuem ao longo do período de uma semana, repetindo-se do início ao final do módulo. Em sua maioria, as disciplinas em cada núcleo pretendem articular a formação do participante nos cursos oferecidos. Destaca-se, neste âmbito, duas situações em dois núcleos distintos: no núcleo 2, os alunos participam de uma oficina semanal junto a estagiárias de psicologia onde discutem temas relacionados à faixa etária, a dificuldades no/do curso, e outros de interesse dos grupos; no núcleo 3 há um espaço semanal em que os alunos escolhem e integram grupos de gestão coletiva. A organização do tempo é bem semelhante à que ocorre na escola regular. Apesar disso, percebe-se uma maior flexibilidade destes tempos no núcleo 3. O lanche dos participantes neste núcleo, por exemplo, é servido no próprio prédio, o que evita, segundo o gestor, que alguma atividade seja interrompida quando está se apresentando produtiva e, ao mesmo tempo, sem deixar que o lanche deixe de ser oferecido. Um planejamento educacional não deve assumir um caráter limitador, mas sim libertário no qual a pessoa possa “desenvolver sua originalidade e sua responsabilidade individual e social”. Deve ser democrático e abrir possibilidades a inovações, num processo dinâmico. (MENEGOLLA e SANT’ANNA, 2008, p.27) O modelo das estruturas tradicionais de ensino que vigorou por séculos buscava seguir normas e padrões engessados, concebidos a partir da visão da necessidade de controle e que permitiam caminhar numa direção exclusiva. Essa estratégia tem 106 como pano de fundo a conformação da pessoa às estruturas sociais já estabelecidas. Este modelo não condiz com o anseio da formação de indivíduos protagonistas. Ao mesmo tempo, ainda é um desafio paradigmático para os atuais educadores e gestores superar esta estrutura tradicional que embasou a formação da maioria destes. Portanto, exige dos mesmos mais que uma mudança atitudinal, envolve uma reforma do pensamento. Lück (2011, p.23) destaca a complexidade dos problemas educacionais e a visão global e abrangente que a sua resolução exige. Isso demanda uma ação articulada, dinâmica e participativa. Assim desmistifica-se a relação de poder que o diretor assume na gestão escolar e caminha-se na construção de uma gestão democrática que envolva todos os atores que fazem parte do processo. 7.1.3 Quanto ao perfil dos professores O perfil dos professores é bastante distinto em cada núcleo. No Núcleo 2 os professores são os mais jovens e estão na faixa etária entre 20 e 25 anos, são estudantes de curso superior e foram contratados em regime de estágio com uma carga horária semanal de 30 horas. Devido à forma de contratação, o tempo máximo de permanência no núcleo é de 24 meses. No Núcleo 1 os professores são todos graduados e dispõem de uma experiência pedagógica externa ao projeto, em outra instituição vinculada à executora; o regime de contrato dos professores é CLT de acordo com as horas/aulas ministradas no núcleo. No Núcleo 3 os professores têm diferentes formações sendo alguns graduados, outros técnicos e alguns com formação em cursos livres; todos são contratados em regime CLT para dedicação às atividades docentes no projeto. 107 Durante a entrevista os gestores dos Núcleos 1 e 2 reforçaram a importância da formação acadêmica e profissional para a atuação como professor no núcleo O professor que trabalha aqui no núcleo tem que primeiramente ser graduado e tem a ver com a disciplina que ele vai lecionar, tem que ser graduado no mínimo, ele tem que ter uma experiência dentro da área em que ele vai lecionar e ele tem que passar pelo processo seletivo.... (GESTOR DO NÚCLEO 1) Como é uma área muito específica e muito técnica, se abrir para outras áreas não há como atender as ementas das disciplinas. Mas poderia ser um aluno do curso de ciência da computação na área da programação, ou do curso de produção multimídia, para a parte de animação e arte. (GESTOR DO NÚCLEO 2) Percebe-se que um dos critérios importante na contratação dos professores para atuarem nos três núcleos é em relação ao saber formalizado que acumularam ao longo do percurso acadêmico e/ou profissional. A valorização deste saber flui para a proposta de garantir a qualidade dos cursos oferecidos no programa. Por outro lado, a proposta de formação apresentada no documento constitutivo do Plug Minas amplia a concepção de uma formação técnica quando propõe uma formação para a autonomia e com senso de responsabilidade coletiva, que capacite para transformar a vida pessoal e o seu entorno. Esta característica confirma Freire (2002) com a visão de que o perfil de um professor deve extrapolar a formação acadêmica e a experiência profissional, especialmente quando a formação que se pretende oferecer ao educando está permeada de desafios como é o caso dos projetos que fazem parte das políticas públicas para a juventude brasileira, neste caso, o Plug Minas. O reconhecimento da exigência de saberes que ultrapassam o formalizado para o desenvolvimento dos trabalhos é apontado apenas no Núcleo 3 que destaca que os educadores “tem que ser artistas” além de saber trabalhar em equipe. (GESTOR NÚCLEO 3). O projeto pedagógico também destaca a criticidade como uma característica fundamental para um professor trabalhar no núcleo a fim de que 108 desenvolva “um olhar crítico em relação a métodos educativos que buscam simplesmente promover o individualismo e a ampliação da auto-estima” (PROJETO PEDAGÓGICO NÚCLEO 3). O projeto pedagógico dos três núcleos contempla tempo periódico para reuniões pedagógicas, cursos de aperfeiçoamento ou momento de trocas e partilhas entre os professores. Acredita-se que esse espaço pode contribuir para a formação dos professores e outros profissionais da instituição para o enfrentamento de demandas específicas de projetos de cunho social. A organização desses tempos e espaços compete à gestão do núcleo, mas pode ser deliberada junto aos outros atores envolvidos no processo a fim de que contribuam para o seu processo formativo no sentido da atuação no projeto social. Um espaço propício para esse fim no Núcleo 2, por exemplo, são as oficinas semanais que os professores participam junto à equipe de psicologia. Apesar disso, outros espaços e ações formativas de caráter informal podem ser criados como sugestão de textos para leitura, disseminação de experiências ocorridas no grupo ou externas, e estímulo à participação em diferentes instâncias e assuntos do núcleo. Carbonell (2002) defende que uma equipe docente sólida é um critério básico para promover a inovação. Pode ser atribuído o caráter de inovação às mudanças necessárias à formação dos indivíduos protagonistas. A partir dessa compreensão, as características de uma contratação em regime CLT seria mais compatível com a ideia de construir uma equipe estável. Neste caso, o Núcleo 2 apresenta maior fragilidade, já que seus professores são contratados em regime de estágio, o que limita obrigatoriamente o seu tempo de permanência no núcleo. Ao mesmo tempo, o tipo de regime de contratação de professores por si só não garante a manutenção de uma equipe de professores. Outros aspectos como as condições de trabalho oferecidas aos profissionais, o ambiente de convívio cultivado pelos gestores, a valorização docente que passa pela questão salarial também 109 influenciarão diretamente na permanência dessa equipe de profissionais. Assim, além de cuidar para que haja um processo de formação permanente dos profissionais docentes, é necessário valorar esses profissionais nas instituições. 7.1.4 Quanto aos princípios e concepções que orientam os projetos e o Programa A proposta de oportunidade de desenvolvimento integral, propiciando sua inserção econômica, cultural e política, numa formação ampla, com resultados no mundo da educação, do trabalho e da participação para o jovem ingresso nas atividades do Programa Plug Minas agrega alguns princípios e concepções que constituem sua matriz. Como esses princípios e concepções são ou não absorvidos na construção do projeto dos núcleos, seja por diferenças de interpretação ou mesmo por influência de questões que envolvem a origem das instituições executoras é o ponto discutido a seguir. 7.1.4.1 Protagonismo juvenil O principal norteador do Programa é a necessidade de oportunizar o desenvolvimento do protagonismo juvenil. Nesta etapa o foco da discussão se atém à conexão da concepção de protagonismo do Programa com a dos projetos pedagógicos do núcleo. No texto da proposta que norteia o Programa fica claro que o conceito de protagonismo está relacionado à conquista da autonomia juvenil que demanda 110 vivência em práticas cotidianas que propiciem oportunidades de diálogo e participação na solução de problemáticas reais como se lê Construção dialogada e colaborativa de estratégias para o tratamento de problemas complexos, organizados em torno de projetos ao mesmo tempo desafiadores e factíveis, e que valorizem o desenvolvimento transdisciplinar de competências cognitivas, afetivas e sócio-interacionais, através da participação guiada dos jovens em práticas que conduzam à sua crescente autonomia na formulação de projetos de vida, sendo este conjunto de práticas nossa versão do chamado protagonismo juvenil. (MINAS GERAIS, 2008) Acerca do protagonismo juvenil o gestor do Núcleo 3 defende que este se mede pelas ações espontâneas. Um exemplo dado por ele de situações criadas para que os jovens desenvolvam o protagonismo é a proposta de gestão coletiva do núcleo, que se concretiza por meio dos grupos de gestão. Para a realização deste trabalho é destinado um tempo semanal na grade curricular para reunião dos grupos: “Conselho Gestor, Gestão ambiental, Grupo de Comunicação, Gestão da Biblioteca, etc. A atuação dos jovens nesses grupos se dá de acordo com seus desejos e motivações pessoais”. (PROJETO PEDAGÓGICO DO NÚCLEO 3) O protagonismo juvenil para o gestor do Núcleo 1 está relacionado à autonomia do aluno “essa visão de protagonismo permeia todo o curso, né, porque o jovem tem que correr atrás de tudo que ele vai fazer, todos os desafios que são lançados, então ele vai ter que correr atrás...”. (GESTOR DO NÚCLEO 1) Esse ponto de vista pode ser relacionado ao principal objetivo do núcleo que é “a formação do aluno para exercer sua cidadania e autonomia, e não apenas formar um profissional que seja um mero executor de tarefas”. (PROJETO DO NÚCLEO 1) O texto do projeto pedagógico do núcleo 2 compreende a necessidade de contribuir para desenvolver o protagonismo nos jovens como equivalente a equipá-los com “conhecimentos que possam ser replicados em suas comunidades, amigos e meio social em que vive e, de alguma forma, modificar sua realidade ou visão da realidade vislumbrando horizontes mais amplos, alcançados, por parte dos próprios alunos”. 111 (PROJETO DO NÚCLEO 2). Na entrevista com o gestor do Núcleo 2, percebe-se que a visão de protagonismo está relacionada à autonomia para o crescimento pessoal. Não há acompanhamento dos egressos. Não se sabe como o jovem continua depois que sai. Sabe-se que em torno de 10% vai para o curso da PUC. Um deles foi fazer o curso na PUC e agora é professor no núcleo. Percebe-se que há um protagonismo, mas não há intenção, o jovem acaba buscando o caminho por conta própria. Há possibilidade de outra aluna fazer parte do quadro de professores.(GESTOR DO NÚCLO 2) Conforme descreveu-se anteriormente, um dos pontos norteadores do Programa é o protagonismo juvenil e que o conceito deste no Programa está conectado à conquista de autonomia pelo jovem principalmente em relação às questões que envolvem a sua própria vida, o seu cotidiano e a comunidade em que vive. As diretrizes pedagógicas devem dar suporte para que esse princípio se sustente. Cinco práticas servem como base para as diretrizes: o desenvolvimento de projetos, a resolução de problemas complexos, a transdisciplinaridade, o dialogismo didático e a aprendizagem colaborativa. A concepção dos Núcleos deve confluir para esse fim tendo como “via comum de acesso” os “domínios da cultura digital” (PLUG MINAS, p.5). Retomando o fragmento “através da participação guiada dos jovens” do texto do Programa Plug Minas que se refere ao conceito, percebe-se uma visão de que o protagonismo seria suscitado numa relação de dependência, direcionada, conduzida. (PLUG MINAS, 2008, p.5). Essa visão se alinha ao discurso de que é necessário um processo educativo do indivíduo a fim de que ele seja capaz de desempenhar a tarefa de responder às demandas apresentadas pelo presente expressadas pelas exigências deste tempo e os problemas que estão colocados. Nesse caso, o objetivo da educação seria “a satisfação das necessidades e a busca de soluções de problemas do presente”, 112 quando se atribui à realidade o caráter de “natural, inexorável e inquestionável” (SOUZA, 2008, p.148). Sob esse ponto de vista o conceito de protagonismo se encerraria numa estratégia de alienação do indivíduo. Resta salientar que o poder atual e sua educação ao longo de toda a vida guardam ainda mais uma diferença em relação à sociedade disciplinar: hoje em dia, o próprio indivíduo em atividade – ator social – encarrega-se de assumir a tarefa de alimentar e garantir o êxito do mecanismo de dominação. (...) Invocar o protagonismo juvenil equivale, portanto a motivar o jovem a comportar-se como o “principal ator” social, em outras palavras, como o principal agente de poder que o controla. Também equivale a dizer que o jovem protagonista é o principal responsável pela sua integração à sociedade, e que todos podem e devem ser protagonistas.” (SOUZA, 2008, p.148, grifos da autora) Seguindo essa mesma linha, o texto do projeto do Núcleo 1, que não traz o termo protagonismo, sugere que a formação que se pretende oferecer ao jovem matriculado no projeto prepare-o “para viver num futuro ‘em mutação’, no qual a capacidade de seleção de informações e a prospecção de oportunidades representarão o diferencial de sucesso” (PROJETO PEDAGÓGICO DO NÚCLEO 1). O gestor do núcleo reforça o pensamento de que o protagonismo significaria a responsabilização do indivíduo pelo seu próprio futuro no trecho em que fala que “o jovem tem que correr atrás de tudo que ele vai fazer”. (GESTOR DO NÚCLEO 1) No texto do projeto do núcleo 2 a visão de protagonismo juvenil está relacionada à possibilidade de replicação dos conhecimentos adquiridos pelos jovens ao longo do curso nas comunidades onde vivem e junto aos seus amigos sob o pressuposto de que assim possa provocar mudança em “sua realidade ou visão da realidade vislumbrando horizontes mais amplos” (PROJETO DO NÚCLEO 2). Esse pensamento remete ao entendimento de que a educação seria não apenas transformadora, mas libertadora que converge para o conceito de consciência crítica defendido por Freire (1979). Durante a entrevista, porém, o gestor do núcleo retoma a discussão da autonomia do jovem com o objetivo de atender a uma exigência do tempo presente demandada pelas novas relações Estado/sociedade e pelo mercado quando afirma que “o jovem acaba buscando o caminho por conta própria. Há 113 possibilidade de outra aluna fazer parte do quadro de professores.” (GESTOR DO NÚCLEO 2) Superar esse conceito requer conceber a educação como instrumento de subversão das relações de poder. Nesse sentido, significaria propiciar um ambiente de aprendizagem que permita construções autônomas que não pretendam responder às demandas do presente pura e simplesmente, mas que estejam instigadas por questionamentos pessoais revelados por um não conformismo, por uma negação de ajustamento. Nesse sentido, encontra-se no texto do projeto do núcleo 3, não vinculadas ao termo protagonismo que também está ausente no texto, algumas pistas quanto a este tipo de formação “Consideramos que uma escola [...] que almeja inserir seus educandos em novos circuitos sociais, deve promover uma educação crítica que estimule os jovens a desenvolver um olhar reflexivo sobre o mundo a partir da constante criação de novas representações sobre as múltiplas realidades em que estão inseridos. Para nós, os jovens devem ser instigados ainda a questionar uma certa concepção "oficial" de realidade na qual a potência humana é subestimada em razão de uma visão determinista e reducionista da vida.” (PROJETO PEDAGÓGICO NÚCLEO 3) O discurso do gestor do Núcleo 3 também reforça esta visão quando afirma que “a gente mede o protagonismo pelas ações espontâneas” não condicionadas ou dirigidas por uma outra pessoa. (GESTOR DO NÚCLEO 3) Diante dos dados e considerando um princípio norteador do Programa aponta-se a necessidade de rediscussão da concepção de protagonismo juvenil no escopo do programa a fim de buscar avançar no sentido das atuais discussões no campo acadêmico que demandam principalmente das mudanças de caráter político ocorridas na sociedade que evocam a participação social dos indivíduos. Essa tarefa pode ser realizada junto aos atores sociais que executam as atividades nos núcleos já caminhando para um alinhamento dessa concepção não só nos projetos, mas apropriada por todos os membros. 114 A recuperação de outros conceitos presentes nos textos, como educação e ensinoaprendizagem, foi utilizada a fim de buscar compreender como a concepção de protagonismo juvenil adotado no projeto do Programa relaciona-se aos mesmos, se há coerência nos discursos a fim que a visão se efetive no contexto real. 7.1.4.2 Educação e Ensino-aprendizagem As diversas tendências pedagógicas que marcaram o percurso da educação no Brasil influenciam os processos educativos contemporâneos considerando que alguns dos sujeitos que constituem esses processos têm como referência algumas dessas tendências, que tendem a estar ultrapassadas nos dias atuais. Além desta questão, há que se levar em conta que as demandas do tempo presente com todas as suas implicações num contexto global e que, ao mesmo tempo, é replicado num caráter regionalizado que assume diferentes apropriações também inferem na construção do campo educacional. A proposição de políticas públicas de caráter educacional, mas que, ao mesmo tempo, transcendem e se diferem da educação regular, se apresenta como uma característica do tempo no qual vivemos e que expressa a validação do processo de ensino-aprendizagem em espaços não escolares. Paralelamente, emerge a tarefa de reconstrução dos conceitos que permeiam o processo educativo perscrutando novas formas de produção do conhecimento que implicam pensar nas relações que se estabelecem, nos recursos disponíveis, na organização do ambiente educacional, enfim, nos diferentes fatores que alicerçam esse processo. A visão de educação que orienta o programa parte do pressuposto da “construção de conhecimentos ao mesmo tempo amplos e localmente relevantes, desenvolvimento de habilidades e repertórios sólidos” e tem como pretensão “oportunizar aprendizagens significativas e projetos de mudança pessoal e coletiva” 115 zelando “pela formação de pessoas crescentemente autônomas e solidárias”. (MINAS GERAIS, 2008, p.9) A educação como concebida no texto do projeto, ou seja, como campo para ampliação de conhecimentos, de pluralidade de saberes, caminha no mesmo sentido em que aumenta o volume de conhecimentos científicos e tecnológicos nos dias atuais. Essa expansão não caminha desvencilhada do cotidiano, precisa fazer sentido e ter aplicabilidade nas situações vivenciadas no dia-a-dia dos educandos. Conforme Dowbor (2006) os tempos na vida de uma pessoa não podem ser fragmentados. Para além das exigências que as novas tecnologias implicam a educação deve levar o indivíduo a assumir uma posição diante dos problemas e situações que são colocados diante de si e que foi despertada pela emergência do domínio de um saber democrático, que é muito mais experimental que teórico. Esse posicionamento político também está contemplado na concepção de educação do programa quando demonstra o anseio de uma formação para a autonomia e a transformação seja no âmbito pessoal ou coletivo. A concepção de educação que sustenta o projeto do Núcleo 1 está alicerçada nos quatro pilares da educação8: aprender a conhecer (adquirir os instrumentos da compreensão), aprender a fazer (para agir sobre o meio envolvente), aprender a viver juntos (envolve participação e cooperação com os outros em todas as atividades humanas e aprender a ser (autonomia para tomar decisões diante das situações). O centro da prática pedagógica deve ser o aluno, e o educador aquele que “alimenta e desenvolve as potencialidades do aluno, aquele que tem a sala de aula como espaço de investigação e reflexão; aquele que considera seu fazer 8 Os 4 pilares da educação são conceitos de fundamento da educação baseado no Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors, para a UNESCO. Este relatório constitui o quarto capítulo do livro: “Educação: um tesouro a descobrir”, publicado em 1999. 116 docente e as práticas pedagógicas que ocorrem na escola como objeto de reflexão”. (PROJETO DO NÚCLEO 1) As disciplinas que constituem o curso estão diretamente relacionadas à formação que se propõe, ou seja, formar empreendedores juvenis. Segundo a gestora do núcleo, este currículo não é inflexível. Alguns projetos são implementados de acordo com as necessidades percebidas no grupo, como foi o caso do projeto Etiqueta que surgiu na ocasião de uma atividade externa que é realizada com os alunos: o Café Empresarial. Esse projeto tem com objetivo orientar os alunos quanto ao vestuário, posturas e atitudes nas diferentes situações que serão cotidianas para um empreendedor, além de auxiliá-los na apropriação de locais pouco frequentados pelos participantes, como os aeroportos, por exemplo. Essas atividades se enquadram nas aprendizagens significativas descritas no conceito de educação do programa. Quanto ao conceito de educação que alicerça o projeto do Núcleo 2, este não está claramente definido no projeto pedagógico do núcleo nem o pôde ser durante a entrevista com o gestor, porém percebe-se no texto a permanente recorrência aos termos construção do saber e desenvolvimento de competências. O curso possui uma estrutura curricular dividida em dois módulos: Fundamentação e Produção. As disciplinas oferecidas em cada módulo são relacionadas à proposta de formação objetivada no núcleo com exceção, segundo o gestor do núcleo, das oficinas semanais que são conduzidas por estagiárias de psicologia, já citadas anteriormente. O projeto pedagógico do Núcleo 3 desperta para a visão de uma educação “crítica que estimule os jovens a desenvolver um olhar reflexivo sobre o mundo a partir da constante criação de novas representações sobre as múltiplas realidades em que estão inseridos” que contribua para o desenvolvimento de “um sujeito que seja autônomo, múltiplo, livre, criativo e emancipado”. (PROJETO DO NÚCLEO 3) 117 Algumas atividades citadas na grade curricular do curso do Núcleo 3 reafirmam o tipo de formação proposto, como a participação nos grupos de gestão que constitui a organização de grupos de alunos e professores para atuar na gestão compartilhada de algum dos setores da escola, como biblioteca, comunicação, ambiental, desenvolvimento de pesquisas, entre outros. Alguns pontos são convergentes na concepção de educação do Programa e de dois dos núcleos pesquisados (Núcleos 1 e 3): a atenção para o desenvolvimento da autonomia e a preocupação que essa autonomia seja articulada a uma capacidade de leitura do contexto em que vive, principalmente num plano global. Essas convergências apontam a familiaridade da concepção de educação na mesma linha de perspectiva do protagonismo, já citada anteriormente. Uma educação emancipadora que possa contribuir para que o indivíduo seja independente; e responsabilizadora, no sentido que determina atribuições automáticas ao indivíduo a partir da sua emancipação. A respeito do Núcleo 2, não foi possível verificar essa questão, tendo em vista a incipiência dos dados obtidos. Qualquer processo que se pretenda alcançar fins educativos supõe uma ação de mediação, um ato relacional. Visões contemporâneas sobre a Pedagogia compreendem diferentes relações possíveis nessa ação mediadora – aluno/objeto; aluno/professor; aluno/aluno – que apesar de distintas poderão alcançar resultados similares. Por este motivo, seguir-se-á discutindo a concepção de ensinoaprendizagem do programa, buscando relacionar esta concepção aos projetos de cada núcleo e com o cotidiano dos trabalhos nos mesmos. O texto do Programa descreve que o processo de ensino-aprendizagem deve ser baseado no diálogo, com a maior clareza possível nos modos possíveis de dizer e 118 fazer. Destaca que o ato de conhecer é uma atividade social de negociação e compartilhamento de entendimento e que o processo de aprendizagem é ao mesmo tempo individual e social. Sobre o processo ensino-aprendizagem o projeto pedagógico do Núcleo 1 destaca a ideia do educador como mediador do processo de conhecimento tendo “papel de orientar e facilitar o processo, criando condições para que o aluno vivencie os fatos, estabeleça conexões e possa construir, juntamente com os colegas o conhecimento”. (PROJETO DO NÚCLEO 1) De acordo com o gestor deste núcleo a premissa do trabalho é estabelecer uma ponte entre a teoria e a prática, e nesse aspecto o professor é fundamental. A proposta de um processo de ensino-aprendizagem calcado na práxis e por meio da troca de saberes produtiva e enriquecedora também é pontuada no projeto pedagógico do Núcleo 2. As mudanças que ocorreram na estrutura curricular do curso, ao final da primeira turma, que foram citadas pela gestora do núcleo, apontam para um alinhamento entre teoria e prática; e as duplas de trabalho para construção do jogo que é o produto final do curso, atividade que também é citada durante entrevista, reforça a ideia de aprendizagem colaborativa. Tendo o ensino da arte como fio condutor das atividades, a visão do processo de ensino-aprendizagem do Núcleo 3 descrita no projeto baseia-se na “prática do diálogo e da experimentação”. O texto aponta para a busca de uma “pedagogia que valoriza o trabalho coletivo e colaborativo e que incentiva os educandos a intervir de modo consistente nas mais diversas arenas públicas de debate” incentivando a formação de sujeitos autônomos, que tenham uma postura ativa e transformadora frente à vida. (PROJETO PEDAGÓGICO NÚCLEO 3) Segundo o gestor do núcleo, a fim de que esse processo se concretize o principal é incluir a equipe em todos os processos que são possíveis, assim, sem achar 119 que não tem hierarquia, tem hierarquia sim. Quando a gente fala em gestão coletiva a gente não tá falando em falta de hierarquia. Mas essa hierarquia muda. Tem hora que quem tá liderando o processo é o jovem, tem hora que é o educador, tem hora que sou eu que vou decidir. E vai de acordo com a competência e com a habilidade, de acordo com o que ta rolando. O que a gente vai tentando é dividir esferas de decisão. (GESTOR DO NÚCLEO 3) Diante das perspectivas da educação contemporânea que tem demandas próprias relacionadas ao intenso desenvolvimento tecnológico que atravessou a sociedade nas últimas décadas e do cenário político que se apresenta o processo ensinoaprendizagem deve estimular o educando a uma busca permanente pelo conhecimento, numa atitude pessoal e autônoma. As condições oferecidas devem ser favoráveis para que esse processo ocorra, criando espaços de tomada de discussão e de tomada de decisão, estimulando as trocas e as oportunidades de exposição de idéias. A concepção de ensino-aprendizagem proposta pelo Programa está direcionada nesse sentido e a ela estão alinhadas as propostas dos Núcleos 2 e 3. Em relação ao Núcleo 1, essa concepção precisa avançar para o sentido de refletir sobre a questão da construção autônoma que é favorecida pelas oportunidades práticas que são oferecidas ao educando no decorrer do processo. 7.1.5 Síntese das considerações propostas Mais do que uma tendência política, a gestão das políticas públicas contemporâneas demandam a participação cada vez maior de diferentes atores sociais, tendo em vista a complexidade que abarcam essas políticas. Nesse ponto, a proposta de gestão do Plug Minas, descentralizada da alçada estatal e compartilhada com outras instituições na responsabilidade financeira e de execução é inovadora. A participação de outros atores propicia uma leitura mais apurada da realidade posto 120 que impele à abertura ao diálogo e trocas para fins de estabelecimento das diretrizes para a implementação das políticas. No Plug Minas, porém, esse dialogismo está impedido pela excessiva autonomia que as instituições detém na execução do projeto e que tornam o trabalho individualista e, se visto no todo, fragmentado. Superar essa situação requer a intervenção das instâncias de planejamento, no caso do NPG, com ações que visem integrar os diferentes atores que atuam nos núcleos (gestores, professores, participantes, enfim, toda a comunidade envolvida nos trabalhos) como, por exemplo, a promoção de espaços para discussão e debate. Nesses espaços as concepções poderão ser discutidas e ponderadas buscando alinhar as diretrizes que orientarão os trabalhos desenvolvidos em cada núcleo. A definição clara desses conceitos contribuirá para que os resultados objetivados pelo projeto principal, do Plug Minas, sejam alcançados, independente dos percursos utilizados para isso. O Programa Plug Minas apresenta algumas convergências entre as concepções presente em sua proposta inicial e como elas foram interpretadas por algumas das instituições parceiras constituídas para a sua execução. Apesar disso, ainda há desencontros na leitura dessas concepções que podem estar relacionados aos formatos distintos que a proposta assumiu em cada núcleo e ao contexto originário das instituições parceiras que influenciam potencialmente nas leituras e no entendimento desses conceitos. O estímulo às trocas também possibilitará ampliar a visão dos envolvidos no processo de gestão/execução do projeto que invariavelmente provocarão mudanças no planejamento, de pensamento e de posturas que influenciarão de forma positiva na reflexão dos conceitos norteadores e no desenvolvimento das atividades. Ainda nesse sentido, a criação de novos núcleos deveria envolver os atores que atuam nos 121 núcleos já existentes a fim de estender aos calouros os avanços já alcançados nas discussões. Algumas questões como o caráter de contratação de professores dos núcleos, especificamente do Núcleo 2 que são admitidos como estagiários, o que influencia na solidez da equipe de professores e pode prejudicar a qualidade dos trabalhos desenvolvidos deve ser discutida e os contratos de parceria devem ser refletidos buscando alternativas para dirimir estas demandas. A inovação gestacional e conceitual de política pública para a juventude proposta pelo Programa Plug Minas representa um grande avanço no campo, porém algumas reflexões e alguns redirecionamentos são necessários para que melhores resultados. 7.2 Análise de dados - Grupos Focais Considerando que “a coleta de dados por meio do grupo focal tem como uma de suas maiores riquezas se basear na tendência humana de formar opiniões e atitudes de interação com outros indivíduos” a utilização deste instrumento pretendeu levantar as opiniões e pensamentos dos professores quanto à inclusão digital e a literacia digital/informacional e como e se relacionam suas metodologias e práticas pedagógicas com essas questões no desenvolvimento das atividades junto aos participantes do programa. (CARLINI-COTRIM, 1996, p.287). A técnica foi aplicada aos professores dos três núcleos investigados, em momentos distintos. Com cada grupo de professores a atividade durou em média 45min. e foi gravada com recurso de áudio. A proposta inicial era de oito participantes, mas em dois núcleos houve variação dessa quantidade – Núcleo 1 (sete) e Núcleo 3 (seis). Essa variação ocorreu no Núcleo 1 devido à dificuldade de reunir um maior grupo de 122 professores já que os mesmos têm carga horária diferente, de acordo com as disciplinas que trabalha no núcleo; e, no Núcleo 3, o motivo foi a transição pela qual a instituição estava passando na ocasião da pesquisa (curso livre para curso técnico) que resultou em mudanças no quadro de professores. O roteiro do grupo focal (Apêndice B deste trabalho) foi construído buscando conduzir a discussão por um percurso que primeiro procurou introduzir a questão da inclusão digital na perspectiva de cidadania conforme aborda esse trabalho, buscando verificar como os professores compreendem esse processo e a visão desse tipo de inclusão digital no Brasil. A seguir o objetivo era perceber se eles enxergam ou não o núcleo no qual trabalham como um espaço para a inclusão digital. Posteriormente instigou-se o debate sobre a necessidade de ser capaz de lidar com o volume cada vez mais crescente de informações resultado da conectividade, os benefícios, problemas e condições para o bom uso. A última questão teve como pretensão apurar se os professores consideram que as suas práticas pedagógicas podem contribuir para a capacitação dos educandos para lidar qualitativamente com esse volume de informações disponível. A análise dos dados obtidos, como na análise documental e entrevistas, também se deu com base na perspectiva de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). O procedimento de análise também será feito comparativamente entre um e outro (s) núcleo (s). As categorias definidas, bem como a análise correspondente a cada uma estão discutidas a seguir. 7.2.1 Inclusão Digital Como visto anteriormente, a retomada da discussão sobre inclusão digital está relacionada a uma mudança na realidade posta, que se justifica pelas mudanças 123 societárias que determinaram uma transição da posição social dos indivíduos na sociedade em que vivem. Nesse âmbito, o conceito de inclusão digital defendido neste trabalho extrapola a ideia de garantir acesso físico a um computador e a uma conexão de rede ou mesmo formar as pessoas com habilidade técnica para dominar estes equipamentos e recursos. No cenário atual, outras competências são exigidas da pessoa para que a sua inclusão digital seja realmente estabelecida. Essas competências referem-se à habilidade para fazer a busca e seleção de informações, capacidade de apropriação e transmissão dos conhecimentos. A partir desse conceito e das comunicações apuradas na aplicação da técnica do Grupo Focal a primeira unidade temática gerada foi em relação à visão que os professores dos núcleos têm a respeito de inclusão digital. A seguir a análise comparativa das falas nos diferentes núcleos. Figura 2 – Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 1 Figura 3 – Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 2 124 Figura 4 – Visão Docente sobre Inclusão Digital no Núcleo 3 Ao serem abordados quanto ao tema inclusão digital, os professores do Núcleo 1 imediatamente o relacionaram com os alunos que atendem e com o trabalho desenvolvido no núcleo no núcleo. As afirmações de que a inclusão digital é natural e que os alunos fazem parte da geração Y e Z 9 se interligam considerando que a denominação destas gerações corresponde ao que se chama de nativos virtuais. Parece haver uma contradição quanto a esse aspecto quando apontam que a inclusão digital é a base de todo o trabalho no núcleo. A relação estabelecida entre o tema e o curso oferecido indica o reconhecimento da necessidade do domínio das tecnologias digitais para o exercício da atividade que a formação proposta no núcleo oferece. Alguns pontos destacados pelos professores dos Núcleos 2 e, principalmente os do Núcleo 3 representam uma visão bastante otimista em relação à temática. Esse otimismo aparece vinculado a dois aspectos: ao conhecimento de estímulos governamentais para a facilitação do acesso aos equipamentos e à ideia de que há um domínio desses equipamentos dos recursos da rede propagado no país, principalmente nas áreas urbanas. As dificuldades apontadas também parecem se referir a este segundo aspecto, dificuldades de acesso e precariedade da rede em algumas localidades. 9 As gerações Y (20 a 29 anos) e Z (12 a 19 anos) também são chamadas gerações do milênio ou gerações da internet. 125 Nestas duas situações a perspectiva de inclusão digital é limitada a uma concepção que não considera as demandas contemporâneas que já foram apresentadas nesta pesquisa e leva a concluir que a visão dos professores acerca da temática proposta não contempla a necessidade de outras habilidades para o uso efetivo das TIC desprezando fatores sociais e políticos relevantes. As falas do grupo do Núcleo 1 podem traduzir uma certa ingenuidade de acreditar que o fato de nascer dentro de um determinado contexto sócio-temporal por si só garante o acesso e domínio dos bens socialmente criados nesse contexto. Conforme já foi discutido o processo de inclusão/exclusão é bastante dinâmico, e que o processo de mudança de condição de excluído para incluído de uma pessoa ou de um grupo é sempre permeado de conflitos. No Brasil esses conflitos são ainda intensificados pela desigualdade econômica e diversidade cultural. As divergências apresentadas nas falas dos professores do Núcleo 1 podem significar uma certa conscientização de que a inclusão digital é um processo em andamento no qual o trabalho desenvolvido no núcleo precisa contribuir tendo em vista que a capacitação para o uso eficiente das tecnologias digitais é uma exigência que o mercado faz ao profissional que nele deseje ingressar. No Núcleo 3 duas falas despertam para a importância da inclusão digital sendo uma em relação à produção de conhecimento e outra que pode ser relacionada à questão da cidadania. Esses apontamentos podem sugerir a existência de uma reflexão, mesmo que inicial, sobre a relação da temática com a questão da equidade no acesso aos bens culturais e sociais, mas a pouca densidade dos dados não permite afirmar isso. Diante da análise realizada não é possível compor uma opinião heterogênea acerca da inclusão digital entre núcleos distintos, nem mesmo entre os professores de um mesmo núcleo. As opiniões e o campo de visão dos professores e dos grupos 126 acerca do assunto são diversificados. A promoção de outros momentos para discussão dessa temática precisariam ser organizados para avançar e consolidar uma concepção mais assertiva quanto à opinião dos professores em relação aos aspetos que envolvem a inclusão digital na contemporaneidade. Ainda sob a perspectiva da inclusão digital, um aspecto marcante nas falas dos professores dos Núcleos 1 e 2 e que considerou-se importante destacar nesta análise foi quanto ao perfil dos alunos matriculados para participar das atividades nos projetos. Figura 5 – Visão Docente acerca do Perfil dos Jovens atendidos no Núcleo 1 127 Figura 6 – Visão Docente acerca do Perfil dos Jovens atendidos no Núcleo 2 No Núcleo 1, os professores alegam que a maioria dos alunos atendidos tem computador em casa e acessam a internet na própria residência ou em outros lugares, mas reconhecem que apesar disso, é perceptível uma defasagem dos mesmos quanto ao domínio das habilidades técnicas para lidar com esse equipamento e que o uso da rede está limitado à comunicação nas redes sociais. A vantagem do vínculo geracional com as tecnologias digitais que novamente é apontado numa fala entra em conflito com as dificuldades dos alunos frente ao domínio dessas tecnologias que grande parte do grupo de professores aponta.As comunicações deste núcleo permitem confirmar o entendimento dos professores quanto à inclusão digital como processo inacabado, com muitas arestas ainda. Quanto ao Núcleo 2, os professores demonstram convicção ao afirmar que o próprio caráter do curso oferecido já é um determinante para a seleção de alunos que dominem as tecnologias digitais. Considerando que a concepção de inclusão digital dos professores foi identificada anteriormente como uma visão limitada ao acesso e domínio dos equipamentos e do uso da rede, o perfil dos alunos deste núcleo definido por estes mesmos professores também tende a estar relacionada a esses aspectos. Nos dados obtidos na aplicação do Grupo Focal no Núcleo 3 questões quanto ao perfil dos alunos não foram discutidas e por este motivo não contemplam este item 128 da análise. Levando-se em conta que os projetos dos núcleos citados constituem um Programa que tem como um dos pontos de referência a aprendizagem em diversos campos por meio da cultura digital, é bastante relevante que se avalie em qual nível estão posicionados os ingressos nos projetos, mas que esta avaliação seja realizada já com base numa visão mais assertiva da concepção de inclusão digital. Essa iniciativa certamente contribuirá para que se alcance resultados mais satisfatórios de acordo com os objetivos previstos na concepção do programa. 7.2.2 Literacia digital/informacional A competência para lidar com o volume de informações disponibilizadas por meio das TICs estava presente em duas questões discutidas nos grupos focais. A primeira centrava nos problemas e benefícios ocasionados pelo crescimento veloz do volume de informações e as condições de bom uso das mesmas, e a segunda buscou apurar se está presente algum tipo de preocupação dos professores dos núcleos em contribuir com a formação dos alunos por meio das práticas pedagógicas que adotam. A esse respeito o aspecto que mais se destacou foi se o núcleo assume ou não a responsabilidade dessa formação; se assume, até que ponto; quais são as estratégias utilizadas; e se não assume, quem considera que deveria assumir. As apresentações a seguir buscaram contemplar essa questão. Figura 7 – Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no Núcleo 1 129 Figura 8 – Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no Núcleo 2 Figura 9 – Posição Docente quanto à Literacia Digital/Informacional no Núcleo 3 As maioria das ponderações dos professores dos Núcleos 1 e 3 levam a acreditar que as atividades desenvolvidas no núcleo contribuem de alguma forma, intencionalmente ou não, com a formação dos alunos quanto ao domínio das habilidades necessárias ao trato da informação. No resultado apurado no Núcleo 1 percebe-se que essas contribuições se situam no campo da busca e seleção da informação. No Núcleo 3 o argumento utilizado pelos professores é que o trabalho realizado para fins do desenvolvimento da criticidade, de um posicionamento político e de uma reflexão ética tendem a facilitar o processo de construção de tal habilidade pelos próprios alunos. Os professores destes dois núcleos não deixam claro se concordam que esse tipo de formação é uma atribuição deles ou mesmo que deveria estar incluída como 130 meta do projeto pedagógico. Ao mesmo tempo, admitem com naturalidade que as práticas pedagógicas que eles adotam geralmente remetem ao uso das habilidades necessárias para um bom uso da informação. A posição dos professores do Núcleo 2 é unânime na afirmação de que a responsabilidade de promover o desenvolvimento da competência informacional é da escola formal. A esta instituição atribui a responsabilidade desde a base inicial, de ensinar a operação do equipamento, estimular o uso da internet, e capacitar para a seleção e a leitura crítica das informações. Este trabalho apontou dados de pesquisas que demonstram para a ineficiência da escola em garantir aos educandos as aprendizagens mínimas necessárias nos conteúdos de leitura, escrita e matemática. (IBGE, 2012) (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2013) Diante desse cenário é inapropriado remeter exclusivamente à escola o papel de responsável por desenvolver competências mais complexas nos seus alunos. Ao mesmo tempo a instituição escolar não pode se eximir da sua qualidade natural de atender as demandas societárias de formação educacional dos indivíduos. Além do mais, propostas de políticas públicas que buscam superar os propósitos da educação formal, como é o caso do Programa Plug Minas inevitavelmente carregam em si uma promessa de atuar nos campos em que há brechas nos sistemas educativos. Dessa forma, decidirem se isentar do preenchimento de algumas dessas brechas, de acordo com o campo que se propõem atuar, é uma postura inadvertida e que deve ser revista pelos projetos que compõem o Programa. Considerando o espaço educativo, os recursos disponíveis e os princípios norteadores do Plug Minas a capacitação dos ingressos nos cursos para o desenvolvimento pessoal de habilidades relativas ao domínio das tecnologias digitais é uma expectativa natural. Isto pode ser o que justifica os resultados obtidos 131 nos grupos focais dos Núcleos 1 e 3, ou seja, o trabalho pretendido nos projetos do Programa, norteados pelo recurso da cultura digital são indissociáveis dessa responsabilidade, e consequentemente isso transparece nas práticas adotadas pelos professores destes núcleos. Diante desse conjunto de dados é possível inferir que há necessidade de reflexão, abertura de espaços para debates para repensar a posição do Programa e dos núcleos no quadro societário diante do contexto de mudanças tecnológicas, seguida da organização de ciclos de formação para a equipe docente e gestores, e de momento de re-planejamento das atividades desenvolvidas buscando, a partir de um trabalho que articule melhor os propósitos do programa com o cenário real, alcançar resultados que respondam mais efetivamente às expectativas de uma política pública no seu campo de atuação. 7.2.3 Síntese das considerações propostas neste item O trabalho docente, seja em ambiente de educação formal ou não-formal é sempre desafiado, pois esta tarefa envolve diferentes indivíduos que invariavelmente trazem suas subjetividades relacionadas às suas experiências, oportunidades de formação, ambiente de convivência política, entre muitas outras questões. As diferenças de perfil dos professores dos diferentes núcleos que compõem o Programa Plug Minas podem justificar algumas distinções nas concepções e no fazer pedagógico dos grupos que atuam em cada projeto. Uma marca dessas desigualdades também estão relacionadas ao pensamento gestacional de cada uma das instituições responsável pela execução do projeto, tendo em vista que falam de lugares diferentes (universidade, escola de formação técnica empresarial e organização não governamental. 132 Porém, como há uma unicidade de objetivos que regulam estas instituições, como é o caso dos projetos que constituem o Plug Minas é necessário que algumas concepções seja alinhadas, que sejam definidos os conteúdos imprescindíveis e os relevantes para o alcance dos resultados esperados. Nenhuma dessas condições priva os diversos membros de optarem por percursos diferentes. Importa saber que depois dessas definições esclarecidas segue um processo de apropriação que deve envolver toda a comunidade, todos os atores sociais que participarão na execução dos projetos. 7.3 Análise de dados – Observação das Práticas Pedagógicas Procedeu-se a uma observação estruturada e sistemática como instrumento para verificar quais são as práticas pedagógicas adotadas nos núcleos pesquisados. Um roteiro que encontra-se como apêndice C deste trabalho, foi utilizado a fim de buscar investigar o objeto em profundidade e com rigor científico que proporcionasse analisá-lo qualitativamente, evitando ao máximo impregná-lo da subjetividade da pesquisadora. Segundo Oliveira (2007), esse instrumento propicia “observar os atos em seu contexto” e permite categorizar os dados em relação aos objetivos e fundamentação teórica da pesquisa. Houve uma pequena variação do tempo de observação dos núcleos devido à organização das atividades que estavam previstas na grade curricular dos mesmos, sendo integralizadas 16 horas nos Núcleos 2 e 3 e 14 horas no Núcleo 1. A observação em todos os núcleos contemplou as atividades desenvolvidas por diferentes professores nas diversas disciplinas que são oferecidas no projeto que desenvolvem. Os professores e os alunos foram comunicados da presença da pesquisadora e dos 133 objetivos da pesquisa, e que os resultados obtidos lhes seriam informados em ocasião oportuna. Os professores consentiram a aplicação do instrumento, conscientes de que o objeto da observação era a sua prática pedagógica. O período de observação nos três núcleos variou entre os meses de junho e agosto do ano de 2012, sendo que em cada núcleo o tempo observado ocorreu em dias consecutivos e sem interrupção. Durante o trabalho de observação atentou-se para garantir um registro de frequência das observações relativas às atividades propostas e atitudes dos professores que estavam previstas no roteiro elaborado previamente, mas a prática da observação também revelou a necessidade de registro de ocorrências que não estavam previstas neste roteiro, especialmente em relação à resposta dos alunos em relação a essas atividades e propostas. A necessidade de ampliar o olhar para além da atividade docente, alcançando o comportamento discente confirma a dualidade do processo ensino-aprendizagem já mencionada nesta pesquisa e que Freire (2002) define como uma inevitável relação de coexistência entre docência e discência. A visão de que docência e discência se imbricam subsidiou a interpretação dos dados obtidos ainda com base na análise de conteúdo proposta por Bardin (1977) que não se limita à análise de falas, mas também a de comportamentos e atitudes. A partir daí, procedeu-se à criação de nuvens de tags que expressassem o conjunto dos dados coletados e a frequência apurada de cada um desses dados. A análise realizada está descrita a seguir. 7.3.1 Práticas pedagógicas e atitudes docentes x respostas dos discentes Tendo em vista que práticas pedagógicas neste trabalho compreendem a postura, 134 atitudes e comportamento do docente no ambiente educacional, especialmente em relação ao educando estimulando-o à reflexão e à participação discursiva, além da forma o tratamento que dá aos conteúdos e das atividades que propõe a fim de vencer as demandas do currículo formalizado, tomando como base o referencial teórico desta pesquisa e a partir dos dados auferidos durante a observação em cada núcleo, foi possível estabelecer algumas ponderações acerca do trabalho desenvolvido pelos professores dos núcleos pesquisados. Inicia-se discutindo os resultados apurados no Núcleo 1. O primeiro quadro corresponde às práticas e atitudes docentes e o segundo, às manifestações discentes. Figura 10 - Práticas e atitudes docentes do Núcleo 1 Figura 11 - Manifestações dos alunos do Núcleo 1 Nota-se que em relação às práticas e atitudes docentes no Núcleo 1 destacam-se com maior intensidade “aula expositiva” e “oportunidade de exposição de idéias”, sendo que a primeira refere-se a uma prática pedagógica comumente adotada nos estabelecimentos de ensino ainda nos dias de hoje, e pode ser considerada uma permanência da tendência tradicional. É importante lembrar que a disposição do mobiliário neste núcleo, já abordada no item 7.1 deste trabalho, tende a reforçar um predomínio das características desta tendência. 135 Contraditoriamente, a atitude destacada “oportunidade de exposição de idéias” aponta para uma transição no sentido que admite a participação do educando no processo e rompendo com o caráter limitador desta tendência que concentra-se na posição do professor como transmissor de conhecimentos. Outras ocorrências que reforçam esse rompimento é a “interação com os alunos” e a proposição de “atividades em grupo”. Em relação ao estímulo ao protagonismo, destaca-se duas práticas apuradas no núcleo: “contextualização social do conteúdo” e “oferta de oportunidades extracurso”. A primeira corresponde à busca de aproximação do conteúdo com a realidade do aluno, que contribui para que este seja capaz de refletir e inferir mais assertivamente sobre o mundo que o cerca. A segunda relaciona-se com o estímulo ao aluno para a ampliação da sua capacitação e o seu ingresso no mercado de trabalho e reafirma a concepção de protagonismo que norteia o projeto do núcleo de que o indivíduo como responsável pelo seu futuro deve buscar o próprio espaço, enquadrando-se aos padrões sociais existentes. Do quadro 3, que representa as manifestações dos alunos, pode-se associar a “participação espontânea” e a interação com os colegas que aparecem com maior frequência às seguintes práticas e posturas dos professores consecutivamente: “oportunidade de exposição de idéias” e “trabalho em grupo”. Tal relação confirma a ideia de que as práticas adotadas pelo professor despertam atitudes dos alunos em resposta às mesmas. As iniciativas de divisão de tarefas, de organização do trabalho de levantar questionamentos e executar atividades com autonomia podem significar que estas são características próprias do público jovem atendido no Programa, o que se respalda pela ideia de que estas características variam de acordo com as sociedades e os fatores que a permeiam como a cultura, a etnia, a classe social, entre outros. (UNESCO, 2004) Apesar de não se relacionarem diretamente com as 136 práticas pedagógicas adotadas pelos professores do núcleo no período da investigação, algumas dessas características percebidas nos alunos convergem com as mesmas já citadas como necessárias ao convívio na sociedade da informação, como autonomia e criticidade. Durante o período de investigação não foi percebida nenhuma prática que demonstrasse preocupação direta com o desenvolvimento da literacia informacional/digital dos alunos atendidos no núcleo. Os quadros a seguir descrevem as evidências auferidas no Núcleo 2. Figura 12 - Práticas e atitudes docentes do Núcleo 2 Figura 13 - Manifestações dos alunos do Núcleo 2 Em relação às práticas pedagógicas adotadas no Núcleo 2, também se apresenta com maior frequência a “aula expositiva”. Um ponto a se destacar é a ocorrência na mesma freqüência da “oportunidade de exposição de idéias” e “interlocução restrita com os alunos”. Esses dados apontam um predomínio da tendência pedagógica tradicional no desenvolvimento dos trabalhos junto aos alunos no núcleo, além de uma maior dificuldade de uns professores em relação aos outros de superar as experiências vivenciadas na própria formação. Desperta a atenção o fato de que os professores deste núcleo são os de faixa etária 137 mais baixa e que seria natural que a formação dos mesmos estivesse mais distanciada de tendências pedagógicas mais tradicionais. A afirmativa do parágrafo anterior encontra reforço quando se apura os dados referente ao relacionamento professor-aluno e detecta-se a baixa frequência de interação nesta relação. Neste núcleo, as respostas dadas pelos alunos contradizem as práticas e as atitudes dos professores e reafirmam a emergência de um perfil participativo e questionador dos educandos. O caráter que os alunos assumem propositivo de mudanças vem ao encontro do pensamento de que impõem resistência natural ao opressor o que no pensamento de Freire (1987) contribui para a mudança de posição dos professores que ainda não conseguiram uma transição de paradigma, que os impulsione a se distanciar da própria experiência docente. Estas respostas dos alunos também querem dizer da possibilidade de eclosão de um protagonismo autônomo, que nasce do interior do indivíduo e que pode estar relacionado a experiências e oportunidades que ele teve em outras ocasiões. Em contra partida há uma resistência natural dos educandos em assumir o lócus de oprimido vivendo a experiência de um paradigma ultrapassado para si mesmo e essa resistência contribui para a libertação dos docentes como afirma Freire (1987, p.24) que “somente os oprimidos, libertando-se, podem libertar os opressores”. A ocorrência de demonstração de desinteresse por parte dos alunos em alguns momentos durante a investigação podem traduzir comodismo ou alienação diante da própria condição de opressão. Destaca-se nas práticas pedagógicas deste núcleo a atitude de alguns professores em compartilhar informações sobre o uso da internet e a resposta dos alunos no mesmo sentido. Espontâneo ou não esse comportamento reflete a ideia de Freire 138 (2002) de que o trabalho profissional do professor é capaz de significar o conhecimento pelo exemplo e que, dessa forma, ele media as possibilidades de produção desse mesmo conhecimento, e certamente coopera para o avanço no nível de literacia dos educandos desse núcleo. A seguir apresentam-se os dados levantados a respeito das práticas pedagógicas e atitudes dos professores no Núcleo 3. Figura 14 - Práticas e atitudes docentes do Núcleo 3 Figura 15 – Manifestações dos alunos do Núcleo 3 O atendimento individualizado destaca-se como uma prática deste núcleo, fato que pode ser justificado pelo fato de que os grupos são compostos por um máximo de 20 alunos que são atendidos por uma dupla de professores na maioria das atividades desenvolvidas. Essa organização também justifica a frequência da “cooperação entre professores” no Quadro 6. Essas e as demais práticas pedagógicas adotadas no núcleo 3 demonstram uma superação de concepções e modelos de educação tradicionais e constituem mudanças relevantes para a construção de práticas inovadoras como cita Carbonell (2002). Elas indicam o despontar de uma práxis libertadora que não se submete a 139 um discurso opressor e que estimula o educando a descobrir sua condição de oprimido nas relações que estabelece em outros ambientes como na escola formal que frequenta. Esse processo, conforme Freire (2002) adverte tende a contribuir para o processo de libertação desse educando. A oportunização de exposição de idéias e a valorização das produções também tiveram freqüência significativa nos resultados deste núcleo e estes dados confluem com algumas manifestações dos alunos apresentadas no Quadro 7, como: a participação espontânea, a interação com o professor, a iniciativa de compartilhar as próprias produções e opinar sobre as produções dos colegas. Algumas destas manifestações e outras como a execução de atividade com autonomia e a posição de questionamento configuram critérios, como já mencionado, para o exercício do protagonismo social. A cooperação com os colegas aponta para o desenvolvimento de um protagonismo que supera o individualismo, sugerindo o cultivo de atitude de coletividade. Quanto à preocupação com o desenvolvimento do nível de literacia dos alunos, o tratamento de estímulo dado ao uso das redes e da internet aparece com pequena frequência, mas há uma resposta clara dos alunos quanto a esse aspecto quando usam as redes espontaneamente para comunicar eventos organizados por eles mesmos, ou para solicitar informações que deseja ao professor, ou mesmo para buscar informações para a realização de trabalhos que estão desenvolvendo, casos que foram registrados durante a investigação. A percepção de maior ocorrência dos alunos desse núcleo em relação ao uso das redes sociais também justifica-se porque não há nenhuma restrição quanto ao uso destas pelos professores durante o desenvolvimento das atividades e também porque a maioria das atividades desenvolvidas neste núcleo estavam vinculadas ao uso de computadores. 140 7.3.2 Síntese das considerações deste item As práticas pedagógicas adotadas nos núcleos 1 e 2 preservam características de tendência educacional tradicional. Apesar disso, as respostas dos alunos demonstram uma resistência espontânea aos modelos de educação ultrapassados, com o qual o próprio perfil apresentado pelos jovens atendidos no programa não se identificam. No Núcleo 3 elas demonstram ser mais inovadoras e não estar mais vinculadas aos modelos tradicionais. Algumas práticas pedagógicas podem ser apontadas nos resultados auferidos nos Núcleos 1 e 2 que tendem a estimular o protagonismo, mas é impreciso dizer que elas são intencionais. Especificamente no Núcleo 1, nota-se um incentivo à autopromoção, e inserção no mercado de trabalho, denotando uma visão limitada da concepção de protagonismo. Apesar disso, nos dois núcleos a resposta dos alunos às práticas levam a refletir sobre a possibilidade de que as características que elas revelam estão relacionadas a um perfil dos jovens atendidos pelos núcleos. No Núcleo 2, no qual há um maior número dessas características também pode se considerar o fato de estar ocorrendo um processo autônomo do desenvolvimento do protagonismo que pode ser atribuído à possibilidade de experiências e oportunidades anteriores por parte deste grupo, ou de alguns integrantes dele. No Núcleo 3 as práticas pedagógicas adotadas corroboram para um avanço do protagonismo num âmbito mais coletivo, despertando para a autonomia, mas também para a cooperação. No aspecto preocupação com o nível de literacia digital/informacional, algumas características já destacadas anteriormente em relação aos alunos dos núcleos 1 e 2 por si só convergem com os critérios exigidos para a convivência na sociedade da informação. No Núcleo 2, a prática dos professores de compartilhar informações sobre o uso da internet tende a contribuir para o avanço dos alunos nesse 141 processo. No Núcleo 3 o estímulo ao uso das redes sociais, é pouco frequente, mas a liberdade de uso das mesmas que é dada pelos professores durante a execução das atividades pode explicar ações espontâneas dos alunos nesse sentido. 142 CONSIDERAÇÕES FINAIS Foram dois os fios condutores que direcionaram esta pesquisa. O primeiro que trata do atual cenário político que convoca a participação dos indivíduos nos processos decisórios responsabilizando-o pelos rumos sociais que incorrerão das suas decisões. O segundo que corresponde ao importante espaço conquistado pelas TIC nas últimas décadas como meio efetivo de circulação das informações socialmente relevantes, a velocidade do trânsito dessas informações, o grande volume das mesmas, e a percepção de que são fundamentais algumas habilidades para o uso efetivo das TIC. A consciência da importância de alertar para alguns enfrentamentos que permeiam essas duas questões quando a relacionamos ao Brasil, um país no qual as brechas sociais são tão notadas não apenas em relação à desigualdade econômica, mas, como foi citado, especificamente neste caso em relação à qualidade da educação, levou a ampliar o conceito de inclusão digital buscando atentar para outros requisitos necessários ao uso e domínio dos equipamentos e recursos tecnológicosinformacionais a fim de que essa inclusão se efetive realmente. A tentativa de construção do conceito de i-protagonismo também significou um esforço no sentido de despertar para a unicidade já existente entre a questão da convocação à participação social e a emergência da sociedade da informação na qual as TIC operam como instrumento principal o seu surgimento. Trazer à pauta de discussão a relevância das práticas pedagógicas para a formação de indivíduos capazes de atuarem diante dos desafios apresentados não foi uma tarefa fácil considerando que a escola não tem correspondido nem às expectativas 143 primeiras quanto à sua função básica, menos ainda não assumiu a sua posição de mediadora da relação entre os seus educandos e os avanços tecnológicos, demonstrando inclusive uma certa resistência quanto às mudanças inevitáveis que precisam ocorrer nos seus processos administrativos, culturais e pedagógicos. Essa fragilidade da instituição escolar impôs refletir e buscar novos caminhos para que os processos que se desenvolvem num contexto educativo possam contribuir de fato para o desenvolvimento de tantas habilidades requisitadas dos indivíduos para um efetivo convívio e participação na sociedade contemporânea que já citouse. Em se tratando dos resultados apurados na pesquisa de campo e analisados à luz das construções teóricas que subsidiaram este trabalho que teve como universo delimitado o Programa Plug Minas, estes se inscrevem em três áreas: gestão, formulação de concepções e atuação docente. A respeito da gestão dois aspectos devem ser pontuados: o político e o da gestão escolar. Partindo do aspecto político, o panorama que se tem apresentado com ações de parceria entre o Estado e a sociedade civil na implementação e gestão das políticas públicas do qual o Programa investigado é um exemplo, os resultados auferidos apontam que há uma isenção na responsabilidade estatal em relação à execução do programa que irrompe numa autonomia excessiva e desregulada dos parceiros da sociedade civil provocando que se perda de vista as concepções e objetivos que alicerçaram a criação de tais iniciativas. Reconhecer que este movimento democrático que tem emergido no seio da sociedade é um processo lícito, fruto de lutas sociais que atravessaram décadas, é inevitável. Por outro lado, não se pode desconsiderar o fato de que, como um processo que se encontra na fase embrionária é necessário estabelecer metas mais bem definidas para que ele ocorra de maneira segura e gradativa. Isso requer refletir 144 sobre as capacidades dos diferentes atores envolvidos no processo, delimitar claramente as responsabilidades de cada um, estabelecer uma agenda com momentos para a disseminação de informações quanto aos fatores geradores e objetivos da proposta, e prever espaços formativos e de avaliação e revisão do percurso. A falta de previsão dessas etapas no processo de implementação gestão de políticas públicas e a desresponsabilização estatal tendem a gestar um processo democrático perverso, que invariavelmente ocasionará o desperdício de recursos humanos e financeiros e de prolongamento do tempo para dar respostas às demandas emergentes. A gestão escolar diz respeito ao gerenciamento dos ambientes educacionais em que ocorrem a execução das políticas públicas, no caso do Programa investigado, à gestão dos núcleos. Os dados testemunham que há uma desarticulação das concepções que orientam o Programa e os projetos dos núcleos que o constituem. Essa desarticulação pode estar relacionada a um processo de desinformação ou falta de entendimento (quando não houve uma orientação adequada desde o início da construção do projeto ou mesmo mudança dos indivíduos responsáveis pela execução), ou mesmo estar associada à capacidade ou limitação dos gestores/instituições em conduzir o projeto. No caso do Plug Minas, a gestão compartilhada é um desafio que deve ser discutido e avaliado em conjunto (Estado, OSCIP Sergio Magnani e outros parceiros da sociedade civil) a fim de refletir sobre os moldes do modelo proposto à gestão do Programa e redefinir papéis e responsabilidades de acordo com as capacidades de cada envolvido. Diante disso, a proposta de gestão compartilhada deve chegar até a instância de desenvolvimento do projeto, como já ocorre de certa forma num dos núcleos pesquisados. 145 Dessa forma, o processo formativo necessário ao efetivo exercício democrático estará sendo replicado dentro dos próprios núcleos, em nível diferente, mas que subentende-se estar mais de acordo com a capacidade dos atores envolvidos. A respeito da formulação de concepções que norteiam o Programa investigado, o processo é parcialmente desconhecido. Os documentos oficiais do Plug Minas não deixam claro se houve a participação de outros atores que não os representantes estatais. Quanto à formulação no interior dos núcleos, elas são fruto de ideias dos gestores e/ou das instituições à qual pertencem que tiveram caráter propositivo para o projeto do núcleo. Confere-se a estes diferentes percursos e campos de visão para a elaboração das concepções que deveriam regular as ações no Plug Minas e nos núcleos que o constituem a falta de sintonia que há entre algumas destas se consideradas do Programa para os núcleos ou mesmo de um núcleo para outro. Entende-se que a formulação de concepções que norteiam os Programas criados em resposta a políticas públicas estas devem ter em vista a superação das realidades postas. Serão ricos contribuintes para este trabalho, além dos representantes estatais, líderes comunitários, gestores escolares, professores universitários, e tantos outros quantos forem possíveis, buscando garantir a vocalização do maior número de indivíduos a fim de que se possa atingir uma visão mais aproximada da que corresponde à expectativa da comunidade. A reformulação das concepções deve estar prevista na agenda de implementação e gestão de políticas públicas tendo em vista que as sociedades se modificam, bem como mudam os indivíduos que a compõem, seus valores, cultura, e tudo o que a envolve. As práticas pedagógicas adotadas no Plug Minas estão submetidas ora às concepções que norteiam o projeto de cada núcleo, com influências dos 146 pensamentos institucionais dos parceiros que o executam, ora estão submetidas às limitações pessoais de um ou mais professores ou de um grupo de professores. Sob o primeiro desses aspectos acima citados ainda detectam-se outros problemas como a falta de conhecimento da equipe docente quanto às concepções já existentes, e a ausência da participação dos professores no processo de formulação e/ou revisão dessas concepções. A questão das limitações pessoais, como já citado neste trabalho, tem a ver com a necessidade de superação de experiências da sua própria formação, de reconhecimento da sua condição de oprimido e opressor, enfim, de mudança de posição. No universo pesquisado, mais precisamente em dois dos núcleos investigados, as práticas pedagógicas oscilam entre uma tendência educacional tradicional e o desafio imposto, demonstrado pelas respostas dos próprios educandos, para a busca de uma pedagogia inovadora. Em um dos núcleos já é perceptível a mudança nesse sentido. A visão limitada de inclusão digital e do papel do Programa quanto à sua importante contribuição no desenvolvimento da literacia digital/informacional dos alunos que atendem limita a qualidade das ações desenvolvidas. Em contrapartida, o ambiente, a organização dos tempos e dos espaços, os equipamentos e recursos disponíveis e o próprio clima institucional que desde o portão de ingresso dos alunos remete-o à cultura digital constituem potencialidades naturais para que o atendimento dos alunos em relação à sua formação para atuação numa sociedade na qual o domínio das TIC é condição essencial. Em relação à atuação docente nos programas que pretendem responder às demandas sociais especificamente no campo da cultura digital como é o caso do pesquisado neste trabalho destaca-se as seguintes questões como imprescindíveis: 147 a concepção de inclusão digital ampliada para o desenvolvimento da literacia digital/informacional deve ser considerada na elaboração do currículo e no planejamento das atividades cotidianas, e a perspectiva de formação de indivíduos iprotagonistas habilitados para atuar na sociedade da informação deve permear todas as práticas pedagógicas adotadas. Reforça-se a necessidade de reflexão e, se necessário, redirecionamento das ações que visam incluir digitalmente, ou que estejam de alguma forma relacionadas à cultura digital, a fim de que estas alcancem os devidos fins aos quais se propõe e obtenham sucesso no sentido de dar respostas às demandas que se apresentam, que não são estáticas, mas se modificam de acordo com o ritmo que as sociedades caminham e criam novos bens sociais. Uma expectativa é que os resultados desta pesquisa impulsionem outros trabalhos no campo das políticas públicas que envolvam as TIC no qual se sugere um estudo sobre a questão da implementação de políticas públicas em parceria Estado/Sociedade Civil especificamente no âmbito da formulação das concepções que irão nortear o programa a ser implementado. 148 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Portugal/Lisboa: Edições 70, 1977. BARROS, Susane et.al. Digitalizando a inclusão social (o caso do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia). In: JAMBEIRO, Othon; SILVA, Helena P.da; BORGES, Jussara. (Orgs). Cidades contemporâneas e políticas de informação e comunicações. Salvador: Editora da UFBA, 2007, p.191-218 BEHRENS, Marilda A. A prática pedagógica e o desafio do paradigma emergente. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.80, n.196, p.383-403, set./dez.1999. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. 292 p. ______. Estado brasileiro: território. 2010. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/sobre/o-brasil/estado-brasileiro/territorio> Acesso em: 04 de out. 2012. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Congresso Nacional, 1996. ______. Lei de Acesso à Informação n.12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n. 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2011. ______. Ministério da Educação. Lei n. 4.024, de 20 de Dezembro de 1961. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Presidência da República, 1961. ______. Ministério da Ciência e Tecnologia. Sociedade da informação no Brasil: Livro Verde. Brasília: MCT, 2000. 149 ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio. Brasília: MEC, 1997. BRASIL/MDS. Ministério do Desenvolvimento Social. Gestão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil no SUAS. Brasília: MDS, 2010. BUZATO, Marcelo El K. Inclusão digital como invenção do quotidiano: um estudo de caso. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.13, n.38, p.325-342, maio/ago.2008. CARBONELL, Jaume. A aventura de inovar: a mudança na escola. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002. CARDOSO, Gustavo. Sociedades em Transição para a Sociedade em Rede. In: CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo. (Orgs). A sociedade em rede: do conhecimento à acção política. Portugal: Imprensa nacional – Casa da Moeda, 2006. p.17-30. CARLINI-COTRIM, Beatriz. Potencialidades da técnica qualitativa grupo focal em investigações sobre abuso de substâncias. Rev. Saúde Pública, São Paulo, n. 30, p. 285-93, 1996 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: do conhecimento à política. In: CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo. (Orgs). A sociedade em rede: do conhecimento à acção política. Portugal: Imprensa nacional – Casa da Moeda, 2006. p.17-30. COSTA, Antônio C. Protagonismo Juvenil: O que é e como praticá-lo. 2007. Disponível em: <http://protagonismojuvenil.blogspot.com/2007/06/protagonismo-juvenil-o-que-ecomo.html>. Acesso em: 16 set.2012 COSTA, Antônio Carlos Gomes da. O Adolescente como Protagonista. Cadernos, juventude, saúde e desenvolvimento, Brasília, v.1, p.75-79, ago.1999 COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre cidadania e modernidade. Revista Ágora: Políticas Públicas e Serviço Social, Rio de Janeiro, ano 2, n. 3, dez. 2005 DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? In: MATO, Daniel (coord.). Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, 2004. p. 95-110. 150 DIEGUES, Geraldo César. A Construção da Participação Social na Gestão das Políticas Públicas: O Protagonismo do Governo Local no Brasil. APGS, Viçosa, v. 4, n. 4, p. 365-380, out/dez. 2012 DOWBOR, Ladislau. Educação e Desenvolvimento Local. 2006. Disponível em <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ve d=0CFEQFjAA&url=http%3A%2F%2Fdowbor.org%2F06edulocalb.doc&ei=bLLGT_H LLIro9ATcqJSfBg&usg=AFQjCNH5MNtXgtkEh7_4JwZW_FLH88hESA> Acesso em: 15 fev.2012 ELALI, Gleice Azambuja. O ambiente da escola - o ambiente na escola: uma discussão sobre a relação escola-natureza em educação infantil. Estud. psicol., Natal, v. 8, n. 2, ago. 2003. FERREIRA, S. M. S. P.; DUDZIAK, E. A. La alfabetización informacional para la ciudadanía en America Latina: el punto de vista del usuario final de programas nacionales de información y/o inclusión digital. In: WORLD LIBRARY AND INFORMATION CONGRESS: IFLA general conference and council, 70., 2004, Buenos Aires, Argentina: Anales... IFLA, 2004. FERRETTI, Celso J., ZIBAS, Dagmar M. L., TARTUCE, Gisela Lobo B. P. Protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do Ensino Médio. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 122, p. 411-423, maio/ago. 2004. FISCHER, Tânia. Gestão do Desenvolvimento e Poderes Locais. Salvador: Casa da Qualidade, 2002. FGV. Mapa da Inclusão Digital. Rio de Janeiro, FGV, CPS, 2012 FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 54p. ______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Ed.Paz e Terra, 1987. 17 ed. FONSECA FILHO, Cléuzio. História da computação: O Caminho do Pensamento e da Tecnologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007 GADOTTI, Moacir. Perspectivas Atuais da Educação. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.14, n. 2, abr/jun. 2000 GIL, Antonio C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. 151 GUZZI, Drica. Web e Participação: a democracia no século XXI. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010. GOHN, Maria da Gloria. Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 7. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007 IBGE. Atlas do Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2013 ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011. Rio de Janeiro. 2012. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/000000101357092 12012572220530659.pdf> Acesso em 06 de mar. 2013. INEP. Saeb/Prova Brasil 2011: primeiros resultados. 2012. Disponível em <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/prova_brasil_saeb/resultados/2012/S aeb_2011_primeiros_resultados_site_Inep.pdf> Acesso em 13 de fev.2013 LEMOS, André. Cibercultura e Mobilidade: a Era da Conexão.In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 28., 2005. Rio de Janeiro. Anais... São Paulo: Intercom, 2005. ______. Cibercultura: alguns pontos para compreender a nossa época. LEMOS, André; CUNHA, Paulo (Orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 11-23. LÜCK, Heloísa. Concepções e processos democráticos de gestão educacional. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. ______, Heloísa. A evolução da Gestão Educacional, a partir da mudança paradigmática. Revista Gestão em Rede, São Paulo, n. 03, p. 13-18, nov. 1997 MARSHALL, T. H. Cidadania classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. Petrópolis: Ed.Vozes, 2003. MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus, 2007. MENEGOLLA, Maximiliano. SANT’ANNA, Ilza Martins. Por que planejar? Como planejar?. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008 MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves. Gestão de políticas públicas:estratégias para construção de uma agenda. In: CONGRESSO NACIONAL DE RECRACIÓN 152 COLDEPORTES/FUNILIBRE, 9., 2006, Bogotá. Anais... Bogotá, D.C., Colômbia: Fundación Colombiana de Tiempo Libre y Recreación – FUNLIBRE, 2006. MILLWARDBROWN. BrandZ Top 100. 2013. Disponível em <http://www.millwardbrown.com/BrandZ/default.aspx> Acesso em: 03 de jun.2013 MINAS GERAIS. Plug In Minas: Diretrizes Pedagógicas. Belo Horizonte, Governo de Minas Gerais, 2008. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 19. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. MINISTÉRIO DA EDUCAÇAO E DO DESPORTO. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. NÚCLEO EMPREENDEDORISMO JUVENIL. Projeto Pedagógico. Belo Horizonte, 2007. NÚCLEO INOVE JOGOS DIGITAIS. Projeto Pedagógico. Belo Horizonte, 2008. NÚCLEO OI KABUM!. Projeto político-pedagógico. Belo Horizonte, 2007. OLIVEIRA, Maria M. de. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis:Vozes, 2007. 173 p. PAULA, Juarez de. Territórios, redes e desenvolvimento. 2009. Disponível em < http://www.rts.org.br/artigos/artigos_-_2009/territorios-redes-e-desenvolvimento> Acesso em 10 de nov. 2012 PRETTO, Nelson; PINTO, Cláudio da C. Tecnologias e novas educações. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 31, p.20-31, jan./abr. 2006 PEREIRA, Potyara A. P. Política Social: temas e questões. São Paulo: Cortez, 2008. RIBEIRO, Ana E. Letramento digital: um tema em gêneros efêmeros. Revista da ABRALIN, Curitiba, v.8, n.1, p. 15-38, jan/jun. 2009 RIBEIRO, Ana E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos do letramento digital e da leitura de jornais. 243 f. 2008. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008 SCHENEIDER, Volker. Redes de políticas públicas e a condução de sociedades Complexas. Rio Grande do Sul. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 5. n. 1, jan/jun. 2005 153 SILVA, Helena; JAMBEIRO, Othon; LIMA, Jussara; BRANDÃO, Marco A. Inclusão digital e educação para a competência informacional: uma questão de ética e cidadania. Ci.Inf., Brasília, v.34, n.1, p.28-36, jan./abr. 2005 SILVA, Roberto C.de C. Literacias digitais: Um framework para avaliação de programas voltados para redução das desigualdades digitais, por meio do ensino das TIC. 2012. 131 f. Dissertação (Mestrado em Informática) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012 SILVA, E. R. A.; ANDRADE, C. C. A política nacional de juventude: avanços e dificuldades. In: CASTRO, J. A.; AQUINO, L. M.; ANDRADE, C. C. (Orgs.). Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília: Ipea, 2009. SOARES, Magda. Letramento em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. SOUZA, R. M. O discurso do protagonismo juvenil. São Paulo: Paulus, 2008 SOUZA, R. M. Protagonismo juvenil: o discurso da juventude sem voz. Rev. Bras. Adolescência e Conflitualidade,v.1, n.1, p.1-28, 2009. STAMATO, Maria I. C. Protagonismo juvenil: uma práxis sócio-histórica de ressignificação da juventude. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – PUC/SP , 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action =&co_obra=120424&co_midia=2>. Acesso em: 19 set. 2011 TELLES, Vera Silva. Sociedade civil e espaços públicos: os caminhos (incertos) da cidadania no Brasil. In: Direitos Sociais: afinal do que se trata?. Belo Horizonte, UFMG, 1999. p. 135-169 TENÓRIO, Fernando. Gestão social: uma perspectiva conceitual. RAP, Rio de Janeiro, v. 32, n. 5, set/out. 1998. TODOS PELA EDUCAÇÃO. Educação no Brasil. De olho nas metas 2012: Resultado e análise dos itens da Prova ABC. 2013. Disponível em <http://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/prova_abc.pdf> Acesso em 06 de jun.2013 TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Editora Atlas, 1987. UNESCO. Programa da UNESCO CNPq/IBICT/UNESCO, 2011. no Brasil 2011-2012. Brasília: Ed. 154 APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA GESTÃO NÚCLEOS PLUG MINAS Esta entrevista tem como objetivo conhecer a história de constituição de cada núcleo, identificar as concepções que orientam o projeto e como são organizadas as atividades desenvolvidas junto aos alunos. BLOCO 1 – O PROJETO 1- Como surgiu a ideia do projeto do núcleo? Quem participou inicialmente da construção? Houve participação do público-alvo na construção do projeto em algum momento? Como? 2- Como se chegou à parceria OI/PUC Minas – PLUG Minas? 3- O público alvo do Plug já está definido (jovens de 14 a 24 anos alunos do Ensino Médio em escolas públicas). Diante da demanda de inscrições, quais são os critérios do núcleo para classificar/selecionar os participantes das atividades que desenvolve? BLOCO 2 – CONCEPÇÕES E METODOLOGIAS 1- Qual a concepção de ensino-aprendizagem adotada no projeto? Como está prevista a dinâmica de interação entre o professor e o aluno nesse processo? 2- Qual o perfil desejável de um professor para o núcleo? Que tipo de formação esse professor recebe no projeto? Quem é responsável por essa formação? Qual a sua periodicidade? 3- Qual a concepção de protagonismo social do projeto? Essa concepção interfere 155 na relação ensino-aprendizagem? De que maneira? Cite exemplos de intervenções realizadas para estimular o protagonismo dos alunos. 4- Qual a concepção de inclusão digital do projeto do núcleo? Como os monitores são orientados a lidar com as questões referentes à competência informacional dos alunos? Estão previstas ações de intervenção do professor em relação ao aluno nesse sentido? Se sim, cite exemplos dessas intervenções. BLOCO 3 – QUANTO À ORGANIZAÇÃO DAS ATIVIDADES 1-Quais são os principais conteúdos das atividades no núcleo? Como este conteúdo está organizado (blocos, semestres, bimestres)? Quem participa dessa organização? Em algum momento os professores participam dessa construção? De que maneira? E os alunos? De que maneira/ 2-Como os professores se dividem para o trabalho com estes conteúdos? Quantos professores são? Há tempo previsto para que os professores façam o planejamento das atividades? Os professores se encontram em algum momento para trocar ideias sobre o planejamento das atividades? 3-Quantas turmas são? Como são divididas as turmas? Quantas turmas cada professor atende? Ele desenvolve atividades semanais em todas as turmas que atende? 4-As turmas interagem umas com as outras? Se sim, em quais momentos isso ocorre? BLOCO 4 – QUANTO AO PROCESSO AVALIATIVO 1-Qual a concepção de avaliação que direciona o projeto do núcleo? O processo de avaliação é periódico? Como é realizada essa avaliação? A auto-avaliação dos alunos é um instrumento de avaliação? 2-As metodologias e práticas adotadas também são consideradas nessa avaliação? E o desempenho do professor? 3-Quais as condições para que o aluno conclua o curso? DADOS PESSOAIS DO (A) ENTREVISTADO: NOME:_____________________________________________________________ INSTITUIÇÃO: _______________________________________________________ 156 FUNÇÃO NO PROJETO: _______________________________________________ TEMPO DE ATUAÇÃO NO PROJETO: ____________________________________ APÊNDICE B - ROTEIRO PARA GRUPO FOCAL Este instrumento tem por objetivo verificar os conhecimentos dos educadores em relação à literacia digital/informacional e sua relação com as práticas pedagógicas que adotam. Critérios para a seleção dos participantes: Atuar como docente no núcleo pesquisado; Tempo de atuação no núcleo (50% com maior tempo e 50% com menor tempo) Duração da dinâmica: 60 minutos (será realizada gravação em áudio) Participantes: 12 educadores 1 mediador (a pesquisadora) 1 observador Questões e subquestões a serem debatidas: 1- A inclusão digital é uma maneira de conceder cidadania a membros de uma comunidade que por algum motivo foram destituídos desse status. A maneira como ocorrerá essa inclusão pode variar de sociedade para sociedade de acordo com sua trajetória histórica ou mesmo a forma de apropriação das tecnologias pelos indivíduos. Conceito de inclusão digital Inclusão digital no Brasil Orientação da pesquisadora 2- (NOME DO NÚCLEO) = INCLUSÃO DIGITAL ou (NOME DO NÚCLEO) ≠ INCLUSÃO DIGITAL 3- O volume de informações que podem ser obtidas através da conectividade aumenta a 157 cada dia. Cabe ao usuário saber lidar com isso. Problemas ocasionados por esse volume Benefícios Orientação para a pesquisadora Condições para o bom uso 4- As práticas do professor podem interferir na maneira como os alunos manuseiam as informações obtidas através da conectividade. Tipos de práticas Exemplos dessas práticas no núcleo. Orientação para a pesquisadora Exemplos dessas práticas no seu trabalho APÊNDICE C - ROTEIRO PARA OBSERVAÇÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS O objetivo deste instrumento é identificar quais são as práticas pedagógicas adotadas pelos educadores no desenvolvimento das atividades realizadas junto aos participantes no Programa. Tempo de observação: em média 16 horas em cada núcleo. Fatores a serem observados: 123456789- Atividades realizadas; Metodologia; Postura docente; Relacionamento com os alunos; Forma de condução do processo ensino-aprendizagem; Estabelece relação entre o conteúdo e a realidade do aluno; Relacionamento entre professores; Estímulos a àrticipação e à autonomia; Demonstra preocupação com o uso da informação em ambientes virtuais ou não. Núcleo: __________________________________ Data: ___/__________/______ 158 Professor: ________________________________ Duração: ________________ APÊNDICE D – Produto Final Diretrizes para Formulação e Implementação de ações com foco na Educação Digital Este produto é fruto do estudo “Práticas pedagógicas na sociedade da informação: potencialidades e limites na formação de indivíduos i-protagonistas” e tem como objetivo amparar teoricamente a reflexão e a construção de ações de processos educacionais na área da inserção na cultura das TIC. A construção de uma Sociedade da Informação é fator condicionante para o alcance de melhores resultados no desenvolvimento econômico e social de uma nação. A esta tarefa associam-se ao menos duas questões político-sociais contemporâneas: a convocação da participação dos indivíduos nos processos político decisórios e o avanço das TIC nas últimas décadas posicionando-a em primeiro lugar do ranking de canais de circulação de informações, por seu potencial de velocidade para o trânsito dessas informações e de armazenamento em grande volume. Em relação a estas duas questões, elas exigem dos indivíduos constituintes da 159 construção dessa Sociedade da Informação algumas habilidades que estão relacionadas tanto à sua formação política e social quanto à sua capacidade de uso das TIC e das possibilidades que esse recurso possibilita. Ao conjunto dessas habilidades denomina-se o i-protagonismo10 que supõe a capacidade do sujeito de reflexão e busca de soluções para problemas do seu cotidiano, identificando potencialidades e possibilidades, e mobilizando-se para intervir de forma crítica sobre a realidade buscando a sua transformação, lançando mão dos recursos tecnológicos e dos ambientes virtuais, com a finalidade de exercer a sua cidadania, de forma cada vez mais autônoma e comprometida, seja com o autodesenvolvimento ou com a transformação social. Como critérios mínimos para o exercício do i-protagonismo aponta-se uma formação que estimule a autonomia e a participação na gestão democrática de ambientes pelos quais o indivíduo trafega ao longo da vida como, por exemplo, os educativos, e que proporcione o desenvolvimento da literacia digital/informacional11 nestes indivíduos, ou seja, o domínio para lidar com a informação nos diferentes formatos em que esta se apresenta, sendo capaz de localizar, selecionar, organizar, compartilhar e se apropriar adequadamente da aprendizagem adquirida, fazendo uso dos diferentes ambientes digitais que imperam como instrumentos de privilégio na sociedade contemporânea. Esse processo de formação deveria ocorrer naturalmente nos espaços formais de educação, porém os resultados apontados pelas pesquisas no campo apontam as dificuldades da escola de ensino regular para garantir até a efetiva aprendizagem 10 Souza (2008), Dowbor (2006), Costa (1999) e Ferreti et al (2004) norteiam a construção do conceito de i-protagonismo a partir da visão que trazem sobre protagonismo social. A abordagem de Freire (1979) e de Stamato (2008) contribuem para essa discussão no sentido que apontam características fundamentais a um indivíduo que se encontra nesse processo. Coutinho (1997) auxilia a situar esse indivíduo no contexto político contemporâneo 11 A formulação deste conceito baseou-se nos estudos de Soares (2004), Ribeiro (2008; 2009), Ferreira e Dudziak (2004) e Eshet (2002; 2004, apud Silva, 2012). 160 das habilidades básicas como a leitura e a escrita. (UNESCO, 2011) Considerando que a urgência em atender as demandas para a construção da Sociedade da Informação e a detectada dificuldade da escola em acompanhar os avanços tecnológicos introduzindo-os no seu cotidiano, outras ações vem sendo disseminadas especialmente no sentido de possibilitar o acesso das pessoas aos equipamentos tecnológicos e à internet. (BRASIL, 2013) Apesar de serem em grande número, essas iniciativas ainda são insuficientes para enfrentar a diversidade e a desigualdade que contribuem para o quadro ainda ampliado de excluídos digitalmente neste país. Além disso, o objetivo dessas ações ainda está limitado ao acesso a computadores e internet e não contemplam as habilidades necessárias ao desenvolvimento da literacia digital/informacional. Esse instrumento pretende reforçar a necessidade de reflexão e, se necessário, redirecionamento das ações que visam incluir digitalmente, ou que estejam de alguma forma relacionadas à cultura digital, a fim de que estas alcancem os devidos fins aos quais se propõe e obtenham sucesso no sentido de dar respostas às demandas que se apresentam, que não são estáticas, mas se modificam de acordo com o ritmo que as sociedades caminham e criam novos bens sociais. Diante do cenário apresentado, com base nos resultados do estudo já citado, e visando melhor aproveitamento dos investimentos em iniciativas no campo da educação para a cultura digital em resposta às demandas sociais emergentes propõem-se algumas diretrizes para orientar a formulação e implementação de ações com foco na educação digital. Essas diretrizes estão propostas em três eixos a saber: Gestão, Formulação de Concepções e Atuação Docente. Eixo 1 - Gestão A respeito da Gestão em ações que contemplem em seus objetivos a inclusão digital 161 na perspectiva da formação dos indivíduos para o uso e domínio das TIC e das possibilidades que estas oferecem para acesso às informações relevantes socialmente, as diretrizes neste eixo são definidas a partir de dois aspectos: o político, que compõe a Gestão do Programa, Projeto ou Ação, e o da Gestão Institucional, que refere-se ao espaço em que ocorre a ação propriamente dita. Gestão do Programa, Projeto ou Ação Diretriz 1 – Rede de Parcerias: definição de capacidades e responsabilidades A formulação e implementação de ações que respondam às demandas sociais, mesmo as que integram políticas públicas, tem cada vez mais acolhido um maior número de atores sociais. À relação que ocorre entre governo, associações e instituições privadas, quando estes participam deste processo, Scheneider (2005) denomina rede de políticas públicas. De acordo com Scheneider (2005, p.40) “nessas relações horizontais de produção de políticas públicas participam todos aqueles atores que influenciam de maneira direta ou indireta o desenvolvimento de uma política”. A rede de políticas públicas deriva da teoria da governança, na sua versão mais atual, na qual “a produção do esforço de condução não precisa estar concentrada em nenhum sujeito de condução, por exemplo, sobre o Estado ou uma direção de uma organização” sendo aceitas outras formas de gestão – descentralizadas ou policentradas. As mudanças sociais contemporâneas, uma tendência específica da própria dinâmica do desenvolvimento teórico das ciências sociais e a chegada das novas tecnologias do conhecimento foram decisivos para o surgimento desse tipo de rede. (SCHENEIDER, 2005, p.49) Reconhecer que este movimento democrático que tem emergido no seio da sociedade é um processo lícito, fruto de lutas sociais que atravessaram décadas, é 162 inevitável. Por outro lado, não se pode desconsiderar o fato de que, como um processo que se encontra na fase embrionária é necessário criar condições para que ele ocorra de maneira segura e gradativa. Isso requer refletir sobre as capacidades dos diferentes atores envolvidos no processo, delimitar claramente as responsabilidades de cada um, estabelecer uma agenda com momentos para a disseminação de informações quanto aos fatores geradores e objetivos da proposta, e prever espaços formativos e de avaliação e revisão do percurso. A falta de previsão dessas etapas no processo de implementação gestão de políticas públicas e a desresponsabilização estatal tendem a gestar um processo democrático perverso, que invariavelmente ocasionará o desperdício de recursos humanos e financeiros e de prolongamento do tempo para dar respostas às demandas emergentes. Gestão Institucional Diretriz 2 – Gestão Institucional Compartilhada: Processo Formativo para o exercício democrático A Gestão Institucional diz respeito ao gerenciamento dos ambientes/espaços em que ocorrem as ações propriamente ditas. Esta gestão deve estar alinhada à proposta do Programa, Projeto ou Ação e por este motivo é importante que o gestor institucional participe do processo de construção do mesmo. Um modelo de gestão que ainda impera em ambientes educativos nos dias de hoje, segundo Lück (2011, p.35-36), e que precisa ser superado, é o “centrado na figura do diretor” e está “baseado no paradigma positivista que concebe o governo distinto da sociedade” visão que atribui ao diretor a responsabilidade “pela escola e pelos seus processos”. Neste modelo o diretor predomina como figura de poder, que zela pela uniformidade do sistema de ensino, “reforçando padrões de formas de desempenho que desconsideram a necessidade de criatividade, iniciativa e 163 discernimento em relação a dinâmicas interpessoais e sociais, envolvidos na realização do processo educacional”. A gestão neste modelo produz “hierarquização e verticalização na condução dos sistemas de ensino e das escolas; desconsideração aos processos sociais neles vigentes; burocratização dos processos; fragmentação de ações e sua individualização; desresponsabilização de pessoas em qualquer nível de ação”. (LÜCK, 2011, p. 37) De acordo com Carbonell (2002, p.27) uma das consequências negativas desse processo é “a divisão técnica e social do trabalho entre as pessoas que pensam e planejam e as que se limitam a receber instruções e executá-las mecânica e passivamente”. A redução do poder e autonomia dos professores inibe as possibilidades de inovação no ambiente educativo. Ao cultivar um clima de participação dando voz aos indivíduos que estão inseridos direta ou indiretamente nos ambientes educacionais o produto será uma construção que mais se aproxima da realidade que atenderá às necessidades e anseios dessas pessoas, consequentemente também terão mais chances de responder às demandas da comunidade ao entorno. A distância entre o currículo e o conhecimento realmente significativo para os indivíduos que estão envolvidos no processo tende a ser estreitada quando estes têm a oportunidade de participar das construções. Além disso, essa iniciativa poderá contribuir para romper com algumas tradições culturais que ratificam relações de poder que se pretendem perpetuar na sociedade. A mesma proposta de gestão compartilhada que norteia a Gestão da Ação deve chegar até a instância de desenvolvimento do projeto, concorrendo para que ocorra um processo formativo necessário ao efetivo exercício democrático a começar pelo 164 interior dos próprios muros institucionais. Eixo 2 – Formulação de Concepções que norteiam o Programa, Projeto ou Ação As concepções são o resultado de um processo de criação, uma maneira de enxergar e compreender algo a partir da realidade posta e das experiências pessoais ou de um determinado grupo social. Portanto, elas variam de pessoa para pessoa, ou de instituição para instituição, de acordo com as condições em que foi gestacionada. As concepções que norteiam um Programa, Projeto ou Ação tendem a conduzir a sua execução, os processos e relações que se desenvolvem em seu interior e com o seu exterior e por isso é essencial que, num processo de gestão em parceria como aqui foi mencionado, elas sejam elaboradas a partir da reflexão dos atores sociais que integram o escopo de formulação e implementação deste mesmo Programa, Projeto ou Ação. Diretriz 3 – Formulação de Concepções: Processo dialógico Entende-se que a formulação de concepções que norteiam as ações criadas em resposta a demandas sociais, principalmente as oriundas das políticas públicas, devem ter em vista a superação das realidades postas. Serão ricos contribuintes para este trabalho, além dos parceiros que constituem a rede para formulação e implementação da ação, os representantes estatais, líderes comunitários, gestores escolares, professores universitários, e tantos outros quantos forem possíveis, buscando garantir a vocalização do maior número de indivíduos a fim de que se possa atingir uma visão mais aproximada da que corresponde à expectativa da comunidade. Após formuladas, essas concepções devem ser socializadas, suas definições 165 esclarecidas, iniciando um processo de apropriação que deve envolver toda a comunidade, todos os atores sociais que participarão na execução dos projetos. A reformulação das concepções deve estar prevista na agenda de implementação e gestão de políticas públicas tendo em vista que as sociedades se modificam, bem como mudam os indivíduos que a compõem, seus valores, cultura, e tudo o que a envolve. Eixo 3 – Atuação Docente O trabalho docente, seja em ambiente de educação formal ou não-formal é sempre desafiado, pois esta tarefa envolve diferentes indivíduos que invariavelmente trazem suas subjetividades relacionadas às suas experiências, oportunidades de formação, ambiente de convivência política, entre muitas outras questões. Diretriz 4 – Socialização e apropriação das concepções que norteiam o Programa, Projeto ou Ação com/pela equipe docente As práticas pedagógicas adotadas pelo professor devem ser guiadas pelas concepções que orientam a ação. Diante disso, o professor deve ter conhecimento e se apropriar dessas concepções para o exercício da atividade docente no espaço institucional. Para que esse conhecimento e apropriação se efetivem, deve-se proceder à abertura e garantia de espaços de discussão e formativos, nos quais o professor possa refletir junto aos seus pares, expor suas opiniões e pensamentos, a fim de que repense suas práticas com o objetivo de alinhá-las às concepções vigentes. Diretriz 5 – Reformulação do conceito de Inclusão Digital O conceito de inclusão digital necessita ser reformulado pelo docente que trabalha na execução de ações no campo da cultura digital para o sentido de que apenas o 166 domínio de equipamentos e recursos é insuficiente para lidar com o volume e diversidade de informações que estão disponibilizadas na internet, assunto já abordado no interior do texto desta pesquisa. Partindo da idéia de que a inclusão digital é resultado do conflito no qual se posiciona de um lado a criação das TIC pela sociedade e de outro as persistentes desigualdades econômicas e sociais que percorrem a história dessa mesma sociedade, a inclusão digital pode ser relacionada ao exercício da cidadania no mesmo sentido em que “...inclusão, então, seria a possibilidade de subversão das relações de poder e das formas de opressão que se nutrem e se perpetuam por meio da homogeneização, da padronização, da imposição de necessidades de alguns a todos e do fechamento dos significados das novas tecnologias da comunicação e da informação (doravante, TIC) em função de tais necessidades.” (BUZATO, 2008, p.326) Nesta perspectiva, acredita-se que a inclusão não seria apenas uma forma de condicionamento proposta pelos “produtores” aos indivíduos usuários; mas um campo fértil para o desencadeamento de alternativas de “agentividade” destes indivíduos, rompendo, em alguns momentos, a barreira que lhes impõe o papel de meros “consumidores”. (Buzato, 2008, p.327) Situadas no presente contexto no qual a sociedade contemporânea se insere no qual têm imperado as TIC como instrumento privilegiado para a obtenção de informações que exigem habilidades do indivíduo que as deseja utilizar (que ainda não foram contempladas no currículo escolar do nosso país) as práticas pedagógicas especialmente quando utilizadas em programas sociais de inclusão digital devem ser refletidas e organizadas de modo a favorecer a construção da autonomia dos indivíduos frente a essas tecnologias, o que significa contribuir na construção das aprendizagens necessárias para que essa autonomia ocorra. Acredita-se que os avanços nesse sentido não são apenas pedagógicos, nem têm o 167 seu fim na busca de práticas inovadoras, mas são um passo dado para conferir maior equidade de participação às pessoas no âmbito da Sociedade da Informação. A visão limitada de inclusão digital e do papel da ação quanto à sua importante contribuição no desenvolvimento da literacia digital/informacional dos alunos que atendem limita a qualidade das ações desenvolvidas. Diretriz 6 – Superação de experiências docentes pessoais: caminho para a formação de indivíduos i-protagonistas. Algumas limitações dos docentes são pessoais e estão relacionadas com a necessidade de superação de experiências da sua própria formação, de reconhecimento da sua condição de oprimido e opressor, enfim, de mudança de posição. (FREIRE, 2002) A transição paradigmática que está colocada diante do professor necessita de um esforço do próprio docente no sentido de “superar a situação opressora”. Mas essa tarefa ele não realiza sozinho, mas no exercício da sua atividade profissional, ao que Freire (1987, p.17-18) denomina Pedagogia do Oprimido. Trata-se de uma “pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará”. Assim, quanto mais o professor se distancia da experiência docente vivida na sua formação, mas tomando consciência de que hospedou e hospeda em determinadas circunstâncias o opressor em si (as marcas do que experimentou tendem a querer desabrochar) e vai se entregando a uma práxis libertadora também contribui para a libertação dos seus educandos. A luta é antes por libertar-se tanto da condição de oprimido quanto da de opressor. (FREIRE, 1987) O resultado de todo esse processo aponta uma direção para que a pedagogia 168 contribua para a gestação da Sociedade da Informação que se situa no campo da formação de indivíduos que irão atuar nessa sociedade não como simples aprendedores, mas que terão um olhar crítico sobre a realidade que lhe for apresentada. Alcançar esse resultado exige que as ações educativas adotadas nos trabalhos junto aos educandos potencializem o desenvolvimento de sua autonomia e lhes estimulem a uma atitude reflexiva. Essas habilidades são imprescindíveis a qualquer pessoa que tenha que conviver numa realidade na qual todos os tipos de informações estão disponíveis, provindo do mais variado tipo de fontes e interesses. A prática docente, por exemplo, guiada por atitudes autoritárias, pode inibir a participação na tomada de decisões; enquanto uma postura receptiva estimula o diálogo e as trocas. Segundo Freire (1987) o diálogo crítico e libertador tem que ser realizado com os oprimidos independente do nível da sua libertação. Deve haver um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas condições concretas. O anti-diálogo, a sloganização, a verticalidade e os comunicados são instrumentos de domesticação. Atingir como fim a formação de indivíduos que sejam capazes de olhar criticamente para as informações que lhes são disponibilizadas, como exige a formação de indivíduos i-protagonistas, requer propiciar-lhes um ambiente em que estas habilidades possam ser exercitadas. É necessário oferecer a oportunidade de refletir e discutir assuntos complexos, pensar em soluções para resolver os problemas que se apresentam e isso se faz no cotidiano. Um processo formativo que contemple as demandas sociais e políticas do tempo presente só pode ser efetivado num ambiente educativo composto por práticas pedagógicas inovadoras que conduzam o educando ao exercício cotidiano da autonomia e da participação, que sejam nutridas por um olhar crítico e visão 169 reflexiva sobre cada situação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUZATO, Marcelo El K. Inclusão digital como invenção do quotidiano: um estudo de caso. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.13, n.38, p.325-342, maio/ago.2008. CARBONELL, Jaume. A aventura de inovar: a mudança na escola. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. O Adolescente como Protagonista. Cadernos, juventude, saúde e desenvolvimento, Brasília, v.1, p.75-79, ago.1999 COUTINHO, Carlos Nelson. Notas sobre cidadania e modernidade. Revista Ágora: Políticas Públicas e Serviço Social, Rio de Janeiro, ano 2, n. 3, dez. 2005 DOWBOR, Ladislau. Educação e Desenvolvimento Local. 2006. Disponível em <http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=1&ve d=0CFEQFjAA&url=http%3A%2F%2Fdowbor.org%2F06edulocalb.doc&ei=bLLGT_H LLIro9ATcqJSfBg&usg=AFQjCNH5MNtXgtkEh7_4JwZW_FLH88hESA> Acesso em: 15 fev.2012 FERREIRA, S. M. S. P.; DUDZIAK, E. A. La alfabetización informacional para la ciudadanía en America Latina: el punto de vista del usuario final de programas nacionales de información y/o inclusión digital. In: WORLD LIBRARY AND INFORMATION CONGRESS: IFLA general conference and council, 70., 2004, Buenos Aires, Argentina: Anales... IFLA, 2004. FERRETTI, Celso J., ZIBAS, Dagmar M. L., TARTUCE, Gisela Lobo B. P. Protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do Ensino Médio. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 122, p. 411-423, maio/ago. 2004. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 54p. ______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Ed.Paz e Terra, 1987. 17 ed. 170 LÜCK, Heloísa. Concepções e processos democráticos de gestão educacional. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. RIBEIRO, Ana E. Letramento digital: um tema em gêneros efêmeros. Revista da ABRALIN, Curitiba, v.8, n.1, p. 15-38, jan/jun. 2009 RIBEIRO, Ana E. Navegar lendo, ler navegando: aspectos do letramento digital e da leitura de jornais. 243 f. 2008. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008 SCHENEIDER, Volker. Redes de políticas públicas e a condução de sociedades Complexas. Rio Grande do Sul. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 5. n. 1, jan/jun. 2005 SILVA, Roberto C.de C. Literacias digitais: Um framework para avaliação de programas voltados para redução das desigualdades digitais, por meio do ensino das TIC. 2012. 131 f. Dissertação (Mestrado em Informática) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012 SOARES, Magda. Letramento em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. STAMATO, Maria I. C. Protagonismo juvenil: uma práxis sócio-histórica de ressignificação da juventude. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – PUC/SP , 2008. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?select_action =&co_obra=120424&co_midia=2>. Acesso em: 19 set. 2011 171 ANE XO – PAR ECE R CON SUB STA NCIA DO DO CEP